You are on page 1of 15

Paranoid Park  ­  um estudo de caso sobre o som no cinema contemporâneo 
Mariana Costa 
 
Resumo:  ​Este  artigo  visa  analisar  a  banda  sonora  do  longa  metragem Paranoid Park (2007),  de 
Gus  Van  Sant,  e  tem  com  o  objetivo  de  explicar  por  que  a  mesma  deve  ser  encarada  como  um 
elemento  fundamental  desta  construção  filmica.  Pretende­se  ressaltar  a  utilização  de  uma  banda 
sonora  que  rompe  com  as   prerrogativas  do  cinema  clássico  como  um  mecanismo  de  concepção 
de um cinema dito contemporâneo.  
 
Palavras ­chave: ​Paranoid Park; Gus Van Sant: Banda Sonora; Som no cinema; 
 
Introdução 
 
De  acordo  com  Carvalho(2007),  o  cinema  nunca  foi  “não­sonoro”,  o  cinema  foi  mudo, 
isto  é,  literalmente  privado   de  palavra.  Por  isso,  o  cinema  não  se  tornou  sonoro  e  sim  se  tornou 
falado.  Desde  os  primeiros   filmes   sempre  existiu  a  presença  de  intervenções  sonoras,  seja  ao 
vivo  com  o  uso  de  acompanhamento  musical realizado por um pianista, um improvisador ou por 
uma  pequena  orquestra;  ou  na  forma  gravada,  com  a  junção  do fonógrafo com o cinematógrafo. 
Assim,  a  estrutura  e  o  sentido  do  filme,  desde  o  advento  do  cinema  “falado”,   são  construídos 
através  das  duas  bandas  da  película: a sonora e a visual. Na banda sonora podemos identificar os 
seguintes  elementos:  música,  efeito  sonoro  e  voz.  Em  conjunto,  eles  intervêm  simultaneamente 
com  a  imagem  e  é  essa  simultaneidade  que  os  integram  à  linguagem  cinematográfica.  Segundo 
Carrasco  (1993,  p.112),   além  de  funcionar  como  interferência  do  narrador  para  a  composição  e 
caracterização  do  personagem,  ou  para  informar  sobre  seu  estado  de  espírito,  e  suas  condições 
emocionais,  a  música  pode  ser  usada  para  expressar  diferentes   pontos  de  vista  da  personagem, 
exercendo uma função que originalmente pertencia ao texto falado.  
A  linguagem  sonora  no  cinema  clássico,  desde  o  modelo  de  Griffith,  é  baseada  no 
sincronismo  da  imagem  e  dos  sons.  Tal  escolha  consolidou para a dimensão sonora uma espécie 
de  discurso  da  neutralidade,  uma  maneira  de colocar a trilha sonora como algo complementar na 


confecção  do  controle  da  narrativa  e  de  sua  recepção.  Assim,  o  fenômeno  sonoro  no  cinema 
passou a ser predominantemente utilizado de forma a se tornar imperceptível ao espectador.  
Todo  o  trabalho  do  cinema  clássico  e  de  seus  subprodutos  visou,  portanto,  oferecer  aos 
elementos  sonoros  correspondentes  na  imagem,  garantindo  uma  combinação   redundante  e 
simplista.  Esta  concepção  sonora  respeita  a  linearização  da narrativa e de seu impacto dramático 
para  a  obtenção  dos  efeitos  realistas  e  da  mobilização  emocional  do  espectador.  Além  disso, 
impôs  o  predomínio  da  voz  sobre  os  outros  elementos  sonoros.  Este  cinema  dominante, 
rigidamente  codificado,  e  sua retórica de base de “impressão de realidade” ­ tanto do som quanto 
da  imagem  ­  é  até  hoje a mais bem aceita diretriz na produção dos  meios audiovisuais. Dado que 
a  representação  naturalista  e  mecânica  de  Hollywood  consagrou  um  estilo  repleto  de  sedutoras 
convenções  industriais  que  ainda  são  seguidas  e  reverenciadas   de  maneira  pouco  inventiva, 
mesmo com o seu inegável refinamento tecnológico. 
Se  partirmos  do  princípio  que  a  banda  sonora  faz  parte  dos  recursos  articulatórios 
característicos   à  dramaturgia  do  cinema,  ela  deve,  também  no  que  diz  respeito  à  sua  totalidade, 
ser  articulada  em  função  da  unidade  de  ação. Ela deve  possuir características que façam  dela um 
discurso  unitário,  e  não  apenas  uma  sucessão  de  passagens  musicais  sem  nenhuma conexão. Ao 
mesmo  tempo,  ela  deve  contribuir  para  o  estabelecimento,  desenvolvimento  e  conclusão  dos 
conflitos  contidos  nesse  drama.  No  filme,  enquanto  unidade  complexa,  fechada  em  si  mesma, 
tudo  o  que  se  vê  e  se  ouve   deve  estar  articulado  em  função  da  lógica  e  da  direcionalidade 
dramático/narrativa.  Assim,  a  trilha  musical  deve  contribuir para a caracterização dessa unidade. 
Vista  como  um  todo,  ela  deve  possuir  coerência  e  inteligibilidade,  tanto internas, quanto em sua 
relação  com  o  contexto  dramático,  pois  caso  contrário,  corre   o   risco  de  se  assemelhar  a  uma 
“colcha  de  retalhos”,  deixando  de  cumprir  as  funções  para  as  quais  está  destinada  e,  inclusive, 
prejudicando o próprio sentido de unidade do filme (Carrasco, 1993, p. 107).  
Todavia,  para  fazer  parte  de  um  discurso  unitário  não  significa  necessariamente  que  a 
banda  sonora deve apenas ser ilustrativa e/ou subordinadas à imagens. Além disso, se os todos os 
outros elementos que compõe um filme tentam tornar a produção menos transparentes, utilizando 
o  conceito  de  Ismair  Xavier,  deve  também  ser  uma  “responsabilidade”  da  banda  sonora 
trabalhar  para  manutenção  dessa  intenção.  Muitas  das  experiências cinematográficas lembradas 


por  suas  qualidades  e  particulares  sonoras  são  aquelas  que  justamente  quebram  com  a  estrutura 
clássica  e,  de  algum  forma,  colocam  em  destaque  seus  elementos  sonoros.  O  presente  trabalho 
terá  seu  foco  foco  em  uma  dessas  produções,  o  filme ​Paranoid Park (2007), de Gus Van Sant, e 
tem  como  objetivo  abordar  o  papel  do  som  no  longa  metragem.  Em  um  primeiro  momento 
iremos  nos  debrucar  sobre  o  contexto  geral  do  filme  para,  a  posteriori,  estudar  diretamente  as 
questões  relativas  a  banda  sonora.  Pretende­se  explicar  como  a  especificidade  da  mesma  foi 
capaz  de   ajudar  na  construção  da  narrativa,  constituindo  assim  um  pilar  fundamental do próprio 
filme.  Nesse sentido, alinha­se ao pensamento de que em ​Paranoid Park a forma é indissossiável 
da narrativa. 
Neste  trabalho,  o  conceito  de  contemporâneo  sobre  o  qual  iremos  nos  apoiar  é  aquele 
desenvolvido por Giorgio Agamben, em ​O que é o contemporâneo?: 
 
Pertence  verdadeiramente  ao  seu  tempo,  é  verdadeiramente 
contemporaneo,  aquele  que  não  coicide  perfeitamente  com  este,  nem  está 
adequado  às  suas  pretesões  e  é,  portanto,  nessse  sentido  inatual,  mas 
exatamente  por  isso,  exatamente  através  desse  deslocamento  e  desse 
anacronismo,  ele  é   capaz,  mas  do  que  os  outros de perceber e apreender o 
seu tempo. (Agamben, 2009, p. 58) 
 
Contemporâneo  não  significa  aqui,  portanto,  algo  que  pertence  ao  tempo  em  que 
vivemos,  mas  sim  que  insere  uma  marca  do  tempo  em  que  foi  produzido  e,  simultaneamente,  o 
ultrapassa  por  possuir  caracteristicas  que  promovem  certa  desconexão  com  o  mesmo.  Esse 
conceito será debatido novamente  no decorrer deste artigo.  
 
 
Paranoid park e no som no cinema contemporâneo  
 
Paranoid  Park,  baseado  no  romance  homónimo  de Blake Nelson,  conta a história de um 
skater  de  16  anos,  Alex,  que  acidentalmente  mata  um  guarda  de  uma  estação  de  comboio.  A 


personagem  escreve  sobre  o  ocorrido  numa  carta  dirigida   à  amiga  Macy.  Essa  carta  conduz  a 
narrativa, revelando aos poucos o que aconteceu na noite do crime.  
O  filme  segue  um  modelo  estrutural  semelhante  ao  utilizado  na  “Trilogia  da   Morte”, 
podendo,  em  certo  sentido,,  ser   considerado  como  um  capítulo  complementar  a  este  período. 
Nessa  trilogia, o realizador não se preocupa em castigar ou justificar as mortes ocorridas e o peso 
moral  da  culpa  e  trauma  é  secundarizado.  Além  disso,  a  morte  é  um  tema central. Em Paranoid 
Park,  por  outro  lado,  a  morte  surge  como  pretexto  para  encontrar  a  própria  consciência  do 
protagonista:  o  acontecimento  dá  a  conhecer  o  íntimo  da  personagem,  o  trauma  e  as  suas 
inquietações1.  
Gus  Van  Sant  é  um  realizador  cujo  trabalho  é  marcado  pela  predominância  do  tema 
Adolescência.  Em  ​Paranoid  Park,  a  crise de valores que Alex vive torna­se muito representativa 
da  realidade  americana no seio da camada adolescente. Como escape à realidade problemática na 
qual  está  mergulhado,  Alex  escreve  uma  carta  à  amiga  ​Macy.  A  amizade,  nesta  situação 
específica,  o  ajuda  a  lidar  com  o  trauma,  visto  que  escrever   para  contar  o  que  aconteceu  surge 
como uma  forma de redenção.  
O  desligamento da realidade por parte do adolescente Alex é evidente. A atenção parental 
precária   é  um  dos  principais  fatores  que  contribuem  para  que   o   personagem  se  embrulhe  na sua 
própria  solidão,  fechando­se  em  si  mesmo.  As cartas jamais enviadas escreve surgem como uma 
metáfora  para  este  estado.  Desta  forma  conhecemos  o  “dentro”,  isto  é,  o  íntimo  de  Alex,  e 
também  temos  perspectiva  de  “fora”,  uma  vez  que  estes  relatos  são  como  uma  espécie  de 
inconsciente  coletivo   e  existencialista,  predominantemente  adolescente. Importa notar que o tom 
inconclusivo,  fragmentado  e  cronologicamente  confuso  das  cartas  é  coeso  com  os  restantes 
elementos fílmicos.  
O  realizador   serve­se  do  som  para  criar  uma  cortina  entre Alex e os outros, que dá corpo 
a  este  espaço.   Este  estado  deslocado  e  distante,  para  além  de   revelar  um  sério  entorpecimento 
social,  reflete  também  a confusão mental do mesmo por consequência do crime que prevalece no 
seu consciente. 

1
 Alguns críticos do ​Cahiers du Cinéma referem­se a uma "Tetralogia da Morte", incluindo, cronologicamente e 
esteticamente, Paranoid Park, mas essa definição não é consensual (Bouquet  et Lalanne, 2009, p. 9). 

As  referências  à  guerra  do  Iraque são incursões da História que nos  permitem inscrever o 
filme  em  um  tempo  específico.  À  data  da  realização  do  filme   (2007)  decorria  a  Guerra  do 
Iraque,  iniciada   a  2003  e  terminada  em  2011.  As  transformações  sociais  da  viragem  do  século 
refletiram­se também na camada jovem americana.  
O  retrato  da  adolescência  americana,  neste  e  em  outros  filmes  de  Gus  Van  Sant,  é 
recorrente.  Neste  período  histórico,  a  adolescência  americana  é  objeto  de  estudo  por  parte  da 
sociologia,  que  identifica  uma  maior  fragmentação  das  famílias,  a  par  da  marginalidade,  do 
aumento  da  criminalidade  e  das  relações  psicossociais  conturbadas  entre  os  jovens.  Explica 
Megan Ratner: 
 
For  Alex,  Paranoid  Park  is  the  dark side, the  place where he can break out 
of the staid, innocuous routines of home and school.  The park is a cure for 
his  experiential  deprivation.  Along  with   this  eagerness  for  perverse 
novelty,  Elephant,  Last  Days  and  Paranoid  Park  share  the  exile  of  the 
housed  but  homeless.(...).  In  Paranoid  Park,   Alex spends time everywhere 
but  home.  In  each  instance,  Van  Sant  poses  questions  about  the  place  of 
home  in  America,  the  reality  at  a  total  remove  from  the snug promises on 
television  and  in  advertisements.  For  all  of  these  young  men,  the  only 
comfort  is  being  on  the  move,  including,  in  many  ways,  leaving  home 
(Ratner, 2008). 
 
O  filme  dá  conta  de  um  meio  social  marcado  pela  cultura  periférica  americana,  muito 
influenciada  pela  cultura  de  rua:  hip  hop,  graffiti,  breakdance  e  ​skateboarding. O ​skateboarding 
surge, neste filme, como um desporto associado à vivência suburbana, marginal e disruptiva.  
Já  o  que  toca  à  planificação  do  filme, importa notar que o realizador opta pela integração 
de  “não­atores”  e pela utilização de espaços reais. O  ​guião tem poucas linhas orientadoras, sendo 
assim aberto aos ​inputs dos atores durante a rodagem. 
Em  ​Paranoid  Park,  a  forma  filmica  é  muito  característica  e  não  pode   ser  separada  da 
narrativa. O tempo cinematográfico nunca é o tempo real dos acontecimentos. Através das cartas, 


o  espectador  é   levado  em  uma  viagem  onde  o  tempo  é  desconstruído  como  um  puzzle  e  só  à 
posteriori  poderá  ser   montado   de  maneira  que  faça  algum  sentido.  A  memória  é apresentada  de 
uma  forma  descontínua,  refletindo  o  seu  carácter  real  ­  o  filme  é  construído  à  imagem  do 
funcionamento  da  memória,  com  falhas,  elipses,  repetições,  sobreposições,  derivas,  confusões. 
Através  da  narrativa descontínua, o realizador consegue revelar o espaço interior da personagem. 
A  montagem  é,  portanto,   um  instrumento  fundamental  na  construção  de  uma  temporalidade 
absolutamente definidora da forma do filme.  
Também é importante pontuar que a utilização recorrente do slowmotion confere ao filme 
um  ritmo  lento  e  cadenciado,  reflexo  do  estado  de  entorpecimento  de  Alex.  O  slowmotion 
mantém  suspensa  a  dúvida,  ao  mesmo  tempo  que  ajuda  a  dar  conta  da  psique,  do  corpo  da 
personagem  e  dos  seus  movimentos.  Alex  deambula  pelos  corredores  da  escola,  uma   sequência 
de  imagens  que  remete  para  o  filme  ​Elephant  (2003).  Além  disso,  a  utilização   de  slowmotion 
associada  à  música  relembra­nos  a  lógica  do videoclip, onde a música se torna um complemento 
essencial  para  transmitir  ideias. Entretanto, essa passagem não pretende  associar os protagonistas 
de  ambos  os  filmes,  trata­se,  em maior medida, de um um caso de autorreferêncialidade que Gus 
Van  Sant  faz  à  própria  obra.  Alex  não  é  um  assassino  de  sangue  frio como seu xará de elefante, 
e,  embora  ele  encubra  a  sua  parte  na  morte,  descartando  suas  roupas  e  sua  skate,  o  filme 
apresenta­o como solidário ao invés de insensível. 
Paranoid  Park  contém  uma  série  de  passagens sem falas em que a música e até mesmo  o 
silêncio  adquirem  importância.  É  o  que  ocorre nas sequências recorrentes ao longo do filme: nas 
tomadas  de  Alex  sozinho;  nas  cenas  dos  skatistas  caminhando  pelo  corredor  da  escola;   na  cena 
do  rompimento  do  protagonista  com  a  namorada;  na  cena  do  banho  e,  notadamente,  nas 
sequências em que se valoriza a expressão do rosto humano. 
  A  originalidade  da  trilha  musical  se  deve  ao  uso  de  uma  variada  gama  de  composições 
musicais  que  vão  de  punkrock  às  sinfonias  de  beethoven.  Há,  assim,  um  entendimento  de que  o  
cinema  é  um  lugar  de  encontro  entre  música  erudita  e   música  popular,  entre  música  sagrada  e 
música  profana.  Para  Martins(2010,  p.  158),  o  mais  importante  é  que  essa  permeabilidade  entre 
erudito  e  popular  não  apenas  compõe  a  própria  história  da  música,  mas  encontra  nova impulsão 
no cinema em que os compositores estão em busca de uma solução ideal. 


É  necessário  pontuar  que  o  filme  não  possui  um  compositor  responsável  por  uma  trilha 
original.  Durante  uma  entrevista  coletiva,  Gus  Van  Sant  explicou  que  no  momento  da 
finalização,  todos  os  envolvidos  trocavam  músicas  e  testavam  diretamente  no  filme. 
Inicialmente,  os  mesmos  não  acreditavam  que  isso  poderia  dar  certo  principalmente  porque 
pensavam  que  seria  muito  díficil  obter  os  direitos  sobre  as  músicas  escolhidas,  entretanto 
perceberam  que  não  seria  tão  complicado  obter  a música  original e estavam certos que isso seria 
a  melhor  opção2.  Ao  utilizar  músicas  que  lhe  preexistem,  o  filme  contraria   a  ortodoxia 
hollywoodiana,  fundada  no  efeito  de  transparência,  um  dos  princípios  básicos  do  uso  da música 
na  narrativa  clássica  amplamente  discutido  por  Ismail  Xavier  na   obra  ​O  discurso 
cinematográfico:  a  opacidade  e  a  transparência.  Em  busca  da  ampliação da opacidade, pode­se 
até  mesmo  dizer  que  algumas  músicas  são  empregadas  em  aparente  inadequação  com  certas 
imagens  em  ​Paranoid  Park.  Eis,  por  exemplo,  o  uso   o   hard  rock  ​I  will  revolt,  do  grupo  The 
revolts,  em  uma  passagem  em  câmera  lenta  de  Jared,  ao  desconfiar  de  Alex.  De  acordo  com 
Martins(2010,  p.  159),  em  ​Paranoid  Park  a  música  contribui  para  a  criação  de  um  ritmo 
flutuante, interior, melancólico e até mesmo descompassado.  
A  todo  momento,  a  autorreferencialidade  do  cinema  é  observada  no  filme  através  de 
citações  a  outras  produções  feitas  pela  música,  como,  por  exemplo,  à  Julieta  dos  espíritos 
(Federico  Fellini,  1965)  na   cena  de  abertura.  No  caso  das  melodias  de   Nino   Rota,  os  próprios 
títulos  de  suas  composições  são  em  si  elucidativos  no  que  diz  respeito  à  narrativa:  ​La  porticina 
segreta  –  empregado  no  plano  de  abertura  no  qual  se  vê  a  grande  ponte  que  conduz  ao  leste  da 
cidade  de  Portland  –  anuncia,  por  exemplo,  a  ideia  de  uma  passagem  importante,  que  terá lugar 
no  decorrer  da  intriga.  Já  no  plano­seqüência  em  que  o  protagonista  caminha  no shopping, após 
buscar  as  notícias  sobre   a  morte  do  segurança,  ouvimos  “O  jardim  do  destino”​(Il  giardino delle 
fate),  sublinhando  a  condição  de  aprisionamento  de  Alex,  perante  a   experiência  inesperada,  da 
qual  ele  não  poderá  escapar  e  deixando  clara  a  situação  do  vivido,  da  fatalidade,  além  do 
sentimento de culpa do qual Alex se ressente.  
É  importante  notar  também   que  nesse  filme  a  música  serve  para introduzir momentos  de 
lirismo.  No  cinema,  podemos  encontrar  obras  em  que  o  dado  lírico  é  usado para criar uma nova 

2
 Essa entrevista pode ser vista em:<http://www.revistacinetica.com.br/cannes07paranoidpark.htm> 

dimensão  significativa  e   estabelecer  um  outro  nível  de  relação  entre  o  espectador  e  a  obra.  A 
música,  com  seu  potencial  de interferência no filme, com seu  modo subliminar de comunicação, 
com a grande variedade de recursos expressivos e seu imenso apelo emocional, é um instrumento 
extremamente  eficiente  na  articulação  lírica.  ​Amarcord,  citado  diversas  vezes  através  da música 
em  ​Paranoid  Park,  é  m  filme  onde   o   dado  lírico  já  está  presente  no  nível  do  roteiro.  Essa 
produção é, de certo modo, uma autobiografia de seu diretor Federico Fellini e retrata a cidade de 
Rimini na época do fascismo, onde Fellini passou sua infância. 
 
  A  memória  da  infância  é  uma das maiores máximas do lirismo através da 
história.  Não  há  memória  de  infância  que  não  seja  um  pouco  distorcida, 
sempre  para  mais  bela  e  bucólica  do  que  o  fato real acontecido, e que não 
toque  diretamente  os  níveis   mais  elementares  de  nossa  emoção  pessoal,  a 
mesma  emoção  sobre  a  qual  trabalha  o  modo  lírico  de  expressão.  O 
universo  dramático­lírico  de  Amarcord  tem  na  música  de  Nino  Rota,  um 
dos principais elementos de caracterização. A própria  estrutura  temática da 
trilha  musical  desse  filme  já   possui  os  elementos  necessários à construção 
desse  universo.  São  temas musicais simples, alguns deles conhecidos, mas 
extremamente  expressivos  e  precisamente  selecionados  com  vista  a 
produzir  um  forte  impacto  emocional  no  espectador  (Carrasco,  1993, 
p.124).  
 
Quando  Alex  encontra  sua  namorada  em  ​Paranoid  Park  e  ouvimos  “​L´arcobaleno  per 
Giulietta”,  musica  de  Nino  Rota  feita  especialmente  para  ​Amarcord.  Ali  fica   evidente  a  criação 
de um lirismo através da música.  
Acrescente­se  a  isso  que  Michel  Chion,  em  seu  livro  “A  Música  no  Cinema”  (La 
Musique  au  cinéma,  2007),  aponta  para  algo  inerente  às  composições  de  Nino  Rota,  essenciais 
no  filme  de  Gus  Van  Sant:  a  questão  de  uma  indiferença  geral.  Chion  comenta  o  filme  ​8½ 
(1963),  de  Federico  Fellini:  “Sempre  da  mesma  forma,  no  filme,  as  músicas  tocadas  ou 
escutadas  no  cenário  continuam  e  terminam  na  indiferença  geral,  numa  espécie de distração dos 


personagens  em  relação  ao  seu  meio,  estado  que  Fellini  nos  mostra  como  tal”  (Chion,  2007,  p. 
328). O mesmo pode ser dito em relação à Alex em ​Paranoid Park. 
Além  disso,  ao  se  apropriar   de  uma composição de um tempo passado,  relembrando­nos 
a  história  do  cinema  em  si,  o  filme reforça sua inserção em um cinema dito contemporâneo visto 
que,  assim,  alimenta  um  jogo  de  aproximação  e  distanciamento  com  o  próprio  tempo. 
Elucida­nos Agamben: 
 
A  contemporaneidade,  portanto,  é  uma  singular  relação  com  o  próprio 
tempo,  que  adere  a  este  e,  ao  mesmo  tempo,  dele  toma  distâncias;  mais  
precisamente,  essa  é  a  relação  com  o  tempo  que  a  este  adere  através  de 
uma  dessociação  e  um   anacronismo.  Aquelas  que  concidem  muito 
plenamente  com  a  época,  que  em  todos  os  aspectos  a  esta  aderem  
perfeitamente,  não  são  contemporâneos  porque,  exatamente   por  isso,  não 
conseguem  vê­la,  não  podem  manter  fixo  o  olhar  sobre  ela  (Agamben,  
2009, p. 58). 
 
No  livro  ​O  cinema  mudo,  Michel  Marie  aponta  para  uma  tendência  do  cinema 
contemporâneo  que  ao  buscar  se  desviar  dos  diálogos  acaba  conferindo  um  papel  de  relevo  aos 
olhares,  aos  gestos,  aos  ruídos  e,  principalmente,  à  música.  Marie  afirma  que  é   uma  maneira  de 
neutralizar  as  barreiras  linguísticas  e  de  propor  uma  linguagem   mais  universal.  Nesse  sentido, o 
cinema  contemporâneo  restitui  uma  tendência  profunda  do  cinema  mudo:  o  universalismo,  um 
modo  de  ir  além  das  fronteiras  linguísticas,  um  desejo  já  manifestado no cinema mudo dos anos 
1920. 
Do  mesmo  modo,  o  pesquisador  brasileiro  Denilson  Lopes  afirma  que é interessante que 
a  banda  sonora  funcione  como  agente  de  “construção  de  subjetividades”  na  tela  e  que  ela esteja 
inserida  em  modos  de  representar  o  mundo  pelo  cinema  que  não  respondam  à  lógica  das 
fronteiras  nacionais;  ou  seja,  que  essa  música  seja  uma  ferramenta  da  construção  de 
“comunidades  de  sentimento”  que  da  mesma  forma  extrapolem  os  limites da  nação; que ela seja 


parte  de  uma  estética  que  continue  a  diluir  as  fronteiras  imaginárias  entre arte erudita, popular e 
massiva (Lopes, 2003).  
Outra  vertente  musical  presente  no  filme  que  estabelece  um  tipo  de  comtraposição  com 
as  composições  de  Nino  Rota  é  a   ​Musique  concrète.  Trata­se  um  tipo  de  música  eletrônica 
produzida  a  partir  da  junção  de  instrumentos  musicais  à  fragmentos  de  sons  naturais   e 
industriais.  A  mesma  está  integrada  na  paisagem  sonora  do  filme assim como em ​Elephant, mas 
o  efeito  geral  é   diferente.  Em  ​Paranoid  Park,  grande  parte  da  música  reflete  comportamento 
letárgico  de  Alex.  A  música  tem uma qualidade de sonho e, em conjunto com a cinematografia e 
aparência  Gabe  Nevins,  acrescenta  a  percepção  de  Alex  como  inocente.  Mesmo  que  a  música 
nos  dê  algum sentido sobre o estado mental de Alex, nem sempre nos ajuda a compreender o que 
ele sente. 
Quando  vimos  pela  primeira  vez  Alex,  ele  está  escrevendo  as  palavras  "Paranoid  Park" 
em  um  papel.  No  fundo,  podemos  ouvir  "Song   One",  de  Ethan  Rose,  em  junção  outros  sons 
naturais..  Tommy,  o  tio  de  Alex,  passa  e  vê­lo  nervoso.  Tommy  retorna  para  a  cozinha  onde 
todos  os  sons  que  ele  faz,  incluindo  a  chocalhar  de  garrafas  na  geladeira,  são  irrealisticamente 
aumentada,  como  se  ao  sinal  fez  Alex  está  no  limite.  Isso  não  é  necessariamente  o  ponto  de 
audição  de  Alex,  porém,  como  nós  ainda  desconhecemos  por  que  ele  pode  estar  apreensivo.  A 
música  electro­acústica  fundida  com  os  sons  hiper­reais  da  música  é indicativo de algo pacífico, 
mas  os  efeitos  sonoros  aumentados  apontam  para  um  desconforto  e  não  está  claro   se  qualquer 
um desses sons representam os sentimentos de Alex.  
Nesta  mesma  sequencia,  a  câmera  salta  para  um  shot de Alex caminhando pelas dunas e, 
em  seguida,  corta  para  a  primeira  sequência  de  skate  com  "Song  One"  ainda  em  execução.  Não 
há  um  acompanhamento  convencional  de  ​skate  musik:  tal  como  punk  ou  ska;  ao  contrário,  há 
"Song  One".  Essa  música  tem  algo  muito  mais  meditativo  do  que  tipicamente  agressivo;  isto   é 
como  Alex  vê  o  parque:  um  lugar  para  escapar  do mundo real, um lugar para relaxar e perder­se 
no meio da multidão.  
Outro  bom  exemplo  de  uso  de  música  concreta  no  filme  é  o  emprego  da  música  ​Walk 
through  resonant  landscape  nº   2,   de  Frances  White,  na  cena  em  que   Alex  toma  banho  para  se 
livrar  das  manchas  de  sangue  em  seu  corpo.  A  mesma  expressa  o  que  de  terror,  de pesadelo, de 

10 
pesar  e  até   mesmo  de desespero resulta da experiência vivida, na  conjugação de sons graves, que 
se intensificam, em adicioção o barulho da água caindo e o som de pássaros cada vez mais altos. 
Em  ​Soundscapes:  towards  a  sounded anthropology, os pesqusadores Samuels, Meintjies,  
Ochoa  e  Porcello  comentam  o  que  lhes  parece  ser  um esquecimento  da própria voz como objeto 
dos  estudos  de  som  na  antropologia,  em   detrimento,  por  exemplo,  da  música  produzida  pelos 
grupos  sociais  estudados.  Pensamos  que  o  mesmo  ocorre  no  cinema,  fato  que  constitui  um 
paradoxo  se  pensarmos  na  centralidade  da voz para o cinema  sonoro desde seus primórdios até o 
cinema  comercial  contemporâneo.  Um  excesso  de  presença  nas  telas  daria  em  uma  ausência   de 
análise,  o  que  poderia   ser  entendido  como  um  grave  acidente  metodológico  para  os  próprios 
estudos de som no cinema.  
Nesse  sentido,  buscando  combater  parcialmente  essa  falha,  destacamos  que  há  duas 
ocorrências  do  som  de   um  grito  no  filme  e  que  as  mesmas  tem  importancia  fundamental  na 
narrativa.  A  primeira  ocorrência  é  na  aula  de  ciências  de  Alex,  mas  é  quase  inaudível.  O  mais 
notável  grito ocorre durante a entrevista entre Alex e o detetive. No entanto, quando finalmente o 
acidente  é  mostrado  não  há  nenhum  grito,  em  vez  disso  é  coberto  com  a  9ª  sinfonia  de 
Beethoven.  Para  Jessica  Shine,  autora  de  ​Totality  of  experience:  sound,  music  and mythology in 
Gus  Van  Sant’s,  o  fato  de  que  o  grito  não  acompanha  a  morte na memória de Alex sugere que a 
experiência  do  evento  de  Alex  é  diferente  de  sua  memória  dele.  Assim,  a  questão  mais 
importante  na  relação  ao  grito  é  se  é  (ou  não)  imaginado  ou  real.  Além  disso,  a  9ª  Sinfonia  é 
empregada  em  um  instante  de  violência,  de  clímax  da  narrativa  fílmica,  instaurando um diálogo 
entre  ​Paranoid  Park  e  ​A  Clockwork  Orange.  Obviamente,  a  referência  ao  filme  de  Kubrick, 
cineasta  predileto  de  Gus  Van  Sant,  pode  ser  examinada  já  a  partir  do  próprio  nome  do 
protagonista  Alex,  nome  este  que  não  consta  no  romance  de  Nelson,  mas  é  o  mesmo  do 
protagonista de Laranja mecânica, para quem a 9ª Sinfonia é sua composição favorita. 
“​Paranoid  Park  is  a  spiritual  film in that it investigates the conscience and moral fiber of 
its  main  character.”  (Lobrutto,  2010,  p.115).  Ao  recorrer  a  não­atores  e  utilizar  as  personagens 
como  modelos,  Gus  Van  Sant  eleva  as  personagens  para  além  da  sua individualidade, gesto que 
deixa  à  superfície  os  sintomas  geracionais.  Para  além  disso,  todo  o  filme  é  dominado  por  um 
ambiente  onírico,  que  o  eleva  para  um  plano  transcendente: a música como via para a percepção 

11 
do  íntimo  da  personagem;  a  câmara  lenta  que  eterniza  os  movimentos  dos  skaters;  a  carga 
espiritual  do skatepark que eleva os skaters ao estatuto de anjos; a relação com a morte é também 
notada  na  atitude  de  Alex,  no  que  toca  à  sua  apatia  e  distanciamento  em  relação  ao  mundo.  Há 
um  plano em que os skaters fazem acrobacias e todos se mantêm de pé excepto o último, que cai: 
consideramos  que  este  plano   é  uma  myse­en­abyme  do  próprio  filme.  Corpos  em  suspensão, 
deambulatórios  e  perdidos  podem  a  qualquer  momento  desequilibrar­se  e  cair,  sendo  o  acidente 
um acontecimento possível.  
A propósito da contemporaneidade, Agamben também afirma:  
 
Aqueles  que  procuraram  pensar  a  contemporaneidade  puderam  fazê­lo 
apenas  com  a  condição  de  cindi­la  em  mais  tempos,  de  introduzir  no 
tempo  uma  essencial  desomogeneidade;  (...)  e,  no  entanto,  exatamente 
através  dessa  censura,  dessa  interpolação  do  presente  na  homogeneidade 
inerte  do  tempo  linear,  o  contemporâneio  coloca  um  ação  uma  relação 
especial entre os tempos (Agamben, 2009, p. 71). 
 
A  forma  descontínua  e  fragmentada  da  composição  fílmica  dá  corpo  à  narrativa,  que, 
tomando  a  mesma  linhagem,  reconstrói  a  memória.  Assiste­se  assim,  a  uma  perda  de  
coordenadas  de  tempo  e  espaço,  sendo  esta,  uma  forma  inovadora  de  trabalhar a temporalidade. 
É  possivel  afirmar  que  na   metade  do  filme  é  desvendada  a  culpa  de  Alex;  durante  a  entrevista 
com  os  ​skaters,  Alex levanta o braço, um gesto que revela a sua posição. Cronologicamente, esta 
cena pode ser vista como cena final. 
Podemos  ainda  pontuar  que  a  iluminação  é  também  um  aspecto  fundamental   para  a 
narrativa  do  filme.  ​Depois  do  acidente,  por  exemplo,  há  um  plano  de trovoada. Neste momento, 
a  iluminação  tem  um  papel  relevante  na  construção  de  sentido:  aliada  ao  foque­desfoque,  os 
flash’s  de  luz  e  escuridão,  a  ansiedade  e  a  instabilidade  daquele  momento  vivido  por  Alex  são 
reveladas,  assim  como  o  próprio   dispositivo  filmico.  Um  exemplo  que  também  deve  ser  citado 
ocorre  quando  ​Alex  sai  da  sala  depois  da  entrevista  com  o  polícial  e   vai  olhando  para  trás.  A 
cada  passo  a  personagem  entra  mais  na escuridão ­ da luz rebentada passa­se rapidamente para a 

12 
penumbra,  fato  que  igualmente  evidencia  a  presentça  do  dispositivo  cinematográfico.  Ou seja, ​a 
utilização  das   técnicas  de  iluminação  de  é  feita  de  maneira  a  destacar  essa  manipulação  em  si. 
Quando  são  feitas  reduções  de  luz  não  naturais,  o  gesto que relembra Godard e a sua vontade de 
tornar opaco o dispositivo, o espectador é relembrado de que está a ver cinema. 
 
 
Considerações finais 
 
Paranoid  Park  responde  à  pergunta:  Como  é que se filma a consciência? É um filme que 
narra  o  encontro da construção da memória com a consciência.  Neste filme, a forma e a narrativa 
são  indissociáveis.  Tal  modo  de  fazer  cinema  é  uma  das  razões  pelas  quais  Gus  é  considerado 
pela  crítica  como  um  poeta,  capaz  de  fazer  expandir  o  olhar  sobre  a  vulgaridade.  Em  alguns 
momentos  do  filme,  são  identificáveis  algumas  incursões  históricas.  Esta  necessidade  de 
inscrição  da  estória   no   seu  presente,  propicia  um  olhar  crítico  em  relação  ao  seu  próprio tempo. 
A narrativa desafia também construções familiares do cinema clássico americano, mostrando, em 
detrimento  de  uma  família  estruturada,  um  núcleo  parental  distante,  ausente  e  fragmentado. 
Neste  sentido,  Gus  Van  Sant  abandona  as  concepções  do  melodrama,  afastando  o  papel  da 
família  como  tema  central.  No  plano  do  realismo cinematográfico, pode dizer­se que os pedaços 
de  filme  filmados  em  Super  8  denotam  a  incursão  do  realismo  dentro  da ficção. A simulação de 
um  vídeo  amador  de  skaters   parece  ser  filmado  por  um  deles  e  denuncia  também  a  presença  do 
realizador enquanto personagem integrante na estória.  
As  escolhas  musicais  e  sons  não  só  ajudam  a  contar  a  estória,  como  integram  a  própria  
narrativa.  Estes  adquirem  a  função  de  caracterizar  psicológica  e  emocionalmente o personagem. 
Graças  à   música,  é  dado  ao  espectador  o  poder  de  transcender  as  imagens  do  filme,  dotadas  de 
um  belo  potencial  poético.  Se,  por  um   lado,  a  música  vem  englobar  o  percurso  do  protagonista 
Alex,  ilustrando  o  estado  de  espírito  do  anti­herói  tomado pelo sentimento de culpa; por outro, a 
música  reforça  as  audácias  formais  do  filme,  chamando  a   atenção  para  o  próprio  fazer  fílmico. 
Além  disso,  a  trilha  musical  de  ​Paranoid  Park  nos  conduz  ao  passado  do  próprio  cinema  no 
diálogo  que estabelece seja com os dois filmes de Fellini seja com o filme de Kubrick, e isso sem  

13 
esquecer  as  longas  passagens  sem  falas  remetendo­nos  às  virtudes  do  cinema  da  época  dita 
“muda”, uma tendência do cinema contemporâneo. 
Ainda  vale  destacar  que  o  uso  de  música  concreta  é  de  fundamental  importancia  para  a 
construção  da  forma  que  dá  corpo  à  narrativa.  Através  dessa  particularidade  conseguimos  ter 
acesso  ao  interior  da  personagem  principal  para  saber   como  são  suas percepções sobre o mundo 
e como as mesmas foram afetadas pelo trágico incidente.  
A  beleza  de   ​Paranoid  Park  se  forma,  portanto,  da  combinação  de  aspectos  densos  do 
roteiro  (e  do  texto  original)  com  a  maturidade  e  a  criatividade   de  um  cineasta  que  busca  por 
inovações filme após filme. 
 
 
Referências bibliográficas 
 
Agamben, Giorgio.  ​O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. 
 
Bouquet, S. et Lalanne, J. ​Gus Van Sant. Paris: Éditions Cahiers du cinéma, 2009. 
 
Chion, Michel. L ́audio­vision, Paris : Eds. Nathan, 1990 ; “L ́homme qui marche”  In. 
AUMONT, J. (org.). L ́invention de la figure humaine, Paris: Cinémathèque Française, 1995;  La 
musique au cinemá, France: Librairie Arthème Fayard, 2007. 
 
Carrasco, Ney. ​Trilha musical: Música e articulação fílmica. Tese de mestrado. São Paulo: 
USP/ECA, 1993. 
 
Carvalho, Marcia. “A trilha sonora do cinema: Proposta para um ‘ouvir’ analítico”.​ Caligrama 
(ECA/USP. Online), v. 3, p. 1­16, 2007. Acesso em 05/06/2016. 
http://www.revistas.usp.br/caligrama/article/view/65388/67992.  
 
Lobrutto, Vicent. ​Gus Van Sant: His Own Private Cinema. Santa Barbara: Praeger, pp.112­125, 
2010.  
 
Lopes, Denilson. “Da Música Pop à Música como Paisagem”. ​Eco Pós, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, 
p. 86­94, 2003.  
 

14 
Martins, Fernanda. “Paranoid Park: das Composições de Nino Rota à Música Eletroacústica”. In: 
Samuel Paiva, Laura Cánepa, Gustavo Souza. (Org.).​ XI Estudos de Cinema e Audiovisual 
SOCINE. 1ed.São Paulo: SOCINE, v. 1, p. 154­164, 2010​.  
 
Shine, Jéssica. ​Totality of experience: sound, music and mythology in Gus Van Sant’s “Death 
Quartet”. Tese de doutorado, University College Cork, 2015. 
 
Samuels, D.,Meintjies, L, Ochoa, A, Porcello, T. “Soundscapes: Toward a Sounded 
Anthropology”. In: ​Annual Review of Anthropology. n. 39, 2010. 
 
Ratner, Megan. “Paranoid Park: The Home Front”. ​Film Quarterly. 62(1), pp.26­31, 2008. 
 
 

15 

You might also like