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FACULDADE PANAMERICANA

O DEUS DESCONHECIDO

Lagoa Santa

2011
ANTÔNIO CARLOS GONÇALVES BENTES

O DEUS DESCONHECIDO

Apresentação de monografia à FACULDADE


PANAMERICANA para a conclusão do Curso de Pós
Graduação em Ciência da Religião. Apresentada pelo
aluno: Antônio Carlos Gonçalves Bentes.

Lagoa Santa

2011
DEDICATÓRIA

Dedicamos este trabalho a Deus, nosso Criador, que é a razão de termos nos
empenhado nos estudos das Sagradas Escrituras, para que de algum modo possamos servi-lo
melhor, ajudando com tudo que temos a melhorar a vida das pessoas neste mundo.

Dedicamos os resultados deste trabalho à minha esposa, aos meus filhos e a minha
neta Eliza que têm sido motivo de alegria em todos os dias da minha vida.

Dedicamos este estudo aos alunos dos seminários: SEBEMBGE, UNITHEO,


HOSANA, KOINONIA e Escola Bíblica Pentecostal do Brasil onde teologizamos e
filosofamos sobre Deus.

Dedicamos este opúsculo ao amigo Bispo José Moreno, cuja companhia nos incentiva
a correr atrás do conhecimento.
AGRADECIMENTOS

A Deus, que na sua soberania e Graça nos permitiu tal realização.


A minha amada e querida esposa, Rute, que tem sido minha companheira na busca do
Deus Invisível.
Ao amigo Sharles Cruz que nos incentivou a fazer esta Pós-Graduação.

Antônio Carlos Gonçalves Bentes


EPÍGRAFE

“Só Deus pode falar sobre Deus” (Karl Barth).


“Tudo fez formoso em seu tempo; também pôs na mente do homem a ideia da eternidade, se
bem que este não possa descobrir a obra que Deus fez desde o princípio até o fim”
(Eclesiastes 3.11).
RESUMO

Para um estudo da Divindade entramos em solo sagrado. Usamos a linguagem


antropomórfica, pois não é possível falar de Deus na linguagem divina.
Para entendermos a Divindade nos humilhamos a fim de receber a revelação que ele
próprio nos deu. Revelação esta que é tríplice:
1. A REVELAÇÃO NATURAL: Sl 19.1,2; At 14.17; Rm 1.19,20. Estudando a
natureza encontramos indícios sobre a natureza de Deus.
2. A REVELAÇÃO VERBAL: 2 Rs 17.13; Sl 103.7. “Nós estudamos teologia de
várias maneiras. A primeira é estudando a Bíblia. Historicamente a Bíblia foi recebida pela
igreja como um depósito ou armazém normativo de revelação divina”.
3. A REVELAÇÃO PESSOAL: Jo 1.18; Hb 1.1,2. A encarnação do Verbo é a
revelação suprema de Deus. “Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio
do Pai, esse o deu a conhecer” (Jo 1.18). “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e
de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho, a
quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por quem fez também o mundo” (Hb 1.1,2).
Falamos um pouco do conceito de Deus nas diversas culturas.
Entramos nos conceitos filosóficos e teológicos do Theos e do Logos.
Mergulhamos na encarnação do Logos e na Triunidade do Theos.

Palavras chaves: Deus, Existência, Ser, hipóstase.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

1. DEUS 9

2. OS NOMES DE DEUS 29

3. DEUS NAS RELIGIÕES 33

4. A PESSOALIDADE DE DEUS 49

5. O LOGOS DE DEUS 55

6. A ENCARNAÇÃO DO LOGOS 57

7. O TRINO DEUS 61

CONCLUSÃO 66

BIBLIOGRAFIA 68
INTRODUÇÃO

O primeiro presidente dos Estados Unidos, George Washington, afirmava que “a


religião é tão necessária à razão como a razão é necessária à religião, uma não podendo existir
sem a outra”.
Segundo a teologia, a fé, como resposta intelectual afirmativa à revelação, é também
um instrumento de conhecimento da verdade, revelada pelo espírito, e não pela razão (1
Coríntios 2).
A teologia representa a fé como razão perfeita, plena, completa e consumada, uma
racionalidade culminante e suprema, particularíssima e transracional, situando-se acima da
razão humana.
“Ken Wilber (1998), um dos modernos cientistas que têm procurado integrar ciência e
religião, menciona que os antigos místicos da religião afirmavam que todo ser humano possui
três tipos básicos de conhecimento: o olho da carne, o olho da mente e o olho de
contemplação – o olho da carne seria o empirismo da ciência; o da mente, o conhecimento
racional e lógico; e o da contemplação, o olho da gnose ou do conhecimento espiritual”. 1
“O que se pode dizer e pensar não é a Realidade Absoluta, que é indizível e
impensável. Através dos óculos da nossa finitude humana enxergamos a infinitude Divina
visualizando-a assim como nós somos, mas não assim como ela é” (Huberto Rohden).
O Ser e o Existir, a Essência e a Existência, o Uno e o Verso (Verbo), constituem o
Universo, a Unidade do Real na Diversidade dos Realizados, que é a Realidade Total. 2
“Há duas maneiras de se conhecer a Deus. Em primeiro lugar, o caminho da teologia
positiva ou afirmativa. Todos os nomes, à medida que são positivos, devem ser atribuídos a
Deus, posto que ele é o fundamento de todas as coisas. Assim, Deus pode ser designado por
todas as coisas; todas as coisas o indicam. Deus deve ser nomeado com todos os nomes. Em
segundo lugar, contudo, temos a via da teologia negativa na qual ele não pode ser designado
por nome algum, seja qual for o nome”.3
“Deus acima de Deus que é o fundamento verdadeiro de tudo o que existe, e que se
situa acima de qualquer nome especial que lhe possamos dar, mesmo que seja o nome do mais
alto ser”.4

1
MARINO, Raul Júnior. A religião do Cérebro. São Paulo: Editora Gente, 2005, p. 16.
2
ROHDEN, Huberto. TAO TE KING. São Paulo: Editora Alvorada, 1982, p. 24.
3
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. 3ª Edição. São Paulo: Editora ASTE, 2004, p. 106.
4
Op. Cit. TILLICH, Paul, p. 107.
1. DEUS

1.1. A EXISTÊNCIA DE DEUS


Em nenhum lugar das Escrituras há a preocupação de provar a existência de Deus.
Reconhecem-na como fato auto-evidente, como uma crença natural do homem.
“Aos homens que em seus corações afirmam não haver Deus, a Bíblia se refere como
‘tolos’, ‘ímpios que expulsaram Deus de seus pensamentos e de suas vidas’. São esses os
‘ateus praticantes’, que existem, falam e procedem como se Deus não existisse. Certos de que
‘não há Deus’ ou de que ‘Deus está morto’ (Nietzsche), comportam-se de modo abominável,
corrompendo a si mesmos e aos demais. Olvidam-se de que, há milênios, Deus deu
mandamentos e preceitos aos homens, e Moisés e os profetas afirmam tê-lo conhecido”.5
“Os que negam a existência de Deus abalam os mais sublimes, profundos e nobres
impulsos da alma humana. Como disse Pascal, ‘o ateísmo é uma enfermidade’. Curável,
dizemos nós, em termos da ciência hodierna”.6
Ao longo da história da humanidade a ideia ou compreensão de Deus assumiu várias
concepções em todas sociedades e grupos já existentes, desde as primitivas formas pré-
clássicas das crenças provenientes das tribos da Antiguidade até os dogmas das modernas
religiões da civilização atual.
Deus muitas vezes é expresso como o Criador e Senhor do universo. Teólogos têm
relacionado uma variedade de atributos para concepções de Deus muito diferentes. Os mais
comuns entre essas incluem onisciência, onipotência, onipresença, benevolência (bondade
perfeita), simplicidade divina, zelo, sobrenatural, eternidade e de existência necessária.
Deus também tem sido compreendido como sendo incorpóreo, um ser com
personalidade divina, a fonte de toda a obrigação moral, e o “maior existente”.
Estes atributos foram todos suportados em diferentes graus anteriormente pelos filósofos
teológicos judeus, cristãos e muçulmanos, incluindo Rambam, Agostinho de Hipona e Al-
Ghazali, respectivamente. Muitos filósofos medievais notáveis desenvolveram argumentos
para a existência de Deus, tencionando combater as aparentes contradições implicadas por
muitos destes atributos. 7
Tanto a forma capitalizada do termo Deus, quanto seu diminutivo, que vem a
simbolizar divindades, deidades em geral, tem origem no termo latino para Deus, divindade

5
MARINO, Raul Júnior. A religião do Cérebro. São Paulo: Editora Gente, 2005, p. 137.
6
MARINO, Raul Júnior. Op. Cit., p. 139.
7
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus.
ou deidade. Português é a única língua românica neolatina que manteve o termo em sua forma
nominativa original com o final do substantivo em “us”, diferentemente do espanhol dios,
francês dieu, italiano dio e do romeno, língua que distingue Dumnezeu, criador monoteísta e
zeu, ser idolatrado.
O latim Deus e divus, assim como o grego διϝος = “divino” descendem do Proto-Indo-
Europeu*deiwos = “divino”, mesma raiz que Dyēus, a divindade principal do panteão indo-
europeu, igualmente cognato do grego Ζευς (Zeus). Na era clássica do latim o vocábulo era
uma referência generalizante a qualquer figura endeusada e adorada pelos pagãos e
atualmente no mundo cristão é usada hodiernamente em frases e slogans religiosos, como por
exemplo, Deus sit vobiscum, variação de Dominus sit vobiscum, “o Senhor esteja
convosco”,o hino litúrgico católico Te Deum, proveniente de Te Deum Laudamus, “A Vós, ó
Deus, louvamos”e a expressão que advém da tragédi grega Deus ex machina. Virgílio com
Dabit deus his quoque finem, “Deus trará um fim à isto”. O grito de guerra utilizado no
Império Romano Tardio e no Império Bizantino, nobiscum deus, “Deus está conosco”, assim
como o grito das cruzadas Deus vult, “assim quer Deus”, “esta é a vontade de Deus”.
Em latim existiam as expressões interjectivas “O Deus meus” e “Mi Deus”,
correspondentes ao português (Oh) meu Deus!, (Ah) meu Deus!, Deus meu!.
Dei é uma forma flexionada ou declinada de Deus, usada em expressões utilizadas pelo
Vaticano, como as organizações católicas apostólicas romanas Opus Dei (Obra de Deus,
sendo obra oriunda de opera), Agnus Dei (Cordeiro de Deus) e Dei Gratia (Pela Graça de
Deus). Geralmente trata-se do caso genitivo (“de Deus”), mas é também a forma plural
primária adicionada à variante di. Existe o outro plural, dii, e a forma feminina deae
(“deusas”).
A palavra Deus, através da forma declinada Dei, é a raiz de deísmo, panteísmo,
panenteísmo, e politeísmo, ironicamente tratam-se todas de teorias na qual qualquer figura
divina é ausente na intervenção da vida humana. Essa circunstância curiosa originou-se do
uso de “deísmo” nos séculos XVII e XVIII como forma contrastante do prevalecente
“teísmo”. Deísmo é a crença em um Deus providente e interferente.
Seguidores dessas teorias e ocasionalmente, seguidores do panteísmo, podem vir a usar
em variadas línguas, especialmente no inglês o termo “Deus” ou a expressão “o Deus” (the
God), para deixar claro de que a entidade discutida não trata-se de um Deus teísta. Arthur C.
Clarke usou-o em seu romance futurista, 3001: The Final Odyssey. Nele, o termo “Deus”
substituiu “God” no longínquo século XXXI, pois “God” veio a ser associado com fanatismo
religioso. A visão religiosa que prevalece em seu mundo fictício é o Deísmo.
São Jerônimo traduziu a palavra hebraica Elohim (‫)אֱלוֹהִ ים‬, para o latim como Deus.
A palavra pode assumir conotações negativas em algumas utilizações. Na filosofia
cartesiana, a expressão Deus deceptor é usada para discutir a possibilidade de um “Deus
malévolo” que procura iludir-nos. Esse personagem tem relação com um argumento cético
que questiona até onde um demônio ou espírito mau teria êxito na tentativa de impedir ou
subverter o nosso conhecimento.
Outra é deus otiosus (“Deus ocioso”), um conceito teológico para descrever a crença
num Deus criador que se distancia do mundo e não se envolve em seu funcionamento diário.
Um conceito similar é deus absconditus (“Deus absconso ou escondido”) de São Tomás de
Aquino. Ambas referem-se a uma divindade cuja existência não é prontamente reconhecida
nem através de contemplação ou exame ocular de ações divinas in loco. O conceito de deus
otiosus frequentemente sugere um Deus que extenuou-se da ingerência que tinha neste mundo
e que foi substituído por deuses mais jovens e ativos que efetivamente se envolvem, enquanto
deus absconditus sugere um Deus que conscientemente abandonou este mundo para ocultar-se
alhures.
A forma mais antiga de escrita da palavra germânica Deus vem do Cordex Argenteus
cristão do século VI. A própria palavra inglesa é derivada da Proto-Germânica “ǥuđan”. A
maioria dos lingüistas concordam que a forma reconstruída da Proto-Indo-Européia (ǵhu-tó-
m) foi baseada na raiz (ǵhau(ə)-), que significa também “chamar” ou “invocar”.
A forma capitalizada Deus foi primeiramente usada na tradução gótica Wulfila do
Novo Testamento, para representar o grego “Theos”. Na língua inglesa, a capitalização
continua a representar uma distinção entre um “Deus” monoteísta e “deuses” no politeísmo.
Apesar das diferenças significativas entre religiões como o Cristianismo, Islamismo,
Hinduísmo, a Fé Bahái e o Judaísmo, o termo “Deus” permanece como uma tradução inglesa
comum a todas. O nome pode significar deidades monoteísticas relacionadas ou similares,
como no monoteísmo primitivo de Akhenaton e Zoroastrismo.
“O ateísmo é uma enfermidade que afeta a sociedade e o homem, pois destrói o único
fundamento da moral, um Deus pessoal – que coloca sobre o homem a responsabilidade de
guardar suas leis. Se não há Deus, então não pode haver lei divina nem moral e todas as leis
passarão a ser feitas - e imperfeitas – pelo homem, que procura arrancar de seu coração o
anelo pelas coisas do espírito, sua fome e sede de justiça e do eterno”.8
Um antigo reitor da Universidade de Yale, Charles Brown, afirmava:

8
MARINO, Raul Júnior. A religião do Cérebro. São Paulo: Editora Gente, 2005, p. 140.
Há três coisas em que nunca pude acreditar:
1) que Deus criasse um mundo como o nosso e depois lhe desse as costas;
2) que Ele criasse o homem e depois o desertasse na sepultura;
3) que Ele plantasse o desejo da imortalidade no coração humano e falhasse em fazer
as adequadas provisões para sua realização. 9

“Até o começo do século XIX era quase geral a prática de começar o estudo da dogmática
com a doutrina de Deus, mas ocorreu uma mudança sob a influência de Scheleiermacher que
procurou salvaguardar o caráter científico da teologia com a introdução de um novo método. A
consciência religiosa do homem substituiu a palavra de Deus como a fonte da teologia. A fé na
Escritura como autorizada revelação de Deus foi desacreditada e a compreensão humana baseada
na apreensão emocional ou racional do homem, veio a ser o padrão do pensamento religioso. A
religião gradativamente tomou lugar de Deus como objeto da teologia. O homem deixou de ser
ou de reconhecer o conhecimento de Deus como algo que lhe foi dado na Escritura e começou a
orgulhar-se de ter a Deus como seu objeto de pesquisa”. 10
“Conseqüência natural deste sistema teológico: Deus é criado segundo a imagem e
semelhança do homem”.11
“Doutrina” é a revelação da verdade como se encontra nas Escrituras; ‘dogma’ 12 é a
afirmação dos homens acerca da verdade quando apresentada num credo. Que maior objeto de
pensamento existe senão o estudo da existência de Deus?”.
“Deus é Espírito Pessoal, perfeitamente bom, que, em santo amor, cria, sustenta e
dirige tudo”.

“Deus é Espírito, infinito, eterno e imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade,
justiça, bondade e verdade” (Definição do Breve Catecismo).

“Se existe ou não uma suprema inteligência pessoal, infinita e eterna, onipotente,
onisciente e onipresente, o Criador, Sustentador e Governante do universo, imanente em tudo
ainda que transcendente a tudo, gracioso e misericordioso, o Pai e Remidor da humanidade, é
sem dúvida o mais profundo problema que possa agitar a mente humana. Jazendo à base de

9
Ibidem.
10
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 2ª ed. Campinas: Luz Para o Caminho, 1992, p. 11,12.
11
http://textoscalvinistasteontologia.blogspot.com.
12
Dogma. Vem do vocábulo grego doken que significa “pensar, imaginar ou ter uma opinião”. Dogma. Ponto ou
princípio de fé definido pela Igreja. 2. Fundamento de qualquer sistema ou doutrina. 3. O conjunto das doutrinas
fundamentais do cristianismo
todas as crenças religiosas do homem, está ligado não apenas à felicidade temporal e eterna
do homem, mas também ao bem-estar e progresso da raça.” (Whitelaw).

“O Deus Uno nos é conhecido não especulativamente, mas existencialmente. ‘Sem


Deus não se pode conhecer a Deus’. Deus jamais é objeto. Em todo conhecimento é ele que
conhece em nós e por nosso meio. Somente ele se conhece a si mesmo. Nós apenas podemos
participar nesse conhecimento de Deus. Mas ele não é um objeto que possamos conhecer a
partir do exterior. Não se pode conhecer Deus em sua grandeza, em seu caráter absoluto e
incondicional. Ele só é conhecido no amor que vem a nós. Portanto, para se conhecer Deus é
preciso estar dentro de Deus; participar nele”.13

“O conhecimento de Deus não está posto em fria especulação, mas lhe traz consigo o
culto” (João Calvino).

1.2. IDÉIAS INATAS SOBRE A EXISTÊNCIA DE DEUS 14


A ideia da Divindade é praticamente uma crença de toda a raça humana no seu estado
natural. Todos os seres humanos que vêm ao mundo nascem com a ideia de um Ser superior,
mesmo que não saibam formular corretamente conceitos sobre ele. Há certas coisas sobre a
Divindade implantadas nas almas dos homens que são comuns a todas as raças, por mais
distantes e isoladas que estejam umas das outras e daquilo que chamamos de “civilização
cristã”, ou “mundo ocidental”. Quando Deus criou o homem, este ficou com a imagem de
Deus estampada em si. Até mesmo a queda no Éden não destruiu completamente as coisas
que Deus colocou no coração dos seres humanos, pois as suas leis básicas estão implantadas
dentro deles, e serão julgados por eles, segundo o ensinamento das Sagradas Escrituras (ver
Romanos 2.11-16).

A perspectiva da existência de Deus pode ser ilustrada pela referência à criação do


homem segundo a Bíblia (Gn 2.7,8). Esses dois versos nos dizem algo muito importante a
respeito da experiência humana com Deus. O primeiro homem, Adão, teve uma consciência
absolutamente clara da existência de Deus, porque este se revelou propositalmente, isto é, em
palavras, conversando com ele no lugar onde fora criado e colocado. Desde o começo de sua
existência, Adão possuía uma consciência de Deus. Esta era inescapável em Adão, por causa
da sua natureza. Ele não podia fugir da presença de Deus nem relacionar-se no Éden sem a
forte noção da presença divina.

13
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. 3ª Edição. São Paulo: Editora ASTE, 2004, p. 61.
14
CAMPOS, Heber Carlos. O SER DE DEUS e os seus atributos. Editora Cultura Cristã, 1999, p. 28-33.
Há na memória coletiva uma lembrança da visitação de Deus no Éden, pois todos os
dias às 18:00 horas, as rádios tocam o Pai-Nosso ou Ave-Maria. Era nesse horário que Deus
visitava o primeiro casal.

Mesmo depois da queda, a ideia da consciência de Deus não desapareceu do ser


humano. Com a queda houve a quebra do relacionamento espiritual. O homem ficou separado
de Deus, morto espiritualmente, mas a consciência divina permaneceu dentro dele. Na criação
o homem estava on-line, após a queda ficou of-line. Quando entramos em contato com
alguém via internet, a pessoa pode existir, todavia não conseguiremos falar com ele se ela
estiver of-line. Mesmo no estado de pós-queda, of line, o homem retém características da
consciência divina.

O grande reformador, Calvino, usa duas expressões elucidativas a respeito da ideia de


Deus que até os pagãos possuem. Ele atribui essas idéias inatas a duas coisas naturais no
homem, coisas que a Queda não destruiu porque Deus as plantou de forma indelével no
coração humano: semen religionis e sensus divinitatis.

Semen Religionis 15

A semente da religião foi implantada no coração do homem quando Deus o criou.


Nenhum homem é ateu por natureza. Nenhum homem vem ao mundo sem essa semente da
religião. Calvino disse que “como a experiência mostra, Deus plantou uma semente de
religião em todos os homens”. 16

Todos têm uma religião natural como resultado da ideia inata de Deus. Mas essa
religião não é suficiente para as necessidades do homem no estado de pecado em que se
encontra (of-line). Nesse tipo de religião o homem tem medo, porque conhece somente a
justiça de Deus. Ele não tem noção alguma de sua misericórdia. Daí a ideia de oferecer
sacrifícios, em todas as religiões de povos primitivos, para aplacar a ira dos deuses. A religião
natural inspira medo, não esperança e confiança.

15
Essa expressão é usada por Calvino em vários lugares de seus escritos. Em seu comentário de 1 Jo 1.5,
Calvino afirma: “Há duas partes principais da luz que ainda permanecem na natureza corrupta: primeiramente, a
semente da religião que é plantada em todos os homens; em segundo lugar, a distinção entre o bem e o mal, que
está gravada nas suas consciências”.
16
Institutas, 1.4. 1.
Sensus Divinitatis 17

A semente da religião existe porque o ser humano nasce com o senso que existe um
Ser divino por detrás de tudo o que ele vê e sente. A ideia de Deus está plantada na alma
humana, mesmo que, por causa da perversão do coração humano, não haja um relacionamento
de harmonia com o Deus verdadeiro.

Calvino disse que essa “consciência de divindade” foi implantada por Deus em todos
os homens “para evitar que alguém se refugie numa pretensa ignorância”.18 Ele continua: “Os
homens de juízo sadio sempre estarão certos de que o senso de divindade, que jamais pode ser
apagado, está gravado nas mentes dos homens”. 19 Concluindo sua ideia sobre o sensus
divinitatis, Calvino diz:

Portanto, visto que desde o começo do mundo não tem havido nenhuma região, nenhuma
cidade, em resumo, nenhuma família que pudesse viver sem religião, nisto descansa a tácita
confissão de que o sensus divinitatis está inscrito nos corações de todos os homens. 20

O texto de Atos 17, no episódio do Areópago de Atenas, mostra que todos os homens,
sem terem a luz da revelação especial, possuem o senso de que há um Ser maior do que eles,
ao qual adoram, mesmo que essa semente da religião e senso de divindade sejam prejudicados
devido aos efeitos do pecado. Por causa da corrupção do coração, eles perderam os dados
precisos a respeito de Deus, mas ainda possuem a consciência de divindade e a expressam nos
cultos que lhe prestam, mesmo sem conhecê-lo devidamente.

1.3. A Questão da metafísica e da cosmologia21


O termo metafísica significa literalmente “além da física”. Trata-se da disciplina da
filosofia que “estuda as causas primeiras e os primeiros princípios”, sendo o cerne da
preocupação filosófica clássica. Aristóteles afirma que o objeto de investigação da metafísica
é “o ser enquanto ser e as propriedades que necessariamente o acompanham”. A pergunta é
por que as coisas são em vez de não serem? O ser é a essência de algo; é a qualidade essencial
de um ente sem a qual ele não pode subsistir.
A preocupação metafísica sistemática existe desde os filósofos pré-socráticos.
Parmênides é o considerado o primeiro filósofo propriamente metafísico. Platão via o ser
numa realidade superior distinta do mundo em que vivemos, o mundo das idéias; já
17
Calvino diz: “Existe dentro da mente humana, e, de fato, por instinto natural, uma consciência da divindade
(Institutas, 1.3.1).
18
Institutas, 1.2.1.
19
Institutas, 1.3.3.
20
Institutas, 1.3.1.
21
SAYÃO, Luiz A. T. Cabeças Feitas. 33ª Edição. São Paulo: Editora Hagnos, 2004, p. 16-18.
Aristóteles via o ser nas próprias coisas e não fora delas e definia Deus, o motor imóvel, como
o Ser Absoluto. A filosofia cristã medieval estabeleceu relação entre o Deus cristão e as
teorias metafísicas gregas, de modo que Agostinho segue Platão e Tomás de Aquino baseia-se
em Aristóteles. Na idade moderna, depois do ceticismo de David Hume e do idealismo de
Kant, desistiu-se da busca metafísica. Kant defendeu a existência do ser, mas disse que este se
encontrava numa dimensão “numênica”22, inacessível ao intelecto. Assim, teríamos acesso
apenas ao fenômeno, à manifestação do ser enquanto ente particularizado. Tal interpretação
fechava as portas para a metafísica. Por esse motivo, os filósofos modernos, desde Descartes
desistiram da metafísica, dando atenção ao problema do conhecimento. Recentemente, Martin
Heidegger, retomou o interesse pelo ser, afirmando que este se manifesta nos entes, sendo o
ente do homem a porta de acesso ao ser. O método de Heidegger é chamado fenomenológico,
distinto dos clássicos métodos dedutivo e indutivo.
A questão cosmológica também merece ser aqui abordada, pois historicamente
confundia-se com o problema metafísico. Cosmologia quer dizer o estudo do mundo. Qual é a
origem do mundo? Quais os seus constitutivos fundamentais? Qual o seu fim último? Os pré-
socráticos perceberam a diversidade do mundo e se puseram a refletir qual seria o elemento
fundamental na constituição do mundo. O primeiro filósofo a propor uma solução foi Tales de
Mileto (da Ásia Menor). Acreditava ele que a água era o fundamento do mundo; outros
pensadores defenderam outras alternativas como o fogo, o ar, o indeterminado, o número (no
caso dos pitagóricos). Platão delineou um mundo dualista, sendo o nosso mundo uma cópia
do mundo superior e perfeito das idéias. Tal cópia fora feita pelo Demiurgo, uma espécie de
divindade inferior, que também infundira uma alma ao mundo. Aristóteles partia da ideia de
que o mundo era eterno, caracterizado pela mudança, o movimento perene, isto é, o devir.
Todavia, o devir (vir a ser) é sinal de imperfeição. Assim, o mundo precisa de um ser que não
se modifica e é ao mesmo tempo a causa de tudo, sendo o motor que a tudo move, e
permanece imóvel. Ainda segundo ele, o mundo é constituído de forma e matéria.
Ainda na Grécia antiga, Leucipo, Demócrito e Epicuro formularam a teoria atomista
como modelo cosmológico, afirmando que o mundo era composto de partículas pequenas e
indivisíveis chamada átomos. Os átomos com suas combinações múltiplas davam origem à
diversidade do mundo. Vemos aqui os prenúncios da química.

22
Numênica, numinoso. Sentimento único vivido na experiência religiosa, a experiência do sagrado, em que se
confundem a fascinação, o terror e o aniquilamento.
Depois do Renascimento, despontou a perspectiva mecanicista, desenvolvendo-se
muito a ciência da natureza. A visão mecanicista e matemática do mundo se estabelece, e
teorias científicas como a teoria cinética e teoria molecular tornam-se alternativas de
explicação do mundo. Assim, diminui-se o interesse e a esperança de que se possa achar
respostas para a origem do mundo (criação x acaso), sua duração, sua extensão, se seu
mover-se é teleológico ou não, etc. Por fim, a verdade é que chegamos a um ponto onde
ciência, filosofia e teologia compartilham do assunto. Os cristãos, como já dissera Agostinho
no IV século, defendem a criação do mundo por Deus a partir do nada. Deus é o ser absoluto
que comunica o seu ser ao mundo, fazendo com que do nada surja o mundo. Todavia isso não
nos impede de abrir espaço para ver o que a ciência nos diz sobre a constituição do mundo,
sem esquecer todavia que sobre esse assunto há questões pertinentes unicamente à ciência
empírica, mas há aquelas que sempre ficarão de fora do âmbito da ciência.
SILOGISMO. Para falarmos mais sobre estes argumentos precisamos lembrar um
pouco sobre silogismo.
Um silogismo (do grego antigo συλλογισμός, “conexão de idéias”, “raciocínio”;

composto pelos termos σύν “com” λογισμός “cálculo”) é um termo filosófico com o qual
Aristóteles designou a argumentação lógica perfeita, constituída de três proposições
declarativas que se conectam de tal modo que a partir das duas primeiras, chamadas
premissas, é possível deduzir uma conclusão. A teoria do silogismo foi exposta por
Aristóteles em Analíticos Anteriores.
Num silogismo, as premissas são um ou dois juízos que precedem a conclusão e dos
quais ela decorre como conseqüente necessário dos antecedentes, dos quais se infere a
consequência. Nas premissas, o termo maior (predicado da conclusão) e o termo menor
(sujeito da conclusão) são comparados com o termo médio, e assim temos a premissa maior e
a premissa menor segundo a extensão dos seus termos.
Um exemplo clássico de silogismo é o seguinte:
Premissa maior: Todo homem é mortal.
Premissa menor: Sócrates é homem.
Conclusão: Logo, Sócrates é mortal.

A CRENÇA NA EXISTÊNCIA DE DEUS É INTUITIVA.


Os escritores bíblicos tanto presumem quanto defendem a existência de Deus.
Premissa Maior: Uma crença é intuitiva se for universal e necessária.
Tanto a Escritura como a história provam que a crença em Deus é universal (Rm 1.19-
21: Pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou.
Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua
natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas
criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o
glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se
fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se).
Premissa Menor: A crença na existência de Deus é também necessária. É necessária
no sentido de que não podemos negar Sua existência sem violarmos as próprias leis da nossa
natureza.
Conclusão: Deus existe.

A CRENÇA EM DEUS É ASSUMIDA NAS ESCRITURAS (Gn 1).


As Escrituras trabalham com algumas pressuposições básicas das quais não abrem
mão: a de que Deus existe, que ele é criador e que ele é soberano.
A CRENÇA NA EXISTÊNCIA DE DEUS É CORROBORADA POR
ARGUMENTOS:
Teísmo é a doutrina de um Deus extraterreno, pessoal, o criador, preservador e
governador deste mundo. O desígnio de todos os argumentos sobre este tema é mostrar que os
fatos que nos cercam, e os fatos da consciência, carecem da hipótese da existência de tal Ser.
Os argumentos usualmente enfatizados sobre este tema são o Ontológico, o Antropológico, o
Teleológico, o Cosmológico, o do Consenso Universal e o Estético.
Os dois primeiros argumentos, o ontológico e o antropológico estão baseados na
natureza da alma humana:
ONTOLÓGICO. Da palavra grega ON, “EXISTENTE, SER”. O homem tem a idéia
inerente de um Ser Perfeito. Esta idéia naturalmente inclui o conceito de existência, já que um
ser, em tudo mais perfeito, que não existisse, não seria tão perfeito quanto um ser perfeito que
existisse. Portanto, visto que a idéia de existência está contida na idéia de um Ser Perfeito,
esse Ser Perfeito deve necessariamente existir. Foi Anselmo de Cantuária quem produziu este
argumento. Se quiséssemos afirmar este argumento em forma de silogismo23, usaríamos as
seguintes premissas:
Premissa maior: Uma crença intuitiva universal entre os homens deve ser verdadeira.
Premissa menor: A crença de que há Deus é universal e intuitiva entre os homens
Conclusão: A crença de que há um Deus é verdadeira.
O argumento ontológico24 tenta provar a partir do próprio conceito de Deus que
Deus existe. Se Deus é imaginável, tem de existir realmente. Esse argumento foi
formulado por Anselmo e defendido por Scotus, Descartes, Espinosa, Leibnitz e, na

23
si.lo.gis.mo. s. m. Lóg. Argumento que consiste em três proposições: a primeira, chamada premissa maior; a
segunda, chamada premissa menor; e a terceira, conclusão. Admitida a coerência das premissas, a conclusão se
infere da maior por intermédio da menor.
24
ROLDÁN, Alberto Fernando. Op. Cit., p. 77.
época moderna, por Norman Malcolm, Charles Hartshorne e Alvin Plantinga, entre
outros. Veremos o argumento de Anselmo.
Anselmo (1033-1109) queria encontrar um único argumento que provasse não
apenas que Deus existe, mas também que ele tem todos os atributos superlativos que a
doutrina cristã lhe atribui. Depois de quase desistir do projeto, Anselmo chegou ao
seguinte raciocínio: Deus é o maior ser que se pode imaginar. Isso é verdadeiro por
definição, pois se pudéssemos imaginar algo maior do que Deus, isso seria Deus.
Portanto, nada maior do que Deus pode ser imaginado. E é mais importante existir na
realidade do que apenas na mente. Anselmo dá o exemplo de um quadro. O que é maior:
a idéia que o artista tem do quadro ou o quadro em si, como existe na realidade?
Obviamente esse último, pois o quadro em si existe não apenas na mente do artista, mas
também na realidade. De modo semelhante, se Deus existisse apenas na mente, algo
maior do que ele poderia ser imaginado, que é sua existência não apenas na mente, mas
também na realidade. Deus, porém, é o maior ser que se pode imaginar. Por isso ele tem
de existir não apenas na mente, mas também na realidade. Portanto, Deus existe.
Outra maneira de dizer isso, mostra Anselmo, é a seguinte: um ser cuja não-existência é
inimaginável é maior do que um ser cuja não-existência é imaginável. Deus, porém, é o
maior ser imaginável. Portanto, a não-existência de Deus tem de ser inimaginável. Não há
contradição nessa idéia. Por isso, Deus tem de existir. Esse argumento aparentemente
simples é muito debatido até hoje.
ANTROPOLÓGICO. Da palavra grega ANTHROPOS (ἄνθρωπος), “homem”.
Chamado também de argumento moral. Este argumento deriva da existência de um Legislador
Supremo que é Deus, e do fato de haver a presença de uma lei moral no universo. Já que o
homem é um ser moral e intelectual, deve ter um criador que também seja moral e inteligente
(At 17.29). A natureza moral, os instintos religiosos, a consciência e a natureza emocional do
homem argumentam em favor da existência de Deus.
Os dois argumentos seguintes, o teleológico e o cosmológico, estão baseados na
natureza do universo:
TELEOLÓGICO. Da palavra grega TELOS (τέλος), “fim”. O universo não apenas
prova a existência de um criador, mas indica a existência de um Arquiteto, um Planejador
(Rm 1.18-20). Há um propósito observável no universo que indica a existência de Deus como
seu planejador. Se quiséssemos afirmar este argumento em forma de silogismo, usaríamos as
seguintes premissas corretas, para chegar a uma conclusão razoável:
Premissa maior: A ordem e a harmonia do universo somente podem ser explicadas
quando pressupomos um Arquiteto inteligente, ou uma causa maior inteligente.
Premissa menor: O universo como um todo e em todas as suas partes é um grande
projeto que demonstra ordem e simetria.
Conclusão: O mundo tem um Arquiteto ou projetista inteligente que é Deus.

COSMOLÓGICO. Da palavra grega KOSMOS (κόσµος), “mundo”, que significa


um “arranjo ordenado”. O universo é um efeito que exige uma causa adequada, e a única
causa suficiente é Deus (Sl 19; Hb 3.4). Este argumento remonta ao tempo de Aristóteles e
também é encontrado em outros escritores antigos, como Cícero, por exemplo. No tempo do
escolasticismo, este argumento foi desenvolvido por Anselmo e por Tomás de Aquino. Se
quiséssemos afirmar este argumento em forma de silogismo, usaríamos as seguintes
premissas:
Premissa maior: Cada nova existência ou mudança em qualquer coisa previamente
existente deve ter tido uma causa preexistente e adequada. Em outras palavras, cada efeito
tem uma causa adequada.
Premissa menor: O universo como um todo e em todas as suas partes é um sistema e
mudanças. Ou seja, o mundo é um efeito.
Conclusão: O universo deve ter tido uma causa exterior a si próprio; a causa última ou
absoluta deve ser externa, não-causada e imutável. Portanto, o mundo tem uma causa
adequada, fora de si mesmo, que o produziu – Deus.

Os dois últimos argumentos têm a ver com a história:

O ARGUMENTO DO CONSENSO UNIVERSAL. Este argumento deriva a


existência de Deus da universalidade da religião. Não há notícia de que tenha havido qualquer
tribo no mundo, por mais remota que fosse, que não tenha tido uma religião. O fator religião
está inserido na alma humana e nenhum ser humano escapa do fenômeno religioso. A religião
é inescapável no ser humano. Cícero, o grande pagão admirado por Calvino, considerou este
argumento de grande valor, e o estudo da religião tem fortalecido a relevância desse
argumento. A. A. Hodge afirma:
“A história total da raça humana revela uma ordem moral e um propósito que não podem ser
explicados pela inteligência ou propósito dos agentes humanos. Estas coisas existentes revelam
a unidade de um plano que inclui todas as raças em todas épocas. Os fenômenos da vida
nacional e da distribuição etnológica, do desenvolvimento e da difusão das civilizações e
religiões podem ser explicados somente pela existência de um governador e educador sábio,
justo e benevolente da raça humana”.

Todavia, o fato de se considerar a religião como fator universal não significa que todas
as pessoas possuam um conceito correto sobre Deus e nem que a divindade que elas adoram
seja verdadeira. Todavia, o argumento do “consenso universal” é um argumento que não pode
ser desprezado, pois uma vez mais mostra o semen religionis e o sensus divinitatis presentes
na alma humana, apontando para um ser superior.
“Até mesmo aqueles que não possuem ainda uma fé segura ou uma teologia bem
formada seriam acordes em admitir que o Universo deve ter tido uma causa primeira, um
criador (argumento cosmológico), pois o desígnio evidente do Universo aponta para uma
mente ou um espírito supremo (argumento teleológico) enquanto a natureza do homem, com
seus impulsos, aspirações, sentimentos e emoções, aponta para a existência de um demiurgo
pessoal (argumento antropológico). O mesmo se diga da História humana, a qual dá
evidências de uma Providência que governa sobre toda a criação (argumento histórico), sendo
essa uma crença universal (argumento do consenso comum)”. 25

O ARGUMENTO ESTÉTICO. Há beleza no universo. Os seres humanos são


criados com a grande capacidade de apreciar a beleza da criação. Ora, se há tanto uma coisa
como a outra, só pode haver uma inteligência e uma sabedoria para fazer algo tão belo, a
saber, Deus.
A crença é universal. (Argumento do consenso comum).26
(a) O argumento da criação. A razão argumenta que o universo deve ter tido um
princípio. Todo efeito deve ter uma causa suficiente. O universo, sendo o efeito, por
conseguinte deve ter uma causa. Consideremos a extensão do universo. Nas palavras de Jorge
W. Grey: “O universo, como o imaginamos, é um sistema de milhares e milhões de galáxias.
Cada uma delas se compõe de milhares e milhões de estrelas. Perto da circunferência de uma
dessas galáxias - a Via Láctea - existe uma estrela de tamanho médio e temperatura
moderada, já amarelada pela velhice - que é o nosso Sol”. E imaginem que o Sol é milhões de
vezes maior que a nossa pequena Terra! Prossegue o mesmo escritor: “O Sol está girando

25
MARINO, Raul Júnior. Op. Cit., p. 138,139.
22. PEARLMAN, Myer. CONHECENDO AS DOUTRINAS DA BÍBLIA. 6ª ed. Miami, Flórida: Editora Vida,
1977, p. 30-36.
numa órbita vertiginosa em direção à circunferência da Via Láctea a 19.300 metros por
segundo, levando consigo a Terra e todos os planetas, e ao mesmo tempo todo o sistema solar
está girando num gigantesco circuito à velocidade incrível de 321 quilômetros por segundo,
enquanto a própria galáxia gira, qual colossal roda gigante estelar. Fotografando-se algumas
seções dos céus, é possível fazer a contagem das estrelas. No observatório de Harvard College
eu vi uma fotografia que inclui as imagens de mais de 200 Vias Lácteas - todas registradas
numa chapa fotográfica de 35 x 42 cm. Calcula-se que o número de galáxias de que se
compõe o universo é da ordem de 500 milhões de milhões”.
Consideremos nosso pequeno planeta e nele as várias formas de vida existentes, as quais
revelam inteligência e desígnio divinos. Naturalmente surge a questão: “Como se originou
tudo isso?” A pergunta‚ natural, pois as nossas mentes são constituídas de tal forma que
esperam que todo efeito tenha uma causa. Logo, concluímos que o universo deve ter tido uma
Primeira Causa, ou um Criador. “No principio - Deus” (Gn 1.1).
Dum modo singelo este é o argumento‚ exposto no seguinte incidente: Disse um jovem
céptico a uma idosa senhora: - Outrora eu cria em Deus, mas agora, desde que estudei
filosofia e matemática, estou convencido de que Deus não é mais do que uma palavra oca.
- Bem - disse a senhora - é verdade que eu não aprendi essas coisas, mas desde que
você já aprendeu, pode me dizer donde veio este ovo?
- Naturalmente duma galinha - foi a resposta.
- E donde veio a galinha?
- Naturalmente dum ovo.
Então indagou a senhora: - Permita-me perguntar: qual existiu primeiro, a galinha ou
o ovo?
- A galinha, por certo - respondeu o jovem.
- Oh, então, a galinha existia antes do ovo?
- Oh, não, devia dizer que o ovo existia primeiro.
- Então, eu suponho que você quer dizer que o ovo existia antes da galinha. O moço
vacilou: - bem, a senhora vê, isto é, naturalmente, bem, a galinha existiu primeiro.
- Muito bem - disse ela -, quem criou a primeira galinha de que vieram todos os
sucessivos ovos e galinhas?
- Que é que a senhora quer dizer com tudo isto? - perguntou ele.
- Simplesmente isto - replicou ela: - Digo que aquele que criou o primeiro ovo ou a
primeira galinha é aquele que criou o mundo. Você nem pode explicar, sem Deus, a existência
dum ovo ou duma galinha, e ainda quer que eu creia que você pode explicar, sem Deus, a
existência do mundo inteiro!
(b) O argumento do desígnio. O desígnio e a formosura evidenciam-se no universo;
mas o desígnio e a formosura implicam um arquiteto; portanto, o universo‚ a obra dum
Arquiteto dotado de inteligência suficiente para explicar sua obra. O grande relógio de
Estrasburgo tem, além das funções normais dum relógio, uma combinação de luas e planetas
que se movem, mostrando dias e meses com a exatidão dos corpos celestes, com seus grupos
de figuras que aparecem e desaparecem com regularidade igual ao soarem as horas no grande
cronômetro.
Declarar não ter havido um engenheiro que construiu o relógio, e que este objeto
“aconteceu”, seria insultar a inteligência e a razão humana. É insensatez presumir que o
universo “aconteceu”, ou, em linguagem científica, que procedeu “do concurso fortuito dos
átomos!”.
Suponhamos que o livro “O Peregrino” fosse descrito da seguinte maneira: o autor
tomou um vagão de tipos de imprensa e com pá os atirou ao ar. Ao caírem no chão, natural e
gradualmente se ajuntaram de maneira a formar a famosa história de Bunyan. O homem mais
incrédulo diria: que absurdo! E a mesma coisa dizemos nós das suposições do ateísmo em
relação à criação do universo.
O exame dum relógio revela que ele leva os sinais de desígnio porque as diversas
peças são reunidas com um propósito prévio. Elas são colocadas de tal modo que produzem
movimentos e esses movimentos são regulados de tal maneira que marcam as horas. Disso
inferimos duas coisas: primeiramente, que o relógio teve alguém que o fez, e em segundo
lugar, que o seu fabricante compreendeu a sua construção, e o projetou com o propósito de
marcar as horas. Da mesma maneira, observamos o desígnio e a operação dum plano no
mundo e, naturalmente, concluímos que houve alguém que o fez e que sabiamente o preparou
para o propósito ao qual está servindo.
O fato de nunca termos observado a fabricação dum relógio não afetaria essas
conclusões, mesmo que nunca conhecêssemos um relojoeiro, ou que jamais tivéssemos idéia
do processo desse trabalho. Igualmente, a nossa convicção de que o universo teve um
arquiteto, de forma nenhuma sofre alteração pelo fato de nunca termos observado a sua
construção, ou de nunca termos visto o arquiteto.
Do mesmo modo a nossa conclusão não se alteraria se alguém nos informasse que “o
relógio é resultado da operação das leis da mecânica e explica-se pelas propriedades da
matéria”. Ainda assim teremos que considerá-lo como obra dum hábil relojoeiro que soube
aproveitar essas leis da física e suas propriedades para fazer funcionar o relógio. Da mesma
forma, quando alguém nos informa que o universo é simplesmente o resultado da operação
das leis da natureza, nós nos vemos constrangidos a perguntar: “Quem projetou, estabeleceu
e usou essas leis?” Isso, em razão de ser implícita a presença de um legislador uma vez que
existem leis.
Tomemos para ilustrar a vida dos insetos. Há uma espécie de escaravelho chamado
“Staghorn” ou “Chifrudo”. O macho tem magníficos chifres, duas vezes mais compridos do
que o seu corpo; a fêmea não tem chifres. No estágio larval, eles enterram-se a si mesmos na
terra e, silenciosamente, esperam na escuridão pela sua metamorfose. São naturalmente meros
insetos, sem nenhuma diferença aparente e, no entanto, um deles escava para si um buraco
duas vezes mais profundo do que o outro. Por quê? Para que haja espaço para os chifres do
macho se desenvolverem com perfeição. Por que essas larvas, aparentemente iguais, diferem
assim em seus hábitos? Quem ensinou o macho a cavar seu buraco duas vezes mais profundo
do que o faz a fêmea? É o resultado dum processo racional? Não, foi Deus, o Criador, quem
pôs naquelas criaturas a percepção instintiva que lhes seria útil.
De onde recebeu esse inseto a sua sabedoria? Alguém talvez pense que a herdara de
seus pais. Mas um cão ensinado, por exemplo, transmite à sua descendência sua astúcia e
agilidade? Não. Mesmo que admitamos que o instinto fosse herdado, ainda deparamos com o
fato de que alguém havia instruído o primeiro escaravelho chifrudo. A explicação do
maravilhoso instinto dos animais acha-se nas palavras do primeiro capítulo de Gênesis: “E
disse Deus” - isto é: a vontade de Deus. Quem observa o funcionamento dum relógio sabe
que a inteligência não está no relógio mas sim no relojoeiro. E quem observa o instinto
maravilhoso das menores criaturas, concluirá que a primeira inteligência não era a delas, mas
sim do seu Criador, e que existe uma Mente controladora dos menores detalhes da vida.
O Dr. Whitney, ex-presidente da Sociedade Americana e membro da Academia
Americana de Artes e Ciências, certa vez disse que “um imã repele o outro pela vontade de
Deus e ninguém pode dar razão melhor”. “Que quer o senhor dizer com a expressão: a
vontade de Deus?” Alguém lhe perguntou. O Dr. Whitney replicou: “Como o senhor define a
luz?... Existe a teoria corpuscular, a teoria de ondas, e agora a teoria do quantum; e nenhuma
das teorias passa duma conjetura educada. Com uma explicação tão boa como essas, podemos
dizer que a luz caminha pela vontade de Deus... A vontade de Deus, essa lei que descobrimos,
sem a podermos explicar - ‚ a única palavra final”.
O Sr. A. J. Pace, desenhista do periódico evangélico “Sunday School Times”, fala de
sua entrevista com o finado Wilson J. Bentley, perito em microfotografia (fotografar o que se
vê através do microscópio). Por mais de um terço de século esse senhor fotografou cristais
de neve. Depois de haver fotografado milhares desses cristais ele observou três fatos
principais: primeiro, que não havia dois flocos iguais; segundo: todos eram de um padrão
formoso; terceiro: todos eram invariavelmente de forma sextavada. Quando lhe perguntaram
como se explicava essa simetria sextavada, ele respondeu: “Decerto, ninguém sabe senão
Deus, mas a minha teoria é a seguinte: Como todos sabem, os cristais de neve são formados
de vapor de água a temperaturas abaixo de zero, e a água se compõe de três moléculas, duas
de hidrogênio que se combinam com uma de oxigênio. Cada molécula tem uma carga de
eletricidade positiva e negativa, a qual tem a tendência de polarizar-se nos lados opostos. O
algarismo três, portanto, figura no assunto desde o começo”.
“Como podemos explicar estes pontinhos tão interessantes, as voltas e as curvas
graciosas, e estas quinas chanfradas tão delicadamente cinzeladas, todas elas dispostas com
perfeita simetria ao redor do ponto central?” Perguntou o Sr. Pace.
Encolheu os ombros e disse: “Somente o Artista que os desenhou e os modelou
conhece o processo”.
Sua declaração acerca do “algarismo três que figura no assunto” me pôs a pensar. Não
seria então que o trino Deus, que modela toda a formosura da criação, rubrica a própria
trindade nestas frágeis estrelas de cristal de gelo como quem assina seu nome em sua obra-
prima? Ao examinar os flocos de neve ao microscópio, vê-se instantaneamente que o
princípio básico da estrutura do floco de neve é o hexágono ou a figura de seis lados, o único
exemplo disso em todo o reino da geometria a este respeito. O raio do círculo circunscrevente
é exatamente igual ao comprimento de cada um dos seis lados do hexágono. Portanto,
resultam seis triângulos equiláteros reunidos ao núcleo central, sendo todos os ângulos de
sessenta graus, a terça parte de toda a área num lado duma linha reta. Que símbolo sugestivo
do trino Deus é o triângulo! Aqui temos unidade: um triângulo, formado de três linhas, cada
parte indispensável à integridade do conjunto.
A curiosidade agora me impeliu a examinar as referências bíblicas sobre a palavra “neve”, e
descobri, com grande prazer, este mesmo “triângulo” inerente na Bíblia. Por exemplo, há 21
(3 x 7) referências contendo o substantivo “neve” no Antigo Testamento, e 3 no Novo
Testamento, 24 ao todo. Então achei referências, que falam da “lepra tão branca como a
neve”. Três vezes a purificação do pecado é comparada à neve. Achei mais três que falam de
roupas “tão brancas como a neve”. Três vezes a aparência do Filho de Deus compara-se à
neve. Mas a maior surpresa foi ao descobrir que a palavra hebraica, “neve”, é composta
inteiramente de algarismos “três”! É fato, embora não seja geralmente conhecido que, não
tendo algarismos, tanto os hebreus como os gregos usavam as letras do seu alfabeto como

algarismos. Bastava um olhar casual de um hebreu à palavra SHELEG [‫( ]שֶׁ לֶג‬palavra

hebraica que quer dizer “neve”) para ver que ela significa o algarismo 333, bem como

ּ ], que corresponde à nossa “SH”, vale


significa “neve”. No hebraico a primeira letra [Shin - ‫שׁ‬

300; a segunda consoante “L” [Lamed - ‫ ]ל‬vale 30; e a consoante final, o nosso “G” [Guímel

- ‫]ג‬, vale 3. Somando-as, temos 333, três algarismos de três. Curioso, não é verdade? Mas por
que não esperar exatidão matemática dum livro plenamente inspirado, tão maravilhoso quanto
o mundo que Deus criou?
Acerca de Deus disse Jó: “Faz grandes coisas que não podemos compreender. Pois
diz à neve: Cai sobre a terra” (Jó 37.5,6). Eu já gastei dois dias inteiros para copiar com pena
e tinta o desenho de Deus de seis cristais de neve e fiquei muito fatigado. E como é fácil para
ele fazê-lo! “Ele diz à neve” - e com uma palavra está feito.
Imaginem quantos milhões de bilhões de cristais de neve caem sobre um hectare de
terra durante uma hora, e imaginem, se puderem, o fato surpreendente de que cada cristal tem
sua individualidade própria, um desenho e modelo sem duplicata nesta ou em qualquer outra
tempestade. “Tal conhecimento‚ maravilhoso demais para mim; elevado é, não o posso
atingir” (Sl 139.6). Como pode uma pessoa ajuizada, diante de tal evidência de desígnios,
multiplicados por um sem-número de variedades, duvidar da existência e da obra do
Desenhista, cuja capacidade é imensurável?! Um Deus capaz de fazer tantas belezas é capaz
de tudo, até mesmo de moldar as nossas vidas dando-lhes beleza e simetria.

Crítica: Essas provas racionais da existência de Deus somente funcionam para aqueles
que, por graça, já crêem que ele existe. Esse exercício racional é sempre feito pelos teólogos
que já crêem no Deus das Escrituras. Dificilmente encontramos pessoas completamente
alienadas da fé cristã fazendo tais exercícios. Se os fizessem, todas as pessoas que exercitam
sua razão de maneira razoável haveriam de crer nele.

As famosas “provas teístas” 27


Até nos nossos dias, as famosas “provas teístas” elaboradas a partir da filosofia
integram os conteúdos essenciais de muitas Teologias Sistemáticas. Trata-se de
argumentações especulativas cujo ponto de partida não é a Escritura Sagrada, mas o

27
ROLDÁN, Alberto F. Op. Cit.
pensamento aristotélico que concebia Deus como “o ser imóvel, porque o que está em
movimento significa mudança e contingência”. A gente se pergunta: Que relação essencial
haverá entre esse “motor imóvel” e o Deus vivo e verdadeiro que se revelou na história de
Israel e de Jesus de Nazaré? Além disso, ainda que fosse possível demonstrar a sua existência,
seria este o mesmo Deus da revelação na história? Por outro lado, a avaliação, depois de
tantos séculos de especulação filosófica sobre a existência de Deus e de elaboração de
argumentos que demonstram sua existência, resulta antes negativa. Ou seja, os resultados
parecem não ser os esperados. Em outras palavras, as provas teístas como argumentos que
falam de uma causa não causada (Deus) ou uma finalidade em todas as coisas que vemos
(argumento teleológico), já não parecem tão convincentes como quando foram formuladas, o
que não quer dizer que perderem seu fascínio. Na verdade, o teólogo católico Hans Küng
sustenta:
É possível que as provas da existência de Deus tenham fracassado e fenecido como tais. Não
obstante, ainda que fracassadas e fenecidas, continuam despertando respeito nas gerações que
nasceram depois. E não são poucos os que, perante o ataúde das provas da existência de Deus,
viram-se assombrados por um ressentimento nostálgico: Deveria ser possível, apesar de tudo!

Apesar dos fatos comentados, até o dia de hoje as famosas “provas da existência de
Deus” constam de algumas teologias sistemáticas como conteúdos essenciais da fé e da
teologia. E isso tanto nas dogmáticas católicas como nas protestantes. É sabido que Tomás de
Aquino (um teólogo do século XIII), “Doutor Angélico” para a Igreja Católica, estrutura todo
o seu pensamento segundo as diretrizes de Aristóteles, que na época tinha sido redescoberto
através das traduções das suas obras do grego para o árabe. No âmbito protestante há
teologias sistemáticas que insistem, com maior ou menor ênfase, nas importâncias das provas
teístas.
Devemos insistir que a leitura das Escrituras nos fornece um panorama bem diferente
do que foi exposto. Realmente, observamos que o Deus vivo está ativo na história humana e
profundamente interessado nos processos espirituais e sociais do seu povo. Em síntese, trata-
se do Deus que age e não de um mero “motor imóvel”. Nas palavras de Justo Gonzáles:
A fé do Novo Testamento é um monoteísmo dinâmico. [...] O Deus da Bíblia não é o primeiro
motor imóvel da filosofia aristotélica. Quando os autores bíblicos falam sobre Deus, eles não o
fazem em termos estáticos, como se Deus fosse um ser impassível e imutável, mas falam dele
em termos dinâmicos e de relação.
O Papel de Argumentos e Provas 28
Para o que crê, Deus não é a conclusão de um silogismo; ele é o Deus vivo de Abraão,
Isaque e Jacó que vive em nós.
O uso magisterial da razão ocorre quando a razão está acima do evangelho, como um
magistrado, e o julga com base em argumentos e provas. O uso ministerial da razão ocorre
quando a razão se submete e serve ao evangelho. Somente o uso ministerial da razão pode ser
aceito. A filosofia é realmente serva da teologia. A razão é uma ferramenta para nos ajudar a
compreender e defender melhor a nossa fé; como disse Anselmo, temos uma fé à procura de
compreensão. Aquele que sabe que o cristianismo é verdadeiro com base no testemunho do
Espírito também pode ter uma boa apologética, que lhe reforça ou fortalece o testemunho do
Espírito, mas ela não serve de base para a sua fé. Quando surge um conflito entre o
testemunho do Espírito Santo quanto à veracidade fundamental da fé cristã e convicções
baseadas em argumentos e provas, é o primeiro que precisa ter precedência sobre o segundo, e
não o contrário.

28
CRAIG, William L. A VERACIDADE DA FÉ CRISTÃ. São Paulo: Editora Vida Nova, 2004, p.35.
2. OS NOMES DE DEUS 29

A palavra Deus no latim, em inglês God e suas traduções em outras línguas como o
grego θεός, eslavo Bog, sânscrito Ishvara, ou arábico Alá são normalmente usadas para toda e
qualquer concepção. O mesmo acontece no hebraico El, mas no judaísmo, Deus também é
utilizado como nome próprio, o Tetragrama YHVH, que acredita-se referir-se à origem
henoteística da religião. Na Bíblia, quando a palavra “Senhor” está em todas as capitais, isto
significa que a palavra representa o tetragrama.
Deus também pode receber um nome próprio em correntes monoteísticas do hinduísmo
que enfatizam sua natureza pessoal, com referências primitivas ao seu nome como Krishna-
Vasudeva na Bhagavata ou posteriormente Vixnu e Hari, ou recentemente Shakti.
É difícil desenhar uma linha entre os nomes próprios e epítetas de Deus, como os
nomes e títulos de Jesus no Novo Testamento, os nomes de Deus no Qur’an ou Alcorão ou
Corão, e as várias listas de milhares de nomes de Deus e a lista de títulos e nomes de Krishna
no Vixnuísmo.
Nas religiões monoteístas atuais (Cristianismo, judaísmo, zoroastrismo, islamismo,
sikhismo e a Fé Bahái), o termo “Deus” refere-se à ideia de um ser supremo, infinito, perfeito,
criador do universo, que seria a causa primária e o fim de todas as coisas. Os povos da
mesopotâmia o chamavam pelo Nome, escrito em hebraico como ‫( יהוה‬o Tetragrama YHVH).
Mas com o tempo deixaram de pronunciar o seu nome diretamente, apenas se referindo por
meio de associações e abreviações, ou através de adjetivos como “O Salvador”, “O Criador”
ou “O Supremo”, e assim por diante.
Um bom exemplo desse tipo de associação, ainda estão presentes em alguns nomes e
expressões hebraicos, como Rafael (“curado por Deus” - El), e árabes, por exemplo Abdallah
(“servo - abd - de Deus” - Allah).
Muitas traduções das Bíblias cristãs grafam a palavra, opcionalmente, com a inicial em
maiúscula, ou em versalete (DEUS), substituindo a transcrição referente ao tetragrama,
YHVH, conjuntamente com o uso de SENHOR em versalete, para referenciar que se tratava
do impronunciável nome de Deus, que na cultura judaica era substituído pela pronúncia
Adonay.
“Deus deve ser nomeado com todos os nomes. Contudo, temos a via da teologia
negativa na qual ele não pode ser designado por nome algum, seja qual for o nome”.

29
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus.
“Deus acima de Deus que é o fundamento verdadeiro de tudo o que existe, e que se
situa acima de qualquer nome especial que lhe possamos dar, mesmo que seja o nome do mais
alto ser”.30
Deus na eternidade passada, quando só a Trindade existia, era inominável. Ele não
precisava de nome para se identificar, as três pessoas da Divindade estava coesas, on-line,
numa comunhão eterna, onde palavras não eram necessárias.
Deus passou a ter nomes quando começou a si revelar aos homens.
Veja o comentário do Rabino Nilton Bonder no seu livro: SOBRE DEUS E O
31
SEMPRE.
O livro de Êxodo relata a história de Moisés e a saída do povo de Israel do Egito e
intitula-se Shemot (Nomes) em hebraico. Tal título deriva da segunda palavra contida em seu
texto e que se inicia com “Estes [são os] nomes”. O título captura o sentido literal de Êxodo
que se inicia listando os nomes das famílias descendentes de Jacob e que saíram da escravidão
do Egito. Em um sentido mais simbólico, porém, este é o livro no qual o Nome de Deus será
apresentado.
Por nome devemos compreender a essência, algo que expresse a individualidade
daquilo que nomeamos. O Êxodo é basicamente um livro que explicita, ou melhor, revela o
Nome deste Deus que os patriarcas e matriarcas conheceram em sua realidade, mas que não
sabiam nomear. Não sabê-lo denota um convívio sem compreensão ou uma dimensão
intuitiva carente de consciência acerca de Sua essência. Muito provavelmente Abraão
compreende este Deus como o Deus do futuro. Um Deus preocupado em lhe prover família e
descendência.

O Deus que revela a Moisés faz questão de nomes. É Moisés, porém, que primeiro se
mostra interessado pela natureza de Deus ao perguntar seu nome diante da sarça ardente. E
Deus não lhe furta uma resposta como furtara anteriormente a Jacob:

E disse Moisés a Deus: “Eis que quando eu vier aos filhos de Israel e
lhes disser ‘o Deus de vossos pais enviou-me a vós’, e dirão para mim: ‘Qual
o seu nome?’ – Que direi a eles?.” E disse Deus a Moisés: “Serei O Que
Serei.” E disse: “Assim dirás aos filhos de Israel: Serei enviou-me a vós.”
(Ex 3.13,14).

30
Op. Cit., p. 107.
31
NILTON, Bonder. SOBRE DEUS E O SEMPRE. Editora Campus, 2003.
Esta é a primeira referência que Deus faz a seu nome como uma essência expressa
pelo tempo. Serei O Que Serei contém identidade porque aparece na primeira pessoa e contém
temporalidade. Aparentemente é um tempo futuro, mas é mais do que um tempo futuro. Para
isto teria bastado chamar-se de Ehie – Serei. Há um esforço lingüístico por determinar um
verbo num tempo novo. É deste tempo que Deus deseja falar como forma de se fazer
compreender por sua criatura.
Que tempo é este? E por que Deus se definiria como uma expressão no tempo?
Essa parece ser a grande revelação de Êxodo, uma revelação que ousa abordar a
questão da própria essência do Criador.
A centralidade da questão do Nome em Êxodo reaparece em outra passagem em que
Deus tenta esclarecer Moisés acerca de sua “natureza”.

“E falou Deus a Moisés e disse-lhe: Eu sou YHWH. E apareci a Abraão, a Isaque e a


Jacó como Shadai; mas por meu nome, YHWH, a eles não fiz me saber.” (Êx 6.3).

O significado de “a eles não me fiz saber” denota maior amplitude a este novo Nome.
Mais ainda, este Nome contém em si alguma informação que vai além daquela conhecida
pelos patriarcas. A eles Deus se revela como Shadai, como um Deus que é parte da natureza.
Agora, a Moisés, novamente o Nome de Deus se expressa pelo tempo. Da mesma forma que
“Serei O Que Serei” se esforça para definir um tempo distinto, YHWH, o Tetragrama em
forma de Nome-Revelação, também é um empenho por definir algo novo.
Qualquer pessoa familiarizada com a língua hebraica sabe que YHWH está associado
à noção de tempo, uma vez que contém o radical do verbo existir ou do verbo SER. Como a
língua hebraica não declina o verbo “ser” no presente, YHWH parece ser uma mistura dos
verbos “ele será, ele foi e ele é” somado ao gerúndio do verbo SER. Já outros preferem a
leitura do Tetragrama como uma representação do tempo presente (YHWH) sendo precedido
pela partícula Y, que lhe dá um sentido futuro. Ou seja: Eu sou aquele que empurra o Presente
na direção do Futuro. Nessa leitura, Deus se define como a própria força motriz do tempo.
Mais do que se expressar como o tempo – lembrando que o tempo designa forma e
Deus se revelou nos Dez Mandamentos como ausente de forma ou irrepresentável -, talvez
haja aqui um esforço para tornar visível ao humano algo que lhe é interdito. Em resumo, o
Tetragrama seria um código do tempo. Como algoritmo ou uma instrução sobre o tempo.
Neste saber estaria o mapa ou o caminho (Torá) ao Criador.
Como se empenhado em mediar entre o saber e a nossa ignorância, o Criador talvez
estivesse dizendo que o maior obstáculo a Ele é a noção limitada que temos do tempo. Sem
ultrapassar nossa ilusão do tempo, não podemos nos sensibilizar à presença ou à existência do
Criador. Basicamente Deus não há na realidade que concebemos no dia-a-dia. Esta seria a
razão do esforço por estabelecer outros parâmetros para leitura da realidade que permitam
“enxergar” o que está para além de nossa visão. Esta, em si, é a Revelação.

Nada é mais contundente do que Um Criador que se revela além de nossa realidade.
“Não façam formas de Mim nem tentem desenhar perfis de Mim. Pois Eu sou aquele não tem
forma. Aquele que está fora do tempo que vocês conhecem. Eu Sou a essência daquilo que
não há, mas perpassa a realidade de vocês a todo o momento. Minha atemporalidade é a chave
fundamental para que vocês conheçam uma outra face da realidade. Na presença de algo que
não se representa é que vocês se maravilham e se atemorizam.” Mágica e responsabilidade
são produtos desta invisibilidade constante em nossas vidas.
Louvar o Deus que não é expressa a suprema sofisticação de quem tem fé.
O Nome YHWH - Iavé indica uma eterna presença em um contexto de redenção, um
Deus que cumpre as promessas da aliança feita com os antepassados na fé. Porque Deus é o
EU SOU sempre presente, suas promessas de salvação são eternas.
3. DEUS NAS RELIGIÕES

3.1. TAO — DEUS


Temos três grandes livros32 da humanidade:
1. O Bhagavad Gita, de Krishna, nascido na Índia, há diverso milênios, orienta,
cerca de 2/3 da humanidade;
2. O Tao Te King, de Lao Tse, nasceu na China, há 2600 anos, e apresenta em 81
pequenos aforismo toda a sabedoria dos grandes da humanidade;
3. A Bíblia, a mensagem viva do Cristo, orienta, há mais de 2000 anos a consciência
de quase toda a humanidade ocidental.
O Tao, o livro que revela Deus.
Dentre os livros sagrados das grandes religiões, o Tao Te Ching, de Lao-Tsé, tem sem
dúvida, um lugar de destaque. É interessante lermos e estudarmos textos de tradições
religiosas diferentes da nossa.
Assim como a Bíblia, que revela Deus para hebreus e cristãos, o Tao revelou Deus
para os antigos chineses.
Poema I - O uno e o verso do Universo
O Insondável (Tao) que se pode sondar
Não é o verdadeiro Insondável.
O Inconcebível que se pode conceber
Não indica o Inconcebível.
No Inominável está a origem do Universo.
O que é Nominável constitui a mãe de todos os seres.
O ser indigita a Fonte Incognoscível.
O Existir nos leva pelos canais cognoscíveis.
Ser e Existir são a Realidade total.
A diferença entre Ser e Existir
É apenas de nomes.
Misterioso é o fundo
Da sua unidade.
Eis em que consiste a sabedoria suprema.

32
ROHDEN, Huberto. TAO TE KING. São Paulo: Editora Alvorada, 1982, p. 9.
O Insondável (Tao) ou Deus na tradição ocidental, é em si, desconhecido. Nada se
deveria dizer dele para qualificá-lo ou identificá-lo. Nosso conhecimento finito não é capaz de
perceber em sua essencialidade a natureza do Tao/Deus.
Só podemos conhecer a Divindade Transcendente na forma do Deus Imanente. E aqui,
o cristianismo formulou bem a doutrina da “encarnação divina”. Em Jesus, homem, o
Insondável se tornou sondável, ainda que, em face humana; o Insondável se deixa sondar na
existência humana.
O Tao, na verdade “revela” que o Tao é “inrevelável”, é inominável, está além da
história.
O Deus bíblico, por outro lado, foi antropormofizado para que exatamente, ele fosse
“revelável”, sondável e relacionável com os homens. Essa antropormofização trouxe
benefícios e problemas para a religião bíblica. ao mesmo tempo em que trouxe Deus para o
âmbito do imanente (o Deus que fala, sente, ri, chora, se ira, promete, ameaça, ama, odeia e ao
mesmo tempo é onipotente, imutável, etc) para que o diálogo com ele fosse possível, trouxe
por outro lado a humanização do insondável/Deus como se de fato, sondável fosse.
Tao — Deus: Apesar do Taoísmo originalmente ignorar um Deus criador, os
princípios do Tao eventualmente tem o conceito de Deus. Lao Tsé escreveu: “Antes do céu e
da terra existirem, havia algo nebuloso... Eu não sei o seu nome, e eu o chamo de Tao”.
Yin e Yang: Eles consideram também que tudo no mundo é composto pelos elementos
opostos Yin e Yang. O lado positivo é o yang, e o negativo, o yin. Esses elementos
transformam-se, complementam-se e estão em eterno movimento, equilibrados pelo invisível
e onipresente Tao. Yang é a força positiva do bem, da luz e da masculinidade. Yin é a
essência negativa do mal, da morte e da feminilidade. Quando esses elementos não estão
equilibrados, o ritmo da natureza é interrompido com desajustes, resultando em conflitos. Eles
ensinam que da mesma forma que a água se modela dentro de um copo, o homem deve
aprender a equilibrar seu Yin e Yang, a fim de viver em harmonia com o Tao. O filme
“Guerra nas Estrelas” foi baseado na filosofia taoísta, em que a força universal existe e as
pessoas determinam se a usam para o bem, ou para o mal.
Esta filosofia vai contrária a Teologia Bíblica. Deus é onipotente e a fonte de todo o
bem. Lúcifer, hoje Satanás, foi criado por Deus, e por isso tem limites quanto à sua autoridade
e poder. Como fonte do mal, o Diabo se opõe ao reino de Deus. Ele não é, nunca foi, e nunca
será igual ou se harmonizará em sua oposição à Deus.
3.2. INDUÍSMO — DEUS — BRAHMAN

Assim, manifesta-se o diálogo como uma “aventura”, um caminhar em comum para uma
aproximação cada vez maior, para esta Realidade Suprema que tudo permeia, e os hindus o
chama de Brahman. Brahman é a realidade infinita, indivisa e imutável, que se autocomunica ao
humano, mas permanece misterioso. Na teosofia, Brahman é o “Absoluto”, o “Espírito Divino e
Infinito” que emana de Parabrahman no início de um novo ciclo de manifestação (chamado
Mahamanvantara). Portanto, é a origem e raiz de toda a consciência que evolui neste mundo.
Todos os povos tiveram a revelação do Deus único (mesmo nos sistemas politeístas, é
muito comum haver uma divindade suprema, ou um conceito supremo, inominável, sem altares e
sem representação). Contudo, cremos que a salvação vem pelos judeus e daí a grande importância
das contribuições feitas por este notável povo à humanidade, dentre as quais o Messias Yeshua
(Jesus).

3.3. DEUS – BUDISMO 33

O Budismo é geralmente considerado como religião não-teísta. Embora ensine que


existem “deuses” (Devas), estes são apenas seres celestiais que habitam temporariamente em
mundos celestiais de grande felicidade. Tais seres, porém, não são eternos nessa forma e estão
sujeitos à morte e eventual renascimento em reinos inferiores da existência.

No entanto, é preciso fazer a distinção entre os ensinamentos aparentemente não-


teístas do Cânone Pali (“agamas”) e ensinamentos aparentemente compatíveis com alguma
forma de teísmo de alguns Tantras e Sutras Mahayana.

Em essência, a metodologia do budismo é incompatível com uma determinação radical


teísta ou não-teísta, sendo o seu ensinamento voltado principalmente para o reconhecimento
da natureza da realidade como forma de libertar todos os seres da insatisfatoriedade.

Alguns budistas (particularmente no Ocidente moderno) seguem uma interpretação do


Budismo que não admite o sobrenatural nem a divindade, mas essa visão está longe de ser
universal. Quase certamente representa um modo diferente de encarar o budismo em relação à
maior parte da história dessa religião. Nessas interpretações céticas, outros reinos de
existência e deuses são vistos apenas como metáforas úteis para entender aspectos da mente.

33
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus_no_budismo.
A ideia de Deus no Budismo Primitivo

O Buda das escrituras Pali trata como “conversa fiada”, como “ridículo, meras
palavras, algo vão e vazio” (Digha-Nikaya No. 13, Tevijja Sutta) o fato de que brâmanes (a
casta sacerdotal hindu) possam ensinar outros a atingir a união com o que eles próprios jamais
viram. Segundo Buda, eles de fato não viram Brahma (um dos principais deuses do
hinduísmo) face a face. Contudo, isto não é uma negação da existência de Brahma, mas
meramente uma indicação (do Buda) à tolice de professores religiosos que guiariam outros ao
que eles mesmos não conhecem pessoalmente.

Embora o próprio Brahman não seja claramente negado por Buda (ver Sutra
Brahmajala), ele não é ─ de maneira nenhuma ─ encarado (pelo Buda) como um Deus
Criador soberano, onisciente e onipotente. Brahman (como qualquer outro deva) está sujeito à
mudança, declínio e morte, assim como qualquer outro ser senciente no samsara (o ciclo de
renascimentos) e incapaz de auxiliar à transcender este estado.

Em vez de acreditar em um deus criador como Brahman (um ser celestial benigno, mas
que ainda não está livre de se iludir e renascer), pessoas dispostas a isso são encorajadas a
praticar o Dharma (ensinamentos,método de liberação com base nas leis do universo) do
Buda, em que a visão correta, o pensamento correto, a fala correta, a ação correta, o modo de
vida correto, o esforço correto, a atenção correta e a imersão meditativa correta são superiores
e poderiam trazer liberação espiritual.

O “conceito de Deus” não faz parte da doutrina pali de Buda sobre a liberação do
sofrimento ─ embora alguns vejam na noção de “Nirvana” alguma relação com um Absoluto
transcendental e impessoal, mas isso deriva do entendimento errôneo do que seria o
“Nirvana”. Para o Budismo, a idéia de um “Deus Criador Absoluto e Transcendente” é
contraditória com os ensinamentos.

Doutrinas do Mahayana e do Tantrismo (Vajrayana)

A situação assume aspectos diferentes nos Budismos Mahayana e Tântrico. Aqui pode-
se encontrar a noção dos Budas com vários tipos de corpos, aparecendo como reis de
“Campos Búdicos” (Terras-puras – mundos onde a prática espiritual é o foco central). Apesar
de existirem incontáveis Budas, sua essência é única e é neste sentido que Buda é louvado
como “Tathagata” e “senhor dos devas” (mesmo no theravada, é Brahma se prostra ao Buda e
pede que ele ensine pela primeira vez). Seu reino (“dhatu”) também é dito como inerente em
todos os seres. Essa essência indestrutível é chamada de “Buddha-dhatu” (elemento de Buda,
natureza-de-Buda, reino-de-Buda) ou “Tathagatagarbha” em sutras tais como
“Mahaparinirvana Sutra” e “Anunatva-Apunatva-Nirdes”. Além disso, a idéia de uma Base do
Ser, e é tida como atemporal, inerente a tudo, que tudo sabe, incriada e incessante (o
dharmadhatu ou sattvadhatu), que é a Mente Desperta (bodhicitta) ou Dharmakaya (“Corpo da
Verdade”) do próprio Buda, é promulgada em tais textos. No Mahavairocana Sutra, esta
essência do supremo Buda, chamada de Vairocana, é simbolizada pela letra “A”, que se diz
ser residente nos corações de todos os seres e sobre a qual o Buda Vairocana declara: “[a
mística letra ‘A’] se situa no local do coração: ela é Senhor e Mestre de tudo, e ela permeia
inteiramente todos os animados e inanimados. ‘A’ é a mais alta energia-de-vida …” (The
Maha-vairocana-Abhisambodhi Tantra, p. 331).
Este grande Buda Vairocana é chamado de: “o Bhagavat [ = O Abençoado], Mestre do
Dharma, o Sábio, que é completamente perfeito, que a tudo permeia, que abrange todos os
sistemas de mundos, que tudo sabe, o Senhor Vairocana” (p. 355).
O texto Tântrico “O Sarva-Tathagata-Tattva-Samgraha”, louva este supremo Buda
Vairocana nos seguintes versos:
“Ele é o todo-bondade, destruidor [do sofrimento], o grande senhor da Felicidade,
útero do céu, Grande Luminosidade … o grande Senhor Onisciente … Ele não tem começo
nem fim … [Ele é] o senhor de Vishnu … Protetor do mundo, do céu, da terra … dos
elementos, o bom benfeitor dos seres, das coisas … o repouso abençoado, atemporal … O eu-
vazio de todos os Budas … Pre-eminente sobre todos e mestre do mundo.”
Descrições semelhantes podem ser encontradas no “Tantra Rei- que-Tudo-Cria”, onde
a Mente do Despertar universal (chamada de “Buda Samantabhadra” - o “Todo-Bem”)
declara de si mesmo:
“Eu sou o núcleo de tudo o que existe. Sou a semente de tudo o que existe. Sou a causa
de tudo o que existe. Sou o tronco de tudo o que existe. Sou a fundação de tudo o que existe.
Sou a raiz da existência. Sou ‘o núcleo’ porque contenho todos os fenômenos. Sou ‘a
semente’ porque dou vida a tudo. Sou ‘a causa’ porque tudo provém de mim. Sou ‘o tronco’
porque as ramificações de cada evento brotam de mim. Sou ‘a fundação’ porque tudo reside
em mim. Sou chamado de ‘a raiz’ porque sou tudo.” (The Supreme Source (A Fonte
Suprema), p. 157).
Esses textos costumam ser facilmente interpretado como sendo a ideia budista de
divindade. Deve se é perceber que, apesar de tudo, esta descrição se diferencia em muitos
apectos das idéias de divindade oriental ou ocidental. Em vários textos, como no budismo
Chan Chinês ou Zen Japonês vemos uma leve semelhança com as idéias do Taoismo. Assim,
as doutrinas do Budismo primitivo e posterior espalham-se por um vasto arco que vai de um
aparente não-teísmo às maiores formas de pensamento, chegando ao máximo num aparente
panteísmo.
3.4. DEUS – ISLAMISMO 34
Os muçulmanos acreditam que Deus é único e incomparável e o propósito da
existência é adorá-lo. Eles também acreditam que o islã é a versão completa e universal de
uma fé primordial que foi revelada em muitas épocas e lugares anteriores, incluindo por meio
de Abraão, Moisés e Jesus, que eles consideram profetas. Os seguidores do islã afirmam que
as mensagens e revelações anteriores foram parcialmente alteradas ou corrompidas ao longo
do tempo, mas consideram o Alcorão como uma versão inalterada da revelação final da Deus.
Os conceitos e as práticas religiosas incluem os cinco pilares do islã, que são conceitos e atos
básicos e obrigatórios de culto, e a prática da lei islâmica, que atinge praticamente todos os
aspectos da vida e da sociedade, fornecendo orientação sobre temas variados, como sistema
bancário e bem-estar, à guerra e ao meio ambiente.
A maioria dos muçulmanos pertencem a uma das duas principais denominações; com
80% a 90% sendo sunitas e 10% a 20% sendo xiitas. Cerca de 13% de muçulmanos vivem na
Indonésia, o maior país muçulmano do mundo. 25% vivem no Sul da Ásia da, 20% no Oriente
Médio, 2% na Ásia Central, 4% nos restantes países do Sudeste Asiático e 15% na África
Subariana. Comunidades islâmicas significativas também são encontradas na China, na
Rússia e em partes da Europa. Comunidades convertidas e de imigrantes são encontradas em
quase todas as partes do mundo. Com cerca de 1,41-1,57 bilhão de muçulmanos,
compreendendo cerca de 21-23% da população mundial, o islã é a segunda maior religião e
uma das que mais crescem no mundo.
3.5. DEUS – TUPÃ 35
Tupã (que na língua tupi significa trovão) é uma entidade da mitologia tupi-guarani.
Os indígenas rezam a Nhanderuvuçu e seu mensageiro Tupã. Tupã não era exatamente
um deus, mas sim uma manifestação de um deus na forma do som do trovão. É importante
destacar esta confusão feita pelos jesuítas. Nhanderuete, “o liberador da palavra original”,
segundo a tradição mbyá, que é um dialeto da língua guarani, do tronco lingüístico tupi, seria
algo mais próximo do que os catequizadores imaginavam.

34
http://pt.wikipedia.org/wiki/Isl%C3%A3o.
35
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tup%C3%A3
Câmara Cascudo afirma que Tupã “é um trabalho de adaptação da catequese”. Na
verdade o conceito “Tupã” já existia: não como divindade, mas como conotativo para o som
do trovão (Tu-pá, Tu-pã ou Tu-pana, golpe/baque estrondante), portanto, não passava de um
efeito, cuja causa o índio desconhecia e, por isso mesmo, temia. Osvaldo Orico é da opinião
de que os indígenas tinham noção da existência de uma Força, de um Deus superior a todos.
Assim ele diz: “A despeito da singela idéia religiosa que os caracterizava, tinha noção de Ente
Supremo, cuja voz se fazia ouvir nas tempestades – Tupã-cinunga, ou “o trovão”, cujo reflexo
luminoso era Tupãberaba, ou relâmpago. Os índios acreditavam ser o deus da criação, o deus
da luz. Sua morada seria o sol
Para os indígenas, antes dos jesuítas os etnocidarem, Tupã representava um ato divino,
era o sopro, a vida, e o homem a flauta em pé, que ganha a vida com o fluxo que por ele
passa.

3.6. O DEUS DESCONHECIDO 36


Em alguma época, durante o sexto século antes de Cristo, numa reunião do conselho na Colina
de Marte, em Arenas ...

“Diga-nos, Nícias, que aviso o oráculo de Pítias lhe deu? Por que esta praga caiu sobre
nos? E por que os inúmeros sacrifícios realizados de nada adiantaram?”
O impassível Nícias olhou de frente o presidente do conselho e afirmou:
“A sacerdotisa declara que nossa cidade se encontra sob uma terrível maldição. Um
certo deus a colocou sobre nos por causa do medonho crime de traição do rei Megacles contra
os seguidores de Cylon”.
“E verdade! Lembro-me agora”, disse sombriamente outro membro do conselho.
“Megacles obteve a rendição dos seguidores de Cylon com uma promessa de anistia, depois
violou prontamente sua própria palavra e os matou! Mas qual é o deus que ainda nos condena
por esse crime? Já oferecemos sacrifícios de expiação a todos os deuses!”
“Não é bem assim”, replicou Nícias. “A sacerdotisa afirma que resta ainda Um deus a
ser apaziguado”.
“Quem poderia ser?” perguntaram os anciãos, olhando incrédulos para Nícias.
“Não posso contar-lhes”, respondeu ele. “O próprio oráculo parece não saber o seu
nome. Ela disse apenas que...”

36
RICHARDSON, Don. O Fator Melquisedeque. 2ª ed. São Paulo: Editora Vida Nova, 2008, p. 13-21
Nícias fez uma pausa, observando as faces ansiosas de seus colegas. Enquanto isso, da
cidade enlutada à volta deles, ouvia-se o eco de milhares de cânticos fúnebres.
Nícias continuou: “... precisamos enviar mm navio imediatamente a Cnossos, na ilha
de Creta, e trazer de lá para Atenas um homem chamado Epimênides. A sacerdotisa
assegurou-me que ele saberá como apaziguar esse deus ofendido, livrando assim a nossa
cidade”.
“Não existe alguém suficientemente sábio aqui em Atenas?” esbravejou um ancião
indignado. “Temos de apelar para um ... um estrangeiro?”
“Se conhece algum grande sábio em Atenas, pode chamá-lo”, disse Nícias. “Caso
contrario, cumpramos simplesmente as ordens do oráculo”.
Um vento frio, frio como se tocado pelos dedos gélidos do terror que varria Atenas,
fez-se presente na câmara de mármore branco do conselho na Colina de Marte.
Aconchegando-se mais em seu manto de magistrado, cada ancião refletiu sobre as palavras de
Nícias.
“Vá em nosso nome, meu amigo”, disse o presidente do conselho. “Traga esse
Epimênides! Se ele atender ao seu pedido e livrar nossa cidade, nós o recompensaremos.”
Os demais membros do conselho concordaram. O calmo Nícias, de voz suave,
levantou-se, inclinando-se diante da assembleia, deixando a câmara. Ao descer a Colina de
Marte, ele se encaminhou para o porto de Pireu, que ficava a 13 km de distância, na Baia de
Falerom. Um navio achava-se ali ancorado.
Epimênides desceu agilmente para a terra, em Pireu, seguido de Nícias. Os dois
homens encaminharam-se de imediato para Atenas, recobrando aos poucos a força das pernas
depois da longa viagem por mar, desde Creta. Ao entrarem na já mundialmente famosa
“cidade dos filósofos”, os sinais da praga eram vistos por toda a parte. Mas Epimênides
observou outra coisa:
“Nunca vi tantos deuses!” exclamou o cretense para o seu guia, piscando surpreso.
Falanges ladeavam os dois lados da estrada que saia do Pireu. Outros deuses, centenas deles,
adornavam um terreno íngreme e rochoso, chamado acrópole. Tempos depois, nesse mesmo
lugar, os atenienses construíram o Partenon.
“Quantos são os deuses de Atenas?” inquiriu Epimênides. “Varias centenas pelo
menos!” replicou Nícias.
“Varias centenas!”, foi a exclamação espantada de Epimênides.
“Aqui e mais fácil encontrar deuses do que homens!”
“Tem razão!”, riu o conselheiro Nícias. “Não sei quantos provérbios já foram feitos
sobre ‘Atenas, a cidade saturada de deuses’. Com a mesma facilidade que se tira uma pedra da
pedreira, outro deus e trazido para a cidade!”.
Nícias parou repentinamente, refletindo sobre o que acabara de dizer. “Todavia”,
começou pensativo, “o oráculo de Pítias declara que os atenienses precisam apaziguar ainda
um outro deus. E você, Epimênides, deve promover a intercessão necessária. Ao que parece,
apesar do que eu disse, nós, atenienses, ainda precisamos de mais um deus!”.
Jogando a cabeça para trás e rindo, Nícias exclamou: “Realmente, Epimênides, não
consigo adivinhar quem poderia ser esse outro deus. Os atenienses são os maiores
colecionadores de deuses no mundo! Já saqueamos as teologias de muitos povos das
vizinhanças, apoderando-nos de toda divindade que possamos transportar para a nossa cidade,
por terra ou por mar”.
“Talvez seja esse o seu problema”, disse Epimênides com um ar misterioso.
Nícias piscou os olhos para o amigo, sem compreender, como quem deseja um
esclarecimento desse último comentário. Mas alguma coisa na atitude de Epimênides o
silenciou. Momentos depois, chegaram a um pórtico com piso de mármore, junto à câmara do
conselho na Colina de Marte. Os anciãos de Atenas já haviam sido avisados e o conselho os
esperava.
“Epimênides, agradecemos sua ...” começou o presidente da assembleia.
“Sábios anciãos de Atenas, não há necessidade de agradecimentos”. Epimênides
interrompeu. “Amanha, ao nascer do sol, tragam um rebanho de ovelhas, um grupo de
pedreiros e uma grande quantidade de pedras e argamassa ate a ladeira coberta de relva, ao pé
desta rocha sagrada. As ovelhas devem ser todas sadias e de cores diferentes - algumas
brancas, outras pretas. Vocês não devem deixá-las comer depois do descanso noturno. É
preciso que sejam ovelhas famintas! Vou agora descansar da viagem. Acordem-me ao
amanhecer”.
Os membros do conselho trocaram olhares curiosos, enquanto Epimênides cruzava o
pórtico em direção a um quarto sossegado, enrolando-se em seu manto coma num cobertor e
sentando-se para meditar. o presidente voltou-se para um dos jovens membros do conselho.
“Vejá que tudo sejá feito como ele ordenou”, disse ele.
“As ovelhas estão aqui”, falou o jovem membro, humildemente. Epimênides,
despenteado e ainda meio dormindo, saiu de seu descanso e seguiu o mensageiro ate a ladeira
que ficava na base da Colina de Marte. Dois rebanhos - Um de ovelhas pretas e brancas e
outro de conselheiros, pastores e pedreiros - achavam-se a espera, debaixo do sol que nascia.
Centenas de cidadãos, desfigurados por outra noite de vigília cuidando dos doentes atingidos
pela praga e chorando pelos mortos, galgaram os pequenos outeiros e ficaram observando
ansiosos.
“Sábios anciãos”, começou Epimênides, “vocês já se esforçaram muito ofertando
sacrifícios aos seus numerosos deuses; entretanto, tudo se mostrou inútil. Vou agora oferecer
sacrifícios baseado em três suposições bem diferentes das suas. Minha primeira suposição...”
Todos os olhos estavam fixos no cretense de elevada estatura; todos os ouvidos atentos
para captar suas próximas palavras.
“... é que existe ainda outro deus interessado na questão desta praga - Um deus cujo
nome não conhecemos e que não está, portanto, sendo representado por qualquer ídolo em sua
cidade. Segundo, vou supor também que esse deus é bastante poderoso e suficientemente
bondoso para fazer alguma coisa a respeito da praga, se apenas pedirmos a sua ajuda.”
“Invocar um deus cujo nome é desconhecido?” exclamou um dos anciãos. “Isso é
possível?”
“A terceira suposição é a minha resposta a sua pergunta”, replicou Epimênides. “Essa
hipótese é muito simples. Qualquer deus suficientemente grande e bondoso para fazer algo a
respeito da praga é também poderoso e misericordioso para nos favorecer em nossa
ignorância - se a reconhecermos e o invocarmos!”
Murmúrios de aprovação misturaram-se com o balido das ovelhas famintas. Os
anciãos de Atenas jamais tinham ouvido essa linha de raciocínio antes.
“Mas, por que as ovelhas deviam ser de cores diferentes?” perguntavam eles.
“Agora!” gritou Epimênides, “preparem-se para soltar as ovelhas na ladeira sagrada!
Uma vez soltas, deixem que cada animal paste onde quiser, mas façam com que seja seguido
por um homem que o observe cuidadosamente”. A seguir, levantando os olhos para o céu,
Epimênides orou com voz profunda e cheia de confiança: “Ó, tu, deus desconhecido!
Contempla a praga que aflige esta cidade! E se de fato tens compaixão para nos perdoar e
ajudar, observa este rebanho de ovelhas! Revela tua disposição para responder, eu peço,
fazendo com que qualquer ovelha que te agrade deite na relva em vez de pastar. Escolha as
brancas se elas te agradarem; as pretas se te causarem prazer. As que escolheres serão
sacrificadas a ti, reconhecendo nossa lamentável ignorância do teu nome!”
Epimênides sentou-se na grama, inclinou a cabeça e fez sinal aos pastores que
guardavam o rebanho. Estes vagarosamente se afastaram. Com rapidez e voracidade, as
ovelhas se espalharam pela colina, começando a pastar. Epimênides ficou ali sentado como
uma estátua, com os olhos baixos.
“É inútil, murmurou baixinho um conselheiro. “Mal amanheceu e raras vezes vi um
rebanho tão faminto. Nenhum animal vai deitar-se antes de encher o estômago e quem
acreditará então que foi um deus que o levou a isso?”
“Epimênides deve ter escolhido esta hora do dia deliberadamente!” respondeu Nícias.
“Só assim poderemos saber que a ovelha que se deitar o fará em obediência à vontade desse
deus desconhecido, e não por sua própria inclinação!”
Mal Nícias terminara de falar quando um pastor gritou: “Olhem!” Todos os olhos se
voltaram para ver um carneiro dobrar os joelhos e deitar-se na relva.
“Eis aqui outro!” bradou um conselheiro surpreso, fora de si por causa do espanto. Em
poucos minutos, algumas das ovelhas se acharam acomodadas sobre a relva suculenta demais
para que qualquer herbívoro faminto pudesse resistir - em circunstâncias normais!
“Se apenas uma deitasse, teríamos dito que estava doente!” exclamou o presidente do
conselho. “Mas isto! Isto só pode ser uma resposta!”
Com os olhos cheios de reverência, ele se voltou, dizendo a Epimênides: “O que
faremos agora?”
“Separem as ovelhas que estão descansando”, replicou o cretense, levantando a cabeça
pela primeira vez desde que invocara o deus desconhecido, “e marquem o lugar onde cada
uma se acha. Façam depois com que os pedreiros levantem altares - Um altar em cada ponto
onde as ovelhas descansaram!”
Cheios de entusiasmo, os pedreiros começaram a fazer argamassa e no final da tarde
ela já havia endurecido o suficiente. Todos os altares se achavam preparados para uso.
“Qual o nome do deus que gravaremos sobre esses altares?” perguntou um dos
conselheiros do grupo mais jovem, excessivamente ansioso. Todos se voltaram para ouvir a
resposta do cretense.
“Nome?” repetiu Epimênides, refletindo. “A divindade, cuja ajuda buscamos,
agradou-se em responder a nossa admissão de ignorância. Se agora pretendermos mostrar
conhecimento, gravando um nome quando na verdade não temos a menor ideia a respeito
dele, temo que vamos apenas ofendê-la!”
“Não podemos correr esse risco” concordou o presidente do conselho. “Mas com
certeza deve haver um meio apropriado de - de dedicar cada altar antes de usá-lo.”
“Tem razão, sábio conselheiro”, declarou Epimênides com um sorriso raro. “Existe
um meio. Inscrevam simplesmente as palavras Agnosto Theo - a um deus desconhecido - no
lado de cada altar. Nada mais e necessário.”
Os atenienses gravaram as palavras recomendadas pelo conselheiro cretense. A seguir,
sacrificaram cada ovelha “dedicada” sobre o altar, marcando o ponto em que a mesma havia
deitado. A noite caiu. Na madrugada do dia seguinte, o aperto mortal da praga sobre a cidade
já se havia afrouxado. No decorrer de uma semana, os doentes sararam. Atenas encheu-se de
louvor ao “Deus desconhecido” de Epimênides e também a este, por ter prestado socorro tão
surpreendente de um modo verdadeiramente engenhoso. Cidadãos agradecidos colocaram
festões de flores ao redor do despretensioso conjunto de altares na encosta da Colina de
Marte. Mais tarde, eles esculpiram uma estátua de Epimênides sentado e a colocaram diante
de um de seus templos.
Com o passar do tempo, porém, o povo de Atenas começou a esquecer-se da
misericórdia que o “deus desconhecido” de Epimênides lhes concedera. Seus altares na colina
foram negligenciados e eles voltaram a adorar centenas de deuses que se mostraram incapazes
de remover a maldição da cidade. Vândalos demoliram parte dos altares e removeram pedras
de outros. O mato e o musgo começaram a crescer sobre as ruínas ate que ...
Certo dia, dois anciãos que se lembravam da importância dos altares pararam diante deles a
caminho do conselho. Apoiados em seus bordões, eles contemplaram pensativos as relíquias
ocultas por trepadeiras. Um dos anciãos retirou um pouco do musgo e leu a antiga inscrição
encoberta: “Agnosto Theo. Demas - você se lembra?”
“Como poderia esquecer?” respondeu Demas. “Eu era o jovem membro do conselho
que ficou acordado a noite inteira para certificar-me de que o rebanho, as pedras, a argamassa
e os pedreiros estariam prontos ao nascer do sol!”
“E eu”, replicou o outro ancião, “era aquele outro jovem membro ansioso que sugeriu
que fosse gravado em cada altar o nome de algum deus! Que tolice.”
Ele fez uma pausa, mergulhado em seus pensamentos, acrescentando a seguir:
“Demas, você talvez me considere sacrílego, mas não posso deixar de sentir que se o 'Deus
desconhecido' de Epimênides se revelasse abertamente a nós, logo deixaríamos de lado todos
os outros!” o ancião barbudo balançou o bordão com certo desprezo na direção dos ídolos
surdos e mudos que, fileira após fileira, cobriam o alto da acrópole, em maior numero do que
já houvera.
“Se Ele jamais vier a revelar-se”, disse Demas pensativamente, “como nosso povo
saberá que não é um estranho, mas um Deus que já participou dos problemas de nossa
cidade?”
“Acho que só existe um meio”, replicou o primeiro ancião. “Devemos preservar pelo
menos um desses altares como evidencia para a posteridade. E a historia de Epimênides deve,
de alguma forma, ser mantida viva entre as nossas tradições.”
“Uma grande ideia a sua” entusiasmou-se Demas.”Olhe! Este ainda está em boas
condições. Vamos contratar pedreiros para poli-lo e amanha lembraremos todo o conselho
dessa antiga vitória sobre a praga. Faremos uma proposta que inclua pelo menos a
manutenção deste altar entre as despesas perpétuas de nossa cidade!”
Os dois anciãos apertaram-se as mãos para fechar o acordo e, de braços dados,
seguiram caminho abaixo, batendo alegremente os bordões contra as pedras da Colina de
Marte.
O relato acima baseou-se principalmente em uma tradição registrada como história por
Diógenes Laércio, um autor grego do terceiro século d.C., numa obra clássica denominada
The Lives of Eminent Philosophers (“As Vidas de Filósofos Eminentes”, v. 1, p. 110). Os
elementos básicos da narrativa de Diógenes são os seguintes: Epimênides, um herói cretense,
atendeu a um pedido de Atenas, feito por Nícias, a fim de aconselhar a cidade sobre como se
livrar de uma praga. Ao chegar a Atenas, Epimênides conseguiu um rebanho de ovelhas
pretas e brancas e soltou-as na Colina de Marte, dando instruções para que alguns homens
seguissem as ovelhas e marcassem o lugar onde qualquer uma delas se deitasse.
O propósito aparente de Epimênides com isso era dar, a qualquer deus eventualmente
ligado a questão da praga, uma oportunidade de revelar sua disposição em ajudar, ao fazer
com que as ovelhas que o agradassem ficassem deitadas, como sinal de que as aceitaria se
fossem oferecidas em sacrifício. Visto que não haveria nada extraordinário no fato de as
ovelhas se deitarem fora do horário habitual em que pastavam, Epimênides provavelmente
conduziu sua experiência de manhã bem cedo, quando as ovelhas estavam famintas.
Algumas das ovelhas deitaram e os atenienses as ofereceram em sacrifício sobre os
altares sem nome, construídos especialmente com esse propósito. A praga foi assim removida
da cidade.
Os leitores do Antigo Testamento lembrarão de que um herói chamado Gideão,
buscando conhecer a vontade de Deus, usou como sinal um pedaço de lã. Epimênides fez
mais que Gideão, ele usou um rebanho inteiro!
Segundo uma passagem em Leis, de Platão, Epimênides também profetizou, na
mesma época, que dez anos mais tarde um exercito persa atacaria Atenas. Todavia, os
inimigos persas “retrocederão com todas as suas esperanças frustradas e depois de sofrer mais
ferimentos do que os infligidos por eles”. Esta profecia foi cumprida.
O apóstolo Paulo, duzentos anos depois de Epimênides, passando em Atenas, seu
espírito se revoltava, em face da idolatria naquela cidade.
Atos 17.16-25: 16. Enquanto Paulo os esperava em Atenas, revoltava-se nele o seu
espírito, vendo a cidade cheia de ídolos. 17. Argumentava, portanto, na sinagoga com os
judeus e os gregos devotos, e na praça todos os dias com os que se encontravam ali. 18. Ora,
alguns filósofos epicureus e estóicos disputavam com ele. Uns diziam: Que quer dizer este
paroleiro? E outros: Parece ser pregador de deuses estranhos; pois anunciava a boa nova de
Jesus e a ressurreição. 19. E, tomando-o, o levaram ao Areópago, dizendo: Poderemos nós
saber que nova doutrina é essa de que falas? 20. Pois tu nos trazes aos ouvidos coisas
estranhas; portanto queremos saber o que vem a ser isto. 21. Ora, todos os atenienses, como
também os estrangeiros que ali residiam, de nenhuma outra coisa se ocupavam senão de
contar ou de ouvir a última novidade. 22. Então Paulo, estando de pé no meio do Areópago,
disse: Varões atenienses, em tudo vejo que sois excepcionalmente religiosos; 23. Porque,
passando eu e observando os objetos do vosso culto, encontrei também um altar em que
estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais sem o conhecer, é o
que vos anuncio. 24. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e
da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens; 25. nem tampouco é servido por
mãos humanas, como se necessitasse de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a
vida, a respiração e todas as coisas.
Theos era um termo familiar para os filósofos gregos. Todavia, não o empregavam
geralmente como nome de uma pessoa específica. Era um termo usado geralmente em relação
a qualquer divindade – da mesma forma que o termo homem em português, refere-se a
qualquer indivíduo. Em outras palavras, Theos ainda não era considerado o nome próprio de
um ser determinado.
Entretanto, os filósofos devem ter sabido que Xenofonte, Platão e Aristóteles usaram
Theos como nome pessoal para um Deus Supremo em seus escritos.
Os tradutores da Septuaginta, a primeira versão grega do Antigo Testamento, usaram o
termo Theos como tradução de Elohim. E eles o adotaram, assim como Paulo adotou Theos
para suas pregações e seus escritos no Novo Testamento!
3.7. THEOS NA FILOSOFIA 37
1. Como termo filosófico «o divino» (theion) é muito mais velho que a noção de um
Deus personalizado. De fato, há entre os filósofos uma forte corrente de cepticismo acerca
destas figuras antropomorfizadas presentes na mitologia grega (ver mythos, a bem conhecida
crítica enfática de Xenófontes (frgs. 11, 15), e os comentários irônicos de Platão no Timeu
40d-e). Mesmo onde o velho aparato mitológico é usado pelos filósofos, como em
Empédocles (ver frg. 6), é só para reduzir os Olímpicos a forças naturais. O vestígio mais
antigo de um Deus pessoal na análise filosófica pode ver-se provavelmente na identificação,
feita por Anaxágoras e Diógenes, da inteligência (nous 3) como um motivo e um «telos» na
cosmologia. O nous era, evidentemente, divino (theion), e com a sua herança milésia da
psyche dificilmente podia ser outra coisa; e o que lhe faltou para ser Deus estava na sua (do
nous) falta óbvia de transcendência (ver Anaxágoras, frg. 14; Diógenes, frg. 5).
2. A radical distinção platônica entre o sensível (aistheton) e o inteligível (noeton)
forneceu as bases para a transcendência, mas nos primeiros diálogos está ainda preso à
negação parmenidiana da kinesis ao verdadeiro ser (ver on) e assim não há lugar para um
Deus dinâmico no panorama estático dos eide. O grande rompimento teológico ocorre no
Sofista e no Filebo; no primeiro (248e-249b) quando à alma e à inteligência é concedido um
lugar no domínio do verdadeiramente existente, e no segundo (26e-30d) quando o nous
cósmico é descrito como a causa eficiente do universo e identificado com Zeus. Este é
indubitavelmente o demiurgos do Timeu que, quando despojado dos seus ornamentos
metafóricos, é nous cósmico e cuja transcendência é consideravelmente limitada pela sua
subordinação aos eide.
3. Para além do Timeu, todavia, há outro motivo teológico: a crença na divindade dos
corpos celestes. Aristóteles está ainda sob a influência deles nos seus diálogos, mas os
tratados apresentam apenas dois deuses, ou antes, um Deus e uma substância divina: o
Primeiro Motor como é descrito na Metafísica 1072a-1073a, e o aither (ver aphathartos) do
De coelo. I, 268b-270a. A existência de ambos é deduzida da kinesis; o aither é divino porque
o seu movimento é eterno (De coelo I, 268a), e o Primeiro Motor é Deus porque o seu
movimento não é movido (Metafísica loc. cit.; ver nous).
4. Uma série de fatores conduziram ao abandono de uma divindade unificada; o
materialismo monista estóico foi rejeitado e a transcendência platônica reafirmada, agora com
a noção de uma hierarquia de princípios transcendentes. Dificuldades com a providência
(pronoia) levaram também a uma distinção entre o comando e a execução e a atribuição
37
http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=302.
consequente tanto das atividades criadoras (ver demiurgos) como das providências de Deus a
um princípio secundário. O «segundo Deus» já é visível em Fílon, De Somn. I, 227-229, De
cher., 126-127, e particularmente em Numênio (confrontar Eusébio, Praep. Evang. XI, 17, 18,
22), terminando finalmente na concepção de nous de Plotino, Enéadas V, 5, 3.
Ser sobrenatural venerado pela religião, que passou em seguida à filosofia para
explicar a ordem da natureza, o curso dos acontecimentos ou o destino humano.
É difícil deslindar, nos autores gregos, monoteísmo e politeísmo. Os únicos que
afirmam um Deus único, primeiro, absoluto e espiritual são Pitágoras, Aristóteles e Proclos.
No entanto, Pitágoras e Aristóteles falam de seres secundários de natureza divina que são
deuses. Anaxágoras fala de um espírito primeiro ordenador (nous / Noûs), mas nenhum
fragmento ou testemunho diz que se trata de Deus. Platão dá à divindade vários rostos;
Plotino de fato afirma que o Uno é Deus, mas também hypertheos / ὑπέρθεος, logo Deus
superior além do nous (νοῦς), que procede dele e compartilha de algum modo a divindade
com ele; mantém os deuses secundários, tal como, aliás, Porfírio e Jâmblico. Encontra outros
termos para designar as divindades secundárias: ho daimon / ὁ δαίμων; demiurgos / ὁ
δημιουργός: espírito criador; e, para o divino em geral: theion (θείον). Deus (ho theós - ὁ
θεός). A doxografia de Tales nos deixa perplexos no que se refere à teologia. Diz ele: “De
todos os seres, o mais antigo é Deus, pois não foi engendrado” (D.L., I, 35). Mas o que é esse
Deus? Um espírito ordenador, decerto, pois, como diz Cícero, é uma mens que extrai todas as
coisas da água (De nat. deor, 1,10); e a divindade (Divindade - to theion / τὸ θείον) é “um ser
sem começo nem fim” (D.L., I, 36). Mas Aécio (I,VII, 11) diz que ele é a inteligência do
mundo, o que nos remete ao panteísmo. O mundo está cheio de espíritos: daímones (D.L., I,
27); mas, em vez de serem impessoais, os deuses vêem não só as ações dos homens, como
também seus pensamentos (ibid., I, 36). É verdade que, como entre os babilônios, pelos quais
Tales é influenciado, demônios e deuses provavelmente são espíritos diferentes.
4. A PESSOALIDADE DE DEUS

4.1. ESSÊNCIA E PESSOALIDADE DE DEUS


Quando falamos sobre a essência de Deus, usamos emprestado um conceito
originário do pensamento grego. No Novo Testamento grego com freqüência encontramos a
palavra ousia - οὐσία [leia: uçia] (essência, substância, ser) que é a palavra grega para “ser”.
Trata-se do particípio presente do verbo “ser”.
O conceito de ser é fundamental à língua portuguesa. Palavras como sou, és, somos,
serei etc., têm todas elas raízes no conceito de ser. O antigo filósofo grego Parmênides disse:
“Qualquer coisa que é, é”.
Quando falamos sobre o ser de Deus ou sobre a essência de Deus, estamos falando
sobre o que Deus é. Os seus atributos nos revelam o que Deus é. Acreditamos que Deus é
um ser simples, único, no sentido de que não existem nele partes componentes que, quando
adicionadas uma à outra, componham o seu ser. A Igreja crê na triunidade de Deus.

4.2. PESSOA, SUBSISTÊNCIA E HIPÓSTASE


Existem três palavras no idioma português, que têm uma relação íntima uma com as
outras, mas podem ser distinguidas uma das outras. Essas palavras são essência, existência e
subsistência.
“A existência antecede a essência” (Sartre). Esta frase estabelece uma nítida distinção
entre existência e essência, ou seja, entre a existência e o ser.
A essência de todos os homens é a humanidade. Todos os homens de todos os tempos
têm a essência, porém aqueles que ainda não existem não têm existência. Só Deus sempre
teve a essência e existência eternamente.
As pessoas existem e Deus também existe. As pessoas são seres e Deus também é um
ser. Distinguimos o Ser de Deus e o ser das pessoas. Nós somos seres humanos e Deus é um
Ser Supremo.
Subsistência na teologia é: “pôr-se de pé sob ser”.
Quando os teólogos falam sobre as Pessoas da Trindade, eles querem dizer que, na
Trindade, temos uma essência (ser) e três subsistências. As três Pessoas da deidade subsistem
na essência divina.
A palavra pessoa, na formulação da trindade, é derivada do vocábulo latino persona.
Nos teatros romanos, uma persona era uma máscara através da qual os atores falavam. Tem
havido grande relutância por causa do uso da palavra persona, na teologia, por causa de sua
origem. O termo grego que se acha no Novo Testamento e que para o latim foi traduzido por
persona, e para o português para pessoa, é hupóstasis (ὑπόστασις). Por conseguinte, quando
falamos na trindade, falamos na união hipostática da deidade.
A Igreja cristã quando confessa sua fé em um Deus trino, ela tenciona transmitir a
idéia de que existe uma só essência ou ser, e não três; mas que existem três personalidades
subsistentes distintas na deidade.
O grande mistério é que o homem é um ser e uma pessoa, todavia Deus é um ser
constituído de três Pessoas.
Há três ὑποστάσεις (hypostaçeis) ou subsistências, que são mutuamente distintas,
cada uma possuindo inteligência, subsistindo por si mesma e não transmitido ou
transmissível às outras, as quais chamamos pessoas, de acordo com a definição que temos
desse termo. Com isto não queremos dizer que há três modos de subsistência ou três formas
de manifestação, mas, como já dissemos, três subsistências inteligentes realmente distintas
uma das outras. Uma pessoa sugere a idéia de alguém que possui mente, emoção e vontade.
Essa é a idéia que temos quando dizemos que há três pessoas na Divindade.
As três subsistências da trindade não têm uma natureza separada, mas uma e a
mesma natureza divina (οὐσία). Há um só Deus, portanto deve haver apenas uma natureza
divina existindo em cada um. As Três pessoas participantes de uma e a mesma essência
(οὐσία) estão intimamente relacionadas entre si. Este relacionamento está implícito nos
nomes Pai, Filho e Espírito Santo.
Na trindade temos três subsistências (ὑποστάσεις), ou melhor dizendo, três almas
(ψυχαῖς) ou pessoas (Personas), porém um só Espírito, ou seja, uma só essência. Não existe
um Espírito para o Pai, um para o Filho, e nem um Espírito para o Espírito Santo. Mas um
só Espírito, uma só essência (οὐσία). O Deus único subsiste em três Pessoas.

4.3. TRÍPLICE REVELAÇÃO DE DEUS 38


4.3.1. A REVELAÇÃO NATURAL:
Sl 19.1,2; At 14.17; Rm 1.19,20. Estudando a natureza encontramos indícios sobre a
natureza de Deus. A isto chamamos de teologia natural. “Teologia natural se refere a
informação sobre Deus colhidas na natureza. As pessoas abordam a teologia natural por duas
perspectivas distintas. Primeiro há aqueles que vêem a teologia natural como uma teologia
derivada de pura especulação humana – por um raciocínio sem ajuda nenhuma passam a

38
BENTES, A. Carlos G. TEONTOLOGIA. Lagoa Santa – MG. Edição Própria, 2011, p. 7,8.
refletir filosoficamente sobre a natureza. Em segundo lugar há aqueles que, de acordo com a
abordagem histórica à teologia natural, vêem isso como sendo produto de e baseado em
revelação natural. Revelação é algo que Deus faz. É a sua auto-revelação”.39
“A teologia natural é algo que nós adquirimos. É o resultado ou de especulação
humana, vendo a natureza como um objeto neutro em si, ou de recepção humana de
informação dada pelo Criador em e através de sua criação. A segunda abordagem vê a
natureza não como um objeto neutro em si que é mudo, mas como um teatro da revelação
divina no qual a informação é transmitida através da ordem criada”. 40
“A forte antipatia à teologia em nossos dias, baseada em especulação humana sem
suporte, trouxe em consequência uma rejeição ampla e por atacado de toda a teologia
natural”. 41
4.3.2. A REVELAÇÃO VERBAL:
2 Rs 17.13; Sl 103.7. “Nós estudamos teologia de várias maneiras. A primeira é
estudando a Bíblia. Historicamente a Bíblia foi recebida pela igreja como um depósito ou
armazém normativo de revelação divina. Pensou-se, em última instância, ser seu autor o
próprio Deus. É por isso que a Bíblia foi chamada o verbum Dei (Palavra de Deus) ou a vox
Dei (voz de Deus). Foi considerada um produto de auto-revelação divina. A informação
contida dentro dela vem não como resultado de uma investigação empírica ou especulação
humana, mas sim por revelação sobrenatural. É chamada de revelação porque vem da mente
de Deus”.42
Jesus respondendo aos discípulos no caminho de Emaús disse: “Ó néscios, e tardos de
coração para crerdes tudo o que os profetas disseram! Porventura não importava que o Cristo
padecesse essas coisas e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, e por todos os
profetas, explicou-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras”. A Bíblia revela quem é
Deus, revela a Santíssima Trindade.
“A teologia clássica fez uma distinção forte entre revelação especial e revelação geral.
As duas espécies de revelação são distinguidas pelos termos especial e geral por causa da
diferença em alcance de conteúdo e na recepção de cada uma”.43
“A revelação especial é especial porque fornece informações específicas sobre Deus
que não podemos encontrar na natureza. A natureza não nos ensina o plano de Deus para a

39
SPROUL. Robert Charles. Op. Cit., p. 29.
40
Ibid. p. 29.
41
Ibid. p. 29.
42
SPROUL. Robert Charles. O Que é Teologia Reformada. 1ª ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009, p. 7.
43
SPROUL. Robert Charles. Op. Cit., p. 9.
salvação; a Bíblia ensina. Aprendemos muito mais pontos específicos sobre o caráter e
atividades de Deus com as Escrituras do que jamais poderíamos colher da criação. A Bíblia
também é chamada de revelação especial porque a informação nela contida é desconhecida
por pessoas que nunca a leram ou a tiveram proclamada para elas”.44
4.3.3. A REVELAÇÃO PESSOAL:
Jo 1.18; Hb 1.1,2. A encarnação do Verbo é a revelação suprema de Deus. “Ninguém
jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer” (Jo
1.18). “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as
coisas, e por quem fez também o mundo” (Hb 1.1,2).
4.4. A NATUREZA DE DEUS 45
4.4.1. ELE É ESPÍRITO. Ele é Espírito Pessoal (Jo 4.24).
Entre os mais básicos dos atributos de grandeza de Deus está o fato de que Ele é
Espírito; ou seja, Ele não é composto de matéria e não possui uma natureza física. Isso é
afirmado com maior clareza por Jesus em João 4.24: “Deus é Espírito; e importa que seus
adoradores o adorem em espírito e em verdade”.

Há outras criaturas que também são seres espirituais, sem qualquer conotação
corpórea, como os anjos, por exemplo (Hb 1.13,14). Mas Deus é um espírito muito diferente
dos outros seres espirituais, porque, juntamente com o fato de ser espírito puríssimo, ele é
infinito, imensurável, onipotente, onipresente, transcendental e imanente. Os anjos apesar de
serem tratados como espíritos, somente o homem possui a imagem e semelhança de Deus.

4.4.2. ELE É IMATERIAL E INCORPÓREO (Lc 24.39).


Lc 24.39: “Vejam as minhas mãos e os meus pés. Sou eu mesmo! Toquem-me e
vejam; um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho”.
Uma conseqüência da espiritualidade de Deus é que Ele não sofre as limitações
inerentes ao corpo físico. Por exemplo, Ele não é limitado a um determinado ponto geográfico
ou espacial. Isso está implícito na afirmação de Jesus: “a hora vem, quando nem neste monte,
nem em Jerusalém adorareis o Pai” (Jo 4.21). Considere também a declaração de Paulo em
Atos 17.24: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo Ele Senhor do céu e da
terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas”. E mais, Ele não é destrutível, ao
contrário da natureza humana.

44
SPROUL. Robert Charles. Op. Cit., p. 9.
45
BENTES, A. Carlos G. TEONTOLOGIA. Lagoa Santa – MG. Edição Própria, 2011, p. 7,8.
Existem, é claro, numerosas passagens que dão a entender que Deus possui aspectos
físicos, tais como mãos e pés. Como entender tais referências? Parece melhor compreendê-las
como antropomorfismo, tentativas de expressar a verdade acerca de Deus por meio de
analogias humanas. Também há casos em que Deus apareceu em forma física, especialmente
no Antigo Testamento. Esses casos devem ser entendidos como teofanias ou manifestações
temporárias de Deus. Parece melhor entender literalmente as afirmações claras acerca da
espiritualidade e invisibilidade de Deus e interpretar os antropomorfismos e as teofanias de
acordo com elas. Aliás, Jesus mesmo indicou claramente que um espírito não possui carne
nem ossos (Lc 24.39).
Nos tempos bíblicos, a doutrina da espiritualidade de Deus fazia oposição à prática da
idolatria e ao culto à natureza. Deus, sendo espírito não podia ser representado por nenhum
objeto ou figura física. O fato de não se limitar a um espaço geográfico também combatia a
idéia de que Deus podia ser contido e controlado. Em nossos dias, os mórmons sustentam que
não apenas o Deus Filho, como também o Pai possui um corpo físico, embora o Espírito
Santo não o possua. Aliás, o mormonismo alega que não pode haver um corpo imaterial. Isso
é claramente contradito pelo ensino da Bíblia sobre a espiritualidade de Deus.
4.4.3. ELE É INVISÍVEL (Êx 33.20; Jo 1.18; Rm 1.20; Cl 1.15; 1Tm 1.17; 6.16).
Sabemos que os israelitas não viram “aparência nenhuma” quando o Senhor lhes
apareceu no Horebe, e portanto não deveriam fazer para si imagens dEle (Dt 4.15-19). Deus
disse a Moisés que homem algum poderia vê-lo e continuar vivo (Êx 33.20); e João disse:
“Ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1.18). Paulo se referiu a Ele como “o Deus invisível” (Rm
1.20; Cl 1.15; 1 Tm 1.17), e declarou que nenhum homem jamais O viu ou pode vê-lo (1 Tm
6.16). Algumas passagens, entretanto indicam que os remidos O verão algum dia (Sl 17.15;
Mt 5.8; Hb 12.14; Ap 22.4). Mas que dizer das passagens que falam de terem homens visto
Deus? Por exemplo: Gn 32.30; Êx 3.6; 24.6,10; Nm 12.6-8; Dt 34.10; Is 6.1,5. Torrey explica:
“Uma pessoa pode ver um reflexo de seu rosto em um vidro. Seria verdade se ela disser: ‘Vi
meu rosto’ e também se disser: ‘Nunca vi meu rosto’”. Assim também homens viram o
reflexo de Sus glória, mas não viram Sua essência. Cf. Êx 33.21-23; Hb 1.3. O Espírito
também pode ser manifestado de forma visível (Jo 1.32; Hb 1.7). “O anjo do Senhor” foi uma
manifestação da forma visível da Divindade (Gn 16.7-14; 22.11-18; Êx 3.2-5; Jz 6. 11-23; 1
Rs 19.3-5; Gn 18.13-33.
4.4.4. ELE É VIVO. (Js 3.10; 1 Sm 17.26; Sl 84.2; Mt 16.16; 1 Ts 1.9).
Vida sugere sentimento, poder, atividade. Deus tem tudo isso, e é a fonte de toda a
vida – vegetal, animal, espiritual e eterna (Jo 5.26; Sl 36.9). Vida é outro atributo de grandeza
de Deus. Ele é caracterizado pela vida. Isso é afirmado na Escritura de várias maneiras. É
encontrado na afirmação de que Ele é. Seu próprio nome “EU SOU” (Êx 3.14) indica que Ele
é um Deus vivo. As Escrituras não discutem sua existência. Elas simplesmente a afirmam.
Hebreus 11.6 afirma que “é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que Ele
existe e que se torna galardoador dos que o buscam”.
4.4.5. ELE É ASSEXUADO. 46
Quando perguntamos se Deus é do sexo masculino, muitos se mostram claramente
inseguros. Afinal de contas, não nos dirigimos a Deus como Pai? Não empregamos
continuamente o pronome pessoal “Ele” ao referir-nos a Deus? Considere a resposta de
Jerônimo.
É inconcebível que exista sexo entre as agências de Deus, desde que mesmo o Espírito
Santo, de acordo com o uso da língua hebraica, é expresso pelo gênero feminino (ruach); em
grego, no neutro (to pneuma); em latim, no masculino (spiritus). Disto devemos entender que,
quando há discussão sobre o acima citado e alguma coisa é registrada no masculino ou
feminino, isto não é tanto uma indicação de sexo, mas uma expressão do idioma da
linguagem. Porque o próprio Deus, o invisível e incorruptível, é representado em quase todas
as linguagens pelo gênero masculino, e portanto o sexo não se aplica a Ele.
4.4.6. ELE É TRIPESSOAL.
Na teologia cristã, o desenvolvimento inicial dessa idéia é creditado a Tertuliano. Para
ele uma pessoa é um ser que pode falar e atuar.
Em nenhum ponto a alma devota sente mais suas limitações do que quando é
confrontada com a responsabilidade de entender a PESSOA de Deus. O homem depois da
queda tornou-se incapaz, à parte da iluminação divina, de compreender o Criador soberano, e
o salvo só recebe esse conhecimento de Deus através da iluminação do Espírito Santo.

46
HALL, Christopher A. LENDO AS ESCRITURAS COM OS PAIS DA IGREJA. 2ª ed. Viçosa: Editora
ULTIMATO. p. 127,128.
5. O LOGOS DE DEUS

5.1. O LOGOS NA FILOSOFIA 47


O Logos (em grego λόγος, palavra), no grego, significava inicialmente a palavra
escrita ou falada — o Verbo. Mas a partir de filósofos gregos como Heráclito passou a ter um
significado mais amplo. Logos passa a ser um conceito filosófico traduzido como razão, tanto
como a capacidade de racionalização individual ou como um princípio cósmico da Ordem e
da Beleza.
Antes do surgimento da filosofia (por volta do séc. VI a.C.), Logos significava
palavra. Porém, a partir de filósofos como Heráclito de Éfeso, veio a ter o conceito de razão.
Foi nos escritos de Heráclito que a palavra “logos” mereceu especial atenção na
filosofia da Grécia Antiga. Apesar de Heráclito parecer usar a palavra com um significado não
muito diferente da maneira como era utilizada no grego comum dessa época, uma existência
independente de um “logos” universal era já sugerida:
Este LOGOS, os homens, antes ou depois de o haverem ouvido, jamais o
compreendem. Ainda que tudo aconteça conforme este LOGOS, parece não terem experiência
experimentando-se em tais palavras e obras, como eu as exponho, distinguindo-se em tais
palavras e obras, como eu as exponho, distinguindo e explicando a natureza de cada coisa. Os
outros homens ignoram o que fazem em estado de vigília, assim como esquecem o que fazem
durante o sono.
Por esta razão, o comum deve ser seguido. Mas, apesar de o LOGOS ser comum a
todos, a maior parte das pessoas vive como se cada um tivesse um entendimento particular.
É sábio que os que ouviram, não a mim, mas ao LOGOS, reconheçam que todas as
coisas são um.

5.2. O LOGOS COMO HIPÓSTASE 48


A doutrina do Logos como Hipóstase ou Pessoa Divina encontra sua primeira
formulação no judeu Fílon de Alexandria (nasceu entre 15 e 10 a.C.), assim Fílon diz: “A
sombra de Deus é o Seu Logos; servindo-Se Dele como instrumento, Deus criou o mundo.
Essa Sombra é quase a imagem derivada e o modelo das outras coisas. Pois assim como Deus
é o modelo dessa Sua Imagem ou Sombra, que é o Logos, o Logos é o modelo das outras
coisas”.
47
http://pt.wikipedia.org/wiki/Logos.
48
http://pt.wikipedia.org/wiki/Logos.
5.3. O LOGOS NA TEOLOGIA CRISTÃ 49
Na teologia cristã o conceito filosófico do Logos viria a ser adaptado no Evangelho de
João, o evangelista se refere a Jesus Cristo como o Logos, isto é, a Palavra: “No princípio era
a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era Deus” João 1.1 (Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ
λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος). 50
A Segunda Pessoa da Trindade (O Filho) é intrinsecamente igual em cada aspecto às
outras Pessoas da Divindade. Ele permanece sendo o que Ele sempre foi apesar dos
conceitos errados que surgiram sobre a Sua Preexistência. Não é possível criar nenhum
método de Cristologia Bíblica que não se baseie e não tenha origem na verdade todo-
determinante de que a Segunda Pessoa encarnada, embora tenha sido um homem de dores é
o Deus Eterno. Cristo é Pré-existente, Ele próprio disse: “Em verdade, em verdade eu vos
digo: antes que Abraão existisse, EU SOU” (Jo 8.58). Temos diversos textos que
corroboram sua Pré-existência: Jo 1.14,17,18; 3.13; 8.23; 17.14.
O Logos existe até mesmo antes da criação do universo (Jo 17.5; Fp 2.6).
“Na linha de pensamento que vai de João a Inácio e a Irineu, o Logos não é mera
hypóstasis (ὑπόστασις) menor, forma ou poder inferior do ser em Deus, mas o próprio Deus
(Filho) enquanto revelador, enquanto auto-manifestação divina”.51

49
BENTES, A. Carlos G. CRISTOLOGIA. Lagoa Santa, MG: Edição própria, 2011, p. 10.
50
http://pt.wikipedia.org/wiki/Logos.
51
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. 3ª Edição. São Paulo: Editora ASTE, 2004, p. 63.
6. A ENCARNAÇÃO DO LOGOS

Lewis Sperry Chafer na sua Teologia Sistemática, falando sobre a Encarnação do


Verbo discorre este tema fazendo três perguntas: 52
I. Quem se encarnou?
II. Como Ele se encarnou?
III. Com que propósito Ele se encarnou?

Iremos dar as respostas de uma maneira sucinta.


I. QUEM SE ENCARNOU?
Foi um dos três que pela encarnação se tornou o Deus-Homem.
Is 7.14: “Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e
dará à luz um filho [natureza humana] e lhe chamará Emanuel [natureza divina]”.
Jesus é o nosso Emanuel, nascido de uma virgem. Ele se tornou um de nós.
Is 9.6,7: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu [natureza humana]; o
governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte
[natureza divina], Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo, e
venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar
mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do SENHOR dos Exércitos
fará isto”. Temos aqui uma Pessoa complexa, Divina e humana”.
Ele é uma Criança, mas também é o Deus Forte e Pai da Eternidade.
Mq 5.2: “E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares
de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos
antigos, desde os dias da eternidade”. Viria a um local geográfico na terra (Belém), mas Sua
procedência é eterna.

Lc 1.30-35: “Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante de
Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus. Este
será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi,
seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim. Então,
disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?
Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá
com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de

52
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. 1ª ed. Vol. 1. São Paulo: Editora Hagnos, 2003, p. 360-373.
Deus”. O Filho de Maria é o Filho do Altíssimo e que foi, como nenhum ser humano poderia
ser, “o ente santo”.

Jo 1.1,2,14: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus. Ele estava no princípio com Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio
de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”. O Deus
Eterno, o Logos, tornou-se carne para poder tabernacular entre os homens. Foi Ele que criou
todas as coisas e dele procede toda a vida.

Fp 2.6-8: “pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser
igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em
semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou,
tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”. Esta grande porção cristológica da
Palavra de Deus coloca Cristo em três posições:
a) Ele estava na forma de Deus. Forma (µορφῇ - morfe) indica que o Cristo
preencarnado estava na forma de Deus no sentido de que existiu em e com a
natureza de Deus.
b) Ele é igual a Deus. Ele era Deus e, portanto ocupava o lugar de Deus e possuía
todas as perfeições divinas.
c) Ele apareceu na terra em semelhança de homens.

A sua preexistência na forma de Deus é evidência completa de que Ele é Deus, mas é
também o mesmo que assumiu a (µορφῇ (forma) de um servo e a semelhançaὁµοιώµατι)
dos homens. A filiação divina é o firme fundamento sobre o qual repousa sua Igreja (Mt
16.15-18).
II. COMO O FILHO SE ENCARNOU?
Ele nasceu na família humana e, assim, veio a possuir o Seu próprio corpo e espírito
humanos. A ortodoxia afirma que Ele veio também possuir uma alma humana. Todavia há
aqueles que entendem que a Alma do Logos poderia assumir o lugar da alma humana devido
à semelhança entre ambas. Outros crêem que a alma humana de Cristo foi hipostatizada na
personalidade do Verbo. A Encarnação não é habitação, nós temos ou somos habitação do
Espírito Santo. Mas o Logos se fez carne. Que Cristo nasceu de uma virgem ficou
expressamente declarado. A geração dessa vida no ventre da virgem é um mistério. Deus Pai
criou o primeiro Adão e também o segundo Adão. O primeiro Adão foi criado santo e o
segundo também. Que Cristo nasceu de uma virgem é a garantia de que Ele não recebeu a
natureza decaída da parte do pai; e para que ninguém pense que uma natureza decaída
pudesse atingi-lo através de Sua mãe, o anjo declarou à Maria, quando lhe anunciou o Seu
nascimento, que o “ente santo” que nasceria dela seria, por causa de sua santidade, chamado
de “Filho de Deus”.
Na Encarnação houve a apropriação de um corpo humano: “Por isso, ao entrar no
mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste; antes, um corpo me formaste” (Hb 10.5). O
primeiro Adão teve o seu corpo formado do pó da terra (Gn 2.7) e com o sopro de Deus nas
suas narinas o homem tornou-se alma vivente. O sopro de Deus tornou-se o primeiro espírito
humano criado, e a entrada deste naquele corpo fez surgir uma manifestação – a alma
humana. Deus ao criar o segundo Adão fez ou criou um novo corpo à semelhança do
primeiro Adão. E formou o espírito humano dentro do corpo do Segundo Adão (Zc 12.1).
Não houve um soprar de Deus para o surgimento da alma humana, mas o Logos, a Alma
Preexistente do Filho encarnou; o Verbo se fez carne. Na conformidade com o Deus-Homem
glorificado e que os santos desta dispensação estarão em comunhão com Ele para sempre.
Os seus corpos trasladados ou ressurretos serão iguais ao corpo da sua glória (Fp 3.21). Hoje
na Trindade nós temos três Pessoas (ou três almas), um só Espírito ou essência, e um corpo
– o do Filho de Deus. O Cristo encarnado morreu e ressuscitou e foi glorificado. Um dia
voltará, do mesmo lugar de onde subiu, o monte das Oliveiras (At 1.12; Zc 14.4). E como
Filho de Davi se assentará sobre o trono de Davi (2 Sm 7.11-16; Lc 1.31-33).
III. COM QUE PROPÓSITO SE ENCARNOU?
1. PARA PODER MANIFESTAR DEUS AO HOMEM. O Cristo encarnado é a
resposta divina à pergunta: Como Deus é? O Logos, o Deus-Homem, expressa
em idéias e realidade humanas tudo aquilo que pode ser traduzido do Infinito.
“Ninguém jamais viu a Deus: o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem
o revelou” (Jo 1.18).
2. PARA PODER MANIFESTAR O HOMEM A DEUS. Cristo em Sua
humanidade, o último Adão, é o ideal que satisfaz completamente o Criador:
“Este é o meu Filho amado em que me comprazo” (Mt 3.17).
3. PARA SER UM SUMO SACERDOTE FIEL E MISERICORDIOSO. Cristo
é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e, é o próprio Sumo Sacerdote
que se apresenta diante de Deus como representante de tudo o que é perfeito na
esfera humana, para que, na qualidade de Sacerdote, Ele possa ser o
representante do homem diante de Deus no sacrifício e por amor da imperfeição
na esfera humana. Apenas Deus pode realizar um sacrifício que atenda as
exigências da santidade infinita. Há um significado profundo na encarnação:
“Corpo me preparaste” (Hb 10.5). Havia um sangue naquele corpo, era o sangue
de Deus (At 20.28). Deus não aceitou e não aceitará sangue de animais e de
corpos impuros, mas aceita o sangue do Filho, pois era sangue puro de um ente
santo.
4. PARA DESTRUIR AS OBRAS DO DIABO. A morte de Cristo foi o
julgamento do “príncipe deste mundo” e o despojamento dos principados e
potestades (Jo 12.31; 16.11; Lc 4.14-18; At 10.38).
5. PARA SER O CABEÇA DA NOVA CRIAÇÃO. Cristo tornou-se o
primogênito (Rm 8.29; 1 Jo 3.2). Ele é o paradigma de um novo povo – a Igreja.
6. PARA SE ASSENTAR NO TRONO DE DAVI. (Lc 1.30-33; 2Sm 7.11-16;
Mt 25.31; 19.28).
7. PARA SER O PARENTE REMIDOR – GO’EL. As verdades envolvidas
neste tema estão prefiguradas no Antigo Testamento:
a) A lei que governa aquele que vai remir (Lv 25.25-55);
b) O exemplo do Remidor (o livro de Rute);
O tipo de redenção é muito simples; mas o antítipo conforme representado por Cristo
na cruz é realmente complexo, embora siga implicitamente as mesmas linhas encontradas no
tipo. As linhas do tipo são:

a) O remidor (go’el) tem de ser um parente (Lv 25.48,49; Rt 3.12,13);


b) O remidor tem de ser capaz de remir (Rt 4.4-6; Jr 50.34);
c) A redenção é efetuada pelo remidor (go’el), pelo cumprimento das devidas
exigências (Lv 25.27). Jesus é o nosso Go’el, o nosso Parente Remidor. Três elementos
foram perdidos na Queda: A alma, o corpo e a terra, Jesus como Parente Remidor pagou o
preço do Resgate – o seu sangue. Assim, hoje já temos a redenção da alma e no dia do
arrebatamento teremos a redenção do corpo (Rm 8.19-23). E num futuro próximo, teremos a
redenção da terra (Mt 19.28; Ap 5).
Cristo é o Parente Remidor – Go’el, capaz de pagar o preço – o seu sangue. Ele
abrirá os selos da Escritura da Redenção da terra, Ele reinará para todo sempre (Ap 5;
11.15).
7. O TRINO DEUS

7.1. TRINDADE

A palavra trindade em si não aparece na Bíblia. Sua forma grega TRIAS parece ter
sido usada primeiro por Teófilo de Antioquia (181 d.C.), e sua forma latina, TRINITAS, por
Tertuliano (220 d.C). Com Trindade queremos dizer que há três distinções eternas em uma
essência divina, conhecidas como PAI, FILHO e ESPÍRITO SANTO. Aqueles que descrêem
na trindade divina, o fazem por um monoteísmo exclusivista na acepção da palavra, em cuja
prática pecam contra o mandamento cristão que determina: “Examinai todas as coisas, retende
o bem” (1 Ts 5.21).
Embora Deus seja um só, ele nunca está só. Diz Irineu: “Estão sempre com ele a
palavra e a sabedoria, o Filho e o Espírito Santo, por meio dos quais tudo fez livre e
espontaneamente”. Segundo Irineu, esses três são um só Deus porque possuem uma só
dynamis, um só poder de ser, uma só essência, a mesma potencialidade. “Potencialidade” e
“dinâmica” são termos latinos e gregos para significar o que expressamos em nossa língua
pelo termo “poder do ser”.53
Os pais capadócios, especialmente Gregório de Nazianzo, faziam claras distinções
entre os conceitos empregados para definir o dogma trinitário. Havia duas séries de conceitos:
a primeira dizia “uma divindade”, “uma essência” (ousia - οὐσία), e “uma natureza” (phiysis);
a segunda, “três substâncias” (hypostaseis - ὑποστάσεις), “três propriedades” (idiotetes), e
“três pessoas” (prosopa, personae). A divindade era entendida como uma essência ou natureza
em três formas, três realidades independentes. Todas as três tinham a mesma vontade, a
mesma natureza e a mesma essência.54
7.2. A TRINDADE NO ANTIGO TESTAMENTO
O vocábulo hebraico ELOHIM (Deus), aparece mais de 2000 vezes no A. T. É este um
substantivo, personativo, masculino, plural. Elohim é o divino autor de tudo (Gn 1.1-3).
Para aqueles monoteístas exclusivistas, Elohim é apenas um plural nobre, o que nada
mais é do que um escapismo, uma farsa, pois não cremos que o Espírito Santo, ao dar a
revelação a Moisés, tenha deixado-nos um mistério, um enigma. Ao contrário, havendo na
língua original por ele usada os vocábulos EL e ELOHÁ (Deus), substantivo personativo,
masculino, singular, usou o plural destes vocábulos, a saber, Elohim, com a finalidade de nos

53
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. Edições Paulinas, Editora Sinodal, 1987, p. 61.
54
TILLICH, Paul. Op. Cit., p. 92.
dar através dele, já no início da história humana, conhecer a raiz da maravilhosa doutrina da
Trindade.
Além do plural (Elohim), o texto do Antigo Testamento utiliza-se de verbos, adjetivos
e pronomes também no plural em plena concordância em gênero e número com o substantivo
plural Elohim. Ex: Gn 1.26; 3.22; 11.7; Js 24.19. Não podeis servir a Iahweh, pois Ele é um
Deus santo.... A frase deste texto é no hebraico Elohim Kdoxim, o adjetivo Kadox=santo,
pluralizado em Kdoxim, concorda com o plural Elohim.
A linguagem do Antigo Testamento alude a trindade divina atribuindo os títulos PAI,
FILHO e ESPÍRITO SANTO, às três pessoas divinas. Ex: Is 63.16; Sl 2.7; Gn 1.2; Is 11.2; Ml
2.10; Sl 45.6-7l; Pv 30.4; Is 63.10.
Há na língua hebraica dois adjetivos que expressam o sentido de unidade ERRAD =

um (‫ )אֶ ָ ֽחד‬e IRRID = único (‫)יְ ִ ֽחיד‬.

O monoteísmo exclusivista tem por base fundamental o texto constante de Dt 6.4, que

em hebraico diz: ‫“ = ְשׁ ַ ֖מע יִ ְשׂ ָר ֵ ֑אל יְ הוָ ֥ה ֱא ֵה֖ינוּ יְ הוָ ֥ה אֶ ָ ֽחד‬Ximah Israel Iahweh Eloheinu
Iahweh Errad”, que traduzido fielmente significa: “Escuta Israel: O eterno é nosso Deus, O
Eterno é um”. (Tradução do rabino Meir Masliah Melamed). Este texto hebraico foi traduzido
por 70 rabinos para o grego comum do seu tempo, fielmente, conforme consta a Septuaginta:
Ἄκουε, Ισραηλ· κύριος ὁ θεὸς ἡµῶν κύριος εἷς ἐστιν· = “Akoue Israel, kurios ho Theon emon
eis esti” - que traduzido literalmente significa: “Ouve Israel, o Senhor o Deus nosso, o
Senhor é um”. Jerônimo traduziu o grego dos 70 para o latim, conforme consta da Vulgata:
“Audi, Israel, Dominus Deus noster, Dominus inis est”. A tradução inglesa diz: “Hear, o
Israel, the Lord our God is one Lord”. A tradução espanhola diz: “Oye Israel, Jehová nuestro
Dios, Jehová uno é”. Isto significa que o texto hebraico exprime precisamente ser a divindade
Criadora, Eterna, uma unidade composta, posto que é isto que exprime o adjetivo ERRAD,
conforme comprovam os seguintes exemplos: Gn 2.24 - “Por isso deixa o homem pai e mãe, e
se une à sua mulher, tornando-se os dois uma (ERRAD) só carne”. Neste texto o adjetivo
ERRAD admite a associação de dois em um só: Jz 20.1-11; 1 Sm 11.7; Ed 3.1; 6.20. Em
todos estes textos, o adjetivo ERRAD demonstra que admite associação de dois e de muitos
sem lhe alterar o sentido. E, pasmem os monoteístas exclusivistas, é este adjetivo ERRAD,
que é aplicado a Divindade em todo o Antigo Testamento.

IRRID (‫יד‬
ְ ‫ = )יְ ִ ֽח‬único, é uma unidade absoluta, exclusiva, que em absoluto, não
admite qualquer associação para poder exprimir o seu sentido restrito, absoluto, posto que,
qualquer associação que se lhe fizer, altera-lhe 100% o sentido que tem. Veja as referências:
Gn 22.2,16; Jz 11.34; Jr 6.26; Am 8.10. Todos estes textos e outros que poderíamos
acrescentar à relação, evidenciam o adjetivo - IRRID (único). Este adjetivo é um adjetivo
absoluto, que não admite associação com ninguém, porque qualquer associação lhe altera o
sentido, deixando de ser único para ser apenas um entre outros. Este adjetivo IRRID nunca é
usado (aplicado) em relação à Deus no texto hebraico do Antigo Testamento.
É impossível, até o momento, descobrir a razão porque os tradutores da Bíblia para o

português haverem traduzido o vocábulo ERRAD - ‫( אֶ ָ ֽחד‬um), como o sentido de IRRID -


‫יְ ִ ֽחיד‬ (único): “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é único Senhor”. Chegamos a pensar: será

que Jesus ao citar este texto em resposta à pergunta do escriba, conforme Mc 12.29, haja dado
ao mesmo este sentido, motivando assim a tradução constante de nossas versões? Mas
consultando a versão hebraica do Novo Testamento e o Novo Testamento Grego Koinê,
verificamos que Jesus foi 100% fiel ao texto hebraico e a seu valor literal, citando sem
nenhuma alteração.

7.3. A TRINDADE NO NOVO TESTAMENTO


No progresso da Revelação o único Deus Verdadeiro aparece claramente no Novo
Testamento existindo em três Pessoas Divinas chamadas: PAI, FILHO e ESPÍRITO SANTO
(Mt 28.19; 2Co 13.13; Mt 3.16-17; Ef 2.18; 4.4-6; 5.18-20; 1Pe 1.2; Jd 20-21).
Cada uma destas Divinas Pessoas possui Suas próprias características pessoais e se
distinguem claramente das outras Pessoas (comp. Jo 14.16,17,26; 15.26; 16.7-15). Contudo as
três Pessoas são iguais no ser, no poder e na glória; cada uma sendo chamada de Deus (Jo
6.27; At 5.3-4); cada uma possuindo todos os atributos divinos (Tg 1.17; Hb 13.8; 9.14); cada
uma realizando as obras divinas (Jo 5.21; Rm 8.11); e cada uma recebendo honras divinas (Jo
5.23; 2Co 13.13).
Com referência à ordem de suas atividades, o Pai é o primeiro, o Filho é o segundo, e
o Espírito Santo é o terceiro; a fórmula geral sendo a seguinte: do Pai (1Co 8.6); Através do
Filho (Jo 3.17), pelo Espírito Santo (Ef 3.5) e para o Pai (Ef 2.18). Mesmo assim, entretanto,
nenhuma das Pessoas age independentemente das outras pessoas; mas sempre há uma
concorrência mútua, como disse o Senhor: “O meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho
também (Jo 5.17); e o filho nada pode fazer de si mesmo (Jo 5.19)”; e novamente, “Eu e o Pai
somos um (Jo 10.28-30)”.
Na revelação de Deus no Novo testamento como um ser tripessoal, não há afastamento
do rigoroso monoteísmo do Velho Testamento (comp. Dt 6.4-5 com Mc 12.29-30; Rm 3.30).
As três Pessoas Divinas são um Deus, não três deuses. Foi preciso que o Velho Testamento
enfatizasse primeiro a unidade Divina a fim de resguardar contra as tendências politeístas.
Mas mesmo no Velho Testamento, quando lido à luz do Novo Testamento, surge a
pluralidade de Pessoas dentro do Único Deus Verdadeiro (comp. Gn 1.26; Is 6.8; 48.12 com
48.16).
A Trindade de Deus é reconhecidamente um grande mistério, algo totalmente além da
possibilidade de uma explicação completa. Mas podemos nos resguardar do erro apegando-
nos firmemente aos fatos da Revelação Divina, que: 1o) quanto ao Seu Ser ou essência, Deus
é um; 2o) quanto à Sua Personalidade, Deus é três; 3o) não podemos nem dividir a essência,
nem confundir as Pessoas. Mas, apesar do seu mistério, a doutrina da Divina Trindade sempre
comprovou ser rica em valores espirituais e práticos.
A importância atribuída à Divina Trindade, na Revelação do Novo Testamento,
aparece no fato de que a doutrina está firmemente embebida em duas fórmulas que são
constantemente repetidas para o povo ouvir na igreja:
1a) a fórmula do batismo: Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo (Mt 28.19);
2a) a fórmula da benção apostólica: A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de
Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós (2 Co 13.13).

7.4. A TRINDADE E A COMUNHÃO 55


2Co 13.13: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do
Espírito Santo seja com todos vós. Amém”.
“Deus não poderia existir em nenhuma forma a não ser a tripessoal” (Berkhof).
“Deus não poderia contemplar-se a si mesmo, conhecer-se e comunicar-se Consigo
mesmo, se não fosse trino em Sua constituição” (Shedd).
Deus é amor (1Jo 4.16). A maior comunhão que existe está na trindade, pois estas três
Pessoas se amam mutuamente.
“Antes que houvesse o universo, antes que se movesse o mínimo átomo de matéria
cósmica, antes que emergisse a primeira réstia de inteligência, antes que começasse a haver
tempo, o Pai, o Filho e o Espírito Santo estavam em si em erupção vulcânica de vida e amor.
Existia a trindade imanente. Nós como criaturas, filhos e filhas, existíamos em Deus como
projetos eternos, gerados pelo Pai no coração do Filho com o amor do Espírito Santo”
(Leonardo Boff).

55
SOUSA, Ricardo Barbosa. O CAMINHO DO CORAÇÃO. Encontro Publicações, 2002.
“Sob o nome de Deus a fé cristã vê o Pai, o Filho e o Espírito Santo em eterna
correlação, interpenetração e amor; de tal sorte que são um só Deus Uno. A unidade
significa a comunhão das Pessoas divinas. Por isso, no princípio não está a solidão do Uno,
mas a COMUNHÃO das três Pessoas” (Leonardo Boff).
Ricardo Barbosa de Sousa: “Deus, antes mesmo da criação, já era; e era todo amor e
comunhão porque existia eternamente como Trindade. Antes mesmo que houvesse qualquer
objeto criado para s r alvo do amor divino, Deus já era amor e relacionava-se em amor por ser
esta a natureza da Trindade. O Deus revelado na Bíblia não pode ser compreendido a não ser
através da experiência comunitária do amor”.
“Nosso ingresso na igreja de Jesus Cristo dá-se em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Ser salvo por Cristo e tornar-se membro da sua igreja é penetrar no mistério da
Trindade e ser envolvido por um Deus que é comunhão.
O Deus cristão e bíblico não existe solitariamente, ele é sempre a comunhão das três
pessoas divinas.
É nesta relação de amor, neste dar e receber, nesta eterna e perfeita comunhão que
fomos criados conforme a imagem e semelhança do Deus trino. Fomos criados para amar,
conviver em amizade e comunhão com o Criador e toda a sua criação. Conhecer a Deus é
mergulhar neste mistério e participar desta comunhão eterna que nutre a alma humana e
resgata o sentido da nossa verdadeira humanidade.
O ser de Deus é um ser relacional, e sem o conceito de comunhão é impossível falar
sobre a realidade de Deus. A partir da Trindade nada existe por si mesmo, individualmente.
Comunhão é a razão de ser do homem” (Ricardo Barbosa de Sousa – autor do livro: O
Caminho do Coração).
CONCLUSÃO

Esperamos ter demonstrado neste opúsculo que a teologia é o conhecimento


supremo, a sabedoria em sentido absoluto. O que de Deus se pode conhecer é aquilo que Ele
próprio revela a nós, e usando a nossa razão humana, iluminada pelo Espírito Santo,
podemos conhecer o Deus desconhecido.
Em todas as religiões há uma ideia deste Deus (desconhecido). Verificamos que é o
próprio Deus que colocou no ser humano este conhecimento intuitivo da Divindade.
Viajando com os filósofos vimos que eles chegaram (tateando) intelectualmente ao
conceito do Deus Único – Theós – o motor imóvel do universo. Eles nos falaram do Logos
Spermatikos.
Chegamos ao Theos ao Logos da Bíblia e lá ancoramos o nosso barco e
encontramos descanso para as nossas almas.
Devemos nos lembrar, entretanto, de que por mais que estudemos filosofia, teologia
ou ciência nossos estudos serão sempre – e apenas – um reflexo da vontade de Deus. Todo
o nosso conhecimento será apenas uma gota no oceano do que teremos ainda por conhecer.
Do ponto de vista de nossa finitude e de nossa humanidade, o restante permanecerá um
mistério, apesar de toda a nossa fé e de toda a nossa teologia em relação ao Inescrutável, em
relação ao Propósito Eterno de Deus, todo o nosso conhecimento será apenas um
microcosmo, pois sempre enxergamos o nosso Criador com nossos limitados olhos
humanos.
“Que ilusão a dos nossos cientistas e filósofos de achar que podemos entender
logicamente os caminhos do Todo Poderoso! Quanta arrogância dos ateístas, que nem
sequer parecem se incomodar com esses mistérios”.56
Se quisermos pelo menos entender melhor os desígnios do Criador, a única forma é
pensar teologicamente sobre a Revelação, pois tais conhecimentos sempre estarão além de
nossa maneira de raciocinar.
Deixemos que o Supremo Arquiteto do Universo fale conosco através das três
revelações: a Natural, a Verbal e a Pessoal. O Verbo se fez carne.
“Aquele que Se tornou homem na forma de servo é, Aquele que na forma de Deus
criou o homem” (Tomo de Leão).
Lembramos aqui as palavras ditas ao personagem Mackenzie no livro “A Cabana”:

56
MARINO, Raul Júnior. A religião do Cérebro. São Paulo: Editora Gente, 2005, p. 142.
“Mackenzie, eu não sou masculino nem feminino, ainda que os dois gêneros derivem
da minha natureza. Se eu escolho aparecer para você como homem ou mulher (teofania), é
porque o amo”. 57
“Segundo o conceito bíblico, o homem não recebe, no processo da revelação,
doutrinas teológicas acerca de Deus, mas recebe conhecimento pessoal do Senhor, da sua
majestade, santidade e glória. Recebe também conhecimento da justiça do Senhor, do seu
propósito e da sua vontade para com o seu povo. A essência da revelação bíblica é o
intercurso de inteligências”. 58

57
RAUSER, Randal. Encontre Deus na Cabana. 1ª ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009, p. 25.
58
CRABTREE, Asa Routh. Teologia Bíblica do Novo Testamento. 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1977, p. 20.
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