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© que um reconhecimento intuitivo da diferenca entre isto que chamei 0 tivo” € a “formalitas” do filos6fico. Do mesmo modo nao ha maneirg poofo tende a resumir-se no exerd faz da ousadia eda auto-exibigao da desfagatez, quase diria — o disfdtce indispensavel ubiquamente host. vertiginosa. SituagZo que, tudo bem pesagé& falyez seja menos negativa do que se tenderia a pensar, posto que valeffia ala de anélogo ao que dizia Ortega “Pasar de moda es Yigo0 moda, mas para una realidad sustantiva, esen(Ci i que pas6 ya de modg todo en tomo al gozar de parece que en aquel tiempo de sb alagaba, vivid enajenada de sf misma dems no sabfan que existfa y, exenta de seducciones forasteras, vacaba s6lo a ser si misma.” * JOSE ARTHUR GIANNOTTI Por que esta obsessio que nos obriga a debrugar sobre escritos alheios e, durante semanas, meses,- anos, articular palavra com palavra a fim de construir um ediffcio de pensamento, onde possamos caminhar como se cortéssemos uma cidade estranha e familiar? O que nos leva a gastar grande parte de nossas vidas junto a uma escrivaninha, elaborando nosso discurso por meio do discurso do outro? O romancista emprega seu tempo para criar um mundo imagindrio; seus personagens adquirem independéncia a ponto de cobrar do autor o direito de ousarem viver seu drama até o fim. Mas tudo isso so fintas de escritor, que marca os personagens independentes com sua propria assinatura. O filésofo, entretanto, parece consumir filosofias alheias que, contudo, nao sdo destrufdas por esse consumo, jé que por ele sobre- vivem. Suporte do discurso alheio, o filésofo empresta sua voz fiel e defor- 25 In “Apuntes sobre el pensamiento”, p. 1, Revista de Occidente, Madrid, 1959. 144 mante aos textos chamativos do passado, com o intuito de elaborar um novo discurso que foge de sua subjetividade para apresentar-se como um pensa- mento objetivo. Nesse exercicio se dé um jogo de distanciamento e de intimidade com 0 mundo. Os acontecimentos chegam até nés filtrados pelas diversas dticas armadas por discursos de terceiros. Tudo se passa como no amor de Swann que, incapaz de apreender diretamente a mulher querida, chega até ela por intermedidrios amaveis, reconhecendo em seus cabelos a teia tragada por um pintor familiar; em seu perfil, o cunho de um medalhdo renascentista; em seu corpo, os volumes sugeridos por uma escultura. Com a diferenga de que nao existe a mulher desejada, que para 0 filésofo a substancia do mundo se consome na sucesso conflituosa de seus simulacros e interpretag6es. Se com isso perde a fé perceptiva, o solo rigido, o trampolim para a ago, ganha a familiaridade com 0 mundo do espirito, desse.universo que se resolve em leituras. Trabalha um texto cldssico, fala dele numa sala de aula, termina produzindo um novo texto, um comentario ou nova doutrina. Outros virdo para retomar esse texto e com ele repetir 0 mesmo percurso. Segundo as situagbes hist6ricas, esse circuito da teflexdo filos6fica é mais ou menos amplo. Entre nés, principalmente por causa da burocratizago da cultura universitdria, o filésofo escreve alguns exemplares de sua tese, que sao lidos por seus colegas, os quais se encontram assim em condigdes de reiterar 0 mesmo percurso do acanhamento. Isto porque a ilusdo da comunidade de sdbios se tora vidvel gragas ao trabalho de outros mais aferrados aos enganos da percepcdo, responsdveis pelas condigdes materiais da reflexio filos6fica. E sabido que a filosofia sempre se alimentou do écio, Daf nossa pergunta: © que permite o lazer para o nosso atual filosofar? Ao contrario de outras épocas, o filosofar de hoje é em geral trabalho remunerado. O filésofo é um funcionério, poucas vezes um escritor, vivendo de sua propria produgdo. Goza assim de um lazer ritmado pelo livro de ponto, pelos hordrios das aulas, onde se obriga a comunicar, com rigida periodi- cidade, o resultado de suas investigagdes livres. Qual € 0 mistério que leva uma sociedade moderna, quase sempre tecnocrata e autoritéria, a financiar a vagabundagem bem comportada do filésofo? Esse financiamento, ademais, vem pelo Estado, pois so raras as fontes privadas onde possa obter recursos. O filésofo de hoje é quase sempre um professor, as vezes aposentado. Consi- derando essa situagio, convém desconfiar de que, a despeito dos amuos entre os fil6sofos e o Estado, este deve tirar algum polpudo beneficio a0 assumir 0 risco de sustentar possiveis rebeldes. Por que assegura o lazer necessario 4 filosofia, chegando a ponto de transformar os produtos desse lazer num instrumento de educagGo? Nao vamos dar uma resposta a essa pergunta provocativa, mas considerar apenas um de seus termos. Foram-se os tempos em que a teologia guardava ciosamente os mis- térios especulativos e os filésofos se apartavam da sociedade para se consagrarem ao sacerddcio da reflexdo. Hoje filosofia é matéria de ensino pdblico, a qual, se na verdade nao guarda mais o lugar privilegiado de anos atrés, ainda ocupa muita gente. Que pretende essa massa de estudantes do 145 filosofar? Deixemos de lado os que chegam aos cursos de filosofia porque nao encontraram vagas em outros setores da universidade; para eles a filosofia 6 passo intermedidrio em vista de outros exercicios da cultura. O que anima © aprendiz do filosofar? Dentre os mais diversos motivos é possivel apontar um que faz dele desde cedo um filésofo: ambos possuem aquele distancia- mento do mundo e aquela intimidade que s6 pode ser obtida pela via da reflexo. Neste sentido, no se ensina filosofia, mas se alimenta 0 desabrochar de uma recusa secreta, uma necessidade de recuo, de encontrar um caminho produtivo para um estranhamento atavico. O ensino da filosofia vem con- formar e socializar essa marginalidade, transpondo-a do real para o imaginario. Nao trata apenas de familiarizar com uma linguagem cifrada que nao resulta, a0 contrario da simbologia cientifica, na transformagao das coisas, numa tecnologia. Antes de tudo, cabe-lhe integrar o rebelde virtual numa comunidade de tebeldes imagindrios que, de fato, trocam informagdes, competem entre si acirradamente, esgotando seu empuxo no enorme esforgo de manter de pé essa sociabilidade fantéstica. Os filosofos competem por um emprego. Ademais, é conhecida a temperatura de um departamento de filosofia, aquecida pelos atritos internos e pela ruptura com a sociedade ambiente. Todos se lembram do papel desempenhado por esses alunos nos movimentos estudantis. No entanto, a sabedoria estatal consiste em permitir aos estudantes se esquentarem precisamente pela filosofia, em deixar escapar as forcas reprimidas pelo destampatério do discurso. Nao hé divida de que, como tudo, esse processo é faca de dois gumes, pois o discurso rebelde se espraia e mobiliza. Mas, enquanto nfo se propuser como organizagio mobili- zadora, as palavras radicais sero levadas pelo vento sem atingir a raiz de sua propria rebeldia. Porquanto o discurso filoséfico mantém compromissos com suas origens, com o Estado que o financia e com a marginalidade que o alimenta. E gracas a isso o Estado se apropria dessa marginalidade para socializéla ao nivel do imagindrio, obtendo assim a integracao efetiva dos possfveis marginais. E bem verdade que o Estado encontra filésofos prove- nientes das mais diversas origens. Uns fizeram de sua marginalidade pessoal a linguagem da classe dominante, continuando a cultuar os antigos deuses da teologia. Outros se puseram a servigo da contestagao do status quo. Mas no importa tanto que cada corrente da filosofia represente organicamente certos grupos sociais. Todas essas representagdes, enquanto produto, sdo igualizadas € cooptadas pelo mercado e pelo ensino oficial. Como fugir a esse engodo? Em primeiro lugar, mantendo-nos fiéis a nosso distanciamento, prolongando nossa investigagao até apreender cada elo social que a sustenta, conhecendo, enfim, o que esta permitindo a ilha de nossa sociabilidade e as conseqiiéncias neutralizantes de nossas palavras. A despeito da peculiaridade de nossa situacdo ndo estamos sozinhos. Também os cientistas se encontram num impasse. Durante séculos foi poss{vel acreditar que 0 mero exercicio do pensamento tedrico se justificava por si s6, ficando a cargo dos cientistas aplicados 0 trabalho sujo de imprimir a uma teoria esta ou aquela diregdo pratica. Hoje sabemos que a disputa entre as varias teorias nfo se resolve a nivel da simples discussfo cientffica, que as 146

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