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POBRLEMA: a investigação histórica pode contribuir de alguma forma para o

enriquecimento da pesquisa teórica?


A integração entre a história da psicologia e a filosofia da psicologia é uma das formas
possíveis de se pensar a relação entre pesquisa teórica e investigação histórica. Tal
integração pode constituir um programa permanente de pesquisa teórica em psicologia.
1. A EMERGÊNCIA DA NOVA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA
Acompanhando a tendência geral da historiografia da ciência na época (década de
60), os primeiros trabalhos historiográficos representavam uma tradição baseada em
relatos biográficos ou análise de ideias.
A partir da segunda metade da década 1960, críticos do modelo tradicional
começaram a sugerira necessidade de uma abordagem mais crítica para a história da
psicologia, e a promover a institucionalização e a profissionalização da história da
psicologia como campo.
Como tendência geral, todo esse movimento é normalmente chamado de
historiografia crítica da psicologia, virada social na historiografia da psicologia, ou
simplesmente nova história da psicologia. Três aspectos principais caracterizam a nova
história:
1) tende a ser crítica ao invés de cerimonial, contextual ao invés de uma simples
história das ideias, e mais inclusiva, indo além do estudo dos grandes
autores/autoras;
2) se utiliza fontes primárias e documentos de arquivos ao invés de se basear em
fontes secundárias;
3) busca se manter dentro do pensamento de um período para ver as questões tais
como elas apareceram na época, ao invés de buscar antecedentes de ideias
atuais ou de escrever a história retrospectivamente, a partir do conteúdo
presente do campo.

Um outro aspecto central dessa nova historiografia é uma ênfase nos aspectos
políticos, sociais e institucionais da psicologia em detrimento de seus elementos lógicos,
metodológicos e metafísicos, ainda que essa concordância geral venha acompanhada de
uma grande variedade de orientações teóricas particulares.

2. LIMITES E PROBLEMAS DA NOVA HISTÓRIA

Essas novas abordagens para a história da psicologia têm trazido a luz aspectos
importantes da teoria e da prática psicológica, tais como a influência do discurso
psicológico na sociedade e os usos políticos e ideológicos dos testes mentais.
Apesar de todos os seus méritos, contudo, muitos desses estudos deixam muito a
desejar em termos metodológicos.
As dicotomias criadas pelos novos historiadores para separar a nova da velha
história (crítica x ingênua; profissional x amadora; uso de fontes primárias x fontes
secundárias) são exageradas.
Tais generalizações apressadas em relação à historiografia da psicologia podem
levar a uma compreensão equivocada de questões intrínsecas à pesquisa histórica em
psicologia. Dentre os problemas que surgem das conclusões apressadas da nova história,
três se destacam:
1) Novos historiadores têm se comprometido prematuramente com visões
normativas sobre questões historiográficas, onde não há qualquer consenso;
2) A pesquisa da nova história se baseia frequentemente em uma visão particular
de ciência que não é largamente aceita por filósofos contemporâneos da
ciência, e nem mesmo entendida por filósofos profissionais da mesma maneira
que os novos historiadores frequentemente assumem.
3) As diretrizes normativas defendidas pelos novos historiadores podem ser
impossíveis de seguir de forma consistente.

No que diz respeito ao primeiro ponto, o recente debate entre Daniel Robinson e
Kurt Danziger ilustra bem a falta de consenso entre os historiadores da psicologia sobre
questões fundamentais (ex. continuidade x descontinuidade).
A complexidade dos problemas envolvidos e a dificuldade de oferecer respostas
rápidas e fáceis deveriam servir de precaução para o historiador da psicologia.
No que concerne ao segundo ponto, os trabalhos da nova história parecem
compreender uma aceitação pouco crítica de pressupostos teóricos, e erros similares
àqueles normalmente atribuídos à velha história.
Já em relação ao problema das diretrizes normativas, ele coloca o mais sério
desafio metodológico para os novos historiadores. Ao mesmo tempo, ele constitui a razão
principal que justifica uma proposta alternativa para a história futura da psicologia (cf.
exemplos p. 99).
Ao que parece, as histórias sociais da psicologia não dão conta de abordar
adequadamente algumas questões teóricas e conceituais subjacentes a projetos
psicológicos que demandam uma análise filosófica muito mais cuidadosa do que tem sido
oferecida até aqui.
As questões filosóficas e conceituais não podem ser reduzidas a questões sociais,
isto é, seu sentido não pode ser completamente capturado por análises sociológicas ou
socioconstrutivistas. Ainda que tais análises possam abrir novos horizontes de
compreensão do desenvolvimento histórico da psicologia, elas deixam muitas questões
sem resposta.
Não se está afirmando com isso que a dimensão política, social ou institucional
não é importante para o entendimento do desenvolvimento histórico. O argumento em
questão é, antes, que essas dimensões não são suficientes para explicar aspectos essenciais
de teorias e conceitos psicológicos.

3. RELAÇÕES ENTRE A HISTÓRIA DA CIÊNCIA E A FILOSOFIA DA


CIÊNCIA: CONTEXTO GERAL

Nas últimas, muitos autores têm defendido a necessidade de uma integração entre
História da Ciência e Filosofia da Ciência, culminando na proposta de uma nova
disciplina ou um novo campo de estudos: History and Philosophy of Science (HPS).
A aposta central é que alguns problemas meta-científicos só poderiam ser
resolvidos por meio de uma intensa colaboração entre ambas as áreas. Nem tudo é tão
simples, porém. A pretendida integração tem se mostrado historicamente difícil, e ainda
hoje ela é precária.
Até a primeira metade do século XX, a história da ciência era escrita sobretudo
por cientistas e filósofos.
O surgimento dos primeiros departamentos e programas de história da ciência
levaram a uma profissionalização crescente da disciplina, que colocava em questão a sua
relação com a filosofia da ciência.
A partir da década de 1960, surgiram iniciativas oficiais de integração entre as
duas áreas, como a fundação, na Universidade de Indiana, do primeiro Departamento de
HPS nos EUA.
Em que pese, porém, a influência do aspecto institucional no surgimento do
debate, há um fator ainda mais significativo, que foi a publicação de A estrutura das
revoluções científicas, de Thomas Kuhn.
Contrapondo-se à concepção neopositivista de ciência, Kuhn enfatizou a
dimensão histórica e social do conhecimento, em detrimento de seus aspectos lógicos.
Ao invés de entender a ciência como uma estrutura formal e abstrata, ele propôs
um modelo dinâmico, baseado sobretudo na história da física segundo o qual todo
conhecimento científico se desenvolveria por meio de revoluções.
Embora não tenha sido o primeiro a enfatizar a dimensão histórica da atividade
científica, foi principalmente Kuhn quem colocou a história da ciência na agenda de boa
parte da filosofia da segunda metade do século XX, levando muitos filósofos a considerar
seriamente o papel dos elementos históricos na construção do conhecimento científico.
Curiosamente, porém, o próprio Kuhn se posicionou contra a integração da
história e da filosofia da ciência em um único campo ou disciplina. De acordo com ele,
ambas as disciplinas diferem, sobretudo, em seus objetivos.
Já no início da década de 1970, após algumas iniciativas formais para promover a
integração entre história e filosofia da ciência, muitos autores começaram a expressar seu
ceticismo.
Nesse contexto, Ronald Giere cunhou a expressão a marriege of convenience para
descrever a união entre ambas as disciplinas. Para ele, apesar de sua utilidade
institucional, a união carecia de uma boa justificativa teórico-conceitual, na medida em
que a relevância de uma disciplina para a outra ainda não tinha sido demonstrada.
Nas décadas seguintes, essa tendência de aceitar a relação se fortaleceu na filosofia
da ciência. O problema, no entanto, está longe de ser resolvido.
Em primeiro lugar, essa mesma tendência não se repetiu entre os historiadores da
ciência, que parecem ter optado por um distanciamento voluntário das questões
filosóficas do conhecimento científico.
Em segundo lugar, mesmo entre os filósofos da ciência, não clareza sobre como a
integração deveria ser feita, sem falar naqueles que continuam defendendo o
distanciamento e o isolamento1.

4. IMPLICAÇÕES PARA A PSICOLOGIA

Assumindo que os debates sobre a HPS podem ser frutíferos para a história e a
filosofia da psicologia, uma questão central surge imediatamente: como é que análises
filosóficas de projetos psicológicos aumentam a acurácia e a riqueza do conhecimento
histórico em psicologia?

1
Cf. as possibilidades/alternativas a favor de uma maior integração entre ambas as disciplinas na pág. 106.
Aplicada ao caso da psicologia, ela leva a uma história filosófica da psicologia,
isto é, uma história da psicologia guiada por questões filosóficas específicas, senso a mais
importante de todas a relação geral entre psicologia e filosofia.
O objetivo central em uma história filosófica da psicologia é revelar como o
desenvolvimento histórico e a elaboração de projetos psicológicos estão intimamente
relacionados a suposições filosóficas que nem sempre são explicitadas.
Assim a ideia é tornar tais suposições explícitas e abertas à investigação e
avaliação.
Ao invés de enfatizar as dimensões política e social da psicologia, e d ver o seu
desenvolvimento por intermédio das lentes das teorias sociais e de categorias como
‘práticas sociais’, uma história filosófica da psicologia foca na coerência e racionalidade
dos projetos psicológicos dentro de seu próprio contexto histórico.
Além disso, uma história filosófica da psicologia preenche três importantes
critérios propostos pelos historiadores:
I. Ela não é nem ingênua nem dogmática, e sim crítica, na medida em que
desenvolve suas hipóteses e interpretações contrastando-as com as suas
concorrentes. Não para celebrar ou validar qualquer projeto psicológico
em particular, mas sim para mostrar seus problemas e suas
potencialidades, usando para isto argumentos válidos e evidências
oriundas de fontes primárias.
II. Ela não é monocêntrica, mas sim policêntrica, uma vez que está aberta aos
mais diversos projetos psicológicos em todo o mundo, incluindo a
possibilidade de interação entre eles, desde que haja questões filosóficas a
serem consideradas.
III. Ela não é paroquial, mas internacional pois pode ser feita por historiadores
de diferentes contextos culturais com distintas perspectivas, desde que
tenham treinamento filosófico adequado.

Finalmente, uma história filosófica da psicologia da psicologia não precisa se


comprometer com doutrinas ou princípios metafísicos. Ela pode ser metafisicamente
neutra em relação a questões especificamente psicológicas.
É suficiente que o historiador da psicologia seja capaz de mostrar como atores
históricos aceitaram e justificaram doutrinas e princípios metafísicos que tinham
implicações diretas para seus projetos psicológicos, sem a necessidade de aceitar ou
rejeitar essas mesmas posições2.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A integração entre a história da psicologia e a filosofia da psicologia é não apenas


possível, mas frutífera, promissora e desejável.
Ela revela como uma história filosófica da psicologia pode enriquecer nossa
compreensão histórica do desenvolvimento de teorias e projetos psicológicos, ao
aprofundar o nível conceitual de análise e oferecer interpretações originais e
convincentes.

2
Cf. exemplos da pág. 110.
É importante salientar que uma história filosófica da psicologia não pode resolver
todos os problemas levantados pela história da psicologia. Ao contrário, ela limitada pelos
tipos de questão que o historiador é capaz de levantar e pelos recursos metodológicos
disponíveis para cada caso.
A ideia de uma história filosófica como fora defendida aqui deve ser entendida
apenas como uma diretriz geral, que representa o primeiro passo em direção a uma
abordagem mais elaborada e potencialmente mais integradora para a história da
psicologia.

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