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protagonistas?
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Sociólogo e Educador Popular. Desde meados dos anos 60, vem acompanhando a trajetória dos
Movimentos Sociais Populares, no Nordeste. É membro do Centro Paulo Freire – Estudos e Pesquisas.
Autor de, entre outros textos: Gregório Bezerra, um lutador do Povo. São Paulo: Expressão Popular,
2006.
Exercitar tal discussão no âmbito da Academia – e para bem
além da mesma - pode inspirar-nos confiança, até porque uma das
boas características do espaço acadêmico tem sido, a despeito de
tantas contradições1, o esforço de se preservar a pluralidade
epistemológica. Disso resulta, por exemplo, a necessária liberdade de
adesão a, ou de defesa de distintas correntes político-filosóficas,
inclusive de caráter antagônico. Condição necessária, sem a qual não
se conseguiriam avanços nas reflexões críticas de correntes e
paradigmas tão diversos.
Na Academia e para além de seus muros, esse debate alcança
as distintas áreas de saberes. As ciências sociais – e entre elas a
Educação – têm-se constituído relevante mostruário de acalorados
debates. O mesmo se dá em relação à Educação Popular. Tendo em
vista o espectro de sociedade em que vivemos, resulta inconcebível –
além de inútil – a pretensão a um consenso quanto à sua concepção.
Característica importante, até pelo fato de não permitir a ninguém o
direito de propriedade a uma suposta definição “universal” seja lá do
que for, inclusive, claro, de Educação Popular.
No que diz respeito especificamente ao caso da Educação
Popular, não é por acaso que ela tem se prestado a uma variada
gama de finalidades – legítimas ou de caráter duvidoso. Para se ter
uma idéia de sua polivalência, basta que se examinem, mais do que a
diversidade de concepções e de conceitos que ela comporta, os
sentidos ambíguos de suas práticas. De Educação Popular tem-se,
com efeito, usado e abusado, conforme os interesses em voga.
Embora não se trate de uma característica exclusiva do campo
da Educação Popular (nem da Educação, nem das Ciências Sociais),
tem-se por vezes a impressão de que tal marca se complica ainda
mais que de costume, quando referida à área da Educação Popular.
Também aqui, a criatividade dos Humanos parece não ter limites.
Impulsionados pelas potencialidades artístico-culturais, os Humanos
fazem milagres. Inclusive pela magia da Palavra, haja vista a quase
inesgotável polissemia dos conceitos teóricos. E o que dizer da
ambigüidade que impregna suas práticas?
Educação Popular (EP) serve, por conseguinte, aos mais
variados gostos. Dir-se-ia que há EP feita para o Povo, há EP feita
com o Povo, há EP feita apesar do Povo, e há até EP feita contra o
Povo... Nesse sentido, em busca de uma formulação
reconhecidamente abrangente e com alguma chance de relativo
consenso hegemônico, pode-se entender Educação Popular como o
processo formativo concernente às camadas populares, envolvendo
diferentes protagonistas, parceiros e aliados e supostos aliados,
animados por diferentes – e às vezes antagônicas – motivações,
perspectivas, procedimentos e posturas ético- políticos e
1
No período da Ditadura Militar, como é sabido, tudo que aludisse, ainda que de leve, ao Marxismo,
esbarrava na censura, inclusive no âmbito universitário. Hoje, quando se diz viver “em plena
Democracia”, o exercício da pluralidade epistemológica é, no mínimo, arranhado, pela ideologia do
pensamento único que prevalece amplamente, e graças ao qual pairam como algo bizarro iniciativas (de
ensino, pesquisa ou extensão) que se reclamem inspiradas em paradigma marxiano, ainda que, não raro,
alguns pretensamente novos apresentem elementos claramente nele inspirados...
pedagógicos, ainda que comportando elementos de sintonia no plano
estritamente epistemológico.
Tão abrangente conceito de EP parece aproximar-se de uma
panacéia: nele cabe (quase) tudo, desde que se trate de algo ligado a
algum tipo de formação das camadas populares. Tal conceito alcança,
por exemplo, experiências de ensino, pesquisa e extensão. No caso
de situações de ensino, pode permitir a elaboração de políticas
públicas ou de programas por uma pequena equipe de especialistas,
com o objetivo de que venham a ser “aplicadas” a um determinado
segmento popular, tendo este como mero “público-alvo”, destinatário
passivo, pronto a “receber” o “pacote” (“Educação bancária”, na
acepção freireana).
Com variações de grau, parece ser esse o caráter da grande
maioria das experiências vivenciadas em EP, seja no terreno das
relações do Estado, seja também no âmbito de outras organizações
da sociedade civil. Aqui predomina largamente – ainda que
freqüentemente de modo sutil, inclusive sob uma roupagem verbal
sedutora - o sentido assistencialista das experiências de EP, nas quais
prevalece o sentido da preposição “para”. Quando muito, ornadas por
ações que parecem, até certo ponto, dotadas da preposição “com”.
Em outras palavras: para essa concepção de EP, o fundamental da
experiência é que ela se destine a favorecer as camadas populares.
Trata-se de implementar projetos e programas educativos - escolares
ou não-formais - destinados às “classes menos favorecidas” ou às
“camadas carentes da sociedade”, ainda que não contem com sua
participação decisiva nos distintos momentos do processo. Não se
trata de duvidar das intenções. O que está em questão é o próprio
caráter político-pedagógico do processo, desde sua concepção,
passando pelo planejamento, pela implementação, execução,
acompanhamento, avaliação, etc.
Conscientes dessa pluralidade de concepções, inclusive em
torno de Educação Popular, pretendemos, nas linhas que seguem,
ajudar a realimentar o debate acerca dessa questão, começando 1)
por tentar situar a concepção dominante de EP; em seguida, 2)
cuidamos de explicitar nossa aposta em torno do que entendemos
por Educação Popular, sublinhando suas principais características, e,
por último, 3) tratamos de traçar o perfil dos protagonistas dessa
proposta alternativa de EP.
Considerações mnemônicas