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O recorde do desemprego e da subutilização da força de trabalho no Brasil

“Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”
Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948)

O Brasil coleciona notícias ruins na criação de oportunidades de emprego e na área do direito


ao trabalho. A PNAD Contínua (PNADC) do IBGE mostra que o desemprego e a subutilização da
força de trabalho no Brasil bateram recorde no trimestre que vai de dezembro de 2018 a
fevereiro de 2019. O Presidente da República, ao invés de reconhecer o problema, preferiu
criticar a metodologia utilizada pelo IBGE.

É claro que nenhum governo gosta de notícias ruins. Não é a primeira vez que os números do
emprego e do desemprego são questionados para favorecer os governantes de plantão. O
presidente Jair Bolsonaro poderia até dizer que herdou a crise do mercado de trabalho e que
está tomando medidas para aumentar os índices de ocupação, mas preferiu revelar ignorância
ao criticar uma metodologia que é antiga e reconhecida internacionalmente.

A verdade sobre o desemprego e o subemprego dói para os ocupantes do Palácio do Planalto,


mas dói muito mais para quem não tem como ganhar a vida honestamente com o suor do
próprio rosto.

Segundo a PNADC a taxa de desocupação (pessoas que não estavam trabalhando, mas estavam
procurando emprego) foi de 12,4% no trimestre móvel encerrado em fevereiro de 2019, subiu
0,9 ponto percentual em relação ao trimestre de setembro a novembro de 2018 (11,6%). Esta
subida ocorreu em função de fatores sazonais, pois no início de cada ano a ocupação é,
geralmente, menor do que no final do ano. Em relação ao trimestre móvel de dezembro de
2017 a fevereiro de 2018, quando a taxa foi estimada em 12,6%, o quadro foi de estabilidade.
Mas é uma estabilidade perversa, pois significa 13 milhões de pessoas que desejam trabalhar,
mas não conseguem vagas no mercado de trabalho.

Contudo, este quadro terrível de desemprego não retrata um problema mais grave do mercado
de trabalho brasileiro. A PNADC mostra uma realidade mais tenebrosa, quando aplica a
metodologia da taxa composta de subutilização da força de trabalho (que mede o percentual
de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de
trabalho potencial). Por este indicador o desemprego e o subemprego foi de 24,6% no
trimestre compreendido entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, com altas de 0,8% em
relação ao trimestre de setembro a novembro de 2018 (23,9%) e de 0,4% no confronto com o
trimestre móvel de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018 (23,2%).

Isto significa que, no trimestre de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019, havia


aproximadamente 27,9 milhões de pessoas subutilizadas no Brasil, o maior contingente da
série histórica. Ou seja, depois de dois anos de grande recessão (2015 e 2016) e depois de dois
anos de lenta recuperação (2017 e 2018) a subutilização da força de trabalho, ao invés de
diminuir, alcançou o seu nível mais alto, mostrando que o Brasil está em uma rota insustentável
e está desperdiçando os melhores momentos do bônus demográfico.

A PNADC detalhe este desperdício, mostrando que contingente de pessoas subocupadas por
insuficiência de horas trabalhadas (6,7 milhões) teve redução de -4,8% em relação ao trimestre
anterior (-341 mil pessoas) e subiu 7,9% (mais 491 mil pessoas) em relação ao trimestre de
dezembro de 2017 a fevereiro de 2018.

O contingente fora da força de trabalho (65,7 milhões) subiu em 595 mil pessoas (0,9%)
comparado ao trimestre de setembro a novembro de 2018 e foi o maior da série histórica.
Frente ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, o indicador subiu 1,2% (mais
754 mil pessoas).

A população desalentada (4,9 milhões) ficou estável em relação ao trimestre setembro a


novembro de 2018 e subiu 6,0% em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de
2018 (4,6 milhões). Esse contingente atingiu seu maior nível na série histórica.

O percentual de pessoas desalentadas em relação à população na força de trabalho ou


desalentada(4,4%) se manteve no recorde da série histórica, ficando estável em relação ao
trimestre anterior e subindo 0,2 ponto percentual contra trimestre de dezembro de 2017 a
fevereiro de 2018 (4,2%).

A força de trabalho (pessoas ocupadas e desocupadas), foi de 105,2 milhões de pessoas e ficou
estável em relação ao trimestre anterior. Frente ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro
de 2018, houve alta de 1,0% (mais 1,0 milhão de pessoas).

O número de pessoas ocupadas (92,1 milhões) teve queda (-1,1%) em relação ao trimestre
anterior (menos 1,062 milhão de pessoas). Em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a
fevereiro de 2018, houve alta de 1,1% (mais 1,036 milhão de pessoas).

O nível da ocupação (percentual de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar) foi


de 53,9% no trimestre encerrado em fevereiro, com queda de -0,8 p.p frente ao trimestre
anterior (54,7%). Em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, houve
estabilidade.

Na série da PNADC que começou em 2012, o recorde de pessoas ocupadas foi de 92,9 milhões
de pessoas no quarto trimestre de 2014. De lá para cá, este número caiu, chegou a 92,1
milhões no último 12/2018 a 02/2019. Esta queda no número da força de trabalho ocupada é
ainda mais preocupante quando se considera que a população total do país passou de 199,2
milhões de habitantes em 2012 para 209,2 milhões em 2018. Assim, a taxa de ocupação que
chegou ao pico de 57% em 2014 caiu para cerca de 54%.
Portanto, a taxa de ocupação diminuiu no país em um momento de estagnação da
produtividade, queda da renda e aumento da pobreza. Sem trabalho, o Brasil não tem futuro.
Nunca houve tantas pessoas em idade de trabalhar no país. Mas o desperdício representado
pelo alto nível de desemprego, subemprego e baixa taxa de ocupação é o mesmo que jogar
fora a janela de oportunidade que a mudança na estrutura etária gerou e que vai se fechar em
pouco tempo. Não existe exemplos históricos de nações que enriqueceram depois de
envelhecer. O Brasil está desprezando os melhores anos de uma relação intergeracional
favorável à decolagem do desenvolvimento.

São 27,9 milhões de brasileiros e brasileiras sem o direito humano básico ao trabalho decente.
A continuar desta forma, a economia brasileira vai ficar eternamente presa na armadilha da
renda média e vai dar adeus ao sonho de ser uma nação desenvolvida, não só como os
parceiros mais ricos da OCDE, mas mesmo em relação às nações que são “rabos de elefante”,
como Portugal e Grécia. Deixaremos de ser país “em desenvolvimento” para assumir, talvez
para o resto da vida, o carimbo de nação subdesenvolvida e submergente.

Referência:
IBGE. PNAD Contínua: taxa de desocupação é de 12,4% e taxa de subutilização é de 24,6% no
trimestre encerrado em fevereiro de 2019, Agencia de Notícias, abril de 2019
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-
noticias/releases/24109-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-12-4-e-taxa-de-
subutilizacao-e-de-24-6-no-trimestre-encerrado-em-fevereiro-de-2019

José Eustáquio Diniz Alves


Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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