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Crime, violência e cidade

Programa franco-brasileiro de cooperação CAPES-COFECUB - Projeto 557-07

Universidade de São Paulo, 6-7 de maio de 2009

Em um número de 1998 da revista Cultures et Conflits, o texto introdutório de Michel Wieviorka propunha a
hipótese de um novo paradigma emergente na construção social da violência: esta teria perdido legitimidade e
deixado de expressar-se sob formas políticas, passando a desenvolver-se em duas direções complementares: por
um lado, sob formas infra-políticas, com uma ocupação exponencial do terreno do crime; por outro, sob formas
meta-políticas, notadamente através da associação entre religião e guerra ou terrorismo1. Tal hipótese, formulada
a partir de observações e estudos empíricos em diferentes países, parecia traduzir, em um registro específico,
uma dissociação mais geral entre economia e cultura, mercado e comunidades, conforme temática em pauta
desde alguns anos nas ciências sociais 2. Nesse sentido, a importância que adquirem, na experiência social
brasileira, o crime e a violência associada ao crime teria como contraponto o fundamentalismo e o terrorismo
religiosos que dominam a experiência de outras regiões do mundo. Ao abordar alguns aspectos da relação entre
crime, violência e cidade em São Paulo, em diálogo tentativo com a situação do Rio de Janeiro, este seminário
constitui apenas uma etapa na nossa reflexão. Esta devera ser completada, mais adiante, pela discussão de uma
eventual matriz comum entre violências – se admitirmos a utilidade de tal vocabulário – “infra” e “meta”-
políticas. No CADIS, os trabalhos de Michel Wieviorka e de Farhad Khosrokavar poderão constituir um suporte
útil para isso.

As pesquisas desenvolvidas pelos participantes e por investigadores próximos deste programa de cooperação
sugerem um ordenamento do seminário em torno de quatro eixos temáticos:

1 – Cronologias cruzadas: crime e historia urbana em São Paulo e no Rio de Janeiro

Considerados os apenas trinta anos que hoje nos separam do regime autoritário3, e o crescimento substantivo do
crime na década de 80 (+ 25% de homicídios registrados entre 1979 e 1980), as formas de criminalidade
observáveis no contexto urbano sofreram mudanças significativas. Há evoluções que é necessário pontuar, em
consonância, talvez, com culturas urbanas particulares. Os “justiceiros”, figuras importantes do crime paulista
nos anos 80, por exemplo, parecem manter vínculos estreitos com a decomposição do mundo operário; assim
como o “malandro” é uma figura estreitamente ligada à experiência de uma cidade administrativa e de serviços
como o Rio de Janeiro. O “justiceiro”, o “matador” e o “traficante” são personagens que se alternam em
diferentes momentos da história urbana paulistana. A economia da droga se instalou no Rio de Janeiro bem mais
cedo que em São Paulo e há indícios de que, ao menos sob certas formas, ela estaria declinando ali mais cedo
também. A experiência a tentar nesta discussão é a de um cruzamento de cronologias que nos permitam mapear a
intensidade do crime, mas também as formas evolutivas que ele vai assumindo na sua relação (ou ausência de
relação) com a violência na cidade, assim como as transformações da própria cidade (das duas cidades) ao longo
dessas três décadas. Trata-se, portanto, de colocar lado a lado, e em perspectiva, questões em geral tratadas em
campos temáticos (quando não disciplinares) distintos, buscando suas interfaces, seus pontos de entrecruzamento
e suas mútuas ressonâncias.

2 – Crime organizado, prisão e mundo urbano

A ocupação da cidade de São Paulo pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) em maio de 2006 – episódios
semelhantes, embora de menor escala já haviam ocorrido antes no Rio de Janeiro – ainda não foi suficientemente
elucidada. Em jogo estão o lugar da prisão como foco de articulação de organizações criminosas e, ao mesmo
tempo, suas capilaridades no mundo urbano. A situação das prisões, as inflexões recentes nas políticas penais e

                                                            
1
Cf. Un nouveau paradigme de la violence, Cultures et conflits, automne-hiver 1998. Versão eletrônica em
www.conflits.org. Uma versão em português do artigo de Michel Wieviorka foi publicada na revista Tempo Social n°
2
 Cf. Daniel Bell, Les contradictions culturelles du capitalisme, Paris, PUF, 1979 (1978) ; Alain Touraine, Pourrons‐nous vivre 
ensemble ? Egaux et différents, Paris, Fayard, 2005 ; Manuel Castells, Le pouvoir de l’identité, Paris, Fayard, 1999.  
3
Se admitirmos a Anistia como uma das marcações possiveis no retorno progressivo do Brasil à democracia… 
na ação policial, as lógicas que informam um fenômeno generalizado de “encarceramento de massas” vêm
incidindo na relação prisão-cidade.

Hoje é quase impossível encontrar uma família nas periferias urbanas de São Paulo (mas também de outras
cidades e países) que não tenha convivido, direta ou indiretamente (conhecidos, vizinhos, parentes), com a
experiência do encarceramento. A prisão tornou-se uma referência que estrutura práticas, redes sociais,
solidariedades e cumplicidades. Por outro lado, o perfil dos encarcerados precisaria ser investigado, pois uma
hipótese quando menos plausível é de que a articulação dos presos com a criminalidade organizada ocorre no
interior e não apenas fora da prisão. Em outras palavras: se as cumplicidades e aproximações se tecem na prisão,
elas se desdobram, consolidam e ramificam na vida fora da prisão – seja em função do circuito fechado em que o
ex-presidiário é capturado, entre as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e o jogo pesado da extorsão-
pressão policial, seja pela via das redes sociais que estruturam a relação prisão-cidade, seja ainda pela
transversalidade do crime e outros ilegalismos que permeiam o mundo urbano atual. Nessa perspectiva, trata-se
de examinar o lugar da prisão do ponto de vista da “reprodução ampliada” do crime organizado (e do próprio
PCC, ou do CV no caso do Rio de Janeiro).

3 – A queda dos homicídios a nível estadual e nacional

O debate sobre a queda dos homicídios na cidade de São Paulo envolve um leque multifacetado de hipóteses
explicativas: mudanças sócio-demográficas, economia e melhora dos indicadores sociais, a suposta
modernização e maior eficácia da ação policial, efeitos das políticas de desarmamento. Também: a ação do
próprio PCC com seus hoje famosos “debates” – instrumento de arbitragem e regulação de conflitos nos bairros
populares. Por certo, será importante levar em conta esse conjunto de fatores. Porém, para bem situar a
discussão, será sobretudo importante qualificar a própria questão da queda dos homicídios. Afinal, de que se
trata quando se fala de homicídios em queda ? Como articular essa inflexão do crime com uma violência policial
persistente que estrutura os mercados de proteção-extorsão a que se refere Michel Misse? Em São Paulo, a queda
dos homicídios em todo caso coincide com a consolidação do PCC no controle da economia da droga, dentro e
fora das prisões, produzindo uma pacificação de territórios. Nesse sentido, mais do que nunca será preciso
dissociar os termos tráfico de drogas, crime e violência. Se há relações entre esses termos, são justamente elas
que precisam ser investigadas, nas circunstâncias, contextos e temporalidades em que os acontecimentos se
inscrevem.

4 – Inflexões nas políticas penais, gestão dos riscos e a nova economia dos “ilegalismos”

Ainda que de forma exploratória, parece-nos útil pautar, no quadro dessa discussão, um debate que vem sendo
desenvolvido há vinte anos no mundo anglo-saxônico, inspirado na temática foucaultiana da sociedade pós-
disciplinar: o das novas modalidades de construção de uma ordem social fundada, não mais na ambição da
regeneração do desvio, mas na idéia da “redução dos riscos” e da “governamentalidade”, ao mesmo tempo em
que no endurecimento das políticas repressivas. Admitindo-se que exista aí um modelo geral a ser explicitado,
essa nova arquitetura da ordem social talvez forneça um padrão explicativo extensivo, mais além do universo do
crime propriamente dito, a um amplo leque de “ilegalismos” observáveis na experiência social contemporânea.
 
Quarta-feira, 6 de maio

9h00 : abertura

9h30 : Cronologias cruzadas : crime e historia urbana no Rio e em São Paulo


Michel Misse – UFRJ, Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana-NECVU
Sergio Adorno - USP-Depto de Sociologia; Núcleo de Estudos da Violência - NEV
Vera Telles – USP-Depto de Sociologia

11h : café

11h15 : Michel Wieviorka (CADIS): abertura do debate

12h30 -14h30 : almoço

14h30 : Crime organizado, prisão e mundo urbano em São Paulo e no Rio de Janeiro
Fernando Salla – Núcleo de Estudos da Violência - NEV
Camila Caldeira Nunes Dias – doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Sociologia, USP

Daniel Hirata – doutorando, Programa de Pós-Graduação em Sociologia, USP


Rafael Godoi – mestrando, Programa de Pós-Graduação em Sociologia, USP

Marcia Pereira Leite - UERJ


Barbara Musumeci Soares – Universidade Cândido Mendes

16 hs : café

16h15 : Michel Wieviorka : abertura do debate

17h30 : Encerramento dos trabalhos do primeiro dia

Quinta-feira, 7 de maio

9h30 : A queda dos homicídios a nível estadual e nacional: dados e hipóteses interpretativas
Renato Lima, Fundação SEADE e Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Comentarista : Eduardo Battitucci – Fundação João Pinheiro, MG (a confirmar)

11 hs : café

11h15 : Michel Wieviorka : abertura do debate

12h30 : Almoço

14 hs : Inflexões nas políticas penais, gestão dos riscos e a nova economia dos “ilegalismos”
Marcos César Alvarez - , USP-Depto de Sociologia; Núcleo de Estudos da Violência – NEV
Alessandra Teixeira – doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Sociologia, USP

15h15 : café
15h30 : Michel Wieviorka : abertura do debate
17hs : Encerramento dos trabalhos do segundo dia

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