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O pensamento complexo em Edgar Morin

José Donizeti de Souza – Mestrando no PPGE-UNIMEP

RESUMOO pensamento complexo em Edgar Morin

José Donizeti de Souza – Mestrando no PPGE-UNIMEP

RESUMO
Tem ocorrido nos últimos anos, através de diversos autores, uma revisão do pensamento científico moderno,
a partir de diversos focos. Um deles, de percurso formativo abrangente, é o pesquisador francês (tal como gosta
de se identificar!) Edgar Morin. Autor de diversas obras, com produção literária fecunda e contando com muitos
estudiosos colaboradores, além da enorme elasticidade dos temas que aborda, nosso pensador tem tido grande
presença nos meios universitários. Procuramos neste trabalho pouco denso analisar alguns temas de sua reflexão,
que, acreditamos, são fundamentais para a compreensão das bases de sua proposta. Reconhecemos que todo
recorte claudica, mas, na impossibilidade de trabalho mais completo, importa assumir a visão parcializada e
limitada face a um pensamento tão profundo e incisivo. O texto apresenta o pesquisador a partir de seu percurso
de vida, passando pelas âncoras de seu pensamento, até perscrutar sua visão educacional.
RESUMEN
Ha ocurrido en los últimos años, entre un conjunto de escritores, una revisión del pensamiento científico
moderno, desde los diversos aspectos. Uno de estos escritores, de amplio trayecto educacional, es el pesquisador
francés (tal como le gusta ser llamado!) Edgar Morin. Autor de diversos libros, producción literaria fértil y
contando com muchos colaboradores, además de la descomunal elasticidad de los temas que aborda, nuestro
estudioso ha tenido gran presencia en los medios universitarios. Procuramos en este trabajo poco denso, analizar
algunos aspectos de su reflexión que, creemos, son fundamentales para la comprensión de las bases de su
propuesta. Reconocemos que toda recortadura cojea, pero en la imposibilidad del trabajo más completo,
conviene asumir la visión parcial y limitada delante de un pensamiento tan profundo y incisivo. El texto presenta
el pesquisador desde su trayecto de vida, pasando por los fundamentos de su pensamiento, hasta disecar su visión
educacional.

ABSTRACT
During the last years, many authors have realized a revision of the scientific modern thinking beyond many
focuses. One of them, on an abrangent formative trajectory, is the French researcher Edgar Morin (as he likes to
be called!). Author of many works, fecund literary production and between many studious collaborators, although
the huge elasticity of the approached themes, our philosopher has had a big presence on the University. It was
founded at this little dense work, to analyse some themes of his reflections that we believe to be fundamental to
the comprehension of the basis of his proposal. We recognize that all clipping is reductionist, but in the
impossibility of a more complete work, it is important to assume the parcial and limited vision in front of a so
deep and incisive thinking. The text presents the researcher’s through, his life’s trajectory, passing by the anchors

of his thinking until searching his education vision.


1. A TRAJETÓRIA COMPLEXA DE VIDA TECIDA POR E PARA MORIN:

A GÊNESE DE UM PENSADOR

O rápido traçado da vida de Morin baseia-se fundamentalmente em textos de Izabel


Cristina Petraglia (2001: 19-38), Pena-Veiga et al. (2001: 24) e do próprio Morin, na
introdução autobiográfica do livro “Ciência com Consciência” (1982: 7-22). Parece-nos que
os diversos autores lidos são acordantes em afirmar que o pesquisador Morin consegue aliar
sua intelectualidade brilhante à sua trajetória de vida, cujo aprendizado acurado por vivências
difíceis e marcantes originou de uma vida complexa uma teoria e proposta nada
simplificadora.

Político engajado, intelectual lúcido, artista sensível, pensador crítico e criativo,


poeta romântico e afetivo, Edgar Morin incorpora todos esses títulos e adjetivos em sua
caminhada, integrando o sentir ao pensar e ao fazer, numa rede relacional, reflexiva e,
acima de tudo, complexa. (PENA-VEIGA et al., op. cit.: 18)

Nasceu em 08 de julho de 1921 em Paris David-Salomon Nahum. Seus pais, Luna e Vidal,
tinham imigrado para a França com outros judeus espanhóis durante a primeira década deste
século. Sentia-se solitário, por ser judeu diante dos preconceitos na escola. Aos 09 anos perde
a mãe e isto aumenta suas dúvidas e solidão, informações concordantes de Petraglia (2001) e
Pena-Veiga (2001).

Em 26 de junho de 1931, antes mesmo de completar dez anos de idade, perde sua
mãe, vítima de uma lesão no coração, fruto da gripe espanhola (...). Luna não podia ter
filhos, e Edgar nasceu, contrariando os preceitos médicos, o que o fez alimentar culpa,
(...). Essa perda cria uma ferida que também será uma fonte de reflexão, e o faz entender
desde cedo o significado da contradição vida e morte, que constituirá as bases
antropológicas de seu pensamento. (PENA-VEIGA et al., 2001: 8)

Neste contexto o comunismo pareceu-lhe ser o caminho da crença em si próprio. A


ideologia o incentivava à leitura e aos escritos. Mesmo adolescente (aos 13 anos), já redigira
ensaios, não terminados, que refletiam suas contradições e tumultos internos vividos. Trazia
impressa em sua vida a paixão pelo saber e pela cultura. Sua leitura era diversificada. Viveu a
confusão nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, período de conflitos
interiores, defendendo o pacifismo e o socialismo. Posteriormente, dos 19 aos 20 anos, filiou-
se ao Partido Comunista, do qual participará por 10 anos.

Questionado certa vez por François Ewald sobre o como descobriu a noção do incerto, tão
característica em sua obra, Morin responde em certa parte da fala:
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(...) Minha vida não é guiada por uma certeza originária, senão por aquela de lutar
corpo a corpo com a incerteza. É preciso dizer que não sou herdeiro de uma cultura que
me teria dado uma crença absoluta sobre a qual eu teria podido assentar minhas idéias.
Talvez existam razões biográficas. Tive de afrontar o problema do risco, aos 19 anos, em
1941 sob a Ocupação: de um lado, eu sentia que era preciso arriscar minha vida e entrar
para a Resistência; de outro, tinha medo de arriscar minha vida. Tive de exercer o ofício
muito incerto de militante clandestino e um afrontamento com o risco e com a incerteza
(...). (MORIN & LE MOIGNE, 2000: 162)

Ao entrar na Faculdade, impressionado com os dramas da guerra, dedicou-se à Economia


Política. Seu projeto era humanizar o processo econômico por intermédio da política. Ele
próprio afirma: Quando entrei na universidade, não pensava no futuro, mas na guerra que
acabava de rebentar. Não tinha mais futuro quando veio a Ocupação. Fiz estudos por
curiosidade (1982: 7). Perscrutou depois disso as Ciências Sociais. Matriculou-se então na
Sobornne e em outros cursos: História, Geografia, Direito, participando de disciplinas das
Ciências Políticas, Sociológicas e Filosóficas. Finalizando os estudos em 1942, torna-se
combatente voluntário da Resistência, período em que concretizou seu desvinculamento do
domínio paterno, visto que seu pai tinha sobre ele demasiado zelo e cuidado. Vivendo num
momento de perseguição a judeus e descendentes, habituou-se à clandestinidade, quando
adotou o nome de Morin em lugar de Nahum, o que foi posteriomente legalizado com a troca
de nome: desde então, Edgar Morin. Em 1946 publicou seu primeiro livro intitulado “O Ano
Zero da Alemanha”, quando procurou sob o referencial marxista analisar sociologicamente os
desafios de um país estigmatizado pelo caráter nefasto da destruição. Este foi o início de
muitos outros escritos intelectuais. Morin assim aborda o momento:

O buraco negro de uma Alemanha acéfala, decapitada, arruinada, destruída (...),


incitou-me ao meu primeiro livro, (...). Aqui aparece um traço que marca meus
empreendimentos sociológicos: todos eles foram desencadeados por um acontecimento
singular, (...), que, perturbando a ordem das coisas, perturba a ordem de nosso espírito e
obriga a repensar. (1982: 7)

Além das atividades de escritor, desenvolveu diversas outras jornalísticas em Paris. Em


1951 publicou seu segundo livro: “O homem e a morte”, sendo reeditado em 1977,
incorporando novas reflexões. Nesse texto reflete profundamente sobre o fenômeno biológico
(morte) relacionado intimamente às crenças e aos ritos, ou seja, constructos sócio-culturais do
fenômeno, que mostram o homem como sujeito da morte. Nosso autor se justifica:

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Surgiu-me a idéia de tratar a morte de um ponto de vista ao mesmo tempo
antropológico, social, histórico e biológico. (...) como um ‘fenômeno humano total’. (...)
Neste trabalho, (...) descubro que a morte, fenômeno totalmente biológico, é ao mesmo
tempo desde a pré-história um fenômeno totalmente cultural (as crenças na sobrevivência
ou no renascimento, os ritos fúnebres). (Ib.: 7)

Morin assim retoma o contexto de seu livro:

Creio que ‘L’homme et la mort’ é o livro com o qual eu formei a mim mesmo, eu me
autoproduzi como antropólogo-sociólogo etc., quer dizer, como alguém que não tem
rótulo e que tenta abarcar o campo antropológico na unidade variada de suas
dimensões. Penso ter conseguido fazer uma coordenação, ao tentar analisar, de acordo
com o método da complexidade, os efeitos contraditórios da consciência da morte. Eu
assumo e fico satisfeito com tudo isto.(PENA-VEIGA et al., 2001: 86)

Já nesta obra procurou alargar sua visão para além da análise marxista da história,
realizando uma leitura muito singular desta concepção totalizante, questionando os
dogmatismos e interditos ideológicos. Tais estudos o tornaram dissidente e foi expulso do
Partido Comunista em 1951. No período posterior ingressa no Centre Nationale de Recherche
Scientifique como estudioso. Como pesquisador abriu o leque de suas abordagens para um
tema, que sempre o fascinou: o cinema e sua relação com o homem. Em 1956 edita “O
cinema, ou o homem imaginário”, obra que confirma seu grandioso interesse pela relação
imbricada entre real e imaginário. Dentro desse viés no ano de 1957 discutiu em “As Estrelas:
mito e sedução no cinema” os mitos produzidos pelas sociedades contemporâneas.

Maria Cândida Moraes (2003: 201) diagnostica a década de 50 como a época em que a
complexidade enredou-se na vida acadêmica de Morin através dos criadores da Cibernética –
Wiener e Ashby, o que parece ser verídico, em função do modo como constrói seus temas e
abordagens.

Em “Autocrítica” (1959) repensa seu papel no processo histórico da época, mesclando


antropologia política e autobiografia. Desse modo nosso pensador consegue fazer “um ensaio
antropológico-político, relatando seu engajamento e suas vivências durante a Segunda
Guerra Mundial, destacando sua presença e suas emoções, a partir da complexidade de seu
olhar, misto de objetividade e subjetividade”.(PENA-VEIGA, 2001:14) Escreve ainda outras
obras vinculadas ao cinema em 1962 e1975, sobretudo o livro “O espírito do tempo”, volumes
1 e 2.

No ano de 1968, enfronhado nas questões emergentes de seu tempo, Morin em parceria
com outros analisa os meandros do movimento estudantil da década de 60, o que foi

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publicado na obra “Maio de 68: a brecha”. Logo após a edição desta obra volta a ser estudante
até 1975, fazendo parte de um grupo de estudos junto a cibernéticos e biologistas. A
realização de um colóquio originou mais um texto em co-autoria com Massimo Pratelli-
Palmarini: “A Unidade do Homem” (1974).

Desde o ano de 1973 empenha-se em construir o Método, composição em 05 volumes, até


o ano 2001, nos quais reúne e compila os pontos e núcleos fulcrais de seu pensamento: a
complexidade. Produz: “O Paradigma Perdido: a natureza humana” (1973 – o ponto de partida
do método), “O Método 1 – a natureza da natureza”, “O Método 2 – a vida da vida”, “O
Método 3 – o conhecimento do conhecimento”, “O Método 4 – as idéias” e “O Método 5 – a
humanidade da humanidade”. Esta sua coletânea foi produzida em quase três décadas de
investigação e pesquisa.

Vários outros estudos foram produzidos durante a confecção deste compêndio, dos quais
destacam-se: “Ciência com consciência” (1982), em que faz uma crítica à ciência, atribuindo-
lhe responsabilidade e missão social, além de propor o diálogo entre as ciências humanas e
sociais; “O Problema epistemológico da complexidade” (1984), “Ciência e Consciência da
Complexidade” (1984); “Introdução ao pensamento complexo” (1990), em que organiza suas
análises sobre a problemática da complexidade; “Terra Pátria” (1993) expressa sua
preocupação com as dimensões planetárias da crise que assola o planeta; “Meus demônios”
(1994) compõe dimensões de seu percurso intelectual com vivências individuais; “A
Inteligência da complexidade” (1999), organizado em parceria com Jean-Louis Le Moigne,
reflete sobre a epistemologia da complexidade, dentre outros temas; “O desafio do século
XXI; religar os conhecimentos” (1999), organizado por ele e constituído a partir de 8 jornadas
temáticas a pedido do ministro da Educação da França; “Os sete saberes necessários à
educação do futuro” (1999) consiste em texto produzido para a Unesco sobre os desafios da
educação contemporânea; “A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento”
(2001), no qual aborda questões da educação e do ensino à luz da inteligência da
complexidade.
Trabalho intelectual de tamanha magnitude e envergadura – mesmo não citando todas
as suas produções - tem-lhe rendido muitos reconhecimentos em diversas Universidades do
mundo. Com tamanha projeção chama para si a sintonia e o elogio de alguns e a crítica
veemente de outros. Mesmo com mais de 80 anos, atualmente continua vigoroso em seu
posicionamento, realizando palestras e conferências, dirigindo grupos de estudo, concedendo
entrevistas, auxiliando em pesquisas.

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Tendo vivido em um século de numerosas catástrofes e guerras, Morin, em seu livro
“Meus demônios”, após reconhecer que “nascemos na crueldade do mundo e da vida, ao que
acrescentamos a crueldade do ser humano e a crueldade da sociedade humana”, conclama
todos a resistirem através das “forças de cooperação, comunicação, compreensão, amizade,
comunidade e amor (...) Essas virtudes trazem em si mesmas a crueldade em relação ao que
lhes é exterior, (...), mas são elas que tornam a vida possível de ser vivida e a morte não
desejada”. Esse conjunto de virtudes, no dizer de Morin, “em nível humano, mantém o que há
de mais precioso, e que é ao mesmo tempo o mais ameaçado e mortal, o Amor”. (1994: 273)
A resistência à crueldade do mundo foi palavra de ordem para sua vida, para o ser
humano e para sociedade.

Devemos resistir àquilo que separa, desintegra e distancia, (...). Resistir, em primeiro
lugar a nós mesmos, a nossa indiferença e a nossa desatenção, (...)tentar manter a união
na separação, tentar unir o que está, deixando-o livre (...) Primeiramente resisti ao
nazismo. Depois, resisti ao stalinismo. (...) Creio que, espontânea ou voluntariamente,
(...), quis resistir àquilo que há de impiedoso na política e nas relações entre os seres
humanos. (...) A busca do esforço cósmico desesperado que, no ser humano, toma a forma
de uma resistência à crueldade do mundo é o que eu chamaria esperança. (Ib.: 274)

2. INTELIGÊNCIA COMPLEXA

Interagindo com o rico ambiente cultural, social, científico do século XX, Edgar
Morin tece as bases do pensamento complexo. Faz uma análise simultaneamente antagônica e
complementar da visão moderna da ciência, a qual em diversos de seus escritos taxa de
inteligência cega (2000: 91-35, 2001:19-34). Em seu livro “Introdução ao Pensamento
Complexo” (1990: 13-23) retoma esta questão, conclamando o leitor a tomar consciência
deste problema. Busca sensibilizá-lo para as deficiências do atual pensamento, que, ao mutilar
a teoria, mutila também as ações humanas, manifestando-se como uma doença embasada no
doutrinarismo e no dogmatismo. Tal esquema racionalizador aprisiona o real num modelo
coerente de idéias, mas unilateral.

A ciência delimita os métodos para verificação empírica do seu conhecimento,


exilando, como ignorância e ilusão, todo e qualquer saber relacionado aos mitos, religiões. No
entanto, as trevas, os erros e as limitações encontram-se em toda e qualquer forma de
construção do conhecimento. Esse enfoque predomina, porque a ciência moderna embasa-se
no paradigma1 da simplicidade, que põe ordem no universo e anula qualquer desordem nele.
1
Morin conceitua paradigma “como um conjunto de princípios fundamentais, agindo no interior e acima das
teorias, que, de um modo inconsciente e invisível, isto é oculto, controla e determina a organização do
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Morin acredita ser ingênuo discutir ciência a partir da dicotomia “boa” ou “má”, benéfica ou
maléfica, uma vez que tal ambivalência encontra-se no âmago da ciência. Esta bipolaridade
deve ser assumida, posto que o desenvolvimento disciplinar das ciências não traz unicamente
as vantagens da divisão do trabalho (...), mas os inconvenientes da sobre-especialização, a
separação total entre ciências humanas e naturais faz com que cada uma exclua em suas
conjecturas a outra dimensão (1982: 26).

É momento de uma tomada de consciência profunda: a causa do erro está na forma de


organização do nosso saber em sistemas teóricos. A ciência, na medida em que seleciona
conhecimentos, propõe uma outra forma de ignorância, cujos perigos mais sérios, vividos
atualmente pela humanidade (crise planetária, tal como ele chama), relacionam-se ao
progresso cego do conhecimento. Em sua obra “Os sete saberes necessários para a educação
do futuro” (2001: 63-78), nosso autor identifica um dos saberes como sendo o ensino da
identidade terrena, necessário para a formação do cidadão da era planetária, cônscio da
herança de morte do legado do século XX (armas nucleares, novos vírus, etc.), do
desenvolvimento da comunhão conflituosa com todos os seres planetários (aprender a viver, a
dividir, a comunicar e comungar, enfim, apelando para a “simbiosofia”, a sabedoria de viver
junto), inscrita em nossa condição terrena.

Tais erros, não assumidos pelo pensamento científico atual, constituem conseqüências
de uma maneira decepadora do conhecimento, que traz em si uma insuficiência para abranger
e reconhecer a complexidade do real. Morin, ao tratar da epistemologia da complexidade
(2000[a]:43-107), elenca 13 princípios, que regem o paradigma da simplificação, na verdade
retomando tais mandamentos presentes em “Ciência com consciência” (1982:246-250).
Moraes (2003: 144-146, 148-155) também traça referências ao paradigma tradicional e
delineia os traços do novo paradigma, que emerge a partir da Nova Biologia, da Nova Física e
da Cibernética com um quadro epistêmico diversificado do anterior. “A eliminação das
brechas entre as Ciências Físicas e as Ciências Biológicas vem provocando uma grande

conhecimento científico e do próprio uso da lógica”.(COELHO apud MORAES,2003: 139) Assim, “os
indivíduos conhecem, pensam e agem conforme os paradigmas culturalmente inscritos neles” (MORIN,
2002:304) . Moraes (2003: 135-136, 138-139) acredita que Morin avança a definição de Thomas Kuhn ao
conceber as revoluções científicas a partir de alterações no quadro epistêmico (relacionados a fatores endógenos
às ciências), enquanto Kuhn relaciona a mudança de paradigma a fatores exógenos, tais como pressão social e
Sociologia do Conhecimento. Outrossim, para Kuhn paradigma seria o próprio princípio de organização das
teorias, enquanto Morin acrescenta, à definição kuhniana, uma certa incerteza que um paradigma contém para
todos os discursos que acontecem sob seu domínio. A noção moriniana de paradigma envolve uma concepção de
relação, o paradigma primeiro impõe conceitos soberanos e, entre esses conceitos, delimita relações que podem
ser de conjunção, disjunção, de inclusão. Partindo dos conceitos primeiros e determinantes, um paradigma
privilegia algumas relações e conexões em perda, exclusão, anulação e detrimento de outras.
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evolução no pensamento humano, trazendo novas percepções, novas formas de pensar”
(MORAES, 2003:154-155),

Todo e qualquer conhecimento necessita de uma seleção de dados, que considera


fundamentais, e da exclusão dos que não lhe são úteis: hierarquiza, classifica, separa e une.
Tais construções norteiam-se por princípios supra-lógicos (obscuros e inconscientes) de
organização do pensamento ou paradigmas (cf. nota 1). Se tais montagens selecionam, a
partir de critérios fundantes, torna-se crucial tomar consciência destes modelos, que mutilam o
conhecimento e deformam o real. Morin denomina o modelo vigente como o paradigma da
simplificação, formulado por René Descartes, ao distinguir sujeito pensador e coisa/objeto.
Tal paradigma definiu o caminho do pensamento ocidental desde o século XVII,
possibilitando os grandes avanços científicos, mas também gerando as catástrofes presentes
no século XX.

A incapacidade de conceber a complexidade da realidade antropo-social na sua


microdimensão (o ser individual) e na sua macrodimensão (o conjunto planetário da
Humanidade) conduziu a infinitas tragédias e conduz-nos à tragédia suprema. Dizem-nos
que a política “deve” ser simplificadora e maniqueísta. (1990: 19)

A disjunção proposta dificultou a relação entre os conhecimentos científico e


filosófico, rompendo as conexões entre a física, a biologia e a ciência do homem. Para
resolver o entendimento patológico da realidade, este pensamento simplificou e reduziu a
complexidade do real, o biológico foi amordaçado como físico e o humano como biológico. O
corte feito sobre o real por meio da hiperespecialização foi apresentado presunçosamente
como a própria realidade.

O conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as


percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em
estímulos ou sinais captados. (...) O conhecimento, sob a forma de palavra, de idéia, de
teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento
e, por conseguinte, está sujeito ao erro. (...) comporta interpretação, o que introduz o
risco do erro na subjetividade do conhecedor. (2001: 20)

A ciência clássica rotulou a complexidade como não científica, buscando encontrar


uma ordem perfeita (categoria do sagrado, rechaçada como pré-científica), mecânica,
determinista e estável, além de dualista, em tudo o que estudava. Este conhecimento anunciou
seu rigor nos cálculos matemáticos, na medida e quantificação. Tornou-se deste modo
altamente reducionista, acometido por uma patologia, que o incapacita de conceber a
conjunção do uno e do múltiplo, e que por insuficiência do modelo anula a diversidade ou a
justapõe, sem conceber a unidade. Chega-se aqui à inteligência cega, que isola todos os
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objetos daquilo que os permeia e destrói todas as totalidades, afirmando a total separação do
que é inseparável, o sujeito e a coisa observada.

Como entender a complexidade? Inicialmente, como algo construído e alinhavado


junto, um tecido constituído de modo heterogêneo e inseparável. Mais especificamente, no
âmbito científico, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações,
interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal
(1990: 20). Porém, como a complexidade se mostra confusa, desordenada e incerta, o
pensamento, para conforto do entendimento, busca retirar a ambigüidade, detectando os
elementos de certeza e ordem e deles se apropriando.

A complexidade, eliminada das ciências, volta hoje, dentro da própria ciência por
meio do desenvolvimento da ciência física, ao descobrir no universo um princípio
contaminado de degradação e desordem dentro de uma excomunal complexidade microfísica.
Em conseqüência a compreensão moderna do universo como engrenagem perfeita é
ultrapassada atualmente pela idéia de movimento em via de desintegração e organização
concomitantes. Também a biologia passa a compreender a vida como um processo contínuo
de auto-organização altamente complexo, que leva à autonomia.

Um sistema vivo é sempre relacional e o produto de suas relações operacionais


constitui a sua própria organização. E para que seja um ser vivente, a condição
necessária e suficiente é a existência da ‘autopoiese’, ou seja, da força da autocriação,
da auto-organização que traz consigo a capacidade de auto-criar-se, de reproduzir e de
transcender (MORAES, ib.: 151)

A complexidade biológica ou auto-organização é tratada por Morin em capítulo próprio de


“A Ciência com Consciência” (1982:164-177).

A complexidade começa logo quando há sistema, isto é, inter-relações entre


elementos diversos numa unidade que se torna unidade complexa.(...) Uma nova ordem
de complexidade aparece quando o sistema é aberto, isto é, quando sua existência e a
manutenção da sua diversidade são inseparáveis de inter-relações com o ambiente, inter-
relação através das quais o sistema tira do exterior matéria-energia e, num grau de
complexidade superior, tira informação.(Ib.:164)2

A ciência clássica erigiu-se sobre três alicerces, que, um a um, foram descontruídos
pelas novas ciências:
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Cabe aqui uma ressalva sobre a noção de sistema. Morin critica a teoria sistêmica como totalidade e holismo, o
que, em sua análise encontra-se ligado à simplificação e ao reducionismo, na medida em que abraça o todo, o
global e rejeita as partes. Há a necessidade de que se reconheçam as particularidades inibidas pelo todo e que
ficam invisíveis no sistema (1982: 139-153; 1990: 29-36). Em sua visão, o todo é mais do que a soma das
partes, menos do que a soma das partes e mais do que o todo. Para não cair nas artimanhas da homogeneização,
importa rever as abordagens físicas, biológicas, antropossociológicas e, adentrando sua dimensão sistêmica-
organizacional, achar suas articulações em anéis dinâmicos complementares e díspares.
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 O conceito de ordem surgia de uma visão mecanicista de mundo. Submersa em
uma desordem visível dever-se-ia captar a ordem fundamental. Ora, a ordem
universal foi questionada pela termodinâmica, microfísica, cosmofísica e física do
caos. Ordem, desordem e organização não mais se antagonizam, mas colocam-se
em diálogo interdependente. “O pensamento complexo, longe de substituir a idéia
de desordem por aquela de ordem, visa colocar em dialógica a ordem, a desordem
e a organização”. (2000:199)

 A concepção de separabilidade relacionava-se ao principio cartesiano de que, para


compreender, era necessário decompor o fenômeno em partes simples. No entanto,
com o fortalecimento das “ciências sistêmicas”, tais como a ecologia e as ciências
da terra, que articulam diversas disciplinas antes separadas, esta noção cai por
terra. Assim também em microfísica, a partir de Heisenberg, pode-se afirmar que o
observador modifica o objeto com sua observação. “O pensamento complexo não
substitui a separabilidade pela inseparabilidade, ele convoca uma dialógica que
utiliza o separável mas o insere na inseparabilidade”. (2000: 200)

 O modo de pensar da lógica indutivo-dedutiva-identitária, sintonizada com a


Razão acabada, fechada, totalitária, é questionado por Karl Popper, Gödel. “Se nós
não podemos nos privar da lógica indutivo-dedutivo-identitária, ela não pode ser
o instrumento de certeza e da prova absoluta.” (2000: 201)

O pensamento complexo traz em si o princípio da Unitas multiplex, que se encontra


além da Unidade abstrata presente no Holismo (macro-estrutura de compreensão) e do baixo
reducionismo. Este pensamento multidimensional nos possibilitará civilizar o conhecimento.

O complexo, enfim, pode ser compreendido (e não compreendido, pois é


insimplificável!), ou melhor reconhecido por diversos aspectos: a necessidade de relacionar o
objeto ao seu ambiente, ao seu observador; o objeto é vivo (organizado e organizante), não é
simples e confronta-se com a contradição. Reintroduzindo temas na análise científica, como
incerteza, erro, ordem-desordem, razão aberta, ambigüidade, imprevisibilidade,
autonomia/dependência, Morin colabora enormemente para o fortalecimento de uma nova
visão cientifica emergente, que busca integrar o caráter provisório e precário do discurso
científico, sua inscrição cultural, social e histórica, a reinserção do sujeito na produção
científica, a responsabilidade do investigador perante a sociedade e o homem, o
desenvolvimento da concepção de progresso dentro do progresso científico. Eis uma ciência,
que aponta caminhos e não soluções, fruto de constantes tomadas de consciência crítica (aliás
10
auto-crítica!), de reflexão e construção de um conhecimento do conhecimento científico e do
diálogo comunicativo entre ciências humanas e naturais (proposições constantes da primeira
parte do livro “Ciência com consciência” e capítulos 1 e 3 de “Cabeça bem feita”).

A crítica moriniana não admite o cientismo (uma visão fechada da ciência, como
possuidora plena e total da verdade), nem tampouco a racionalização (desejo de aprisionar o
real numa construção racional lógica e com sentido, onde tudo o que pareça contraditório seja
falsidade, fantasia), ambos presentes na explicação moderna de mundo (2000: 156-157; 1990:
101-103). Outrossim, o próprio Morin adverte para duas ilusões, que desviam as mentes do
problema do pensamento complexo: acreditar que a complexidade elimine a simplicidade
(distinguir é necessário, disjuntar nunca!) e confundir complexidade e completude (o
pensamento complexo persegue o pensamento multidimensional, porém a incompletude e a
incerteza sempre estarão presentes)..

Enfim, aceitando a contribuição de Morin (1990: 106-109) para melhor pensar a


complexidade, três princípios devem ser levados em conta: a dialogicidade: associa
dimensões antagônicas e complementares, cujos melhores exemplos parecem ser: o de que “o
processo sexual produz indivíduos, que produzem o processo sexual”, e o da presença da
ordem e desordem na unidade dos seres vivos ou do universo; a recursão organizacional,
processo no qual “os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo
que os produziu”; o holograma, princípio que, ultrapassando o reducionismo, que se fecha
nas partes, e o holismo, que se enclausura no todo, afirma que a menor parte de um sistema
contém a quase-totalidade do conhecimento do objeto representado”. No capítulo “O
Pensamento Complexo, um pensamento que pensa” do livro “A inteligência da
complexidade”, Morin integra a estes três princípios outros guias, a saber: o do círculo
retroativo, sistêmico ou organizacional, auto-eco-organizacional: o da autonomia e
dependência; o da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento.

Procurando não discernir as fronteiras do pensamento complexo, recorremos a um dos


colaboradores de Morin, Jean-Louis Le Moigne (2000: 16-19), que trata da inteligência da
complexidade. Tal inteligência, desdobrada na meditação sobre a complexidade da
consciência e da ciência, inseparáveis por si só, manifesta o apelo a um novo começo. Este
entendimento, apesar de sabedor de seu caráter teleológico, privilegiará o exercício de uma
racionalidade crítica, consciente de que a idéia de meio para atingir um fim sempre o
transformará em outro meio. Uma inteligência, que se comprometerá com os efeitos não

11
previstos e até danosos de seus atos, divulgando sua consciência da contingência e a
relatividade sócio-cultural de todo conhecimento, que se pretenda acabado e totalitário.

Nesta perspectiva, a ciência deverá sempre ter a sua própria complexidade irredutível,
impregnada do envolvimento de cada pessoa humana com o mundo, que é produto e produtor
de si mesmo. ”Uma ciência consciente, capaz de invocar o ‘heroísmo da razão’ e o ‘fim das
certezas’. (2000:18)

Desse modo as novas ciências da complexidade reconstroem-se, cônscias de que o


estudo do objeto pelo sujeito constitui-se sempre num projeto inacabado, em constante
mutação, ponderando as descrições “disciplinadas” de seus objetos e não as prescrições
definitivas sobre eles. Estas ciências exigem a constituição de uma ética da compreensão,
que é fazer ciência com o outro e consigo mesmo, self-conscience (2000:23). A razão heróica
deve permitir a investigação, percebendo-se instrumental, mas deve também fugir do
despotismo, quando em sua barbárie se levanta como dona absoluta no território do
entendimento humano.

Se na concepção moriniana ocorre o resgate do sujeito, antes diluído nas totalidades,


faz-se mister buscar seu entendimento e sua noção, por se tratar de termo muito falado e
polissêmico.

3. NOÇÃO DE SUJEITO

Parece-nos que “O Método 5: a humanidade da humanidade”, em sua segunda parte,


ao tratar da identidade individual, é um dos livros no qual aborda densamente a noção de
sujeito. No entanto, não se poderá entrar em sua profundidade, em virtude do caráter
introdutório do texto. Mas, cabe pinçar a compreensão moriniana de sujeito e a interrelação
com a dependência e autonomia. Como não é possível assumir a complexidade, sem abraçar
as contradições, a conceituação de sujeito também não escamoteará tal idéia. A espécie
humana, ao produzir singularidades/indivíduos, produz sujeitos, algo além da singularidade. A
visão tradicional científica, em face do determinismo, dissolveu o sujeito, a consciência e a
autonomia. Porém, dentro dos parâmetros novos, onde o universo, os seres vivos e o ser
humano se constituem como processos auto-organizadores, gerando suas próprias
determinações e finalidades, ocorre o resgate da autonomia e também do sujeito.

A noção de sujeito encontra-se bastante clara e sucinta em texto anexo a “A cabeça


bem feita” (2001), onde, após assumir a complexidade do conceito, propõe-se partir de uma

12
base simultaneamente subjetiva e bio-lógica, não afetiva e, portanto, não somente da
consciência, subdividindo-a em 3 idéias mestras: autonomia, indivíduo e, finalmente, a noção
de sujeito. Assim, Morin rejeita uma concepção humanista, metafísica ou antimetafísica de
sujeito.

Primeiramente, a compreensão de autonomia é inerente à de auto-organização e não


pode ser focada como liberdade total, visto que todo organismo depende do e se relaciona ao
meio ambiente biológico, cultural e social. O ser humano só pode viver a autonomia a partir
de uma sujeição, por isso a autonomia só pode se entendida em termos relacionais e relativos.
Ele próprio conduz a reflexão, ao dizer:

Portanto esta autonomia alimenta-se de dependência; dependemos de uma educação,


de uma linguagem, de uma cultura, de uma sociedade, dependemos, bem entendido, de
um cérebro, ele próprio produto de um programa genético e dependemos de nossos
genes.(...) Reciprocamente, possuímos os genes que nos possuem, quer dizer que somos
capazes, graças a estes genes, de ter um cérebro, se ter um espírito, poder retirar de uma
cultura de os elementos que nos interessam e desenvolver nossas próprias idéias.(1990:
96-97)

Necessita-se também, para conceituar sujeito, da idéia de indivíduo como base de


compreensão. Biologicamente falando, o indivíduo mostra-se como produto e produtor tanto
na relação com a espécie como com a sociedade. Finalmente, toda organização biológica
requer uma dimensão cognitiva, pois o ser vivo retira dados informativos do ambiente e
constrói, a partir de uma prática, uma atividade cognitiva, como fonte de sobrevivência.

Ancorado nos pressupostos e premissas acima, Morin desenvolve sua concepção


complexa de sujeito em quatro princípios:

1. Egocentrismo: posicionamento no centro do mundo. Há a necessidade de


conceber os seres humanos em dois níveis de subjetividade: a cerebral/mental, em
que, quando digo “eu”, ocupo e assumo um espaço central no mundo, e a de nosso
organismo, que, protegido por um sistema imunológico, distingue o si e o não-si,
reagindo, por si só, ao que pareça estranho e invasor.

A idéia de sujeito origina-se, pois, no ser vivo mais arcaico, mas não se reduz a ele.
Desenvolve-se com a animalidade, com a afetividade e, no homem, aparece esta novidade
extraordinária: o sujeito consciente. Mas, mesmo no homem, há uma realidade ‘sujeito’,
inconsciente, orgânica, que se manifesta na e pela distinção imunológica que o nosso
organismo faz entre o si e o não si.(1982: 189)

13
2. Identidade. O “eu’ continua o mesmo, apesar das mudanças internas (humor,
caráter) e do “si mesmo” (alterações físicas em virtude da idade). Mesmo com as
transformações ocorre a manutenção da auto-referência.

Para Morin, “a estrutura egocêntrica auto-referente é a qualidade fundamental do


sujeito. A afetividade só vem mais tarde, com o desenvolvimento do sistema
neurocerebral nas aves e mamíferos”.(1982: 187)

3. Inclusão. Por ser de uma mesma espécie/cultura/sociedade, estando incluídos nela,


os humanos têm a possibilidade de comunicação como sujeitos, uma vez que
trazem impressa em si a alteridade, sendo atraído por outro ego.

4. Exclusão. No entanto, como ninguém pode pronunciar “eu” em meu lugar, existe
uma incomunicabilidade, uma solidão no mais íntimo de nós. Por meio da
linguagem a espécie procurará, com dificuldades, expressar essa
incomunicabilidade.

Assim, o entendimento de sujeito passa, para Morin, pela conjugação e reconstrução,


que associe os princípios, concebendo o sujeito como aquele que dá organicidade a uma
diversidade de personagens, caracteres e potencialidades. A complexidade da noção moriniana
passa também pela indissolubilidade da idéia de sujeito e liberdade, posto que, se liberdade
supõe capacidade de escolha, existe uma parte do sujeito que é submissa. Quem fala em mim?
Eu e nós. O sujeito oscila entre o tudo e o nada, desta forma. Somos uma mistura de
autonomia, de liberdade, de heteronímia e direi mesmo de possessão por forças ocultas que
não são simplesmente as do inconsciente reveladas pela psicanálise. Eis uma das
complexidades propriamente humanas. (1990: 98)

Esta noção de sujeito, concebida com temas subjacentes da nova biologia, atinge sua
visão de ciência. Morin atesta a necessidade da reinserção do sujeito no conhecimento
científico, o que não é mais do que a reintrodução auto-reflexiva e autocrítica do sujeito no
conhecimento (1982: 47). O questionamento de quem assume seu ponto de vista como parcial
e relativo deve ser sempre: quem sou eu, antropólogo, que falo de uma cultura estranha?
Quem sou eu, sociólogo, que analiso as classes sociais? Dessa maneira, Morin não acredita ser
possível camuflar a questão do sujeito presente na ciência. A recolocação do sujeito torna o
conhecimento científico mais lúcido de seu papel na sociedade e do lugar que ocupa nela,
favorecendo, em certa medida, seu desvencilhamento do poder como meio de morte e
opressão.

14
Uma ciência da ciência exige que se conceba o conhecimento de todo conhecimento
no seu enraizamento a um tempo cerebral, espiritual, noológico, cultural, social e
histórico.(...) Finalmente, permanece a necessidade de uma tomada de consciência ao
mesmo tempo dos limites, das carências e das ‘manchas negras’ do conhecimento
científico.(...) esta tomada de consciência, (...) é uma aquisição positiva, porque as falsas
clarezas, as falsas transparências, as falsas respostas e as pseudo-respostas devem
necessariamente ser desintegradas,(...). A descoberta de um limite, de uma carência no
nosso conhecimento constitui em si mesma um progresso fundamental do conhecimento.
(1982:47)

A compreensão de ciência e sujeito referendada pela complexidade, abordada nos


segundo e terceiro títulos, conduz a um questionamento fulcral: como seria a educação na
perspectiva complexa, já que os conceitos de ciência e de aprendiz, sujeito ou objeto do
conhecimento, constituem-se em pilares, que deflagram trabalhos pedagógicos diversificados?

Por isso, será delineada, no próximo tema, a relação entre educação e mediação
pedagógica no foco do complexo, discutida tanto por Morin como por outros estudiosos.

4. EDUCAÇÃO E MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA COMPLEXIDADE

Como o pensamento complexo percebe a incapacidade da análise unidirecional da


ciência tradicional em trabalhar com as vicissitudes do aleatório e das interligações, que
marcam o mundo fenomênico, a questão educacional parece não se coadunar com este jogo de
incertezas. No entanto, apesar deste primeiro desconforto, para Morin, a complexidade não se
reduz à incerteza, é a incerteza no seio de sistemas ricamente organizados (1990:52). Há
necessidade de, no sistema escolar, se criar um pensamento mais profundo e rico, que integre
a objetividade e a subjetividade, não negligenciando a cultura, o sujeito, o espírito humano e a
sociedade.

No próximo item, como finalização do trajeto construído neste trabalho, serão


discutidas tais questões, iniciando pela concepção moriniana de educação, definição de ensino
e sua visão das disciplinas, passando pela prática escolar dominada pelo antigo paradigma
com mediação pedagógica embasada na visão complexa, até finalizar com a preparação do
educador voltado para este novo panorama.

4.1 Uma definição de educação

Para Morin, cabe à educação criar no aluno um estado interior e profundo, que o guie
por toda a vida. Ao mesmo tempo deve indicar que ensinar a viver requer o conhecimento e a

15
mudança em sua mentalidade; o conhecimento, transmutado em sabedoria, e a ciência, em
sapiência para toda a existência. Para tanto a escola se munirá da contribuição da cultura das
humanidades (literatura, poesia, arte, cinema, filosofia) e da cultura científica, que
manifestarão a complexidade do ser humano: ser totalmente biológico e totalmente cultural.
Trabalhará a aprendizagem da condição humana, do viver e da cidadania, ensinará o
enfrentamento dos tempos de incerteza, o que pressupõe um ensino estratégico e não
programático3.

Dentro deste contexto pode-se compreender o que Morin chama de preparação


educacional para um mundo incerto, o que não significa uma ética do incerto (postura
marcada por um ceticismo generalizado), mas para a vida e o mundo incertos. A escola deve
preparar também para uma incerteza conceitual, porque professamos certezas demais, as quais
geram hábitos de pensamento, e acreditamos ter respostas claras para todas as questões. Como
existem vagas de certezas e regiões de incerteza, deve-se construir a estratégia do pensamento
e da ação.

F.Edwald: Existe uma ética do incerto?

Uma ética para o incerto, sim. O incerto nos obriga a complexificar a ética. (...) A
incerteza coloca-nos o problema das contradições éticas. ... seja ainda os problemas
colocados pela eutanásia e pela doação de órgãos: é preciso prolongar indefinidamente a
vida segundo o imperativo hipócrita que determina que a vida dos doentes é sagrada?
Mas essa vida que deixou de ser consciente, uma vida vegetativa, é a mesma vida? Não é
melhor transplantar órgãos desse indivíduo condenado para salvar alguém? Os
problemas éticos são problemas de incerteza.

F.Edwald: Como resolvê-los?

(...) É preciso fazer uma escolha necessariamente arbitrária, é preciso saber que
tomamos uma decisão provisória. (...) O problema ético se apóia naquilo que é
confrontado com os imperativos contraditórios, e devemos tomar decisões que
comportam sempre alguma coisa de negativo. (MORIN & LE MOIGNE, 2000:169-171)

4.2 Finalidade do ensino

Morin, a partir dos pressupostos da perspectiva da complexidade, encontra-se


convencido da necessidade de uma reforma paradigmática (e não simplesmente de mudança
de programa!) do pensamento que perpassa o ensino, cujas preocupações materializam-se nas
3
Para Morin, todo o ensino tende ao programa (definição antecipada de um esquema de ações com vistas a um
termo altamente propício, quando em situações favoráveis), ao passo que, contrariamente, a vida exige estratégia,
reunião de conhecimentos e inconvenientes colhidos durante um percurso em situação incerta e desfavorável.
16
obras: “A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento” (2001) e “Sete
saberes necessários à educação do futuro” (2001). Para nosso autor, existe uma grande
incompatibilidade entre os saberes veiculados, dispostos em compartimentos disciplinares, e
os problemas sociais atuais cada vez mais transversais e multidimensionais (MORAES, 2003:
156-157).

É preciso, portanto, uma reflexão autocrítica sobre os nossos sistemas de educação,


que se tornaram destrutivos e mutilantes. De passagem, poderíamos tirar da
contemplação das múltiplas reformas escolares a idéia de que as reformas institucionais
apenas não resolvem os problemas. A verdadeira reforma seria a dos espíritos, (...) que
depende de uma formidável tomada de consciência, que deve vir de um certo número de
indivíduos marginais, no início, porque eles sentem os problemas onde a maior parte não
vê problema. (...) Mas a revolução dos espíritos é improgramável. (MORIN & LE
MOIGNE, 2000: 193)

Por isso assume como primeira finalidade do ensino a construção de uma cabeça bem-
feita (em oposição à cabeça bem cheia em Montaigne), cuja aptidão geral deverá ser a lida
com problemas e com critérios delineadores, que permitam interligar os e dar sentido aos
saberes adquiridos. Tais princípios, que esclarecem a solidariedade do conhecimento,
encontram-se presentes na idéia sistêmica iniciada em diversas frentes dos anos 60, cujo
arcabouço tem sido utilizado pelas novas ciências (ecologia, ciências da terra e a cosmologia),
emergidas da segunda revolução científica do século XX, por serem poli- e transdisciplinares.
Desse modo, uma educação, que objetive uma cabeça bem-feita, consiste em acabar com a
disjunção entre as culturas científica e a das humanidades, viabilizando resposta aos desafios
da globalidade e da complexidade da vida cotidiana, social, política, nacional e mundial.

As grandes descobertas científicas e tecnológicas têm gerado mudanças substanciais


nos campos econômico, social e cultural, o que deve fazer os educadores refletirem sobre a
importância da formação integral dos educandos para o desenvolvimento de suas
inteligências, de seu pensamento e de seu espírito, mediante o desenvolvimento da
capacidade de problematização e articulação do conhecimento (MORAES, ib.: 157).

Deve-se então, como Maria Cândida,

(...) conceber o aprendiz como um sujeito ativo no processo de elaboração de sua


realidade e construtor, desconstrutor, reconstrutor do conhecimento, ao mesmo tempo,
um aprendiz autônomo em relação ao meio, o que significa um aprendiz/aprendente que é
auto-organizador, auto-produtor e auto-determinado em relação ao seu entorno (Id. ib.).

17
4.3 Entendimento do trabalho das disciplinas escolares

Infelizmente a escola veicula um saber disciplinar programático, cujos conteúdos


estanques não se integram, criando obstáculos a uma perspectiva de conjunto. A organização
disciplinar foi criada no século XIX e mostrou sua fecundidade na história da ciência. Porém,
a estratificação disciplinar provocou perigosamente a hiperespecialização do pesquisador e o
risco da coisificação do objeto pesquisado, redundando na encarceramento da disciplina
dentro de suas fronteiras. Esta mentalidade impregnou de tal modo o universo professoral, que
não permite ingerências em seu castelo e feudo do saber.

Aqui, Morin desmonta a lógica hiperdisciplinar, delineando o olhar extradisciplinar,


que fez com que muitas áreas se desenvolvessem a partir de conhecimentos disponíveis em
outras áreas. Muitas vezes os problemas de uma disciplina encontraram soluções fora de seu
âmbito. Assim, a história das ciências abrange rupturas entre contornos disciplinares. Nesta
dinâmica, os conceitos científicos circulam, perpetuando o vigor, porque não admitem
fechamento disciplinar.

Propõe o pesquisador francês para a ação educativa uma abordagem transdisciplinar,


filha do pensamento complexo, em que as disciplinas construirão um conhecimento dinâmico,
que vai e vem, que se desenvolve, indo das partes ao todo e do todo às partes. Dessa forma a
disciplina se mantém aberta e fechada, como afirma Izabel Petraglia:

O pensamento não é estático, indica movimento; e é este ir e vir que permite a criação
e com ela a elaboração do conhecimento. É o que justifica o rompimento do sujeito com o
pensamento linear e reducionista presente no paradigma da simplicidade, privilegiando
na atualidade o paradigma da complexidade. (2001: 69)

Morin diferencia os termos muito utilizados no cotidiano escolar: interdisciplinaridade


(cooperação entre as disciplinas, que afirmam suas prerrogativas e territórios),
multidisciplinaridade (conjugação das disciplinas por causa de um objeto comum,
convocadas, muitas vezes, por especialistas) e transdisciplinar (esquemas cognitivos, que
perpassam as disciplinas). Em sua concepção os conceitos-chave presentes nelas são:
cooperação, objeto comum e, a melhor de todas, composição de projeto comum; vai além da
visão interdisciplinar e propõe a prática transdisciplinar (1982: 217-220).

Assim Petraglia demonstra a definição moriniana de transdisciplinaridade:

18
Já por ‘transdisciplinaridade’ entende o intercâmbio e as articulações entre elas
(disciplinas). Na transdisciplinaridade há a superação e o desmonoramento de toda e
qualquer fronteira que inibe ou reprime, reduzindo e fragmentando o saber e isolando o
conhecimento em territórios delimitados. (2001: 74)

4.4 A escola no paradigma tradicional

Os problemas e distúrbios enfrentados pela escola hoje sinalizam a uma indefinição


quanto à sua função social, histórica e política, e à necessidade de reconfiguração de sua
identidade, a partir da auto-afirmação, do auto-conhecimento e da socialização das
capacidades dos membros de sua comunidade.

Concordamos com Moraes (2003: 168): face aos desafios de um mundo com constante
mutação o sistema educacional mostra-se antiquado e inadequado, ancorado que se encontra
no velho paradigma da ciência. Uma estrutura obsoleta, que não conduz o indivíduo a pensar
problemas, nem a questionar para compreender, mas se funda em certezas e na aceitação
passiva da fala da autoridade. Os nossos aprendizes estão impossibilitados de expressarem o
que pensam, estão castrados em suas falas, limitados em seus afetos e presos a uma mente
objetiva e racional (Id., ib.: 169).

Morin assim se expressa em relação à instituição escolar:

Eu jamais tive mestres. Sempre lamentei isso. Não falo daquele que se impõe ou é
imposto, mas daquele que escolhemos por um tempo, por aquilo que ele possa nos trazer.
Aquilo que a instituição escolar ou universitária produz é a falsificação dessa
necessidade. (...) A escola, a universidade tornaram-se máquinas para matar a
curiosidade e a inteligência, canalizando-as em direção a todos os pequenos domínios
mináveis, análogos a qualquer coleção de selos. Inscrevemo-nos desesperadamente num
sistema de especialização produtivo. (MORIN & LE MOIGNE, 2000: 193)

A origem deste modelo de pensamento assenta suas raízes na tentativa humana de


racionalização, de amordaçamento do mundo do objeto, da compartimentação do pensamento,
do sujeito e das disciplinas. Tudo isto leva o ser humano a se fracionar, a se segmentar e a
separar-se de seu ambiente, do outro, aniquilando sua condição, aprisionada pela inteligência
cega. Os processos evolutivos do humano tornam-se involução, em vez de co-evolução.

Os reflexos do velho paradigma sobre a escola transformaram-na em detentora do


repasse de uma ciência sem vivacidade, sem cor e paladar, desencantada, inóspita, inabitável,
árida e anti-humana, pois desagrega sujeito e objeto. Uma escola morta, desvinculada do

19
mundo e da vida, capaz de produzir seres incapazes de descobertas e reconstruções, de auto-
conhecimento.

Urge a ultrapassagem da pedagogia tradicional, tecnicista e positiva, fruto do


behaviorismo e do positivismo. Não há como manter uma proposta arcaica em descompasso
com as reflexões da atual ciência. Sua prática pedagógica delimita, no dizer de Moraes (2003:
178), comportamentos de entrada e de saída como verdadeira linha de montagem,
seqüencial e hierárquica, previamente estruturada pelos professores ou pelo planejador,
alienados do contexto sócio-cultural dos indivíduos.

4.5 A escola complexa reencantada

Moraes, nos capítulos terceiro e quinto de seu livro “Educar na biologia do amor e da
solidariedade”, aborda alguns quesitos de uma escola construída na perspectiva moriniana, o
que trabalharemos aqui, mesclando algumas análises de Izabel Petraglia, no seu capítulo
“Educação versus escola”, de seu livro “Edgar Morin: a educação e a complexidade do ser e
do saber”.

Será possível reencantar a educação nos dias de hoje? Ou isto constitui-se em mais um
engodo, para dinamizar os profissionais da educação desestimulados diante de tantas
tentativas fracassadas? Neste momento parece-nos que, mais que anteriormente, na educação
tem vigido a afirmação da reprovação, da baixa auto-estima do professor e do desestímulo do
aluno. Será possível gestar um lugar, onde predomine a criatividade e a alegria? Como
relacionar educação, ludicidade e autonomia? Com que paradigma se alavancará este
processo? Quais parâmetros teóricos possibilitariam a construção desta prática pedagógica?

Como se percebe, há muito mais incômodos e questionamentos que respostas. Porém,


quanto ao paradigma da desordem na ordem e do caos/incerteza na organização Moraes
(2003: 171-218) conduzirá nossa reflexão.

Inicialmente necessitamos do desvencilhamento do paradigma anterior, modificando a


prática pedagógica através do desvelamento de novos modelos, diálogos e valores. Uma
pedagogia voltada para a formação integral do aprendiz, que amplie sua perspectiva para o
desenvolvimento de uma consciência mais ecológica, reflexiva e relacional, com vistas a
colaborar na melhoria da qualidade de vida no planeta. Este modelo deve conjugar razão e

20
emoção, mundo físico e mundo vivo, pensamento analítico e sintético, crítico e criativo,
compreensivo e flexível, como componentes intrínsecos do processo complexo da vida. Como
nos assevera Petraglia (2001: 72), pois tratando-se de experiência e ação humanas, não se
pode dissociá-las da emoção. Morin afirma que é preciso considerar-se os aspectos da
paixão, dor e prazer no ato do conhecimento, em concordância com Moraes.

A consonância com o novo paradigma requer repensar o currículo, a partir das


necessidades humanas presentes, adicionando novas temáticas, que delineiem o indivíduo
como elemento primordial do processo, um ser contextualizado, dotado de inteligências
múltiplas, que constrói o conhecimento em função de sua bagagem emocional, genética,
cultural e social (MORAES, Ib.: 180), de modo autônomo e dependente.

Cabe à educação desenvolver metodologias e estratégias que colaborem para o


resgate da inteireza humana, privilegiando não apenas os seus aspectos físico e
cognitivo, mas também anímico e espiritual, aspectos estes que fazem parte da totalidade
humana. (Id. Ib.: 181)

Isto também nos coloca Petraglia (ib., 71), ao afirmar que a ação de conhecer está
presente simultaneamente nas ações biológicas, cerebrais, espirituais, culturais, lingüísticas,
etc.. Moraes (Ib., 80) caminha no mesmo sentido da frase anterior ao especificar que esta
educação deve ser capaz de deflagrar e açambarcar a presença da ação de conhecer em todas
as atividades desenvolvidas pelo humano, em suas diversas dimensões.

Tal educação deve basear-se numa abertura epistemológica, capaz de entender que as
coisas não serão nunca totalmente encerradas nos conceitos (MORIN, 1990: 73). Isto
pressupõe um trabalho educativo, que sempre passe por revisões, em que o educador na
mediação pedagógica não poderá se pautar no autoritarismo e na prepotência.

Pedro Demo (apud MORAES: 206-208) prescreve cinco características básicas do


sistema complexo, utilizados para compreender a educação. Estes se intitulam como:
dinamicidade do processo educacional em sua face controlável e incontrolável; a não
linearidade inserida na realidade e na aprendizagem; reconstrução de algo que jamais se
repete; dialogicidade dos processos fenomênicos educativos e ambivalência dos fenômenos
educacionais, por conterem a unidade na multiplicidade. Tais características apontam para o
fato de não se poder simplificar e reduzir a complexidade dos fenômenos da educação, da
aprendizagem e do conhecimento, por haver uma incompletude do ser humano explicitada na
incompletude dos processos educacionais. Esta abrangência tem reflexos educacionais em

21
relação à mediação pedagógica, o que, a meu ver, torna uma falácia a proposta da escola
reprodutora do conhecimento, pelo descompasso existente entre sua ideologia e a maneira não
linear como o conhecimento é processado pelo aprendente, o que escapa ao controle escolar.
Como nos diz Petraglia (ib.:72), todo conhecimento abrange características individuais,
existenciais e subjetivas, além das objetivas norteadas pela razão. Moraes (Ib.:215) também
reforça que, biologicamente, é impossível a reprodução do conhecimento, já que a
aprendizagem é um fenômeno intrinsecamente interpretativo da realidade.

A mediação pedagógica, a partir do prisma da complexidade, caracteriza-se por um


fluxo comunicacional (de constante interação) de co-construção de significados, com vistas a
estabelecer o acordo significativo da dinâmica e dos temas a serem abordados e tratados no
lócus educacional. Esta mediação requer a ruptura de dicotomias, a conjunção entre sujeito e
objeto, entre docente e discente, em sintonia com novas possibilidades de compreensão numa
constante troca mútua. Este fluxo interacionista exige do professor a manutenção do diálogo
(interior e exterior}, propondo questionamentos e dúvidas, facilitando a construção do
conhecimento, enfim, uma postura e didática voltadas à complexidade.

Sob o enfoque da complexidade, num processo de mediação pedagógica cada


elemento influencia o outro, (...) onde cada um vem a ser o meio para a realização da
‘autopoiese’ do outro. (...) para o aprendizado e autonomia do outro (...) Neste sentido, o
processo é sempre mais importante do que o produto e a participação ou vivência (...) é
sempre relevante. Um não existe sem o outro, ambos existem na relação. (Ib.: 213)

A mediação pedagógica requer um profissional capaz de humildade e disponibilidade


incondicional, para admitir, aceitar e compreender as múltiplas vozes, que explicitam a
variedade da polifonia social, a manifestação da poliformidade das apreensões da temática.
Sem perder este foco, o educador deverá utilizar-se de várias metodologias de ensino e
técnicas de aprendizagem, além de uma miríade de estilos de escrita ou variadas situações de
expressão, visando criar condições para a circulação livre de idéias de modo diverso e plural.

Inserido em todas estas potencialidades, que a complexidade pode trazer à dinâmica


escolar e da sala de aula, “tanto educadores como escola, enquanto estrutura organizacional
educativa, não podem perder de vista que a construção da identidade da escola passa,
primeiramente, pela construção individual da identidade de seus membros, que são sujeitos
desse processo, como também do processo do conhecimento, que nessa escola se desenvolve”
(PETRAGLIA, ib.:73) Em Morin a reflexão da educação deve ser conduzida pela inteligência
da complexidade, que se realiza dentro deste sistema auto-eco-organizativo, o escolar. Eis a

22
contribuição de seu pensamento para a teoria e prática escolares: uma mudança de postura e
mentalidade no entendimento do mundo, constituindo-se num fluxo de renovação rumo a uma
visão multidimensional.

5. Rápida conclusão provisória sobre os educadores e a proposta moriniana

Diante da preconização de uma revolução paradigmática a ocorrer na educação, poder-


se-ia pensar: quem efetivamente a realizará? Conforme Petraglia (2001: 76-77), Morin confia
na capacidade dos educadores de começar a reforma do pensamento, iniciando do simples e
linear para o complexo e não linear, do programático para o estratégico, de maneira
progressiva e paulatina. Morin assim fala:

Quem educará os educadores? Será uma minoria de educadores, animados pela fé na


necessidade de reformar o pensamento e regenerar o ensino. São os educadores que já
têm, no mínimo, o sentido de sua missão. (...) Exige competência, mas também requer,
além de uma técnica, uma arte. Exige Eros que é desejo e prazer de transmitir, amor pelo
conhecimento e pelos alunos. É isso que pode despertar o desejo, o prazer e o amor no
aluno e no estudante. (...) A missão supõe a fé: a fé na cultura e fé nas possibilidades do
espírito humano. O ensino é uma missão muito elevada e difícil, uma vez que supõe arte,
fé e amor. (Cabeça bem-feita, 2001: 101-102 )

Caberá ao professor a formulação das questões propostas pelo novo tipo de ciência,
que influenciará a renovação de sua prática. Apesar do bloqueio das instituições em relação às
mudanças, o educador deverá iniciar seu processo de reforma, uma vez que não está sozinho
neste fluxo, que engloba diversas ciências. Morin demonstra uma profunda crença na
educação e no educador como protagonista da reforma. Por exemplo, para o professor
secundário propõe tomar conhecimento do universo e da cultura adolescente, aceitando a
independência adquirida por eles em relação às culturas familiar e escolar após os anos 60, e
as maneiras comunitárias e regras próprias dos seus grupos, que podem atingir o nível de
constituição de microssociedades. Morin está muito atento ao papel social do professor e à sua
capacidade de mudanças, se conectado ao que ocorre em seu entorno. (2001: 78-80)

Apesar de sua desconfiança em relação aos programas, mantendo coerência em relação


à ética para o incerto, encoraja os professores obstinados:

Eu não creio muito nas virtudes dos programas de mudança. É preciso mergulhar na
noite densa, com a vontade de trabalhar com a possibilidade do fracasso, com sentimento
de que existe uma tarefa importante a ser executada. A ausência da solução pré-

23
programada não deve desencorajar, mas relembrar que um trabalho tem uma realidade
complexa (MORIN & LE MOIGNE, 2000: 194)

A trajetória de Morin realmente marca pela fecundidade de sua produção intelectual e


deixa estupefato quem entra em contato com sua linha de pensamento. Ele se conjuga a
muitos outros nesta vertente, porém existe uma riqueza em sua reflexão, que propicia muitos
vieses de pesquisa e interrogações. Este rápido trabalho iniciou-se a partir de uma inquietação
em relação à quantidade de obras deste pensador e diante de um desejo de contatá-las mesmo
que parcialmente. O pessimismo, que muitos de seus leitores sentem, ao lerem suas obras,
parece não se verificar no campo da educação, pois há sim uma autenticidade e coerência em
não querer criar uma escola com todas as soluções possíveis dentro de um modelo explicativo
fechado, o que faria definhar o caráter revolucionário de sua proposta. Seu pensamento
concentra-se com candência e veemência na análise do pensamento simplificador da ciência
moderna e identificação de uma reviravolta ainda em vigência nas novas ciências com um
novo paradigma, a complexidade. Aí reside sua vitalidade e vigor. Quanto à educação, sua
proposta ainda não é dotada de incidência e construção adequadas. Não há uma reflexão
profunda e explícita, nem tampouco uma bibliografia acurada, desta temática, o que mostra
uma lacuna ainda por sanar.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORAES, Maria Cândida. Educar na biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2003. 293p. (Parte II – Cap. 1, 2, 3 e 5)

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 3.ed.


Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 128p.

___________. Ciência com Consciência. Portugal: Publicações Europa-América, 1982.


255p.

___________. Introdução ao Pensamento Complexo. 2a.ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1990.


177p.

___________. Meus Demônios. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1994. p. 271-274.

___________. O Desafio do Século XXI: religar os conhecimentos. Lisboa: Instituto Piaget,


2001.512 p.

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___________. O Método 5: A humanidade da humanidade. Porto Alegre, RS: Sulina,
2002. 312p.

___________. Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. 3.ed. São Paulo: Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2001. 118 p.

MORIN, Edgar & LE MOIGNE, Jean-Louis. A Inteligência da Complexidade. São Paulo:


Peirópolis, 2000. 263p.

PENA-VEIGA, Alfredo, ALMEIDA, Cleide e PETRAGLIA, Izabel. (orgs.) Edgar Morin:


Ética, cultura e educação. São Paulo: Cortez, 2001. 175p.

PETRAGLIA, Izabel Cristina. Edgar Morin: a educação e a complexidade do ser e do


saber. 5a.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. 115p.

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