You are on page 1of 22

A vinda da Família Real recontada em quadrinhos

Argemiro Ferreira de Almeida1


Mário Augusto Mancuso Jorge

Resumo:
O presente artigo tem como proposta analisar como a língua escrito-impressa (as
legendas) e os signos pictóricos que formam a obra: D. João Carioca articulam-se entre si
para narrar uma história no final do século XVIII, e em que medida esse texto direciona o
leitor para uma leitura, e ainda, o que exige dele. Através de uma pesquisa bibliográfica na
área de linguagem e do discurso buscou-se o subsidio teórico para análise por meio da obra
em seus múltiplos aspectos, fazendo conexões a partir do texto em direção ao universo do
autor, descobrindo o caráter ideológico contido na obra e a intertextualidade.
Fazemos uma análise abordando dois níveis de conteúdo bem nítidos no texto, o que
se insere por intermédio da língua escrito-impressa (as legendas) e aquele vinculado os signos
pictóricos. Portanto, a resposta dada a questão norteadora está contida em tópicos compostos
da seguinte forma: Uma leitura da língua escrito-impressa na HQ e Uma leitura do signo
pictórico na HQ.

Palavras-chave: Comunicação, linguagem, intertextualidade, intencionalidade, Família Real,


História em Quadrinhos.

1
Argemiro Ferreira de Almeida é cineasta, professor de filosofia e aluno especial (mestrado
Comunicação Social UMESP. argealmeida@terra.com.br
Mario Augusto Mancuso Jorge é ilustrador, docente de Comunicação Digital na UNIP e mestrando em
Comunicação Social da UMESP. mario.mancuso@terra.com.br
1
Introdução
A proposta deste trabalho é fazer uma análise do texto – D. João Carioca: A corte
portuguesa chega ao Brasil (1808-1821) –, dos autores, Lilia Moritz Schwarcz (professora
titular no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo) e João Spacca de
Oliveira (cartunista e ilustrador profissional). A obra em questão é um livro que se utiliza do
recurso literário e elementos das Histórias em Quadrinhos (HQ), o que o torna diferente de
outros padrões de livros comumente observáveis. Tem um caráter lúdico/pedagógico, com
nítida intenção de manter o leitor informado sobre os diferentes aspectos que envolveram e
resultaram na vinda da família real de Portugal para o Brasil/colônia.
A narrativa se explicita no texto por intermédio da língua escrito-impressa e dos
signos pictóricos, sendo que ambos se complementam. Ela comporta outras dimensões
enunciativas como, por exemplo, os subtextos, que estão inseridos no texto de forma
implícita. A nossa compreensão do termo texto segue a linha do lingüista Mikhail Bakhtin;
para quem o texto representa uma realidade imediata tanto ao nível do pensamento quanto ao
nível das emoções.
Assim, por trás de todo texto, encontra-se o sistema da língua; no texto,
corresponde-lhe tudo quanto é repetitivo e reproduzível, tudo quanto pode
existir fora do texto. Porém, ao mesmo tempo, cada texto (em sua qualidade
de enunciado) é individual, único e irreproduzível, sendo nisso que reside
seu sentido (BAKHTIN, 1997, p. 331).

Nesse sentido queremos compreender em que medida o texto, objeto desse estudo,
direciona o leitor para um determinado entendimento dentro do processo comunicativo e
ainda o que exige desse leitor. Essa questão deverá ser respondida considerando a dimensão
dos textos implícito e explícito, contida tanto na língua escrito-impressa quanto naquela
mediada pelos signos pictóricos. Portanto, nosso trabalho estar orientado por dois tópicos
compostos da seguinte forma: Uma leitura da língua escrito-impressa e o outro Uma
leitura dos signos pictóricos.
Dentro do aspecto formal de apresentação dos enunciados encontramos a língua
escrito-impressa e os signos pictóricos; ambos articulados passam a expressar uma intenção
determinada o que constitui o ato da enunciação. Por um lado, a narrativa perseguida pela
língua escrito-impressa - contida nos suportes, também chamados legendas ou recordatórios,
quadros retangulares e abalonados e com algumas exceções (todos monocromáticos na cor
branca, em alguns casos recebem um fundo de cor diferente) - exerce uma força enunciativa

2
capaz de, por si só, conduzir o discurso, ao narrar os fatos históricos de forma objetiva, porém
também emitindo comentários opinativos em alguns momentos que contribuem para uma
melhor fluência e informalidade do texto, que contribuem na interação com o leitor. isso é
legal, deveria explicar melhor!. Por outro lado, a dinâmica estabelecida por intermédio dos
signos pictóricos, esses compostos por desenhos coloridos ou monocromáticos na cor preta,
cuja finalidade é representar a sombra (uma máscara). Os signos recebem a aplicação de
recursos explorados pela linguagem do cinema (Plano Geral e o Detalhe, esse constituído por
pequenos quadros que se sobressaem do conjunto de desenho de um quadrinho), e nos
remetem a outras leituras do texto, as quais não se chegariam por meio da língua escrito-
impressa. Estas novas leituras são feitas através do subtexto presente na linguagem imagética,
através de caracterização dos personagens, estilo de traço, ângulo e composição de cenas,
cores e personagens presentes nas situações representadas.
Para o primeiro caso buscamos sustentar nosso ponto de vista a partir dos estudos do
lingüista Mikhail Bakhtin, principalmente, no que se refere aos elementos extralingüísticos e
ao texto como reflexo subjetivo de um mundo objetivo, através dos quais tentamos
compreender o caráter dialógico contido em nosso objeto de estudo. Nessa mesma direção,
nos apoiaremos nas reflexões de Jürgen Habermas ao tratar sobre o mundo da vida (Teoría de
la acción comunicativa, 1988). Apoiar-nos-emos também, nos escritos de Ingedore Villaça
Koch (1995), num esforço de compreender a distinção feita acerca da Teoria da Enunciação,
em especial os dois planos de enunciação: o discurso e a história, os quais têm uma ligação
direta com o texto que estamos analisando. Esses dois conceitos (discurso e a história) serão
elucidados posteriormente, a partir de fragmentos extraídos do próprio texto, em KOCH e
complementado por Roland Barthes (2004). Por ora nos limitamos a informar que a obra
analisada possui em si os dois planos enunciativos: pois em seu caráter fundador se encontra
os dados da História – objeto imanente da narrativa –, e a livre interpretação do autor que se
encontra em outro momento histórico constituído culturalmente. Em vez de dizer em quem
vai se apoiar talvez pudesse entrar direto nos conceitos básicos.
Para o segundo tópico vamos recorrer aos textos de VERGUEIRO (2004), de onde
buscamos a definição do termo e dos elementos que compõem a História em Quadrinhos; em
GONÇALVES (2007), queremos ressaltar a questão da intertextualidade, elemento presente
em toda obra; mas que será explorado mediante a análise dos quadrinhos; já com a leitura de
CHARADEAU (2003), se busca compreender a dimensão do ato de recontar um fato ou uma
história; em LURIA (2001), ancoramos a fundamentação teórica que sustenta o processo

3
evolutivo das personagens como fruto de uma significação externa (embora não se trate
diretamente de um estudo de HQ). Esses dois aspectos da enunciação (língua escrito-impresa
e os signos pictóricos) são analisados a seguir.

Uma leitura da língua escrito-impressa na obra

Será que precisa mesmo desses aspectos técnicos da obra? Só se isso interferir de
alguma forma no texto e nos sentidos.
Por enquanto você não mostra como essa linguagem pictórica contribui para a
construção de um determinado sentido da obra
O ponto de partida dessa reflexão é a língua escrito-impressa (direta e/ou indireta), a
qual, de maneira articulada com outros elementos, compõe o texto da obra – D. João Carioca
–, que se fundamenta sobre dados históricos conhecidos no final do século XVIII. O que nos
interessa é compreender como o texto nos é apresentado e em que medida ele direciona o
leitor para uma determinada leitura. Talvez seja interessante fazer uma consideração sobre o
suporte visual utilizado para que essa língua escrito-impressa chegasse até ao leitor. Em uma
primeira constatação é possível notar três suportes onde ela está ancorada, são eles: quadros
retangulares, abalonados e os desprovidos de linha delimitadora; cada um deles tem uma
função e conseqüentemente uma intencionalidade, e se constituem como signos, pois,
juntamente com a palavra impressa, exercem a função de significar. Além dos próprios
formatos utilizados nos suportes, o que os diferenciam visualmente entre si, eles ocupam e
exercem funções determinadas dentro da proposta geral da obra.
Tomemos por análise, em primeiro lugar, o suporte quadros retangulares. No texto ele
tem a finalidade de conduzir o leitor para a manifestação direta e indireta do autor, que, as
vezes, se apresenta como vozes da história e, em outras, como ação imperiosa de
comentarista: um narrador oculto e onipresente. Denominamos essa postura de: ação
esquizofrênica, pois não há uma linearidade de atuação, o estabelecido (o discurso) se justifica
pela ruptura aparente e a junção delicada que o constitui. Além dessas funções que aparecem
nos quadros retangulares, eles agregam outras como, por exemplo, aquelas que funcionam
como uma espécie de subtítulos (circunscritas somente nos quadros retangulares), sobre os
quais o autor engendra uma subdivisão no discurso, criando pontos de intersecção entre os
dados da História e o discurso narrativo, cujo objetivo é o de re-posicionar o leitor dentro da
fragmentação do próprio texto. Ao mesmo tempo, impinge a sensação de esquizofrenia

4
(ruptura, contigüidade e movimento) ao estabelecer uma conexão, embora tênue, com os
demais suportes. Talvez essa seja a razão pela qual se tem a leitura de que a obra não se
enquadra dentro dos padrões reconhecidamente aplicados em História em Quadrinhos.
O segundo suporte, os quadros abalonados, requer uma atenção ainda maior por
tratar-se de um campo definido para a atuação das personagens, no qual se joga com o mundo
da vida desses atores, mas que se mesclam com a participação difusa do autor. Por analogia
poderia ser identificado como o juiz jogador. Um exemplo dessa participação são os espaços
destinados aos sinais de reticências e os grifos que aparecem nos discursos proferidos pelas
personagens. Senão vejamos:
... QUE TODAS AS FÁBRICAS, MANUFATURAS OU TEARES DE
TECIDOS, BORDADOS DE OURO, VELUDOS, CETINS, SEDAS ETC... COM
EXCEÇÃO DAS FAZENDAS GROSSAS PARA VESTUÁRIO DOS NEGROS E
ENFARDAR... SEJAM EXTINTAS E ABOLIDAS EM TODAS AS PARTES
DOS DOMÍNIOS DE SUA MAJESTADE NO BRASIL. (SCHWARCZ, 2007
P. 5)2
Essas intervenções são na verdade o indicio revelador da presença do autor dentro do texto
que se revela, entre outros, no espaço discursivo das personagens. No decorrer da obra essas
manifestações são freqüentes, vemos o autor entrar e sair do plano de suas personagens, ou
seja, o seu discurso se mistura com o delas. E nisso, nos aproximamos da afirmação de
Bakhtin: “Todo texto tem um sujeito, um autor (que fala, escreve)”. (1997, p.330). E na
seqüência ele diz que o autor pode assumir “formas, aspectos e sub-aspectos” na produção de
seu texto.

Entendemos que a palavra quando conjugada nos remete para um signo culturalmente
absorvido, no qual reside o ato de troca de informação e, o poder de compreensão manifesta-
se entre os sujeitos. Nesse processo comunicativo sempre atuamos, segundo Habermas, com
referência ao mundo da vida.
Ao atuar comunicativamente os sujeitos se entendem sempre no horizonte de
um mundo da vida. Seu mundo da vida está formado de convicções
interiores, mais ou menos difusas, porém, sempre sem problemas. O mundo
da vida, que está por trás, é a fonte de onde se obtém as definições das
situações que os implicados pressupõem como sendo sem problemas. Em
suas operações interpretativas os membros de uma comunidade de
comunicação esclarecem o mundo objetivo e o mundo social que
intersubjetivamente compartem, frente aos mundos subjetivos de cada um e
frente a outros coletivos. (HABERMAS, 1988, p. 104)3

2
Opção de escrever em caixa alta é para aproximar do texto original.
3
Traduzido nossa do Espanhol
5
Quando um autor iniciar sua obra, ou o ato de fala, ele pressupõe que seus leitores ou
ouvintes comungam em algum grau com o mundo, o qual é objeto da sua ação. O que se nota
no texto que estamos analisando é a presença dessa crença. Senão vejamos o que está disposto
no quadro retangular que inaugura a obra: FINAL DO SÉCULO XVIII. EM UMA CERTA
COLÔNIA PORTUGUESA NO ALÉM-MAR... (SCHWARCZ, 2007 P. 5), inscrito sobre a
paisagem que remonta à do Rio de Janeiro.

A primeira parte do enunciado condensa informações em uma única frase capaz de nos
remeter a uma gama enorme de acontecimentos ocorridos em uma dada época. Nesse caso, o
autor prescinde da idéia que o sujeito “ouvinte/falante, falante/ouvinte” tem conhecimento
dos acontecimentos que envolveram um período da História cunhado por fatos determinados,
ou simplesmente quer demarcar o final de uma etapa indiciando o início de outra. Ao propor
aquela formulação, o autor converge para o que afirma Barthes: “a palavra pode economizar
uma situação ou uma seqüência de ações; ela favorece a estruturação na medida em que,
projetada em conteúdo, ela própria é uma pequena estrutura” (2004 p. 172). Na verdade
esses recursos são arranjos constitutivos à palavra, sem os quais ela perde sua força de
significação do real e do imaginário. E como diz Barthes:
No nível das palavras, enfim: a frase não tem apenas um sentido literal ou
denotado; é repleta de significações suplementares: por ser de uma só vez
referência cultural, modelo retórico, ambigüidade voluntária de enunciação e
simples unidade de denotação, a palavra “literária” é profunda como um
espaço, e esse espaço é o próprio campo da análise estrutural, cujo projeto é
bem mais vasto do que o da antiga estilística, totalmente fundada na idéia
errônea da “expressividade”. (2004, p. 7)

Acreditamos que o nosso pensamento é facultado por esses arranjos imateriais que
ganham formas nas palavras. É bem provável que a construção de uma metáfora passe por
esses arranjos que a natureza dos signos condensa em palavras, formando uma unidade
discursiva. Com ela, um enunciado não carece de uma seqüência concatenada que revele a
periodicidade dos fatos, mas, no entanto, nos permitem aproximar-se daquilo que a história já
circunscreveu. Essa unidade é muito usada no ato de fala, o que Barthes vai denominar de
“unidade indicial”, que no discurso funciona como no esquema de “catálise que preenche os
interstícios dos núcleos.” (2004, p. 174).
6
Estas são, entre outras, as características do texto estudado: de modo geral o autor
apropria-se de conceitos generalizantes e os conjugam como afirmações historicamente dadas;
interage na narrativa (direto e indiretamente) nas diferentes instâncias do discurso; constrói
um discurso metafórico; dissemina ironia por intermédio da língua escrito-impressa e dos
signos pictóricos; aproxima-se de uma lógica de tipo silogístico presentes em argumentação
entimemas (argumento com princípio aberto e sua função é não revelar uma de suas
premissas, ou seja; há mais de uma possibilidade conclusiva: o pode induzir ao erro). Como o
texto apresenta as realidades acima por nós constatadas, e, a partir delas, direciona o leitor
para um determinado entendimento dentro do processo comunicativo e, ainda, o que exige
desse leitor? Tomemos por base a página 6, em específico o 9º quadro (o primeiro da página).
“LISBOA, 1807” “EXTRA! EXTRA! SEJAM OS PRIMEIROS A LER AS
ÚLTIMAS!” “NAPOLEÃO DÁ UM MÊS DE PRAZO PARA O PRINCIPE
FECHAR OS PORTOS AOS INGLESES...”

7
página 06

Para quem não teve contato visual com a cidade de Lisboa / Portugal, e muito menos
possui uma noção histórica do que ocorreu no ano de 1807, essas informações estão inseridas
ironicamente nas figuras que se apresentam em primeiros planos e nos planos de fundos, os
quais remontam à Lisboa da época. E ainda, por sinais como, por exemplo, grifo em negrito e
reticência. Em termo estrito ao que está dito no texto, sem considerar a capacidade da palavra
significar outras unidades discursivas (os arranjos das palavras) é muito pouco, e não
podemos ir além do que permite o enunciado; ou seja, ficamos sabendo da existência de
Lisboa em 1807; alguém que faz um convite para ler as últimas sem precisar o convidado; e
8
por fim a revelação de conteúdo: “Napoleão dá um mês de prazo para o Príncipe fechar os
portos aos Ingleses...”. Em nossa análise voltada a dar resposta à questão que norteia esse
trabalho, é provável e até compreensível que se aproxime da semiótica, dado a proposta e ao
próprio objeto estudado. Queremos chamar atenção para os grifos em negrito sobre palavras
carregadas de unidades de sentidos (os arranjos das palavras), esses direcionam de imediato a
atenção do leitor, e o remete ao intersubjetivo. Se não é assim, o que significa os grifos nas
palavras (NAPOLEÃO, POLÍTICA, CEGO?, ANALFABETO?, EU, BLOQUEIO
CONTINENTAL..., ISOLAR)? A evidência é tamanha de que essas palavras arranjos
(indiciais) assumem uma função direcionadora no texto, ainda mais, quando, inseridas no
discurso das personagens sob forma de assinaturas (sinais). Neste caso elas reforçam uma
intenção do texto no sujeito “ouvinte/falante, falante/ouvinte”. Chegam mesmo à ironia,
observemos o quadro 12º, no tocante à resposta do menino: “COMO POSSO LER, SE SOU
ANALFABETO?”. Essas são algumas das fronteiras em que residem à intencionalidade
ideológica do autor que se materializa no texto com todas as contradições e soluções advindas
do discurso enunciativo.

Fizemos a opção de cunhar o termo sujeito “ouvinte/falante, falante/ouvinte” por


entender que no campo da manifestação comunicacional não há um “eu” isolado de um “tu”,
se não, um “nós” que ganha contorno singular na presença de um “eu/tu” e do “tu/eu” 4,
inserindo neles todas as contradições possíveis: porque em si mesmos, e simultaneamente,
convivem os dois sujeitos compreendidos separadamente. Na verdade fundimos aqui alguns
conceitos já estabelecidos historicamente, não é uma formulação completamente nova; mas
essa nos pareceu mais próxima daquilo que buscamos expressar.

Dentre as muitas características que compõem o texto “D. João Carioca”, queremos
ainda ressaltar a narrativa feita em paralelo. Em todo o texto se nota este estilo narrativo que
se dá por intermédio de ações entrecortadas, com mudanças de foco nos assuntos tratados, ou
seja, com alternância na manifestação das personagens fazendo crer ao leitor que as
ocorrências e os fatos acontecem ao mesmo tempo. Outro dado importante são as intersecções
que ocorrem entre o enunciado típico da história e do discurso das personagens, as quais
favorecem a compreensão de que a vida circunstanciada na corte/Portugal e a vida na
colônia/Brasil têm uma estreita relação entre si e que os fatos históricos mantêm uma
simultaneidade. O que confere um movimento interno a obra, e provoca uma sensação de que

4
Distanciamos-nos de Martin Buber (Eu e Tu)
9
as personagens são defensoras de idéias e, com isso, há um encontro do autor com suas
personagens no mesmo palco de ação.

O discurso e a História no texto

Não se pretende aqui fazer um estudo aprofundado sobre o que é ou a compreensão


que se tem acerca do discurso e da história, mas simplesmente apontar como esses dois
conceitos aparecem no texto estudo. Se fosse de outra maneira teríamos que recorrer a uma
lingüística do discurso, como constata Ingedore Villaça Koch: “uma lingüística que se ocupa
das manifestações lingüísticas produzidas por indivíduos concretos em situações concretas,
sob determinadas condições de produção.” (1995, p. 11). Definitivamente esse não é o nosso
propósito, não queremos chegar tão longe, optamos por fazer uma análise, parcial, da língua
escrito-impressa e dos signos pictóricos contidos no texto. E sendo que o texto estudo se
fundamenta em fatos da História, é oportuno verificar como o autor relaciona esses fatos
utilizando-se do discurso. Sabe-se que os discursos são carregados de intencionalidade
ideológica que se moldam segundo tempo, espaço e a partir da atuação de cada autor;
portanto, são intersubjetivos (HABERMAS, 1987). E que os mesmos são proferidos
utilizando-se de elementos da linguagem, tanto os de caráter histórico ou os discursivos.
Segundo KOCH, Émile Benveniste faz observações relevantes quanto ao sistema verbal:
“existem dois planos de enunciação: o discurso e a história, cada um com seus tempos
característicos.” (1995, p. 14). Deparamos em nosso estudo com o enunciado da história, e
esse se encontra limitado aos quadros retangulares, são raras as vezes que ele aparece fora
das linhas delimitadoras. Vejamos um exemplo de enunciado da história: “MOSTERIO DE
MARFA, A 30 KM DE LISBOA – 12 DE AGOSTO, QUARTA-FEIRA” (SCHWARCZ, 2007, p. 7).
Nesse caso não encontramos a presença do autor. Já o enunciado discursivo está posto nos
quadros abalonados, por onde transcorre a ação das personagens e do autor. Todos eles são
reforçados pelos signos pictóricos, alguns se aproximam da comicidade e outros são mais
nobres. A título de exemplificação apontamos esse:

ALTEZA, NAPOLEÃO EXIGE O ROMPIMENTO COM A INGLATERRA ATÉ 10


DE SETEMBRO. QUER AINDA A PRISÃO DOS INGLESES RESIDENTES EM
PORTUGAL E O CONFISCO DE SEUS BENS... (SCHWARCZ, 2007, p. 7)

Embora, apareça a referência de localização temporal, o discurso não se caracteriza como


sendo da história, devido à presença do autor dentro do discurso. Na visão de KOCH, o
enunciado discursivo é marcado pelas seguintes características:
10
Num determinado momento, em determinado lugar, um indivíduo se
„apropria‟ da língua, instaurando-se como „eu‟, concomitantemente,
instaurando o outro como „tu (...) Os tempos característicos do discurso são o
presente (...), o futuro do presente. (1995, p. 15).

Portanto o enunciado discursivo é identificado como manifestação direta ou indireta de


um autor, sujeito que pratica uma ação enunciativa comumente denominada de ato
comunicativo.

Detectamos duas maneiras de participação do autor no texto: aquela que caracteriza o


enunciado da história e o discurso. A primeira se apresenta quando o autor se manifesta
dentro do discurso histórico através das assinaturas, ele é caracterizado pela sua presença
indireta no texto. Nesse caso, o autor se esconde nas formas verbais que não demonstram a
sua participação e nos pronomes da não-pessoa. Enquanto que a segunda pode se dar, dentre
outras modalidades, quando ele se manifesta no campo de atuação das personagens que, em
ultima instância, são imagens criadas para falar algo que o próprio autor não quer expor
diretamente. É comum observar as manifestações do autor mediante a figura de um narrador
implícito. Em ambos os casos, revelam o uso de linguagem (explícita ou implícita) carregada
de intencionalidade ideológica que se materializa através de um existir verbal único
intersubjetivo.
Nota-se que há uma movimentação, uma alternância interna ao texto propiciada, em
parte, por meio das imagens e em outra por intersecção dos discursos entre si. Essa é uma
característica do discurso paralelo, muito utilizado na literatura e no cinema (romance
policial, suspense, drama, etc.), em especial se a finalidade é promover a múltipla ação.
Talvez, a explicação dessa opção de narrativa se deve ao fato do desenhista atuar na área do
cinema, ou mesmo no próprio projeto da obra.

11
Uma leitura do signo pictórico na HQ.

Antes mesmos de passarmos a uma leitura dos signos pictóricos (os desenhos), é
necessário fazermos uma distinção conceitual do que seja uma História em Quadrinhos (HQ);
pois a obra estudada inspira controvérsia a este respeito; embora, não seja esse o foco de
nosso estudo, a julgamos pertinente. Tomemos por base as reflexões de Waldomiro
Vergueiro:
Em primeiro lugar, nota-se que as histórias em quadrinhos constituem um
sistema narrativo composto por dois códigos que atuam em constante
interação: o visual e o verbal. Cada um desses ocupa, dentro dos quadrinhos,
um papel especial, reforçando um ao outro e garantindo que a mensagem
seja entendida em plenitude. Alguns elementos da mensagem são passados
exclusivamente pelo texto, outros têm na linguagem pictórica a sua fonte de
transmissão. A grande maioria das mensagens dos quadrinhos, no entanto, é
percebida pelos leitores por intermédio da interação entre os dois códigos.
Assim, a análise separada de cada um deles obedece a uma necessidade
puramente didática, pois, dentro do ambiente das HQS, eles não podem ser
pensados separadamente. (2004, pág. 31)

A obra D. João Carioca não pode ser entendida como uma História em Quadrinhos na
acepção purista do termo, na medida em que não apresenta uma narrativa direta e conjugada
de caráter literário, evidenciada por imagens e textos, presente em obras desta natureza.
Segundo conclusões documentadas em ata de uma reunião do Núcleo de Pesquisas em
Historias em Quadrinhos da Universidade de São Paulo, em fevereiro de 2006:
Passou-se, como usual, por uma definição de HQ: "uma seqüência de
imagens em que algum tipo de unidade ou significado é criado". Em termos
semióticos: uma HQ é um signo complexo que significa que uma coerência
global é buscada em sua interpretação. (...). O que ficou patente mesmo é
que a narrativa é essencial para os quadrinhos, e ações humanas. Citou-se
McCloud, com sua definição mais abrangente e tolerante, pela qual a tudo o
ser humano pode dar significado, e a HQ é só um meio. Roberto Elísio, no
entanto, discorda disso: a HQ está no meio.5

Vemos, neste caso, a presença de um narrador implícito, que relata os fatos de forma
cronológica, às vezes utiliza-se da imparcialidade (característica do discurso da história), e em
outras assume um discurso de caráter documental-pedagógico. Paralela à narração, cada
página traz uma ilustração do fato apresentado em forma de quadros seqüenciais, geralmente
em uma narrativa de uma a duas páginas. Diferente da língua escrito-impresso, texto escrito
suportado nos quadros retangulares (as legendas); a parte imagética traz um contrato de leitura

5
Relatório de reunião de Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da USP, presidido por VERGUEIRO, Waldomiro
e relatado por KANO, Maurício
12
diferenciado, é mais crítica e rica em informações secundárias, que proporciona uma nova
dimensão à obra.
Assim o encontro entre a língua escrito-impresso (as legendas) e os signos pictóricos
(porção imagética presente nas seqüências em histórias em quadrinhos), traz uma unidade
baseada na intertextualidade da obra. Segundo Kristeva em sua definição de intertextualidade
“(...) todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação
de um outro texto.” (KRISTEVA, 1974, p. 64), porém não devemos limitar o conceito de
texto na medida em que podemos relacionar formas diferentes de linguagem, no caso o texto,
a língua escrito-impresso e a porção imagética.
Esta relação entre as duas partes é importante, pois as mesmas se complementam
formando o todo da obra, ampliando a compreensão da obra e possibilitando um novo
patamar de leitura e público. Pode-se afirma que nesse caso a intertextualidade é facilitada.

A intertextualidade em sentido amplo é considerada por Koch e Travaglia


(1995, p.75) como um fator de coerência textual, pois “para o processamento
cognitivo (produção/recepção) de um texto recorre-se ao conhecimento
prévio de outros textos”, ou seja, um texto está em permanente diálogo com
outros textos, além de ser dependente das características do seu locutor, do
seu conhecimento de mundo, de sua ideologia, enfim, de todas as condições
de produção.6 (1995, p. 75)

A compreensão externa das seqüências de imagens apresenta um vasto repertório de


referências históricas, tais como biótipos, indumentária, etnias, utensílios, arquitetura,
geografia, entre outros, traçando um cenário mais tangível e concreto ao público. Contudo, é
em seu “sentido interno” que obtemos uma leitura que extrapola a simples narração
documental textual-imagética. Temos um novo conjunto de significados dentro de um
discurso de caráter satírico, no qual transparece uma interpretação dada aos fatos pelo autor.

(...) Passamos da análise da compreensão do sistema de significações


externas da alocução verbal para a compreensão de seu sentido interno: do
problema de compreensão da palavra, da frase e ainda do significado externo
do texto, para a compreensão do subtexto, do sentido e, em ultima instância,
para a compreensão do motivo existente por trás do texto. A compreensão
do subtexto, do sentido e do motivo é fundamental na compreensão das
obras literárias. (LURIA, 2001, p. 188)

O artista Spacca, segundo os créditos do livro, pesquisador, roteirista e desenhista, se


valeu de um rico acervo de referências bibliográficas, gravuras de época, pesquisas de campo
a museus e locais históricos, além de obras audiovisuais sobre o tema, para compor
6
GONÇALVES, Elizabeth Moraes; RENÓ, Denis Porto. A Intertextualidade no cinema: uma opção
de hibridismo de linguagem. Artigo
13
personagens, cenários e figurantes. Na opção pelo uso da caricatura, ao retratar os diversos
episódios históricos narrados, transparece a intenção crítica do autor ao evidenciar traços de
personalidade na retratação dos personagens. Esta intencionalidade é indiretamente
confirmada pelo próprio autor dos desenhos no apêndice do livro, no qual ele conta como
compôs e quais referências usou em personagens e cenas. Segundo Charadeau, a partir da
recontagem feita de um fato já conhecido, surge uma nova narrativa que reconstrói o fato a
partir da visão do autor.

O Universo de Discurso diz respeito ao “aspecto referencial da linguagem,


que ao mesmo tempo que se imprime um ato de troca, se volta para o mundo
para dividi-lo (...) por meio de representações lingüísticas e lhe dar um
sentido de modo fragmentário. Esta fragmentação semântica do mundo é
ordenada por meio de um ato de “tematização” com o que se estabelece seu
conteúdo. O universo do discurso está na fronteira entre o que está fora da
linguagem e o processo lingüístico. Diz respeito ao que ocorre no mundo, os
acontecimentos deste mundo, mas estes só adquirem sentido através de uma
estruturação dada pela mesma linguagem e sua tematização, ato que se
inscreve em um propósito comunicativo. (2003, p. 117)
Essa nova narrativa traz incorporada em si, novos valores de acordo com a intenção do autor.
A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que
serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento;
a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social;
ela não é neutra, inocente ou natural, por isso o lugar privilegiado de
manifestação da ideologia (Brandão, 2004, p.11)

Notamos que essa releitura opinativa presente na arte, reflete conceitos atuais acerca dos
personagens e situações referidos, o que reforça a reconstrução do fato ocorrido por uma nova
ótica que moderniza e atualiza o fato para os dias de hoje.
A reconstrução do fato pelo caráter imagético pode ser estudada em duas frentes:
personagens e cenários, e seqüências de cenas. Dentro da parte de personagens, citaremos
como exemplo, a figura de Lord Strangford, agente inglês em Portugal, que acompanhou a
família real em sua mudança para o Brasil, o qual o autor faz a seguinte justificativa para sua
representação:

O Lorde Strangford original já parecia bem arrogante, mas misturei com traços do ator
inglês Bill Nighy para fica mais metido ainda. (...) O figurino de Strangford é
inspirado no filme “Pimpinela Escalarte” e em outros “dândis” da época.” (p.82)

14
Fig.01 – Esboços para o personagem Lord Strangford e foto do ator inglês Bill Nighy.

A figura da princesa Carlota Joaquina foi concebida por uma mistura de figuras históricas e
personagens tragi-cômicos:

“Receita de Carlota:
Medéia
Lady Macabeth
Frida Kahlo
Dick Vigarista

Didi dos Trapalhões” (p. 84)

15
Fig. 02 – Estudos para Princesa Carlota Joaquina (acima), foto da pintora Frida Kahlo (abaixo a esquerda) e imagem do
personagem de animação Dick Vigarista (abaixo a direita).

As caracterizações abrangem todos os personagens, inclusive figurantes e grupos


sociais como o povo.
A representação do povo, por seu turno, deve ser citada como um fator a parte. Ao
longo de toda obra, a ação é pontuada pela presença quase absoluta dos personagens
históricos, sendo que ao povo é relegado a um papel de coadjuvante dentro da narrativa. Não
há nenhuma caracterização específica de nenhum membro da classe popular, tanta da
sociedade brasileira quanto portuguesa, como personagem relevante dentro de toda obra. Ao
contrário disso, o papel das classes populares fica relegado a uma representação estereotipada
e passiva perante os acontecimentos narrados, O próprio autor indiretamente confessa esse
aspecto no apêndice explicativo “Desenhos de produção”

OS TIPOS POPULARES PORTUGUESES FORAM PESQUISADOS EM


GRAVURAS DE ÉPOCA, E TAMBÉM NA OBRA DO AQUARELISTA ROQUE
GAMEIRO (1864 – 1935) E DO CARICATURISTA BORDALO PINHEIRO (1846 –
1905), CRIADOR DO “ZÉ POVINHO” (P.85)

A referência à figura do personagem “Zé Povinho”, hoje expressão consagrada dentro do dito
popular, mostra o caráter generalizante com o qual o povo é retratado. Podemos atentar
também que os artistas citados pertenceram a uma época posterior a qual se passa a narrativa.

16
Em relação ao povo presente na colônia, este desempenha um papel mais secundário
ainda. Contudo, podemos observar pequenas inserções que funcionam como um “comentário”
do autor à situação.
A presença do “sentido interno” está presente também na composição das unidades
narrativas, através da composição das cenas e de seqüências. Porém, ela aparece de forma
diferente. Podemos discriminar três critérios de análise:
a) Composição dos elementos em cena;
b) Ângulos de cena;
c) Diálogos.
Como exemplo, pegaremos duas páginas da obra traçando uma breve análise segundo os
critérios acima:
1) Página 30
A página em questão narra a chegada da Família Real à cidade do Rio de Janeiro, em 07 de
janeiro de 1808, após uma breve estada em Salvador. O texto presente narra que houve
festividades por “nove dias e nove noites...”. No primeiro quadro da página, temos uma cena
do ponto de vista das pessoas na rua, mostrando o povo (escravos e pessoas comuns), a noite,
contemplando a queima de fogos de artifício em homenagem à chegada da Família Real. O
quadro 2 chama a atenção para o detalhe de uma moradia na qual vemos um diálogo entre o
morador e sua esposa. Ambos conversam sobre os benefícios da vinda da coroa quando são
surpreendidos por uma batida na porta. Ao atender, são notificados por um guarda da Coroa
que a casa deles será confiscada para moradia de “membros da comitiva do Príncipe Real”. A
página então se fecha com um quadro grande, mostrando a casa citada ao fundo enquanto que
em primeiro plano três cidadãos comentam o fato. A língua escrito-impressa (legenda)
concluí o episódio complementando a ação. (fig. 03)

17
Figura 03

18
Podemos atentar para dois pontos inicialmente: a caracterização dos moradores,
composto de um homem, sua esposa, uma escrava e duas crianças de colo (uma afro-
descendente e outra branca) e o diálogo travado entre os personagens marido e mulher.
Quanto à caracterização, o marido parece se assemelhar mais ao carioca contemporâneo que
ao cidadão da época, pelo corte de cabelo e estilo de vestimenta. Nos diálogos temos o marido
dizendo a esposa vantagens que espera obter junto a Família Real. Transparece no texto um
certo oportunismo e um desejo de enriquecimento fácil através da troca de favores. Também o
desejo presente na classe mais rica de títulos e obtenção de ganhos junto à coroa.

No último quadro, temos uma inserção do autor ao criar três personagens quaisquer
que comentam a decisão da coroa de confiscar moradias para a comitiva Real. Nesta página
temos o exemplo do fato conhecido, narrado através de registros históricos, no qual o autor-
ilustrador acrescenta uma anedota ao recriar o mesmo dentro de sua interpretação e visão.

2) Página 46 –
A página 46 é dividia em duas partes. Na primeira temos a continuação do fato
apresentado na página anterior, referente ao Tratado de Paz e Amizade firmado entre
Inglaterra e Portugal, no qual D. Antônio de Araújo, conselheiro Real simpático aos franceses,
e D. João passeiam pela chácara de D. Antônio (“segundo desenhos de Thomas Ender”, como
aponta o autor) discutindo o acordo. Na segunda, temos dois sketches mostrando as
conseqüências do acordo. (fig. 04)

19
Figura 04

Novamente vemos a intencionalidade do autor através de um sub-texto, ao retratar as


expressões dos personagens. Como figurante na cena, temos uma pessoa vestindo trajes de

20
aparência inglesa brincando com um grande cão. Os diálogos são fictícios, contudo
corroboram dentro do episódio retratado, dando uma interpretação à cena. Nos quadros
seguintes, temos duas cenas, mais uma vez ilustrando e comentando o fato narrado presente
na legenda. No primeiro, que cita a liberdade religiosa concedida aos Ingleses, vemos um
padre brasileiro (ou português) protestando com D. João. No segundo, temos um inglês
bêbado que parece ter brigado com um oficial brasileiro pedindo um juiz inglês para julgá-lo.

Considerações Finais

A obra D. João Carioca: A corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821), lançada por
ocasião da comemoração do bi centenário da vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil,
mostra-se uma obra rica não só em sua construção, mas, principalmente, em seu produto final.
Suas qualidades são evidenciadas pela rica análise lingüística através do texto-escrito e do
texto-imagético.
A obra é marcada pela intertextualidade e por sua acessibilidade a um grande público
através de seu variado discurso em linguagens diferentes. Contudo, apesar de termos feito
uma análise fragmentada não podemos deixar de citar a coerência e unidade da obra, obtida
através da fina sintonia no casamento entre suas linguagens diferentes (mas não conflitantes) e
seu discurso.
Tanto através do texto-escrito quanto do texto-imagético há uma intencionalidade dos
autores ao apresentar recursos implícitos no decorrer da obra. A leitura escrito-impressa se
alterna de um papel narrativo passivo para em alguns momentos assumir uma postura
opinativa e crítica, na qual, em ambos os casos, temos elementos pertencentes a um subtexto
em uma relação de interpretação por parte do leitor. A leitura do signo pictórico, por sua vez,
corrobora complementado o texto-escrito, contudo, apresentando novos aspectos, ampliando o
leque de significados e entendimentos da obra. A união destes dois momentos, formam o
conteúdo global da obra oferecendo, ao mesmo tempo, uma obra de padrão pedagógico-
histórica, mas também uma obra crítica, a partir de uma leitura contemporânea de um
marcante trecho de nossa história.
Como mostrado ao longo do artigo, conseguimos identificar a relação dialógica com o
leitor, na qual os autores apresentam a obra de forma concreta, mas, ao utilizarem recursos
implícitos, propõem o entendimento de um novo conteúdo por parte do leitor, que será

21
resultado de sua interpretação e entendimento. Desta forma, trabalha-se uma leitura crítica da
história ao mesmo tempo em que informa e diverte.
Podemos também destacar a obra como exemplo por utilizar ferramentas multi-
lingüísticas e no uso da multidisciplinaridade das Histórias em Quadrinhos e como uma
inovação midiática dentro do padrão pedagógico reconhecido.
Sua contextualização contemporânea ao reconstruir um fato passado, parte da história
recente do Brasil, serve como referência às conseqüências do ontem na construção do hoje.

Bibliografia

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do discurso. 2ª ed. Rev.Campinas
- SP: Editora da Unicamp, 2004.
CHARAUDEAU, Patrick. El Discurso de La Información: la constricción del espejo social.
Barcelona, Espanha: Gedisa Editorial, 2003.
HABERMAS, Jürgem. Teoria de la acción comunicativa. Madrid, 1988. Taurus, 1ª ed 1987.
GONÇALVES, Elizabeth Moraes; RENÓ, Denis Porto. A Intertextualidade no cinema:
uma opção de hibridismo de linguagem. Artigo
KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1995
LURIA, Alexandre Romanovich; trad. Diana Myriam Lichtenstein e Mário Corso; supervisão
de trad. Sérgio Spritzer. Pensamento e Linguagem. Porto alegre: artes Médicas, 2001.
OSAKABE, H. A retórica de Aristóteles. Argumentação e discurso político. São Paulo:
Kairós, 1979.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; Spaca. D. João Carioca: A corte portuguesa chega ao Brasil
(1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
VERGUEIRO, Waldomiro. RAMA, Angela. Como usar as Histórias em Quadrinhos na
Sala de Aula. São Pualo. Contexto. 2004,

22

You might also like