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ANÁLISE FÍLMICA – FLORES DO ORIENTE

Luan Lucas A. Morais


luanlucas7@hotmail.com

Nome: Flores do Oriente (Jín Líng Shí San Chai, título original em mandarim)

Gênero: Drama

Ano de Lançamento: 2011

Diretor: Zhang Yimou

Atores: Christian Bale, Ni Ni, Xinyi Zhang, Atsurô Watabe

Tempo de Duração: 146 minutos

Produtora: PlayArte

Prêmios: Nenhum1

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Indicado ao Globo de Ouro na categoria “Melhor Filme Estrangeiro”.
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INTRODUÇÃO

Baseado no romance “The 13 Women of Nanjing”, da escritora e romancista chinesa


Geling Yan – ainda sem tradução para o português – o longa se passa durante a 2º Guerra Sino-
Japonesa, e mais precisamente, incide sobre o “Massacre de Nanquim” (1937-1938), no qual o
exército imperial japonês sitiou e, mesmo após a capitulação da cidade (à época, capital da
China imperial), bombardeou, incendiou, saqueou e devastou a mesma, promovendo um
massivo rastro de destruição na cidade chinesa.

Não obstante, o que também marcou este fato foi a onda de estupros e violência
promovidas pelos japoneses contra as mulheres chinesas durante o cerco de Nanquim. Alguns
historiadores chineses – e japoneses- estimam que a s vítimas do conflito possam chegar até
300.000 mil pessoas, dentre civis e soldados, e que dentro dessa estimativa, 150.000 mil
sejam somente vítimas do Massacre de Nanquim.

Dentro deste cenário, o filme retrata história de John Miller (Bale), um coveiro norte-
americano, que está na cidade para enterrar um padre de uma das Igrejas da região. Em meio
aos tiroteios e bombardeios entre os exércitos inimigos, Miller acaba encontrando um grupo de
meninas, que por coincidência fazem parte do convento existente na mesma Igreja a qual John
deve sepultar seu pároco. Posteriormente, um grupode prostitutas pedem asilo à John e às
garotas, adentrando assim na Igreja e se estabelecendo por lá mesmo, já que a área em torno da
mesma era – teoricamente - considerada zona neutra.

Assim começa “jornada” de John e seus “protegidos”, que possuem como objetivo
final escapar o quanto antes da cidade, temendo uma possível invasão por parte do exército
japonês à Igreja. Tarefa árdua e complexa, mas que irá demonstrar a capacidade de John e
seu “séquito” de transpor as mais diversas barreiras para escapar dos horrores que o conflito
promoveu, além de influenciar diretamente no processo de transformação e civilidade do
americano durante o decorrer do longa.
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OS ESTADOS UNIDOS E A MENTALIDADE CIVILIZADORA

Para entendermos melhor as posturas políticas, culturais e econômicas assumidas pelos


EUA no decorrer do tempo histórico – e logicamente, suas mais variadas expressões e
manifestações nas diversas localidades as quais o imperialismo norte-americano se fez presente
– seria interessante lembrar o passado no qual a “nação” Estados Unidos da América se baseia
e sustenta suas origens.

As justificativas apresentadas são variadas, é verdade, mas aparentemente todas


possuem em comum um ponto: a noção de “povo escolhido”. O historiador brasileiro Leandro
Karnal lembra que “[...] Desde o século XIX a explicação dos norte-americanos para seu
‘sucesso’ diante de seus vizinhos da América hispânica e portuguesa foi clara: havia um
‘destino manifesto’, uma vocação dada por Deus a eles, um caminho claro de êxito em função
de serem um ‘povo escolhido’”. (KARNAL, 2007, p. 23).

Os norte-americanos enxergam em si origens gloriosas, com base na jornada dos


chamados “pais fundadores” – puritanos emigrados da Inglaterra dos séculos XVI e XVII –
ligando-a à narrativa bíblica do Êxodo dos hebreus, devido aos vários percalços enfrentados
para que os “peregrinos” chegassem ao Novo Mundo:

[...] no momento em que se constituía a identidade norte-americana, procurava-se uma


origem única para uma cultura diversificada. E como falar de passado colonial quando
era exatamente com o passado de colônia inglesa que se queria romper? Recuperou-
se do passado colonial apenas o grupo dos peregrinos. Assim, parte da nova nação
passa a se apresentar como descendente direta deste grupo. (JUNQUEIRA, 2001,
p.31)

Após a independência efetuada em 1776, os “americanos” ainda não possuíam uma


identidade que os qualificasse como nação una, soberana e conhecedora de si mesma. Mesmo
após a guerra de independência contra a Inglaterra, “[...]alguns dos homens que lutaram pela
independência, no campo de batalha e no campo das ideias, sabiam que era preciso organizar
aquela situação confusa em que cada um dos estados fazia o que bem entendia.” (TOTA, 2009,
p. 37).

A “unidade” estadunidense começa a se consolidar em meados do século XIX, quando


os EUA despontam no cenário mundial como uma potência em ascensão, que fez com que os
norte-americanos começassem a apontar e exercer ações, qualidades e posturas em comum
entre toda a extensão de seu território. De fato, “[...] os americanos começaram a se transformar
em americanos quando se preocuparam com a questão da segurança nacional, essa obsessão
americana.” (TOTA, 2009, p. 53).
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Esclarecidas as questões remetentes à origem da noção de “povo escolhido”, “destino


manifesto” e consequentemente exultação à grandeza, fica mais palpável o entendimento do
Imperialismo exercido pelos EUA nas diversas partes do globo. Mais uma vez:

A intenção de ocupar territórios considerados ‘vazios’, mas que na verdade eram


habitados por culturas diferentes da norte-americana, era pautada na justificativa de
que os norte-americanos eram um povo excepcional, uma espécie de povo eleito que
tinha o Direito Natural à propriedade da terra” (JUNQUEIRA, 2001, p. 75).

Entretanto, nota-se que tal postura apenas servia de justificativa para legitimar sua
intervenção hegemônica nas mais variadas culturas mundiais. Agora, podemos relacionar e
compreender tudo o que foi exposto anteriormente com a temática principal do filme analisado.
Logo de início, um questionamento surge: por que, exatamente, temos um norte-americano
como sendo um dos protagonistas da trama – sendo que a mesma se ambienta em território
chinês, à época da invasão japonesa à China imperial? Há uma cena logo quando o filme tem
início que demonstra um pouco da imagem que os EUA passam para o mundo.

A personagem John Miller (Bale) carrega consigo um tipo de bandeira, caso seja
capturado por um dos exércitos com os seguintes dizeres: “I am american. I am a friend. Please,
do not kill me. I am no soldier. God bless you all”.2 Os dizeres “amigo” dão uma noção do que
os EUA representam ao mundo naquele período de guerra. “Somos amigos”, queremos a paz
entre os povos”, ou se uma outra interpretação permitir, “não se intrometa conosco ou irá sentir
as consequências”.

Posteriormente, no decorrer do longa, a personagem de Bale vai sofrendo uma nítida


transformação e subsequentemente incorporando os traços justos, democráticos e civis que os
americanos tentam passar para o mundo. Incialmente, John Miller se apresenta como um
“beberrão”, interessado somente em sua pessoa, interessado também no dinheiro que pode
receber devido ao seu “sujo, mas, porém, honesto” trabalho de coveiro3; e também como um
homem aparentemente sem moral alguma, dado aos vícios e prazeres da vida “mundana”.

Com a invasão da Igreja realizada pelos japoneses e o assassinato e tentativa de estupro


das várias jovens sob sua tutela, John assume a guarda do lugar e começa a transparecer noções
de civilidade, justiça, compaixão e também de pacifismo em relação à guerra em Nanquim.

2
“Eu sou americano. Eu sou um amigo. Por favor, não me mate, eu não sou um soldado. Deus abençoe todos
vocês”. Tradução livre.
3
Palavras do próprio John Miller ao descrever sua profissão.
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O mesmo servirá de ponte diplomática entre a China – representada pelo grupo das
meninas conventistas e também pelo grupo das prostitutas – e o Japão – aqui representado na
figura do coronel Hasegawa (Watabe), um oficial japonês apreciador de música clássica que
promete a John a segurança da Igreja – mantendo um contato direto com ambas as partes e
enaltecendo, ainda que indiretamente as qualidades presentes na “América” de onde ele veio.

Ele critica os barbarismos orientais, o atraso tecnológico dos exércitos chineses e


japoneses e afirma que está ali junto das meninas, para salvá-las do horror da guerra e
transportá-las em segurança para um posto civil fora de Nanquim administrado pelos Aliados.
É interessante notar, ademais, que mesmo começando o filme com características “devassas”,
“inapropriadas” e até mesmo “antiéticas”, a figura do “americano” típico sempre triunfa.

O homem evoluído, consciente de si, determinado a resolver os problemas com base


na confiança em sua índole e nas suas ações é construído de maneira bastante exemplar durante
a narrativa do filme. Mais uma vez, nota-se claramente a noção de “progresso, civilização e
cultura” que a mentalidade norte-americana tenta impor entre as nações, desde a sua atuação no
próprio continente Americano até os escombros de Nanquim em plena 2ª Guerra Mundial.
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REFERÊNCIAS
GELBER, Harry G. O Dragão e os demônios estrangeiros: a China e o mundo de 1100 a.C
aos dias atuais. [Trad.: Marisa Motta]. Rio de Janeiro: Record, 2012.
JUNQUEIRA, Mary A. Estados Unidos: a consolidação da nação. São Paulo: Contexto, 2001.
KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo:
Contexto, 2007.
TOTA, Antônio Pedro. Os Americanos. São Paulo: Contexto, 2009.

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