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A Teoria de Vygotsky

Paulo Ricardo da Silva Rosa Departamento de Física UFMS


e-mail: rosa@dfi.ufms.br A teoria de Vygotsky – Capítulo 5
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Introdução
Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 1896 na cidade de Orsha, na Rússia, e
morreu em Moscou em 1934, com apenas 38 anos. Formou-se em Direito,
História e Filosofia nas Universidades de Moscou e A. L. Shanyavskii,
respectivamente. Por esses dados biográficos podemos perceber de início o
pano de fundo que influenciou decisivamente a sua formação e o seu trabalho:
a revolução russa de 1917 e o período de solidificação que se sucede.
Vygotsky é um marxista e tenta desenvolver uma Psicologia com estas
características.

A esse respeito é necessário que se estabeleça


de saída uma diferença fundamental entre o
trabalho de Vygotsky e o trabalho de outros
teóricos da formação de conceitos, como
Piaget ou Ausubel: Vygotsky não deixou uma
teoria acabada e pronta. Muito mais apontou
caminhos a serem seguidos por outros
pesquisadores, na forma de grandes linhas de

Figura 1 - Lev Vgotsky.

pesquisa a serem desenvolvidas, do que sistematizou um corpo de


conhecimentos a respeito da mente humana.

Outro ponto que também diferencia Vygotsky de outros teóricos, Piaget


principalmente, é a sua preocupação com as situações de aprendizagem em
sala de aula, o que o aproxima em certo sentido de Ausubel.

A teoria de Vygotsky chega ao ocidente através de dois livros básicos:


Pensamento e Linguagem e A Formação Social da Mente 1 (respectivamente
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Vygotsky 1993 e Vygotsky 1991). O primeiro tem a sua tradução feita do russo
para o inglês apenas em 1962 e o segundo em 1978. Ambos não são livros
completos no sentido de que são compilações de trabalhos esparsos, muitas
vezes redundantes.

Devido à doença de Vygotsky, que o levaria à morte com apenas 38 anos, o


estilo nessas obras é bastante sintético e muitas vezes há apenas um
delineamento de idéias. Dentro da própria União Soviética o trabalho de
Vygotsky foi proibido por 20 anos. Daí para o Brasil se vão mais alguns anos e,
portanto, somente na década de 90 Vygotsky aparece como um teórico da
aprendizagem influente na cena educacional brasileira.

Qual a razão da importância crescente de Vygotsky no Brasil? Uma hipótese


que podemos levantar é que Vygotsky fornece uma espécie de elo que faltava
à teoria piagetiana, que havia sido o principal referencial ao longo da década
de 80, com o meio social, vertente essa que, como já vimos, surge muito forte
no cenário educacional brasileiro com a Pedagogia Crítica dos Conteúdos. Em
Vygotsky o Homem é um ser social formado dentro de um ambiente cultural
historicamente definido. Esse é o ponto fundamental da teoria de Vygotsky.

Vygotsky é um psicólogo experimental. Esta é a característica básica de seu


trabalho. Todas as suas construções teóricas têm os experimentos como seu
ponto de partida. Nos textos no entanto, muitas vezes, os experimentos são
apenas apontados ou são de terceiros. Outra característica de Vygotsky é ser
um construtivista em oposição aos comportamentalistas do início do século XX,
embora já tenha sido apontado como neocomportamentalista.

Os trabalhos de Vygotsky se desdobram em várias direções. Aqui, no entanto,


nos deteremos apenas naqueles aspectos que mais diretamente se ligam ao
cotidiano da sala de aula de Ciências.
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1
Nos referiremos a estes dois livros por PL e FSM, respectivamente, seguidos
por um número que indicará a página onde se encontram as citações que se
seguirão. Nas citações que faremos, os termos ressaltados em negrito
correspondem a grifos do original.

As relações entre Pensamento e Linguagem


Um primeiro ponto abordado dentro dos trabalhos de Vygotsky foi a relação
entre pensamento e linguagem. No momento histórico em que Vygotsky aborda
esse ponto, a unicidade da consciência é vista pela Psicologia como um
invariante. As formas como as funções psíquicas se relacionam entre si não
mudam e, por conseqüência, podemos estudar cada um dos componentes da
consciência de forma isolada. Esse é o primeiro ponto onde Vygotsky se
insurge contra as teorias vigentes no seu tempo apontando para o fato de que
as funções da mente não são invariantes e mudam. Logo, há que se ressaltar o
caráter de interdependência das funções psíquicas.

Nos estudos anteriores ao trabalho de Vygotsky, a posição teórica de que


falamos havia levado ao estudo da linguagem e do pensamento como
processos independentes e não relacionados. Como conseqüência dessa
postura teórica duas possibilidades se apresentavam quando do estudo do
pensamento e da linguagem pelos psicólogos: a primeira leva à fusão desses
dois processos, pela sua identificação, e pela segunda, os psicólogos eram
levados a segregar os dois processos em compartimentos estanques e não
relacionados. Para Vygotsky, a origem dos erros apontados acima está na
metodologia utilizada nos trabalhos anteriores, com ênfase na dissociação em
elementos componentes. Vygotsky vai de encontro a essa posição apontando
que, sob o ponto de vista metodológico, o correto é a análise em unidades:
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Com o termo unidade queremos nos referir a um produto de análise que, ao


contrário dos elementos, conserva todas as propriedades básicas do todo, não
podendo ser dividido sem que as perca. A chave para a compreensão das
propriedades da água são as suas moléculas e seu comportamento, e não
seus elementos químicos. A verdadeira unidade da análise biológica é a célula
viva, que possui as propriedades básicas do organismo vivo (PL 4).
Mas qual seria a unidade básica do pensamento verbal? Esta unidade
Vygotsky encontra no significado da palavra:

...Acreditamos poder encontrá-la [a unidade] no aspecto intrínseco da palavra,


no significado da palavra.[...] é no significado da palavra que o pensamento e a
fala se unem em pensamento verbal. É no significado então, que podemos
encontrar as respostas às nossas questões sobre a relação entre o
pensamento e a fala (PL 4).

Logo, a metodologia apropriada para o estudo das relações entre pensamento


e linguagem é a análise semântica. O significado serve como unidade para o
estudo da fala, ferramenta de intercâmbio social, no papel de ferramenta
mediadora, bem como para o estudo do pensamento generalizante, uma vez
que cada palavra traz em si uma parte de generalização:
As formas mais elevadas da comunicação humana somente são possíveis
porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada (PL 5).
Uma primeira constatação de Vygotsky é que o pensamento e a linguagem,
que para um adulto parecem entidades idênticas, são, na verdade, dois
processos independentes, com curvas de desenvolvimento independentes, que
convergem para uma mesma trajetória em um dado momento. A base a partir
da qual Vygotsky parte para chegar a essa conclusão são estudos com
primatas superiores, realizados por vários antropólogos. Vygotsky resume os
resultados obtidos com macacos antropóides da seguinte forma (PL 36):
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1. O pensamento e a fala têm raízes genéticas diferentes.


2. As duas funções se desenvolvem ao longo de trajetórias diferentes e
independentes.
3. Não há qualquer relação clara e constante entre elas.
4. Os antropóides apresentam um intelecto um tanto parecido com o do
homem, em certos aspectos (o uso embrionário de instrumentos), e
uma linguagem bastante semelhante à do homem, em aspectos
totalmente diferentes (o aspecto fonético da sua fala, sua função de
descarga emocional, o início de uma função social).

5. A estreita correspondência entre o pensamento e a fala, característica


do homem, não existe nos antropóides.

6. Na filogenia do pensamento e da fala, pode-se distinguir claramente


uma fase pré-lingüística no desenvolvimento do pensamento e uma
fase pré-intelectual no desenvolvimento da fala.

As características dos macacos antropóides indicam que para eles a fala está
ligada apenas a expressão de estados emocionais, faltando qualquer indício de
ideação ou representação interna. Outra característica do pensamento desses
animais é o fato de que a solução de um problema só é possível se todos os
elementos que comporão a solução deste problema estiverem no campo visual.

Ao reproduzir o mesmo tipo de experimentos com crianças os resultados foram


semelhantes. As duas funções da fala (social e de comunicação de estados
emocionais) já podem ser observadas na criança no primeiro ano (fase afetiva -
conativa). Por volta dos dois anos o pensamento e a fala unem-se, dando
origem a uma nova forma de comportamento.
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É interessante observar que, para a criança em seus primeiros estágios, a


palavra não é um símbolo do objeto mas sim uma parte do mesmo. A palavra
cadeira não representa ou substitui na mente da criança o objeto cadeira, mas
é parte do mesmo. Somente mais tarde o caráter simbólico se desenvolve. Há
primeiro uma apropriação externa, utilitária, do signo e só após o
desenvolvimento da estrutura lógica associada. Isto é válido mesmo em idade
escolar. Um resumo dos resultados é o que segue (PL 38):

1. No seu desenvolvimento ontogenético, o pensamento e a fala têm


raízes diferentes.

2. Podemos, com certeza, estabelecer, no desenvolvimento da fala da


criança, um estágio pré-intelectual; e no desenvolvimento de seu
pensamento, um estágio pré-lingüístico.

3. A uma certa altura, essas linhas se encontram; conseqüentemente, o


pensamento torna-se verbal e a fala racional.

Como indícios dessa junção entre pensamento e a fala em crianças podemos


citar um aumento repentino da curiosidade ativa e uma ampliação aos saltos do
vocabulário. Este é o ponto de partida da função simbólica que não acontece
abruptamente, como alguns contemporâneos de Vygotsky acreditavam, mas é
um processo gradual e longo.

Segundo Vygotsky o desenvolvimento da fala comporta quatro estágios:

1. Natural ou primitivo - este é o estágio característico da fala pré-


intelectual.
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2. Psicologia ingênua (correspondendo a uma Física ingênua) - esta


é a fase da inteligência prática (relacionada à manipulação de
objetos). Neste período temos a capacidade de manipular os termos:
porque, quando, se, mas, etc. Porém, esse domínio é operacional,
não havendo ainda uma apropriação das funções lógicas (causais,
temporais, condicionais, etc.) ligadas a estes termos.

3. Operações externas - esta fase corresponde à fase egocêntrica


piagetiana.

4. Crescimento interior - nesta fase há um deslocamento para dentro


da fala, com o aparecimento, na sua etapa final, da fala interior. Esta
tem uma função completamente diferente da fala externa: a sua
função é uma função planificadora. Este é o ponto em que aparece o
pensamento verbal. Este processo é um processo sócio histórico por
excelência:
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...A natureza do próprio desenvolvimento se transforma, do biológico para o


sócio - histórico. O pensamento verbal não é uma forma de comportamento
natural e inata, mas é determinado por um processo histórico - cultural e tem
propriedades e leis específicas que não podem ser encontradas nas formas
naturais de pensamento e fala (PL 43).

A formação dos conceitos


O problema da formação de conceitos é um dos problemas centrais da
Psicologia e um dos mais importantes para o ensino de Ciências. Vygotsky foi
uma das pessoas que mais influenciaram o desenvolvimento desse tema ao
longo do século XX. Mas o que é um conceito? Poderíamos dizer que um
conceito é uma abstração que trás em si os elementos essenciais de um
conjunto de objetos concretos ou abstratos. Normalmente essa abstração é
representada, na nossa cultura verbal, por uma palavra. Assim, por exemplo, a
palavra carro denota um conjunto de objetos concretos que possuem certas
características comuns: são usados para o transporte de pessoas, têm rodas,
possuem faróis, etc. Deve-se observar que a palavra carro não é o conceito,
mas sim o seu signo.

Ao tempo de Vygotsky duas abordagens do problema eram utilizadas. A


primeira usava a técnica de estudar a formação de conceitos solicitando aos
sujeitos que dessem a sua definição. O problema dessa técnica é que ao
solicitar a definição dos conceitos o pesquisador tinha acesso somente ao
produto acabado, perdendo desse modo todo processo de construção de
conceitos.

A segunda metodologia utilizada consistia em estudar o processo de abstração


por parte dos sujeitos pesquisados ao lidar com conjuntos de objetos ou
situações. Nesse caso, perdia-se o valor da definição verbal dos objetos. Em
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ambos os casos ocorre uma perda de informação em relação ao processo


complexo da formação dos conceitos pelas crianças.

Insatisfeito com estas metodologias, Vygotsky propõe o estudo experimental do


processo de formação de conceitos que utiliza a seguinte metodologia: são
apresentados à criança um conjunto de objetos de formas e cores diferentes.
São 22 blocos de madeira de cores diferentes (cinco), formas diferentes (seis),
alturas e larguras diferentes2. Na face voltada para baixo de cada objeto está
uma palavra, que, de fato, não existe na língua padrão, com o nome daquele
objeto. A Tabela 1 mostra o significado de cada uma das palavras utilizadas por
Vygotsky no estudo do processo de formação de conceitos.

O objetivo é verificar se a criança é capaz de descobrir o conceito representado


pela palavra: a atenção está toda nas condições funcionais da formação de
conceitos. A partir desse tipo de estudo, realizado com 300 sujeitos ao todo,
Vygotsky elabora uma taxionomia dos processos de formação de conceitos.

Tabela 1 - Significado das palavras no estudo de formação de conceitos.


Palavra Significado
lag blocos altos e largos
bik blocos baixos e largos
mur blocos altos e estreitos
cev blocos baixos e estreitos

A principal conclusão desse trabalho é que a formação de conceitos é um


processo que, de fato, só começa a ocorrer na adolescência. O que existe até
esta fase são formas de classificação dos objetos que evolui desde uma fase
inicial caracterizada por agrupamentos desorganizados até uma fase anterior à
fase de formação de conceitos, caracterizada por pseudo conceitos. Vamos
analisar cada um desses estágios a seguir.
Fase I - Amontoado ou agregação desorganizada
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Nesta fase inicial o agrupamento de objetos é feito sem qualquer fundamento.


A palavra denota um conglomerado sincrético3 e vago de objetos isolados.
Esta fase comporta três sub - fases:
I.1- Fase onde os agrupamentos são construídos pelo processo de tentativa e
erro. Os grupos são criados ao acaso.
I.2- Fase onde a organização é feita por contigüidade temporal ou espacial ou
pela inserção dos objetos em uma relação mais complexa. A característica
desse período é o fato de que os agrupamentos são formados pela presença
dos objetos no campo visual da criança no momento da formação do
agrupamento.
I.3- Fase onde os agrupamentos são feitos com base nos agrupamentos
formados nas duas subfases anteriores. Os objetos são agrupados por já terem
sido agrupados de alguma forma em um momento anterior. Embora mais
elaborada, essa fase ainda forma amontoados sincréticos.
Fase II - Pensamento por complexos
Neste período os objetos são agrupados devido às relações que de fato
existem entre estes objetos. Agora os objetos são agrupados em famílias com
a palavra denotando um nome de família muito mais que um objeto
individualmente. Em um complexo as relações entre os componentes são
concretas e fatuais e não abstrações de caráter lógico (características de
conceitos). Este é o ponto de diferença entre um complexo e um conceito.
Em um complexo, as ligações entre seus componentes são concretas e
fatuais, e não abstratas e lógicas, da mesma forma que não classificamos uma
pessoa como membro da família Petrov por causa de qualquer relação lógica
entre ela e os outros portadores do mesmo nome. A questão nos é resolvida
pelos fatos.
As ligações fatuais subjacentes aos complexos são descobertas por meio da
experiência direta. [...]Uma vez que um complexo não é formado no plano do
pensamento lógico abstrato, as ligações que o criam, assim como as que ele
ajuda a criar, carecem de unidade lógica; podem ser de muitos tipos diferentes.
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Qualquer conexão fatualmente presente pode levar à inclusão de


determinado elemento em um complexo. É esta a diferença principal entre um
complexo e um conceito. Enquanto um conceito agrupa os objetos de acordo
com um atributo, as ligações que unem os elementos de um complexo ao todo,
e entre si, podem ser tão diversas quanto os contatos e as relações que de fato
existem entre os elementos (PL 53).
Vygotsky diferencia cinco tipos de complexos:
II. 1 - Complexo Associativo - neste caso a associação pode ser feita com
base em qualquer tipo de relação percebida pela criança entre o objeto
específico e outros objetos presentes.
3
sincretismo
s. m. 1. Filos. Sistema que combinava os princípios de diversos sistemas. 2.
Amálgama de concepções heterogêneas. 3. Sociol. Fusão de dois ou mais
elementos culturais antagônicos num só elemento, continuando porém
perceptíveis alguns sinais de suas origens diversas. (Dicionário Michaelis
Eletrônico, 1996).

No exemplo mostrado na Figura 2 a associação é feita pelo fato de todos os


objetos terem cantos em 900 e serem formados por linhas retas.

Figura 2 Exemplo de complexo associativo.

II. 2 - Complexo de Coleções - os elementos são agrupados por alguma


característica que os torna diferentes (cor, forma, etc.). É uma associação por
contraste e não por semelhança.
II. 3 - Complexo em Cadeia - aqui a topologia das ligações entre os objetos é
tipo cadeia, com cada objeto sendo incorporado ao complexo por alguma
característica comum a algum outro objeto já pertencente ao complexo mas
que não precisa, necessariamente, ser uma característica comum aos outros
objetos já incorporados. As ligações são do tipo um a um, como elos em uma
cadeia. Não há uma hierarquia dos atributos que definem quem pertence ao
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complexo. Veja a Figura 3. Esta associação é tipo cadeia. O primeiro elo tem a
forma retangular e cor cinza, o segundo forma retangular mas de cor branca e
o terceiro é uma elipse de cor branca. A ligação do primeiro elo com o segundo
é pela forma enquanto que do segundo com o terceiro é pela cor.

Figura 3 Elementos de um complexo em cadeia.

II. 4 - Complexos Difusos - neste caso uma semelhança muito remota pode
ser suficiente para a inserção do objeto no complexo.
II. 5 - Pseudoconceitos - os pseudoconceitos formam a ponte entre o
pensamento por complexos e os conceitos verdadeiros. Embora semelhantes
aos conceitos são psicologicamente diferentes daqueles. O agrupamento,
neste caso, é feito pela semelhança concreta visível e não por qualquer
propriedade abstrata. Na idade pré-escolar e escolar os pseudo conceitos
dominam sobre as outras formas de complexos.
Os pseudoconceitos predominam sobre todos os outros complexos no
pensamento da criança em idade pré-escolar, pela simples razão de que na
vida real os complexos que correspondem ao significado das palavras não
são desenvolvidos espontaneamente pela criança: as linhas ao longo das
quais um complexo se desenvolve são predeterminadas pelo significado
que uma determinada palavra já possui na linguagem dos adultos (PL 58).
[...] não fosse o predomínio dos pseudoconceitos, os complexos da criança
seguiriam uma trajetória diferente daquela dos conceitos dos adultos, o que
tornaria impossível a comunicação verbal entre ambos.
O pseudoconceito serve de elo de ligação entre o pensamento por complexos e
o pensamento por conceitos. É dual por natureza: um complexo já carrega a
semente que fará germinar um conceito. Desse modo a comunicação verbal
com os adultos torna-se um poderoso fator no desenvolvimento de conceitos
infantis.
Vemos, portanto, que para Vygotsky o desenvolvimento dos pseudoconceitos
não é livre mas direcionado pelos adultos, que fornecem o significado acabado
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das palavras. Caso não existissem os pseudoconceitos o pensamento por


complexos se desenvolveria, em direção a formação dos conceitos, de forma
completamente diferente e autônoma em cada indivíduo. Isto, obviamente,
impediria toda vida social devido à impossibilidade de comunicação entre os
seres humanos: como comunicar se não há traços de significado comuns?

Fase III - Pensamento Conceitual

Nesta fase temos o aparecimento de duas características que diferenciarão o


pensamento por conceitos do pensamento por complexos: as capacidades de
síntese e análise que não estão presentes no pensamento por complexos.
Enquanto que no pensamento por complexos há uma super abundância de
conexões, no pensamento conceitual ocorre um enxugamento dessas ligações.
Da mesma maneira que nas fases anteriores, esta fase se subdivide em
subfases, em número de três:
III. 1 - Agrupamento por grau máximo de semelhança.
III. 2 - Agrupamento com base em um único atributo (conceitos potenciais).
III. 3 - Conceitos verdadeiros.
Há uma diferença entre possuir um conceito e poder defini-lo verbalmente.
Como em outras funções superiores, há, primeiro, uma apropriação
operacional do conceito para depois haver a possibilidade de defini-lo de forma
verbal. O adolescente primeiro usa o conceito para depois tomar consciência
dele. A capacidade de aplicar o conceito a uma situação totalmente nova
somente aparece ao final da adolescência.
Segundo Vygotsky:
Nossa investigação mostrou que um conceito se forma não pela interação das
associações, mas mediante uma operação intelectual em que todas as funções
mentais elementares participam de uma combinação específica. Essa
operação é dirigida pelo uso das palavras como o meio para centrar ativamente
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a atenção, abstrair determinados traços, sintetizá-los e simbolizá-los por meio


de um signo.
Os processos que levam à formação dos conceitos evoluem ao longo de duas
linhas principais. A primeira é a formação dos complexos: a criança agrupa
diversos objetos “um nome de família” comum; esse processo passa por vários
estágios. A segunda linha de desenvolvimento é a formação de “conceitos
potenciais”, baseados no isolamento de certos atributos comuns. Em ambos os
casos, o emprego da palavra é parte integrante dos processos de
desenvolvimento, e a palavra conserva a sua função diretiva na formação dos
conceitos verdadeiros, aos quais esses processos conduzem.
A formação de conceitos espontâneos versus a formação de conceitos
científicos
A análise feita na seção anterior tem por base o laboratório onde os conceitos
são formados, de certo modo, de maneira artificial. Mas o que acontece na
prática, no dia a dia? Para responder a esta pergunta Vygotsky acha importante
fazer uma distinção entre o que ele chama de conceitos espontâneos e
conceitos científicos.

Nível de abstração superior

Nível concreto
Direção de crescimento dos conceitos cotidianos
direção de crescimento dos conceitos científicos

Figura 4 Esquema da direção de crescimento dos conceitos científicos e


cotidianos dentro da teoria de Vygotsky.

Os primeiros, conceitos espontâneos, são aqueles conceitos que são


formados a partir da interação do sujeito com o mundo físico do dia a dia
enquanto que os segundos, conceitos científicos, normalmente são
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enunciados no ambiente formal do ensino, não tendo, portanto, a mesma


gênese dos conceitos cotidianos. Vygotsky discorda dos trabalhos de Piaget
que, nessa fase, não fazia qualquer distinção entre os dois tipos de conceitos 4.
O processo de desenvolvimento dos dois tipos de conceitos é completamente
diferente também. Os conceitos cotidianos são usados pelo sujeito e após são
generalizados. Já os conceitos científicos já nascem como generalizações
(abstrações) da realidade. Com estas origens diferentes o desenvolvimento dos
dois tipos de conceitos também se dá de forma diversa: enquanto os conceitos
cotidianos têm um desenvolvimento vertical em direção à um nível de
abstração superior (para cima) os conceitos científicos têm um
desenvolvimento em direção à base, instâncias concretas do conceito. A Figura
4 mostra, esquematicamente, este desenvolvimento dos conceitos.
Os conceitos científicos pressupõem, desde o início, um certo grau de
generalização e de sistematização tendo necessidade, desde o início, de um
processo de mediação por outros conceitos.
A zona de desenvolvimento proximal: aprendizagem versus
desenvolvimento
Vygotsky se preocupou muito com a questão, clássica na Psicologia: qual a
influência da aprendizagem no desenvolvimento mental da criança? Ao tempo
em que Vygotsky realizou seus estudos três escolas disputavam a preferência
dos psicólogos.
A primeira dessas escolas considerava que a aprendizagem deve seguir o
desenvolvimento dos alunos. O papel do professor seria o de identificar
adequadamente o estágio de desenvolvimento do aprendiz e programar a
aprendizagem de acordo com este estágio. Para esta escola o
desenvolvimento é um processo de maturação natural e a aprendizagem nada
pode fazer para acelerar este processo. Os trabalhos de Piaget se
enquadrariam dentro desta categoria5.
4
Observe-se no entanto, que o Piaget que Vygotsky conhece é o Piaget jovem,
dos primeiros trabalhos.
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5
Sempre é bom lembrar que Piaget não tinha a escola como sua preocupação.
A teoria de Vygotsky – Capítulo 5.

Um segundo grupo de psicólogos considerava como sinônimos aprendizagem


e desenvolvimento, identificando mesmo um com o outro. Dentro desta escola
podemos enquadrar os comportamentalistas.
Uma terceira escola tentava juntar as duas posições antagônicas, por achar
que não eram tão antagônicas assim. A Gestalt se enquadra nessa terceira
posição teórica.
Vygotsky não concorda com nenhuma das três posições e argumenta que:

1. O desenvolvimento das bases psicológicas para o aprendizado de


matérias básicas não precede esse aprendizado, mas se desenvolve
numa interação contínua com as suas contribuições.

2. O aprendizado precede o desenvolvimento em muitas áreas.

3. O aprendizado de uma matéria influencia o desenvolvimento das


funções superiores para além dos limites da matéria específica.

Como vimos na seção anterior, os dois tipos de conceitos identificados por


Vygotsky crescem em direções opostas. No entanto, os dois processos não são
independentes, pelo contrário, são altamente relacionados. É preciso que o
desenvolvimento de um conceito cotidiano tenha atingido determinado nível
para que o conceito científico correlato possa ser absorvido pela criança.
Vygotsky chama a atenção para o fato de que as relações entre conceitos são
relações de generalidade, com o nível de generalização atual sendo construído
sobre o nível de generalização precedente. Assim, o conceito científico exige a
existência de um sistema de generalização enquanto que o conceito cotidiano
prescinde desse sistema.
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Outro ponto para o qual Vygotsky chama a atenção 6 é a existência de uma


história que precede cada situação de aprendizagem. O aluno ao entrar na
escola já possui uma aritmética ou uma geometria não sendo portanto uma
tábula rasa sobre a qual o professor e o ensino deixarão a sua marca.

A partir dessa diferenciação entre conceitos espontâneos e conceitos


científicos vemos que a aprendizagem possui uma natureza diferente quando
acontece dentro da escola em relação à situação externa à escola. Essa
diferença para Vygotsky não pode ser explicada somente pelo caráter
sistemático da aprendizagem conceitual científica.

Para sair desse impasse, Vygotsky desenvolve dois conceitos chave (ver a
Figura 5). Ao primeiro chama de Zona de Desenvolvimento Real (ZDR) e ao
segundo Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

A Zona de Desenvolvimento Real compreende aquelas funções psíquicas já


dominadas pelo sujeito. É esta região que é explorada pelos testes. Nela estão
aquelas habilidades já dominadas pelo sujeito. Para os adeptos da teoria pela
qual o desenvolvimento precede a aprendizagem é o lugar onde o professor e
o sistema de ensino devem trabalhar.

A Zona de Desenvolvimento Proximal, por outro lado, indica aquele conjunto de


habilidades onde o sujeito pode ter sucesso se assistido por uma adulto ou
alguém mais experiente. É nessa região que estão as habilidades ainda em
desenvolvimento pelo sujeito. Se pegarmos duas crianças que apresentem a
mesma ZDR ambos poderão ter graus diferentes de sucesso na solução de
problemas assistidos. As habilidades nas quais as crianças apresentam
sucesso na solução de problemas assistidos serão aquelas onde o sujeito
poderá ter sucesso sozinho depois de algum tempo, se o desenvolvimento
seguir o seu curso normal. Deste modo, para Vygotsky, a região onde a escola
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deve trabalhar é a da ZDP de modo a alavancar o processo de


desenvolvimento dessas funções.

6
Vemos aqui um prenúncio das modernas pesquisas em Concepções
Espontâneas.
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Zona de Desenvolvimento Real Zona de Desenvolvimento Proximal

Figura 5 Esquema das Zonas de Desenvolvimento Real e Zona de


Desenvolvimento Proximal na teoria de Vygotsky.
Relacionado a isto temos o papel da imitação. Para Vygotsky a imitação 7 não
deve ser vista como uma simples reprodução mecânica pela criança de
atividades dos adultos mas sim como um momento onde a criança está
exercitando as habilidades da sua ZDP.
Para Vygotsky:
Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar uma
zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários
processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente
quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em
cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos
tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança
(FSM 101).

O papel da escola e das disciplinas científicas

De tudo que foi dito até agora qual seria o papel da escola e das disciplinas
científicas?

Como vimos na seção anterior, o conceito de Zona de Desenvolvimento


Proximal caracteriza esta região como um espaço onde os conceitos e funções
psíquicas estão ainda em fase de desenvolvimento enquanto que a Zona de
Desenvolvimento Real é caracterizada por ser uma região onde os conceitos e
funções já se encontram acabados, prontos. Portanto, se a escola trabalhar
dentro desta região, em nada estará contribuindo para o desenvolvimento da
criança.
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O locus onde o professor e a escola devem trabalhar é na Zona de


Desenvolvimento Proximal, representada na Figura 5 pela área em cinza,
enquanto a Zona de Desenvolvimento Real é representada pela área em
branco. Ao trabalhar as funções que estão ainda se desenvolvendo o professor
pode propiciar ao aluno um desenvolvimento mais rápido e completo.

Como também vimos anteriormente a gênese dos conceitos científicos se dá


de forma completamente diferente dos conceitos espontâneos; os conceitos
científicos nascem já abstratos precisando do papel mediador de outros
conceitos para a sua formação. O espaço por excelência para essa ação
pedagógica é a escola. Além disso, como bem apontado por Vygotsky, o
desenvolvimento das funções superiores em uma determinada área afeta áreas
correlatas onde as mesmas habilidades são utilizadas.
7
Observe-se que a imitação também tem um papel chave na teoria de Piaget.

Conclusão

Neste capítulo analisamos a teoria de Vygotsky. Da mesma forma que a teoria


de Piaget a teoria de Vygotsky é possui mais um caráter epistemológico que de
aprendizagem propriamente. No entanto, a exemplo de Ausubel, Vygotsky se
preocupa com a sala de aula. O principal componente inovador da teoria de
Vygotsky é a incorporação de fatores sociais na formação de conceitos. Em
Vygotsky os conceitos vão sendo formados individualmente por cada sujeito até
atingirem o estágio de pseudoconceitos. Nesta fase é a mediação da cultura
que permite uma convergência dos pseudoconceitos em direção a conceitos
compartilhados por um certo agrupamento humano. Sem este papel mediador
os pseudoconceitos evoluiriam em direções arbitrárias, não permitindo a vida
social.

Outro conceito importante da teoria de Vygotsky é o de Zona de


Desenvolvimento Proximal. Essa é definida como uma zona cognitiva onde os
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estudantes são ainda capazes de trabalhar (solucionar problemas) se


assistidos, mas ainda não são capazes de fazê-lo sozinhos. Para vygotsky o
professor deve trabalhar na Zona de Desenvolvimento Proximal, de modo a
fazer avançar a fronteira da Zona de Desenvolvimento Real, definida como
aquela zona cognitiva onde o aluno pode trabalhar só. Como fazer isto? O
professor deve apresentar problemas que contenham elementos dentro da
Zona de Desenvolvimento Real mas que contenham também elementos da
zona cognitiva que se encontra em fase de desenvolvimento, a Zona de
Desenvolvimento Proximal. O trabalho em grupo e cooperativo entre os
estudantes mais avançados (ou o próprio professor) fará com que os alunos
avancem, transformando assim a Zona de Desenvolvimento Proximal em Zona
de Desenvolvimento Real.
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Conclusão

Neste capítulo analisamos a teoria de Vygotsky. Da mesma forma que a teoria


de Piaget a teoria de Vygotsky é possui mais um caráter epistemológico que de
aprendizagem propriamente. No entanto, a exemplo de Ausubel, Vygotsky se
preocupa com a sala de aula. O principal componente inovador da teoria de
Vygotsky é a incorporação de fatores sociais na formação de conceitos. Em
Vygotsky os conceitos vão sendo formados individualmente por cada sujeito até
atingirem o estágio de pseudoconceitos. Nesta fase é a mediação da cultura
que permite uma convergência dos pseudoconceitos em direção a conceitos
compartilhados por um certo agrupamento humano. Sem este papel mediador
os pseudoconceitos evoluiriam em direções arbitrárias, não permitindo a vida
social.
Outro conceito importante da teoria de Vygotsky é o de Zona de
Desenvolvimento Proximal. Essa é definida como uma zona cognitiva onde os
estudantes são ainda capazes de trabalhar (solucionar problemas) se
assistidos, mas ainda não são capazes de fazê-lo sozinhos. Para vygotsky o
professor deve trabalhar na Zona de Desenvolvimento Proximal, de modo a
fazer avançar a fronteira da Zona de Desenvolvimento Real, definida como
aquela zona cognitiva onde o aluno pode trabalhar só. Como fazer isto? O
professor deve apresentar problemas que contenham elementos dentro da
Zona de Desenvolvimento Real mas que contenham também elementos da
zona cognitiva que se encontra em fase de desenvolvimento, a Zona de
Desenvolvimento Proximal. O trabalho em grupo e cooperativo entre os
estudantes mais avançados (ou o próprio professor) fará com que os alunos
avancem, transformando assim a Zona de Desenvolvimento Proximal em Zona
de Desenvolvimento Real.
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Andragogia
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Revista de Clínica Cirúrgica da Paraíba


Nº 6, Ano 4, (Julho de 1999)
ANDRAGOGIA :
A APRENDIZAGEM NOS ADULTOS
Prof. Roberto de Albuquerque Cavalcanti *

Introdução

Crianças são seres indefesos, dependentes. Precisam ser alimentados,


protegidos, vestidos, banhados, auxiliados nos primeiros passos, Durante anos
se acostumam a esta dependência, considerando-a como um componente
normal do ambiente que as rodeia. Na idade escolar, continuam aceitando esta
dependência, a autoridade do professor e a orientação deles como
inquestionáveis.

A adolescência vai mudando este status quo. Tudo começa a ser questionado,
acentuam-se as rebeldias e, na escola, a infalibilidade e autoridade do
professor não são mais tão absolutas assim. Alunos querem saber por que
devem aprender geografia, história ou ciências.

A idade adulta trás a independência. O indivíduo acumula experiências de


vida, aprende com os próprios erros, apercebe-se daquilo que não sabe e o
quanto este desconhecimento faz-lhe falta. Escolhe uma namorada ou esposa,
escolhe uma profissão e analisa criticamente cada informação que recebe,
classificando-a como útil ou inútil.

Esta evolução, tão gritante quando descrita nestes termos, infelizmente é


ignorada pelos sistemas tradicionais de ensino. Nossas escolas, nossas
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universidades tentam ainda ensinar a adultos com as mesmas técnicas


didáticas usadas nos colégios primários ou secundários. A
mesma pedagogia é usada em crianças e adultos, embora a própria origem da
palavra se refira à educação e ensino das crianças (do grego paidós = criança).

APERCEBENDO-SE DA DIFERENÇA

Linderman, E.C, em 1926, pesquisando as melhores formas de educar


adultos para a "American Association for Adult Education" percebeu algumas
impropriedades nos métodos utilizados e escreveu:

"Nosso sistema acadêmico se desenvolveu numa ordem inversa:


assuntos e professores são os pontos de partida, e os alunos são
secundários. ... O aluno é solicitado a se ajustar a um currículo
pré-estabelecido. ... Grande parte do aprendizado consiste na
transferência passiva para o estudante da experiência e
conhecimento de outrem ".
Mais adiante oferece soluções quando afirma que
"nós aprendemos aquilo que nós fazemos. A experiência é o livro-
texto vivo do adulto aprendiz".
Lança assim as bases para o aprendizado centrado no estudante, e do
aprendizado tipo "aprender fazendo". Infelizmente sua percepção ficou
esquecida durante muito tempo.

A partir de 1970 , Malcom Knowles trouxe a tona as idéias plantadas por


Linderman. Publicou várias obras, entre elas "The Adult Learner - A Neglected
Species" (1973), introduzindo e definindo o termo Andragogia - A Arte e
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Ciência de Orientar Adultos a Aprender. Daí em diante, muitos educadores


passaram a se dedicar ao tema, surgindo ampla literatura sobre o assunto.

ANDRAGOGIA - A ARTE E CIÊNCIA DE ORIENTAR ADULTOS A


APRENDER.

Kelvin Miller afirma que estudantes adultos retém apenas 10% do que
ouvem, após 72 horas. Entretanto serão capazes de lembrar de 85% do que
ouvem, vêm e fazem, após o mesmo prazo. Ele observou ainda que as
informações mais lembradas são aquelas recebidas nos primeiros 15 minutos
de uma aula ou palestra.

Para melhorar estes números, faz-se necessário conhecer as peculiaridades


da aprendizagem no adulto e adaptar ou criar métodos didáticos para serem
usados nesta população específica.

Segundo Knowles, à medida que as pessoas amadurecem, sofrem


transformações:

 Passam de pessoas dependentes para indivíduos independentes,


autodirecionados.
 Acumulam experiências de vida que vão ser fundamento e substrato de seu
aprendizado futuro.
 Seus interesses pelo aprendizado se direcionam para o desenvolvimento das
habilidades que utiliza no seu papel social, na sua profissão.
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 Passam a esperar uma imediata aplicação prática do que aprendem, reduzindo seu
interesse por conhecimentos a serem úteis num futuro distante.
 Preferem aprender para resolver problemas e desafios, mais que aprender
simplesmente um assunto.
 Passam a apresentar motivações internas (como desejar uma promoção, sentir-se
realizado por ser capaz de uma ação recem-aprendida, etc), mais intensas que
motivações externas como notas em provas, por exemplo.

Partindo destes princípios assumidos por Knowles, inúmeras pesquisas foram


realizadas sobre o assunto. Em 1980, Brundage e MacKeracher estudaram
exaustivamente a aprendizagem em adultos e identificaram trinta e seis
princípios de aprendizagem, bem como as estratégias para planejar e facilitar o
ensino. Wilson e Burket (1989) revisaram vários trabalhos sobre teorias de
ensino e identificaram inúmeros conceitos que dão suporte aos princípios da
Andragogia. Também Robinson (1992), em pesquisa por ele realizada entre
estudantes secundários, comprovou vários dos princípios da Andragogia,
principalmente o uso da experiências de vida e a motivação intrínseca em
muitos estudantes.

Comparando o aprendizado de crianças (pedagogia) e de adultos (andragogia),


se destacam as seguintes diferenças:

Características da Pedagogia Andragogia


Aprendizagem
Professor é o centro das A aprendizagem adquire
ações, decide o que uma característica mais
Relação Professor/Aluno ensinar, como ensinar e centrada no aluno, na
avalia a aprendizagem independência e na auto-
gestão da aprendizagem.
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Crianças (ou adultos) Pessoas aprendem o que


devem aprender o que a realmente precisam saber
Razões da Aprendizagem sociedade espera que (aprendizagem para a
saibam (seguindo um aplicação prática na vida
curriculo padronizado) diária).
O ensino é didático, A experiência é rica fonte
padronizado e a de aprendizagem, através
Experiência do Aluno
experiência do aluno tem da discussão e da solução
pouco valor de problemas em grupo.
Aprendizagem por assunto Aprendizagem baseada em
Orientação da ou matéria problemas, exigindo ampla
Aprendizagem gama de conhecimentos
para se chegar a solução

Alguns autores já extrapolam estes princípios para a administração de recursos


humanos. A capacidade de autogestão do próprio aprendizado, de auto-
avaliação, de motivação intrínseca podem ser usados como bases para um
programa onde empregados assumam o comando de seu próprio
desenvolvimento profissional, com enormes vantagens para as empresas. Uma
gestão baseada em modelos andragógicos poderá substituir o controle
burocrático e hierárquico, aumentando o compromentimento, a auto-estima, a
responsabilidade e capacidade de grupos de funcionários resolverem seus
problemas no trabalho.

Aliás, os atuais métodos administrativos de controle de qualidade total já


prevêem e utilizam estas características dos adultos. No CQT, os funcionários
são estimulados a reuniões periódicas onde serão discutidos os problemas nos
setores e processos sob sua responsabilidade, buscadas suas causas,
pesquisadas as possíveis soluções, que serão implementadas e reavaliadas
posteriormente. Está aí implícita a atividade de aprendizagem, onde pessoas
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vão trocar idéias, buscar em suas experiências e outras fontes a construção de


um novo conhecimento e a solução de problemas. O setor empresarial, sem
dúvida mais ágil que o de ensino, conseguiu difundir muito mais rapidamente
vários dos conceitos da andragogia, mesmo sem este rótulo estabelecido pelo
mundo pedagógico.

OS UNIVERSITÁRIOS

Os estudantes universitários não são exatamente adultos, mas estão próximos


desta fase de suas vidas. O ensino clássico pode resultar, para muitos deles,
num retardamento da maturidade, já que exige dos alunos uma total
dependência dos professores e curriculos estabelecidos. As iniciativas não
encontram apoio, nem são estimuladas. A instituição e o professor decidem o
que, quando e como os alunos devem aprender cada assunto ou habilidade. E
estudantes deverão se adaptar a estas regras fixas.

Alguns alunos sem dúvida conseguem manter seus planos e ideais, suas
metas e trajetórias, reagindo contra estas imposições e buscando seus próprios
caminhos. Geralmente serão penalizados por baixos conceitos e notas, já que
não seguem as regras da instituição.

Os demais se verão forçados a deixar adormecer suas iniciativas, algumas


vezes marcando de forma profunda suas personalidades. Muitos
permanecerão dependentes, terão dificuldades para se adaptar às condições
diferentes encontradas fora das Universidades, terão sua auto-estima ferida
pela percepção tardia das deficiências de seus treinamentos e poderão
inclusive estar despreparados para buscar a solução para elas.

Para evitar este lado negativo do ensino universitário, é necessário que sejam
introduzidos conceitos andragógicos nos currículos e abordagens didáticas dos
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cursos superiores. Por estar a maioria dos Universitários na fase de transição


acima mencionada, não pode haver um abandono definitivo dos métodos
clássicos. Eles precisarão ainda de que lhes seja dito o que aprender e lhes
seja indicado o melhor caminho a ser seguido. Mas devem ser estimulados a
trabalhar em grupos, a desenvolver idéias próprias, a desenvolver um método
pessoal para estudar, a aprender como utilizar de modo crítico e eficiente os
meios de informação disponíveis para seu aprendizado.

APLICAÇÃO DA TEORIA ANDRAGÓGICA NA APRENDIZAGEM DE


ADULTOS.

Migrar do ensino clássico para os novos enfoques andragógicos é, no mínimo,


trabalhoso (ninguém disse que era fácil..!).O corpo docente envolvido nesta
migração precisa ser bem preparado, inclusive através de programas
andragógicos (afinal, são adultos em aprendizagem!).Burley (1985) enfatizou o
uso de métodos andragógicos para o treinamento de educadores de adultos.

O professor precisa se transformar num tutor eficiente de atividades de grupos,


devendo demonstrar a importância prática do assunto a ser estudado, teve
transmitir o entusiasmo pelo aprendizado, a sensação de que aquele
conhecimento fará diferença na vida dos alunos; ele deve transmitir força e
esperança, a sensação de que aquela atividade está mudando a vida de todos
e não simplesmente preenchendo espaços em seus cérebros.

As características de aprendizagem dos adultos devem ser exploradas através


de abordagens e métodos apropriados, produzindo uma maior eficiência das
atividades educativas.

Tirando proveito da Experiência Acumulada pelos Alunos.


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Os adultos têm experiências de vida mais numerosas e mais diversificadas que


as criança. Isto significa que, quando formam grupos, estes são mais
heterogêneos em conhecimentos, necessidades, interesses e objetivos. Por
outro lado, uma rica fonte de consulta estará presente no somatório das
experiências dos participantes. Esta fonte poderá ser explorada através de
métodos experienciais (que exijam o uso das experiências dos participantes),
como discussões de grupo, exercícios de simulação, aprendizagem baseada
em problemas e discussões de casos. Estas atividades permitem o
compartilhamento dos conhecimentos já existentes para alguns, além de
reforçar a auto-estima do grupo. Uma certa tendência à acomodação, com
fechamento da pente do grupo para novas idéias deverá ser quebrada pelo
professor, propondo discussões e problemas que produzam conflitos
intelectuais, a serem debatidos com mais ardor.

Propondo Problemas, Novos Conhecimentos e Situações sincronizadas


com a Vida Real.

Os adultos vivem a realidade do dia-a-dia. Portanto, estão sempre propensos a


aprender algo que contribua para suas atividades profissionais ou para resolver
problemas reais. O mesmo é verdade quando novas habilidades, valores e
atitudes estiverem conectadas com situações da vida real. Os métodos de
discussão de grupo, aprendizagem baseada em problemas ou em casos reais
novamente terão utilidade, sendo esta mais uma justificativa para sua eficiente
utilização. Muitas vezes será necessária uma avaliação prévia sobre as
necessidades do grupo para que os problemas ou casos propostos estejam
bem sintonizados com o grupo.

Justificando a necessidade e utilidade de cada conhecimento


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Adultos se sentem motivados a aprender quando entendem as vantagens e


benefícios de um aprendizado, bem como as conseqüências negativas de seu
desconhecimento. Métodos que permitam ao aluno perceber suas próprias
deficiências, ou a diferença entre o status atual de seu conhecimento e o ponto
ideal de conhecimento ou habilidade que ser-lhe-á exigido, sem dúvida serão
úteis para produzir esta motivação. Aqui cabem as técnicas de revisão a dois,
revisão pessoal, auto-avaliação e detalhamento acadêmico do assunto. O
próprio professor também poderá explicitar a necessidade da aquisição
daquele conhecimento.

Envolvendo Alunos no Planejamento e na Responsabilidade pelo


Aprendizado

Adultos sentem a necessidade de serem vistos como independentes e se


ressentem quando obrigados a acceder ao desejo ou às ordens de outrem. Por
outro lado, devido a toda uma cultura de ensino onde o professor é o centro do
processo de ensino-aprendizagem, muitos ainda precisam de um professor
para lhes dizer o que fazer. Alguns adultos preferem participar do planejamento
e execução das atividades educaicionais. O professor precisa se valer destas
tendências para conseguir mais participação e envolvimento dos estudantes.
Isto pode ser conseguido através de uma avaliação das necessidades do
grupo, cujos resultados serão enfaticamente utilizados no planejamento das
atividades. A independência, a responsabilidade serão estimulados pelo uso
das simulações, apresentações de casos, aprendizagem baseada em
problemas, bem como nos processos de avaliação de grupo e autoavaliação.

Estimulando e utilizando a Motivação Interna para o Aprendizado.

Estímulos externos são classicamente utilizados para motivar o aprendizado,


como notas nos exames, premiações, perspecitivas de promoções ou melhores
empregos. Entretanto as motivações mais fortes nos adultos são internas,
relacionadas com a satisfação pelo trabalho realizado, melhora da qualidade de
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vida, elevação da auto-estima. Um programa educacional, portanto, terá


maiores chances de bons resultados se estiver voltado para estas motivações
pessoais e for capaz de realmente atender aos anseios íntimos dos estudantes.

Facilitando o Acesso, os Meios, o Tempo e a Oportunidade

Algumas limitações são impostas a alguns grupos de adultos, o que impedem


que venham a aprender ou aderir a programas de aprendizagem. O tempo
disponível, o acesso a bibliotecas, a serviços, a laboratórios, a Internet são
alguns destes fatores limitantes. A disponibilização destes fatores aos
estudantes sem dúvida .contribui de modo significativo para o resultado final de
todo o processo.

Outros Aspectos da Aprendizagem de Adultos

Adultos não gostam de ficar embaraçados frente a outras pessoas. Assim,


adotarão uma postura reservada nas atividades de grupo até se sentirem
seguras de que não serão ridicularizadas. Pessoas tímidas levarão mais tempo
para se sentirem à vontade e não gostam de falar em discussões de grupo.
Elas podem ser incentivadas a escrever suas opiniões e posteriormente
mudarem de grupos, caso se sintam melhor em outras companhias.

O ensino andragógico deve começar pela arrumação da sala de aulas, com


cadeiras arrumadas de modo a facilitar discussões em pequenos grupos.
Nunca deverão estar dispostas em fileiras.

Antes de cada aula, o professor deverá escrever uma pergunta provocativa no


quadro, de modo a despertar o interesse pelo assunto antes mesmo do inicio
da atividade.

O professor afeito ao ensino de adultos raramente responderá alguma


pergunta. Ele a devolverá à classe, perguntando "Quem pode iniciar uma
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resposta?" ("Quem sabe a resposta?" e' uma pergunta intimidante e não


deverá ser utilizada).

O Professor nunca deverá dizer que a resposta de um adulto está errada. Cada
resposta sempre terá alguma ponta de verdade que deve ser trabalhada. O
professor deverá se desculpar pela pergunta pouco clara e refazê-la de modo a
aproveitar a parte correta da resposta anterior. Fará então novas perguntas a
outros estudantes, de modo a correlacionar as respostas até obter a
informação completa.

Vimos acima que adultos, após 72 horas, lembram muito mais do que ouviram,
viram e fizeram (85%) do que daquilo que simplesmente ouviram (10%). O
"Teste de 3 minutos" é um excelente recurso para fixar o conhecimento. Os
alunos são slicitados a escrever,no espaço de 3 minutos, o máximo que
puderem sobre o assunto que discutido. Isto reforça o aprendizado criando
uma percepção visual sobre o assunto.

Adultos podem se concentrar numa explanação teórica durante 07 minutos.


Depois disso, a atenção se dispersa. Este período deverá ser usados pelo
Professor para estabelecer os objetivos e a relevância do assunto a ser
discutido, enfatizar o valor deste conhecimento e dizer o quanto sente-se
motivado a discutí-lo. Vencidos os 07 minutos, é tempo de iniciar uma
discussão ou outra atividade, de modo a diversificar o método e conseguir de
volta a atenção. Estas alternâncias podem tomar até 30% do tempo de uma
aula teórica, porém permitem quadruplicar o volume de informações
assimiladas pelos estudantes.

CONCLUSÃO
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Nos Cursos Universitários, geralmente recebemos adolescentes como calouros


e liberamos adultos como bacharelandos. Estamos portanto trabalhando no
terreno limítrofe entre a pedagogia e andragogia. Não podemos abandonar os
métodos clássicos, de curriculos parcialmente estabelecidos e professores que
orientem e guiem seus alunos, nem podemos, por outro lado, tolher o
amadurecimento de nossos estudantes através da imposição de um curriculo
rígido, que não valorize suas iniciativas, suas individualidades, seus ritmos
particulares de aprendizado. Precisamos encontrar um meio termo, onde as
características positivas da Pedagogia sejam preservadas e as inovações
eficientes da Andragogia sejam introduzidas para melhorar o resultado do
Processo Educacional.

Precisamos estimular o autodidatismo, a capacidade de autoavaliação e


autocrítica, as habilidades profissionais, a capacidade de trabalhar em equipes.
Precisamos enfatizar a responsabilidade pessoal pelo próprio aprendizado e a
necessidade e capacitação para a aprendizagem continuada ao longo da vida.
Precisamos estimular a responsabilidade social, formando profissionais
competentes, com auto-estima, seguros de suas habilidades profissionais e
comprometidos com a sociedade à qual deverão servir. Sem dúvida, a
Andragogia será uma ótima ferramenta para nos ajudar a atingir estes
objetivos.

Roberto de Albuquerque Cavalcanti é:

Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina da UFPB, em 1973


Aprovado pelo ECFMG em 1973.
Professor Adjunto IV do Departamento de Cirurgia do CCS - UFPB
Vice-Chefe do Departamento de Cirurgia do CCS - UFPB
Membro da Comissão de Reforma Curricular da Coordenação do Curso de
Medicina - CCS - UFPB.
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Acessos desde 28/06/99 =


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Teoria das inteligências múltiplas

SOBRE A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS, DE GARDNER


Arquivado em: Psicologia
Escrito por psicopr
Sex, 15 de Abril de 2005 17:37
SOBRE A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS, DE GARDNER
Leandro Kruszielski
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Trabalho apresentado à disciplina de Psicologia da Aprendizagem,


da Universidade Federal do Paraná (1999)

Existem teorias científicas que revolucionam o modo de pensar de determinada área do


conhecimento. Outras ganham espaço na mídia em geral e, consequentemente, são
reconhecidas pelo grande público. A teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner
(pesquise livros e preços de edições brasileiras) parece estar enquadrada nos dois casos.
Existem teorias científicas que revolucionam o modo de pensar de determinada área do
conhecimento. Outras ganham espaço na mídia em geral e, consequentemente, são
reconhecidas pelo grande público. A teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner
parece estar enquadrada nos dois casos.

Este fato acarreta vantagens e desvantagens. A grande vantagem, neste caso, é a


mudança de pensamento de pessoas que normalmente não tem acesso ou interesse em
artigos científicos. A desvantagem encontra-se no fato de que, ao tornar-se uma teoria
"popular", correria riscos de ser tratada superficialmente permitindo que os eventuais erros
fossem expostos sem uma análise mais crítica.

Pensando desta maneira, o presente trabalho pretende apresentar de forma sucinta a


teoria das Inteligências Múltiplas e realizar uma breve análise crítica da teoria, enfocando
principalmente o aspecto neuropsicológico inserido nela. Por esta razão, durante a
exposição da teoria em si, embora mantendo fidelidade ao conteúdo original, serão
utilizados outros autores para fundamentar as inteligências em seu aspecto cerebral.
Fundamentando-se assim, poderá acontecer uma crítica mais consistente por estar
enfocada em determinado aspecto, que anteriormente foi destacado na apresentação da
teoria.

2. A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS


Em 1900 o psicólogo francês Alfred Binet foi solicitado para que desenvolvesse uma
medida de predição do sucesso escolar de crianças das primeiras séries. Desta forma
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surgiu o primeiro teste de inteligência. Tal teste tinha por finalidade geral diferenciar
crianças retardadas e crianças normais nos mais diferentes graus. Após a I Guerra
Mundial, onde o teste de Q.I. (Quociente Intelectual) foi utilizado para medir a inteligência
dos soldados, tornou-se muito popular sua aplicação.

Com a popularização do teste, propagou-se a idéia de inteligência nele inserida. A


inteligência seria única, estagnada, passível de ser medida quantitativamente. Segundo
GARDNER (1995, p. 21), autor da teoria das Inteligências Múltiplas que veremos a seguir,
segundo esta visão tradicional: "a inteligência é (...) a capacidade de responder a itens em
testes de inteligência". Os testes psicométricos consideram que existe uma inteligência
geral, nos quais os seres humanos diferem uns dos outros, que é denominada g.
Este g pode ser medido através da análise estatística dos resultados dos testes. É
importante acrescentar que tal maneira de encarar a inteligência ainda hoje está presente
no senso comum e mesmo em muitas parcelas do meio científico.

Porém podemos observar que durante todo o século XX, vários psicólogos e cientistas de
outras áreas do conhecimento fizeram fortes críticas aos testes de Q.I. Vygotsky, por
exemplo, apontou o erro no que diz respeito aos testes de inteligência abordarem as
zonas de desenvolvimento proximal de modo errado. Piaget trabalhava com tais testes,
mas a sua atenção era voltada para as linhas de raciocínio das crianças, não para as
respostas dadas. Estudando as respostas erradas e os raciocínios que conduziam a elas,
Piaget construiu parte de sua teoria. Ao criticarem o modo como era medido a inteligência,
o próprio conceito de inteligência contido em tais testes era também criticado.
Entretanto uma proposta mais revolucionária surgiu recentemente através de Howard
Gardner, psicólogo e professor norte americano. GARDNER (1995, p.14) entende por
inteligência "a capacidade para resolver problemas ou elaborar produtos que sejam
valorizados em um ou mais ambientes culturais ou comunitários". A novidade dentro da
teoria de Gardner é considerar a inteligência como possuindo várias facetas. Tais facetas,
que na verdade são talentos, capacidades e habilidades mentais; são chamadas de
inteligências na teoria das Inteligências Múltiplas, como o próprio nome explicita.
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Antes de discorrer a respeito da teoria e das diversas inteligências vale lembrar de um


curioso incidente que aconteceu em nosso país antes de Copa do Mundo de 1958. O
Brasil possuía seu primeiro psicólogo esportivo, João Carvalhaes, que atendia a seleção
brasileira de futebol. O psicólogo resolveu aplicar em todos os jogadores testes de QI.
Garrincha, que estava no apogeu de sua carreira, após responder os testes ficou sabendo
que seu quociente intelectual era irrisório, sendo classificado como débil mental. Por este
motivo quase foi impedido de participar da Copa. (MODERNELL, 1992, p. 56)

Ninguém duvida do talento que possuía este atleta quando se encontrava no meio de um
gramado com a bola nos pés. Todavia, o teste psicométrico de inteligência indicava
Garricha como uma pessoa sem grandes chances de ser bem sucedido em sua vida, o
que não correspondeu à realidade. Fica claro que os testes de QI predizem apenas como
vai ser o desempenho escolar e não o sucesso profissional depois de concluída a
instrução formal.

É dentro desta perspectiva que Gardner apresenta a teoria das Inteligências Múltiplas
(IM). Os testes de QI medem apenas as capacidades lógica e lingüística, capacidades que
normalmente são as únicas exigidas e avaliadas pelas escolas e, sem dúvida, as
capacidades mais valorizadas em nossa sociedade. Gardner pretende considerar também
as outras capacidades, as outras "inteligências" menos lembradas, para analisá-las em
sua teoria.

Para selecionar quais as inteligências que seriam trabalhadas em sua teoria foram
utilizadas diversas fontes: as informações disponíveis sobre o desenvolvimento normal e o
desenvolvimento do indivíduo talentoso; estudos sobre populações prodígios, idiotas
sábios, crianças autistas, crianças com dificuldade de aprendizagem; dados sobre a
evolução da cognição; considerações culturais comparadas sobre a cognição; estudos
psicométricos; estudos de treinamento psicológico e principalmente análise da perda das
capacidades cognitivas nas condições de lesão cerebral. Foram consideradas
inteligências genuínas apenas as inteligências candidatas que satisfaziam todos ou, pelo
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menos, a maioria dos critérios acima. Além disso cada inteligência deveria ter uma
operação nuclear ou um conjunto de operações identificáveis e deveria também ser capaz
de ser codificada em um sistema de símbolos. (GARDNER, 1995, p. 21-22)

Deste modo, foram selecionadas sete inteligências em particular: lógico-matemática,


lingüística, musical, corporal-cinestésica, espacial, interpessoal e intrapessoal. Cada uma
delas será analisada separadamente.

2.1 INTELIGÊNCIA LÓGICO-MATEMÁTICA

Como o próprio nome indica, a inteligência lógico-matemática é a capacidade lógica e


matemática, assim como a capacidade de raciocínio científico ou indutivo, embora
processos de pensamento dedutivo também estejam envolvidos. Esta inteligência envolve
a capacidade de reconhecer padrões, de trabalhar com símbolos abstratos (como
números e formas geométricas) assim como discernir relacionamentos ou então ver
conexões entre peças separadas ou distintas. Relaciona-se, também, à capacidade de
manejar habilmente longas cadeias de raciocínio, elaborar perguntas que ninguém fez,
conceber problemas e levá-los a diante. Juntamente com a linguagem, é a principal base
para os testes de QI. O desenvolvimento de tal inteligência foi o grande objeto de estudo
de Jean Piaget.

Tal inteligência possui uma natureza não-verbal, de modo que a solução de um problema
pode ser construída antes de ser articulada. Alguns idiotas sábios realizam grandes
façanhas de cálculo sem sequer saberem comunicarem-se ou até mesmo realizar simples
operações de adição ou subtração. Como dois gêmeos relatados por SACKS (1997,
p.217) que apenas vêem a resposta do problema: "Uma data é mencionada e, quase
instantaneamente, eles informam em que dia da semana ela cairá. (...) Eles também
podem dizer a data da Páscoa durante o mesmo período de 80 mil anos." Enquanto tais
gêmeos são tragicamente deficientes em diversas áreas, conseguiram realizar um
algoritmo para a data da Páscoa que até mesmo o grande matemático Gauss teve uma
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enorme dificuldade para descobrir. Possuem uma inteligência lógico-matemática


extremamente desenvolvida.

A região do córtex responsável pelo cálculo matemático em si e, provavelmente, pela


inteligência lógico-matemática situa-se na região têmporo-paríeto-ocipital do hemisfério
esquerdo. (LURIA, 1981, p. 25)
Está presente nos cientistas, programadores de computadores, contadores, advogados,
banqueiros e matemáticos.

2.2 INTELIGÊNCIA LINGÜÍSTICA

A inteligência lingüística é manifestada no uso da linguagem (seja ela escrita, falada ou


através de outro meio), no significado das palavras; pela capacidade de seguir regras
gramaticais e usar a linguagem para convencer, estimular, transmitir informações ou
simplesmente agradar. Ainda é responsável por todas as complexas possibilidades
lingüísticas, entre elas, a poesia, as metáforas, o raciocínio abstrato e o pensamento
simbólico.

São duas as principais áreas corticais responsáveis pela linguagem. A área de Wernicke
(lobo temporal do hemisfério esquerdo) é responsável pelo entendimento da linguagem e
a organização das palavras. A área de Broca (giro pós-central do hemisfério esquerdo)
cuida da articulação da fala, da produção da linguagem expressiva. Ainda contribuem para
a linguagem a região têmporo-ocipto-parietal responsável pela organização gramatical e o
hemisfério direito para criar o ritmo, entonação e fluxo da fala. (SPRINGER; DEUTSCH,
1993. p. 184-186).

Nos poetas, teatrólogos, escritores, novelistas, oradores e comediantes podemos


encontrar a inteligência lingüística bem desenvolvida.

2.3 INTELIGÊNCIA MUSICAL


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Esta inteligência baseia-se no reconhecimento de padrões tonais (incluindo sons do


ambiente) e numa sensibilidade para ritmos e batidas. Inclui também capacidades para o
manuseio avançado de instrumentos musicais.

Não podemos separar para a inteligência musical determinadas áreas corticais como
fizemos para a inteligência lingüística. Mas sabemos que o hemisfério direito,
principalmente o lobo temporal, é o encarregado da audição e da criação musical. Uma
lesão maciça neste hemisfério pode levar a uma amusia: o lesionado não consegue
perceber combinações rítmicas ou até mesmo entonações de voz. (LURIA, 1981, p. 112)
É destaque dos músicos, cantores, compositores e maestros.

2.4 INTELIGÊNCIA CORPORAL-CINESTÉSICA

A inteligência corporal-cinestésica está relacionada com o movimento físico e com o


conhecimento do corpo. É a habilidade de usar o corpo para expressar uma emoção
(dança e linguagem corporal) ou praticar um esporte, por exemplo. Garrincha, reprovado
no teste de QI, provavelmente apresentaria um ótimo desempenho nesta inteligência se
esta fosse submetida a um teste psicométrico.

"O controle do movimento corporal está, evidentemente, localizado no córtex motor, com
cada hemisfério dominante ou controlador dos movimentos corporais no lado contra-
lateral." (GARDNER, 1995, p. 23) Porém é possível acrescentar outras áreas corticais
também importantes para a realização do movimento que Gardner deixa de lado. Uma
delas é o giro pós-central, onde está localizado o Homúnculo de Penfield sensitivo. É uma
representação somatotópica: cada ponto sensitivo do corpo tem uma representação nesta
parte do córtex. Por exemplo, a mão, que possui muitos receptores sensitivos, possui uma
representação grande no córtex enquanto que o pé, com menos receptores, possui uma
área menor. (MACHADO, 1981, p. 219) Deste modo, esta área cortical tem como função
sentir, perceber o corpo para que o movimento possa ser harmônico. Outra área
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importante é o córtex pré-motor, que integra os impulsos motores no tempo, permitindo a


criação de movimentos habilidosos, suaves e finos. (LÚRIA, 1981, p. 154)

A inteligência corporal-cinestésica pode ser melhor observada em atores, atletas, mímicos,


artistas circenses e dançarinos profissionais.

2.5 INTELIGÊNCIA ESPACIAL

A inteligência espacial é a capacidade de formar modelos mentais (imagens) e operar com


tais imagens. A imagem não é necessariamente visual, pode ser construída uma imagem
tátil, por exemplo, que é o que geralmente faz uma pessoa cega ao tatear objetos. Esta
inteligência lida com atividades como as artes visuais, a navegação, a criação de mapas e
a arquitetura.

Enquanto o hemisfério esquerdo do cérebro tornou-se mais lingüístico durante a evolução,


o hemisfério direito especializou-se no processamento espacial. A principal área cortical
que controle toda esta questão espacial é a região têmporo-paríeto-ocipital. Uma lesão em
tal área impede que o lesionado consiga interpretar os ponteiros de um relógio, encontrar
sua posição em um mapa ou então orientar-se dentro de espaços fechados. Fica claro o
quanto esta a região têmporo-ocipto-parietal é importante para uma inteligência espacial.
(LURIA, 1981, p.24)

Engenheiros, escultores, cirurgiões plásticos, artistas gráficos e arquitetos dependem


desta inteligência para atuarem com êxito.

2.6 INTELIGÊNCIA INTERPESSOAL

Esta inteligência opera, primeiramente, baseada no relacionamento interpessoal e na


comunicação. Envolve a habilidade de trabalhar cooperativamente com outros num grupo
e a habilidade de comunicação verbal e não-verbal. Constrói a capacidade de perceber,
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por exemplo, alterações de humor, temperamento, motivações e intenções de outras


pessoas. Em sua forma mais avançada a pessoa consegue ler, mesmo que os outros
tentem esconder, os desejos e intenções, podendo ter empatia por suas sensações,
medos e crenças.

"Todos os indícios na pesquisa do cérebro sugerem que os lobos frontais desempenham


uma papel importante no conhecimento interpessoal. Um dano nessa área pode provocar
profundas mudanças de personalidade, ao mesmo tempo em que não altera outras formas
de resolução de problemas - a pessoa geralmente ‘não é a mesma' depois de um dano
desses." (GARDNER, 1995, p.27)

A inteligência interpessoal é desenvolvida nos professores, terapeutas, políticos e líderes


religiosos.

2.7 INTELIGÊNCIA INTRAPESSOAL

Esta outra inteligência pessoal está relacionada aos estados interiores do ser, à auto-
reflexão, à metacognição (reflexão sobre o refletir) e à sensibilidade perante as realidades
espirituais. Podemos dizer que é a capacidade de formar um conceito verídico sobre si
mesmo pois envolve o conhecimento dos aspectos internos de cada um, como o
conhecimento dos sentimentos, a intensidade das respostas emocionais, a auto-reflexão e
um senso de intuição avançado.
"Assim como na inteligência interpessoal, os lobos frontais desempenham um papel
central na mudança de personalidade. Um dano na área inferior dos lobos frontais
provavelmente produzirá irritabilidade ou euforia, ao passo que um dano nas regiões mais
altas provavelmente produzirá indiferença, desatenção, lentidão e apatia - um tipo de
personalidade depressiva". (GARDNER, 1995, p. 28)

Um bom desempenho da inteligência intrapessoal pode ser encontrada em filósofos,


conselheiros espirituais, psicólogos e pesquisadores de padrões de cognição.
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Estas são as sete inteligências "clássicas" apresentadas no livro "Estruturas da Mente" de


Gardner. O autor, posteriormente passou a considerar também outras inteligências
conforme podemos observar em diversos artigos na internet. Uma delas é a inteligência
naturalística, que é a capacidade do ser humano relacionar-se com a natureza. Outra
inteligência "recente" é a pictórica ou pictográfica. Trata-se da habilidade para desenhar.
Existe ainda a "inteligência" existencial que, na verdade, é considerada como uma meia
inteligência por preencher apenas quatro dos oito requisitos avaliados para assegurar a
existência da inteligência. Ela é responsável pela necessidade do homem fazer perguntas
sobre si mesmo, sua origem e seu fim.

Uma das características das IM é a independência em grau significativo entre essas


múltiplas faculdades humanas. Para explicar esta independência Gardner apoia-se no fato
de que, em caso de lesão cerebral, determinadas capacidades são perdidas enquanto
outras permanecem intactas. Desta forma, segundo o autor, as inteligências não
interferem umas nas outras. (GARDNER, 1995, p. 29-30)

Contudo as inteligências agem de forma integrada. Um alto nível de capacidade na


inteligência corporal-cinestésica apenas, por exemplo, não asseguraria a ninguém um
sucesso como jogador de futebol. Seria necessário também um bom desenvolvimento da
inteligência espacial para realizar bons passes e chutes a gol e também inteligência
interpessoal desenvolvida para um bom relacionamento com os companheiros, os
adversário e a imprensa. Estas três inteligências agindo de forma integrada provavelmente
possibilitariam uma maior chance de sucesso no esporte. Todavia não seria necessário,
neste caso, um bom desempenho da inteligência lógico-matemática, por exemplo, com
bem demonstrou Garrincha.

Como era de se esperar, as inteligências possuem um desenvolvimento natural. Este inicia


no início da vida com a capacidade de padronizar. Isto equivaleria a diferenciar tons na
inteligência musical ou apreciar arranjos tridimensionais na inteligência espacial. O passo
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seguinte é a manifestação das inteligências em sistemas simbólicos: a linguagem nas


frases, a música nas canções, a corporal-cinestésica na dança e assim por diante. A
medida em que o desenvolvimento avança e surge um ambiente formal de educação, as
inteligências passam a ser representadas em sistemas notacionais. São exemplos a
matemática, a notação musical, os mapas e plantas e assim por diante. Finalmente o
desenvolvimento atinge seu auge na expressão inteligente nas atividades profissionais e
de passatempo na adolescência e adultez. As inteligências pessoais parecem não seguir
este curso, surgindo muito mais gradualmente. (GARDNER, 1995, p. 31-32)

3. CRÍTICA À TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS

3.1 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E NEUROPSICOLOGIA

Uma das fontes para a escolha das inteligências propostas acima foi o estudo de como
tais capacidades falham sob condições de lesão cerebral. Isto pressupõe que cada
inteligência possui uma localização cerebral, mais especificamente cortical. Assim sendo,
uma lesão que incapacitaria determinada inteligência, deixaria as demais intactas. A tabela
abaixo apresenta um resumo da representação cortical de todas as inteligências
consoante vimos ao analisar cada inteligência em particular.

Tabela 1 - Localização cortical das inteligências múltiplas propostas por Gardner.


Inteligência Área cortical responsável
Lógico- região têmporo-paríeto-ocipital
matemática
Lingüística área de Wernicke, área de Broca,
região têmporo-paríeto-ocipital (hemisfério
esquerdo)
Musical Lobo temporal (hemisfério direito)
Corporal- Giro pós-central, córtex pré-motor
cinestésica
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Espacial região têmporo-paríeto-ocipital


Interpessoal lobos frontais
Intrapessoal lobos frontais

Podemos perceber através da tabela que diversas inteligências são regidas pela mesma
área do córtex cerebral. A região têmporo-paríeto-ocipital é responsável ao mesmo tempo
pelas inteligências lógico-matemática, lingüística e espacial. As inteligências pessoais
também são comandadas por uma única área: os lobos frontais.

Isto invalida a independência das inteligências que Gardner propõe. Imaginemos uma
lesão na região têmporo-paríeto-ocipital. Ela acabaria por afetar três inteligências ao
mesmo tempo e não apenas uma.

Além disso, neste caso, os desenvolvimentos das inteligências lógico-matemática,


lingüística e espacial não aconteceriam separadamente, mas seriam dependentes entre si.
LURIA (1981, p. 24-25) desenvolve uma explicação destas áreas como sendo
integradoras e essencialmente espaciais. Assim, tanto a matemática quanto a gramática
seriam trabalhadas pelo cérebro de uma forma espacial. Uma deficiência espacial tornaria
incapazes tarefas de relacionar "espacialmente" os números entre si e construir uma frase
trabalhando as relações "espaciais" entre as palavras.
Não se trata das inteligências lógico-matemática e lingüística serem englobadas pela
inteligência espacial, mas da aceitação de uma dependência e de uma relação íntima
entre determinadas inteligências.

O mesmo ocorre com as inteligências pessoais. É possível perceber que em várias


características tais capacidades equivalem-se. Afinal, uma mesma área cerebral é
responsável pelas duas. Todo psicoterapeuta conhece e chega mesmo a ser lugar-comum
o fato de que só podemos conhecer bem o outro se conhecermos bem a nós mesmos
primeiro. Sendo assim uma inteligência interpessoal desenvolvida necessita de uma
inteligência intrapessoal também bem trabalhada, o que sugere não existir uma
independência entre as inteligências.
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3.2 AS NOVAS INTELIGÊNCIAS

"Uma lista de 700 inteligências seria proibitiva para o teórico e inútil para o praticante.
Consequentemente, a teoria das IM tenta articular apenas um número manejável de
inteligências que parecem constituir tipos naturais". (GARDNER, 1995, p.45) Esta foi a
resposta dada pelo autor da teoria das inteligências múltiplas quando perguntado o que
impediria a construção de novas inteligências: elas poderiam deixar de ser 7 e tornarem-
se 700!

Porém surge a impressão de que o próprio autor está caminhando contra o que afirmou ao
apresentar as "novas" inteligências naturalística, pictórica e existencial. Tendo em vista as
inúmeras capacidade humanas, por que a escolha arbitrária de algumas delas em
detrimento de outras? Se o objetivo era tornar as inteligências manejáveis estando elas
em número limitado de modo que o uso prático da teoria possuísse maior eficácia, a
adoção de novas inteligências somente dificultaria este processo.

Se Gardner apresenta novas inteligências, nada impede que outras inteligências sejam
descobertas - ou criadas - por outros autores. Isto é preocupante pois não parece ser
tarefa muito árdua a criação de uma nova inteligência. Para demonstrar esta afirmação,
apresento neste trabalho um esboço de uma nova inteligência: a inteligência palato-
olfativa.

Podemos considerar tal inteligência como a capacidade de sentir o gosto e o cheiro das
substâncias e identificá-las com precisão. Em nossa sociedade esta inteligência seria
valorizada nos cozinheiros, enólogos e provadores nas empresas como cervejarias e
torrefação e moagem de café. A fim de evidenciar a veracidade desta inteligência, seguirei
os critérios para a escolha de um inteligência conforme foram descritos anteriormente.

Um dos critérios é a existência de estudos sobre populações excepcionais, incluindo


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prodígios. Nada melhor para a provar a existência de tais estudos do que o relato
realizado por Oliver Sacks a respeito de um estudante de medicina que, por usar
determinadas drogas (cocaína, cloridrato de fenociclidina [PCP] e anfetaminas), passou
algumas semanas de sua vida com o olfato e o paladar extremamente aguçados. "Ele
descobriu que podia distinguir todos os seus amigos - e pacientes - pelo cheiro. (...) Ele
era capaz de cheirar as emoções - medo, alegria, sexualidade - como um cachorro. Podia
reconhecer cada rua, cada loja pelo cheiro - era capaz de se deslocar por Nova York ,
infalivelmente, guiado pelo cheiro." (SACKS, 1997, p.176)

Outro critério é a informação sobre o colapso da inteligência em condição de lesão


cerebral. A área responsável pelo olfato possui uma pequena representação cortical na
parte anterior do uncus e do giro parahipocampal. Nos casos de epilepsia focal nesta área,
o epilético queixa-se de cheiros, normalmente desagradáveis, que não existem.
(MACHADO, 1981, p. 220) Uma lesão nesta área leva a uma anomia, ou sejam
incapacidade de sentir odores.

Para aceitar tal inteligência é preciso considerar também os dados sobre sua evolução.
Sobre tal assunto, "Freud escreveu em várias ocasiões que o sentido do olfato no homem
era uma ‘perda', reprimido no crescimento e na civilização quando o homem assumiu a
postura ereta e reprimiu a sexualidade primitiva, pré-genital." (SACKS, 1997, p. 177) Nas
obras de Freud tal idéia é encontrada principalmente nas cartas número 55 e 75. A adoção
da postura ereta deixava o nariz mais longe do chão e fornecia um maior campo para a
visão e para a audição. De fato, a representação do olfato e da gustação passaram a
ocupar um lugar pronunciadamente menor no córtex por serem eclipsados pela
representação central dos sistemas exteroceptivos superiores, principalmente a visão e a
audição. (LURIA, 1981, p. 49)

Ainda devemos considerar o aspecto cultural da inteligência palato-olfativa, que para ser
considerada como tal, precisa ser universal. Deste modo temos a culinária, presente em
todas as culturas e em todas às épocas. Cada povo possui uma culinária própria onde
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cheiros e sabores são apreciados ou depreciados e a capacidade da preparação de


alimentos crus, fritos ou cozidos é valorizada.

Da mesma maneira todos os outros critérios para a aceitação de uma inteligência - como o
conhecimento do desenvolvimento desta inteligência, os estudos psicométricos e os
estudos de treinamentos psicológicos - também podem ser encontrados e explicitados da
forma como realizada acima.

E, trabalhando de igual modo, poderiam ser criadas tantas inteligências quanto o número
de capacidades humanas existentes.

4. CONCLUSÃO

A teoria das Inteligências Múltiplas tem enorme importância ao conseguir derrubar a idéia
de uma inteligência única, fechada. A muito a ciência estava impregnada com tal idéia e já
era tempo de fazermos uso de uma noção de inteligência mais dinâmica.
Embora ninguém possa discordar das afirmações acima, também esta teoria tens seus
erros. Talvez o grande erro seja, tendo em vista as inúmeras capacidades humanas
valorizadas em nossa sociedade, escolher algumas ignorando, com efeito, as outras não
mencionadas. Por outro lado considerar todas as inteligências seria impossível e
inadequado.

Por isso Gardner escolheu um número limitado de determinadas inteligências e acreditou


em uma independência entre elas. Tal comportamento foi exemplo típico do pensamento
pragmatista americano. Deste modo as inteligências escolhidas poderiam ser trabalhadas
de modo mais eficaz.

Porém poderíamos considerar também as inúmeras capacidades existentes em cada ser


humano e, sem pretensão de desejar um desenvolvimento total, procurar desenvolver a
inteligência em que cada pessoa em particular é mais apta, que não necessariamente
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precisa estar incluída nas dez inteligências descritas na teoria das IM. Desta forma, o
educador - ou qualquer outro profissional que trabalharia com a inteligência- precisaria
conhecer melhor cada indivíduo para perceber nele a capacidade que se sobressai. Os
resultados provavelmente seriam melhores pois, conforme vimos, a independência pura
entre as inteligências não existe e desenvolvendo melhor uma capacidade, outras também
seriam afetadas.

Mas este seria um passo mais adiantado. Levando-se em conta a atual situação dos
profissionais que, de qualquer forma, trabalham com o aprendizado, a simples adoção da
teoria das IM já é mais do que satisfatório.

REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS

GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática 1. ed. Porto Alegre :


Artes Médicas, 1995
LURIA , Aleksandr Romanovich. Fundamentos de Neuropsicologia. 1. ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, Livros Técnicos e Científicos Editora, 1981.
MACHADO, Angelo. Neuroanatomia Funcional. 1. ed. São Paulo : Atheneu, 1981.
MODERNELL, Renato; GERALDES, Elen. O Enigma da Inteligência. Globo Ciência, Rio
de Janeiro, v.2, n. 15, p.56-63, out. 1992
SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. 1. ed. São Paulo
:
Companhia das Letras, 1997
SPRINGER, Sally P.; DEUTSCH, Georg. Cérebro Esquerdo, Cérebro Direito. 1. ed. São
Paulo : Summus, 1993

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