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Ramos da Agroecologia

Brasília-DF.
Elaboração

Henrique Almeida Miranda

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................. 4

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa..................................................................... 5

Introdução.................................................................................................................................... 7

Unidade I
HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA............................................................................ 11

Capítulo 1
Panorama histórico........................................................................................................... 11

Capítulo 2
Surgimento.......................................................................................................................... 14

Capítulo 3
A consolidação como um sistema................................................................................. 18

Unidade II
O sistema agroecológico atual................................................................................................... 25

Capítulo 1
Agroecologia na atualidade........................................................................................... 25

Capítulo 2
O sistema de produção agropecuária ecológica no Brasil...................................... 27

Capítulo 3
Conformidade e certificação......................................................................................... 37

Unidade III
Os ramos da Agroecologia......................................................................................................... 58

Capítulo 1
Ramo agronômico............................................................................................................ 58

Capítulo 2
Ramo ambiental................................................................................................................... 62

Capítulo 3
Ramo socioeconômico................................................................................................... 66

Capítulo 4
Ramos político e legal...................................................................................................... 69
Unidade IV
O futuro da Agroecologia........................................................................................................... 74

Capítulo 1
Perspectivas dos ramos da agroecologia.................................................................... 74

Capítulo 2
Estudo de caso em comercialização de produtos agroecológicos...................... 83

Referências................................................................................................................................... 97

Anexo I......................................................................................................................................... 100


Aspectos e oportunidades profissionais....................................................................... 100

Anexo II........................................................................................................................................ 101


Glossário.......................................................................................................................... 101
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da
área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que
busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica
impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para
aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

7
Introdução
A Agroecologia estuda uma variedade de agroecossistemas, e o campo desta ciência
não está associado com qualquer método particular da agricultura, seja orgânico,
convencional, intensiva ou extensiva. Além disso, não é definida por certas práticas de
gestão, tais como o uso de inimigos naturais no lugar de inseticidas, ou policultura no
lugar de monocultura.

Os agroecologistas não se opõem, por unanimidade, à tecnologia ou insumos na


agricultura, mas sim defendem a avaliação da forma como, quando e se a tecnologia
pode ser usada em conjunto com ativos naturais, sociais e humanos. Agroecologia
propõe uma forma ao contexto ou local específico de agroecossistemas que estudam,
e, como tal, reconhece que não há uma fórmula universal ou receita para o sucesso e o
máximo de bem-estar de um agroecossistema.

Em vez disso, pode-se estudar questões relacionadas com as quatro propriedades de


agroecossistemas: produtividade, estabilidade, sustentabilidade e equidade. Ao contrário
de disciplinas que estão preocupadas com apenas uma ou algumas dessas propriedades,
agroecologistas veem todas as quatro propriedades como interligadas e essenciais para o
sucesso desta prática, reconhecendo que essas propriedades são encontradas na variação
de escalas espaciais, não se limitam ao estudo dos agroecossistemas apenas em escalas de
fazenda, expandem-se para a comunidade local e para a sociedade em geral.

O estudo da Agroecologia aborda as quatro propriedades através de uma lente


interdisciplinar, utilizando ciências naturais para compreender elementos de
agroecossistemas, como propriedades do solo e interações planta-inseto, bem como
a utilização de ciências sociais para compreender os efeitos das práticas agrícolas nas
comunidades rurais, gargalos econômicos para o desenvolvimento de novos métodos
de produção, ou fatores culturais que determinam as práticas agrícolas.

Os praticantes e defensores da Agroecologia nem sempre concordam sobre o que a


Agroecologia é ou deveria ser, a longo prazo. O entendimento sobre Agroecologia
pode ser primeiro agrupado de acordo com os contextos específicos nos quais eles
situam a agricultura. Agroecologia é definida pela Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como “o estudo da relação entre culturas
agrícolas e meio ambiente.” (OCDE, 2016). Seguindo essa definição, um agroecologista
estuda várias relações da agricultura com a saúde do solo, qualidade da água,
qualidade do ar, meso e microfauna, flora circundantes, toxinas ambientais, e outros
contextos ambientais.
8
A compreensão da ligação entre agricultura e ecologia abrange interações entre
plantas, animais, seres humanos e o ambiente no interior dos sistemas agrícolas.
Consequentemente, a Agroecologia é inerentemente multidisciplinar, incluindo fatores
de agronomia, ecologia, sociologia e economia.

Agroecologia também é definida de forma diferente de acordo com a localização geográfica.


Na América Latina o termo muitas vezes carrega conotações abertamente políticas. Tais
definições políticas do termo geralmente atribuem a ele os objetivos de justiça social
e econômica; atenção especial, neste caso, é muitas vezes dada ao conhecimento da
agricultura tradicional das populações indígenas. Os usos norte-americanos e europeus
do termo, por vezes, evitam a inclusão de tais metas abertamente políticas. Nestes casos,
a Agroecologia é vista mais estritamente como uma disciplina científica com objetivos
sociais menos específicas.

Os sistemas naturais, com a sua estabilidade e resiliência, fornecem o melhor modelo


para atingir a sustentabilidade. Normalmente, os estudos denotam que a agricultura
em larga escala é inadequada.

A Agronomia tem fornecido importantes subsídios para compreender os processos


pelos quais a agricultura se tornou insustentável. Muitos pesquisadores têm apontado o
exaurimento do modelo adotado desde a Revolução Verde. Faz-se também uma crítica
político-econômica da agricultura moderna. Algumas posições podem ser vistas no
sentido de que somente mudanças radicais na economia e na política irão reduzir os
custos negativos da agricultura moderna.

A Agricultura e o sistema alimentar são considerados partes de um complexo


institucional que se relaciona e se integra com outros ramos da ciência. Todas as cadeias
de produção de alimentos integram vários aspectos que isoladamente não distinguem as
necessidades de desenvolvimento ambientalmente correto e socialmente justo. Por isso
a Agroecologia traz uma nova proposta de produção, alimentação e sustentabilidade.

Objetivos
»» Apresentar uma abordagem organizada sistematicamente da
Agroecologia para facilitar a compreensão dos diversos dispositivos que
integram a ecologia interna dos agroecossistemas, seus componentes
sociais e culturais, incluindo nutrição e soberania alimentar, colheita
genótipo-a-ambiente interações incluindo os de variedades de culturas
transgênicas, e os (serviços ecossistêmicos) positivos e negativos
(degradação dos ecossistemas) efeitos dos agroecossistemas no
ambiente maior, especialmente climáticas.
9
»» Apresentar um panorama histórico do surgimento e da evolução da
Agroecologia.

»» Mostrar uma abordagem da situação atual.

»» Relacionar e descrever os ramos da Agroecologia.

»» Trazer algumas perspectivas futuras para a continuidade da sua aplicação.

»» Disponibilizar um caso prático de sucesso na implantação de um sistema


agroecológico.

»» Relacionar aspectos da legislação pertinente ao tema.

»» Abordar a atuação e as oportunidades profissionais na área.

10
HISTÓRIA E
DESENVOLVIMENTO DA Unidade I
AGROECOLOGIA

Capítulo 1
Panorama histórico

O desenvolvimento da agricultura teve um forte impulso quando a população mundial


começou a migrar intensamente de áreas rurais para as cidades industriais que
cresciam com a instalação de fábricas e de comércio. Este movimento substituiu a
produção agrícola e pecuária de subsistência nas propriedades rurais familiares antigas
pela massa de assalariados nas grandes cidades que foram forçadas a urbanizarem-se
rapidamente, dado o rápido aumento populacional.

O gráfico a seguir mostra a intensidade do crescimento populacional mundial ao longo


dos últimos dois mil anos e o seu aumento substancial a partir de 1900, com a melhoria
das condições de saúde, a urbanização e a industrialização, além da previsão até 2100.
Pode-se denotar que a demanda por alimentos também cresceu de forma acelerada,
ocasionando maior pressão sobre o meio ambiente.

Gráfico 1. Crescimento populacional desde o ano 1 d.C. e perspectivas até o ano 2095.

Crescimento da população mundial (em bilhões/ano)

10,00

8,00
Bilhões de pessoas

6,00

4,00

2,00

0,00
1
1000
1500
1600
1700
1750
1800
1850
1900
1950
1955
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2015
2020
2025
2030
2035
2040
2045
2050
2055
2060
2065
2070
2075
2080
2085
2090
2095
2100

Ano

Fonte: adaptado pelo autor (ONU, 2016).

11
UNIDADE I │ HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA

Muitos fatores podem ser apontados como incidentes na explosão demográfica mundial
registrada nos últimos 200 anos. As famílias abandonaram o campo e a própria
produção de alimentos e passaram a comprar aquilo que precisavam para suas refeições
nos centros urbanos. Outro fator é a melhoria da qualidade de vida aliada aos avanços
da medicina.

Como consequência viu-se uma demanda também crescente por alimentos vendidos
nas cidades recém-industrializadas. A produção de alimentos e bebidas deixou o caráter
artesanal e de pequena produção para ser industrializada e produzida em grande escala
com a especialização do seu comércio, panificadoras, açougues, restaurantes etc.

De uma forma simplificada, o gráfico a seguir representa a teoria preconizada pelo


economista inglês Thomas Robert Malthus, no final do século XVIII. De acordo com esta
teoria, a população mundial cresce em progressão geométrica, enquanto a produção de
alimentos em progressão aritmética. Desta forma em algum momento da humanidade
não haveria alimentos para toda a população. Esta teoria não foi comprovada, até
o momento.

Gráfico 2. Relação entre população e produção de alimentos da teoria Malthusiana.

Fonte: Geografia opinativa, 2016.

A história retrata com precisão as mudanças sociais e econômicas ocorridas neste


período, aproximadamente entre 1850 e 1900, principalmente na Europa e América do
Norte.

Este modelo industrial de trabalho assalariado foi consolidado após a abolição dos
regimes de escravidão até então praticados. As fábricas, o comércio e próprio governo
necessitavam cada vez mais de mão de obra.

12
HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA │ UNIDADE I

Já no início do século XX (1900 -...) podia-se comprar não apenas aqueles produtos
típicos de propriedades rurais (carne, temperos, trigo, leite, verduras e frutas) como
também produtos industrializados (pães, biscoitos, salsichas, iogurtes, doces). A
indústria alimentícia produzia novos alimentos e novas formas de consumi-los. As
roupas eram confeccionadas de forma padronizada e estavam disponíveis para venda
nas grandes ruas de comércio, pois as famílias de migrantes não plantavam mais o
algodão e nem usavam o tear para as peças individuais.

O início do século XX foi marcado pela prosperidade. O dinamismo da economia


movia mercadorias para outras cidades por ferrovias e até outros países por navios. A
geração de riqueza pela indústria e comércio fez surgir grandes indústrias e criou novas
profissões.

A farta disponibilidade e diversidade de alimentos industrializados contrastava com


os primeiros problemas da urbanização acelerada: os horários a serem cumpridos, o
tráfego de veículos, as habitações sem saneamento básico, a inflação dos preços e a
criminalidade. Estava estabelecido o estilo de vida urbano, embora a maior parte da
população ainda se encontrava no campo.

O desenvolvimento da ciência foi o grande motor de sustentação do crescimento. Via-se


pesquisa, desenvolvimento e inovação em todas as áreas do conhecimento. Não apenas
conhecimentos industriais como também sociais e políticos em decorrência dos
problemas da urbanização citados anteriormente. As duas grandes guerras mundiais
foram o ápice dos conflitos e levaram países a disputarem territórios que trariam,
segundo os tiranos, mais riqueza para sua nação.

Este modelo de desenvolvimento deu sinais de saturação pouco antes dos anos 1950
e após a II Guerra Mundial (1939-1945) deu-se início à novas formas de produção,
comércio e alimentação.

No campo, a Revolução Verde cumpria seu papel de produzir mais alimentos para
mais pessoas, mas cobrava seu preço: os primeiros sinais de poluição, intoxicação e
desequilíbrio ambiental foram aparecendo.

Surgiram vários movimentos sociais organizados para contrapor os malefícios que


eram trazidos com a modernização e o progresso. Protestos nas ruas e principalmente
grupos e associações eram formados por pessoas que compartilhavam o mesmo ideal e
respeito ao ser humano, aos animais e à natureza.

13
Capítulo 2
Surgimento

A prática de uma agricultura baseada em princípios ecológicos se desenvolveu em várias


partes do mundo a partir do início do século XX e recebeu diversas denominações,
conforme a região ou os princípios aos quais se reportava, mais conhecidas globalmente
sob a denominação de “Agricultura Orgânica”, já com um olhar crítico sobre os caminhos
e as consequências de uma agricultura baseada e muito dependente da industrialização
crescente do Pós-Guerra, da “modernização” pela Revolução Verde (HAMERSCHMIDT
et al., 2005).

A palavra Agroecologia foi utilizada pela primeira vez em 1928, em estudo de descrição
das características de variedades de milho pelo agrônomo russo Basil Bensin (WEZEL
et al., 2009).

Ele usou esse termo para indicar a aplicação da ecologia à agricultura. No mesmo período,
outros autores publicaram documentos ou livros que tratavam com os fundamentos da
Agroecologia, mas sem mencionar a palavra.

Vários pesquisadores adotaram o termo desde então e desenvolveram trabalhos ao


redor do mundo nas décadas seguintes. Exemplos são Klages (1928), um engenheiro
agrônomo dos EUA interessado no cultivo de plantas usando uma base fisiológica, e
Azzi, um cientista italiano que publicou em 1928 um livro sobre “Ecologia Agrícola”,
que estabeleceu a fundação de sua obra posterior (AZZI, 1942; 1956). O último livro, em
particular, concentrado sobre os aspectos ambientais, como clima, solo, desenvolvimento
e crescimento das plantas cultivadas. Ambos os cientistas, embora não utilizando o
termo Agroecologia, podem ser considerados os pioneiros da disciplina.

Entre os anos 1930 e 1960, diferentes outros trabalhos foram publicados e a expressão
Agroecologia foi explicitamente utilizada. A partir da década de 1970, também como uma
resposta à Revolução Verde e à consequente intensificação e especialização da agricultura,
houve um crescente interesse pela ecologia aplicada à agricultura. Foi neste período que
brotou o conceito de agroecossistemas, como ecossistemas aplicáveis e consolidados.

A partir dos anos 1980, Altieri (1989), e mais tarde Gliessman (1997), começaram a
definir Agroecologia com uma abordagem para proteger os recursos naturais e para
projetar e gerenciar de forma sustentável, os agroecossistemas. Gradualmente a
Agroecologia começou a contribuir para o conceito da sustentabilidade aplicada à
agricultura. Neste período, o tema biodiversidade surgiu juntamente com publicações
relacionadas.

14
HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA │ UNIDADE I

No decorrer do século XX, o significado da Agroecologia como uma disciplina científica


evoluiu e sua identidade também mudou. A partir dos anos 1990, tornou-se também um
movimento e uma prática. Neste período, o termo começou a ser utilizado para definir
uma nova maneira de considerar a agricultura e suas relações com a sociedade, ou seja,
um movimento. Ao mesmo tempo Agroecologia foi reconhecida como um conjunto
de práticas que visavam desenvolver uma agricultura respeitadora do meio ambiente
e sustentável em longo prazo, como uma alternativa à alta demanda por insumos da
agricultura convencional.

Atualmente a Agroecologia compreende um sistema com vários métodos e enfoques


diferentes, como mostrados abaixo e definidos em seguida.

Figura 1. Métodos de agricultura alternativa.

Fonte: Planeta orgânico, 2016.

a. Agricultura orgânica: é um processo produtivo comprometido com a


organicidade e sanidade da produção de alimentos vivos para garantir a
saúde dos seres humanos, razão pela qual usa e desenvolve tecnologias
apropriadas à realidade local de solo, topografia, clima, água, radiações e
biodiversidade própria de cada contexto, mantendo a harmonia de todos
esses elementos entre si e com os seres humanos (AAO, 2016).1

b. Agricultura biológica: nome dado para a Agricultura Orgânica em


Portugal.

c. Agricultura biodinâmica: desenvolvida pelo filósofo austríaco Rudolf


Steiner (1861-1925) que propõe uma forma livre e responsável de pensar, de
perceber a realidade e de atuar, observando e respeitando o ser humano e a
realidade na qual está inserido. Steiner, fundador da Antroposofia, colocou,

1 Definição segundo a Associação de Agricultura Orgânica (AAO). Disponível em: <http://aao.org.br/aao/agricultura-organica.


php>. Acesso em: 6 de out. 2016.

15
UNIDADE I │ HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA

em 1924, a pedra fundamental espiritual do Movimento Biodinâmico, em


forma de um ciclo de 8 palestras para agricultores (IRS, 2016).2

d. Agricultura natural: o método da Agricultura Natural foi idealizado por


Mokiti Okada (Japão,1882-1955), como alternativa para os problemas
decorrentes da prática da agricultura convencional, na década de 1930
(KORIN, 2016).3 Ao analisar o método agrícola convencional, Mokiti
Okada manifestou uma profunda preocupação com o emprego excessivo
de agroquímicos no solo. Observador dos princípios da natureza, criou
o método da Agricultura Natural para resgatar a pureza do solo e dos
alimentos, preservar a diversidade e o equilíbrio biológico e contribuir
para a elevação da qualidade da vida humana

e. Permacultura: segundo o grupo de estudos da Universidade Federal de


Santa Catarina (UFSC), é um sistema de planejamento para a criação
de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio com
a natureza. Surgiu da expressão em inglês “Permanent Agriculture”
criada por Bill Mollison e David Holmgren na década de 1970. Propõe
uma “cultura permanente”, ou seja, que visa a nossa permanência neste
planeta em harmonia com a natureza (UFSC, 2016).4

f. Agricultura sintrópica: é um sistema que já existe há bastante tempo onde


agricultores que desenvolvem a técnica não precisam usar agrotóxicos ou
adubo, já que a própria natureza oferece os insumos para a produção. É
baseado no cultivo dentro da floresta e em matas nativas ou recuperadas.
Seu principal expoente é o pesquisador suíço, residente no Brasil, Ernst
Götsch.

Devido às diversas nomenclaturas e formas de agricultura não industrial convém


chamar estes métodos de produção ecologicamente responsáveis como Agroecologia de
forma a sintetizar os conceitos, princípios e sistemas de produção agrícola alternativa
ao método convencional (agroquímico).

O enfoque nos primeiros anos de popularização dos sistemas de produção da


agricultura não industrial, trouxe intenso debate na Europa entre representantes das
indústrias de insumos agrícolas e ativistas dos movimentos de agricultura alternativa.
Os representantes da agricultura convencional argumentavam que essas denominações
eram incorretas, pois, mesmo com o uso dos insumos industriais, os processos biológicos
e os processos orgânicos não deixavam de acontecer.

2 Compilado do conteúdo disponível em: <http://institutorudolfsteiner.org.br>. Acesso em: 6 de out. 2016.


3 Segundo informações de divulgação em: <http://www.korin.com.br/empresa/agricultura-natural/>.
4 Disponível em: <http://permacultura.ufsc.br/o-que-e-permacultura/>.

16
HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA │ UNIDADE I

A Agroecologia é uma ciência emergente, orientada por uma nova base epistemológica
e metodológica de práticas agrícolas. É um campo de conhecimento transdisciplinar
que recebe influência do Direito, das ciências agrárias, sociais e ambientais (Ecologia).
E como ciência interdisciplinar é regida por princípios comuns a outras áreas.

Segundo Caporal (2004), como resultado da aplicação dos princípios da Agroecologia,


pode-se alcançar estilos de agriculturas de base ecológica e assim, obter produtos de
qualidade biológica superior. Mas, para respeitar os princípios, esta agricultura deve
atender requisitos sociais, considerar aspectos culturais, preservar recursos ambientais,
considerar a participação política e o empoderamento dos seus atores, além de permitir
a obtenção de resultados econômicos favoráveis ao conjunto da sociedade, com uma
perspectiva temporal de longo prazo, ou seja, uma agricultura sustentável.

Os agroecologistas são praticantes de algum tipo de agricultura alternativa. Eles podem


ser os agricultores, extensionistas rurais, funcionários de ONGs e do governo e políticos
internacionais que trabalham com agricultura. Os atores da Agroecologia têm um
espectro amplo de conhecimentos, da agricultura para a análise de políticas, de práticas
de cultivo no campo e de modelagem dinâmica de pragas de plantas, não apenas saberes
empíricos como também provados cientificamente.

A agricultura sustentável, sob o ponto de vista agroecológico, é aquela que tendo como
base uma compreensão holística dos agroecossistemas, seja capaz de atender, de
maneira integrada, aos seguintes critérios:

»» baixa dependência de insumos comerciais;

»» uso de recursos renováveis localmente acessíveis;

»» utilização dos impactos benéficos ou benignos do meio ambiente local;

»» aceitação e/ou tolerância das condições locais, antes que a dependência


da intensa alteração ou tentativa de controle sobre o meio ambiente;

»» manutenção em longo prazo da capacidade produtiva;

»» preservação da diversidade biológica e cultural;

»» utilização do conhecimento e da cultura da população local;

»» produção de mercadorias para o consumo interno e para a exportação.

17
Capítulo 3
A consolidação como um sistema

O desenvolvimento rural sustentável é o pressuposto para a construção de uma


sociedade mais equilibrada, que busca utilizar pré-requisitos básicos para alcançar
a sustentabilidade, apoiando-se, principalmente, na participação política dos atores
envolvidos, permitindo a obtenção de ganhos econômicos, levando em consideração
a qualidade de vida da geração presente e das gerações futuras. Nessa perspectiva, a
participação da sociedade civil em Conselhos de Comunitários de Desenvolvimento
contribui para a busca de uma sociedade mais justa e equilibrada, e se efetivamente
constituídos, poderão imprimir novo formato às políticas sociais, estabelecendo nova
relação entre Estado e sociedade civil.

A proposta da Agroecologia se concretiza em um contexto de totalidade da sua aplicação.


Portanto, incentivar o desenvolvimento de práticas isoladas pode tornar a perspectiva
agroecológica incompleta num contexto espacial e temporal, transformando o
desenvolvimento rural em proposta insustentável em longo prazo.

Essa perspectiva holística da Agroecologia induz à redescoberta do local como espaço


decisório e de mobilização da sociedade. Para melhor compreensão do conceito de
local, deve estar clara a concepção de território como fração de espaço, de uso comum
ou familiar, regulado política e administrativamente por normas próprias e acordadas.

Nesse sentido, o local é o espaço socialmente construído, com base territorial definida
(segundo critérios geoeconômicos, geopolíticos e geoambientais) para a criação e
formação de identidades territoriais.

Como defensores de alimentos orgânicos, agroecologistas podem assumir diversas


identidades ao longo do tempo e da região. A história e evolução da agroecologia remonta
a pelo menos a década de 1930, em termos de reconhecimento científico ocidental. Wezel
et al. (2009) traça linhagens distintas da agroecologia com emergências separadas
de “ciência” na Alemanha, “prática” na França, e “movimento” que ocorre ao lado de
ciência e prática, tanto nos EUA quanto no Brasil, embora com ênfases diferentes (mais
ciência nos EUA, mais prática e movimento no Brasil).

A Agroecologia possui dimensões que preconizam os seus princípios. Tais dimensões


aplicam-se a vários pressupostos de integração entre homem e seu ambiente.

»» Dimensão ecológica: manutenção e recuperação da base de recursos


naturais. Constitui o aspecto central para se atingirem patamares crescentes
18
HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA │ UNIDADE I

de sustentabilidade em qualquer agroecossistema. Há necessidade de


abordagem holística e de enfoque sistêmico, dando tratamento integral a
todos os elementos do agroecossistema que venham a ser impactados pela
ação humana. Enfim, uma noção de preservação e conservação da base
dos recursos naturais como condição essencial para a continuidade dos
processos de reprodução socioeconômica e cultural da sociedade em geral
e da produção agropecuária em particular, numa perspectiva que considere
tanto as atuais como as futuras gerações.

»» Dimensão social: representa, precisamente, um dos pilares básicos


da sustentabilidade. A busca por melhores níveis de qualidade de vida
mediante a produção e o consumo de alimentos com qualidade biológica
superior, eliminando o uso de insumos tóxicos no processo produtivo
agrícola, através de novas combinações tecnológicas, sociais e éticas.
Dessa forma, originando novas formas de relacionamento da sociedade
com o meio ambiente, estabelecendo conexão entre a dimensão social e a
ecológica, sem prejuízo da dimensão econômica.

»» Dimensão econômica: a sustentabilidade de um agroecossistema também


supõe a necessidade de se obterem balanços agroenergéticos positivos,
compatibilizando a relação entre produção agropecuária e consumo
de energias não renováveis. De acordo com a Economia Ecológica,
a sustentabilidade pode ser expressada pela preservação da base de
recursos naturais que são fundamentais para as gerações futuras.

»» Dimensão cultural: deve-se considerar a necessidade de que as


intervenções respeitem a cultura local. Os saberes, os conhecimentos
e os valores locais das populações rurais precisam ser analisados,
compreendidos e utilizados como ponto de partida dos processos de
desenvolvimento rural que, por sua vez, devem espelhar a “identidade
cultural” das pessoas que vivem e trabalham em dado agroecossistema.
Nesse sentido, a agricultura precisa ser entendida como atividade
econômica e sociocultural, como prática social realizada por sujeitos que
se caracterizam pela forma particular de relacionamento com o meio
ambiente.

»» Dimensão política: o desenvolvimento rural sustentável deve ser concebido


a partir das concepções culturais e políticas próprias dos grupos sociais.
Deve considerar o diálogo e a integração com a sociedade maior, por meio
de representação em espaços comunitários ou em conselhos políticos e
profissionais, numa lógica que considere aquelas dimensões de primeiro
nível como integradoras das formas de exploração e manejo sustentável

19
UNIDADE I │ HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA

dos agroecossistemas. Assim, deve-se privilegiar o estabelecimento de


plataformas de negociação nas quais os atores locais possam expressar
seus interesses e necessidades em igualdade com outros atores envolvidos,
assegurando o resgate da autoestima e o pleno exercício da cidadania.

»» Dimensão ética: relaciona-se diretamente com a solidariedade entre


gerações e com novas responsabilidades dos indivíduos em relação à
preservação do meio ambiente. Dessa forma, exige pensar e tornar viável
a adoção de novos valores, não necessariamente homogêneos. A dimensão
ética da sustentabilidade requer o fortalecimento de princípios e valores
que expressem a solidariedade sincrônica (entre as gerações atuais) e a
solidariedade diacrônica (entre as atuais e futuras gerações).

Essas dimensões básicas da sustentabilidade são elementos importantes para a


identificação dos passos que venham a auxiliar o processo de construção de estilos
de agricultura sustentável sob o enfoque agroecológico. A multidisciplinaridade
da agricultura sustentável leva ao conhecimento agregado que promove um ciclo
dinâmico de interações e perspectivas em contínuo desenvolvimento.

É possível perceber uma linha com ações na qual se deve percorrer para se obter o
sucesso na implantação ou transição para um sistema. A figura a seguir apresenta esta
linha desenvolvimento.

Figura 2. Ciclo construtivo da Agroecologia.

Fonte: CRPBZ, 2016.

20
HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA │ UNIDADE I

No início do século XXI, os princípios da agricultura orgânica foram discutidos por dois
anos e revistos pela Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica
(IFOAM), sendo aprovados em Assembleia Geral em 2005. O documento foi traduzido
e está disponível no site oficial da IFOAM em 12 idiomas, mas não em português.
O documento enfatiza que os princípios são as raízes pelas quais a agricultura orgânica
deve crescer e se desenvolver.

Dentre as oito áreas temáticas consideradas importantes para a construção de plataforma


capaz de promover a identidade dos movimentos orgânicos, quatro foram descritas
como princípios universais que guiam o desenvolvimento da agricultura orgânica:
saúde, ecologia, equidade e precaução.

Saúde
O papel da agricultura orgânica deve ser o de sustentar e aumentar a saúde do solo,
das plantas, dos animais, do homem e do planeta, seja por meio do manejo do solo,
do processamento dos alimentos, da distribuição ou do consumo. Entende-se que
somente em solo saudável é possível produzir alimentos que vão sustentar animais e
pessoas de forma saudável, influenciando a saúde das comunidades que, por sua vez,
não pode ser separada da saúde do ecossistema no qual se inserem. Assim, quaisquer
substâncias, sejam adubos químicos, agrotóxicos, drogas veterinárias e aditivos para o
processamento dos alimentos, que possam, de alguma forma, ter efeito adverso à saúde
das pessoas, dos animais, das plantas ou do ecossistema devem ser evitadas.

Ecologia

A agricultura orgânica deve assentar-se nos ciclos biológicos, harmonizando e sustentando


os sistemas ecológicos. Assim, a produção deve basear-se nos processos ecológicos e
na reciclagem. As culturas, as criações e o extrativismo devem ajustar-se aos ciclos e
balanços ecológicos da natureza. O manejo orgânico deve ser adaptado às condições
locais, à ecologia da região, às tradições e cultura locais. Os insumos externos devem
ser reduzidos através da reutilização, da reciclagem e do manejo eficiente dos recursos
naturais, inclusive da energia, para que seja possível conservar esses recursos. A caça
e a coleta devem observar um plano de manejo que não prejudique a sobrevivência
da espécie.

O balanço ecológico deve ser obtido por meio do desenho de sistemas de produção e do
manejo da diversidade genética, tanto das plantas cultivadas como da cobertura vegetal
em geral. Todos que participam da produção orgânica, como produtores, processadores,

21
UNIDADE I │ HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA

distribuidores e consumidores, devem proteger o ambiente, incluindo a paisagem, o


clima, a biodiversidade, o ar e a água, mas também os homens e os animais.

Equidade

A agricultura orgânica deve basear-se em relações que garantam oportunidade de vida para
todos e assegurem equidade em relação ao bem comum. A equidade é caracterizada pela
igualdade, respeito, justiça e gestão responsável do mundo compartilhado, tanto entre os
seres humanos como nas relações com os outros seres vivos. Assim, todos os envolvidos
com a agricultura orgânica, sejam produtores, trabalhadores rurais, processadores,
distribuidores, comerciantes e consumidores, devem conduzir as relações humanas sociais
de modo a assegurar qualidade de vida e justiça a todos os envolvidos. A agricultura
orgânica deve ter como objetivo produzir alimentos de qualidade em quantidade suficiente
para contribuir para a redução da pobreza e para fortalecer a segurança alimentar.

Esse princípio enfatiza que se deve proporcionar aos animais de criação condições de
vida que estejam de acordo com a sua característica, seu comportamento natural e
bem-estar. Além disso, os recursos naturais e ambientais devem ser usados na produção
orgânica de forma ecologicamente sustentável e socialmente justa, devendo manter-se
como legado para as gerações futuras. A equidade requer que os sistemas de produção,
distribuição e mercado sejam justos e levem em conta os verdadeiros custos ambientais
e sociais da produção.

Precaução

A agricultura orgânica deve ser planejada e desenvolvida de forma responsável e cuidadosa,


de modo a proteger a saúde e o bem-estar das pessoas e das gerações futuras, bem como
a qualidade do ambiente. Assim, deve procurar aumentar a eficiência e a produtividade
sem colocar em risco a sustentabilidade dos agroecossistemas. O entendimento dos
ecossistemas e agroecossistemas é ainda incompleto, devendo-se, portanto, tomar todo
o cuidado.

Precaução e responsabilidade devem permear as tomadas de decisão e as escolhas de


tecnologias. As decisões devem refletir os valores e necessidades de todos que possam
ser afetados, por meio de processo transparente e participativo. Os riscos devem
ser evitados pela adoção de tecnologias apropriadas e pela rejeição de tecnologias
imprevisíveis, como a engenharia genética.

Atualmente, as normas da agricultura orgânica em vigor no comércio internacional


dão ênfase às qualidades agronômicas e zootécnicas, deixando de valorizar outras

22
HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA │ UNIDADE I

qualidades que guardam forte apelo junto aos consumidores dos produtos orgânicos
e “verdes”.

Destacar essas e outras qualidades não implica negligenciar o que a ciência ensina a
respeito da saúde, do ambiente ou sobre os riscos de segurança alimentar. Implica apenas
reconhecer que as normas, mesmo as reguladoras na área da saúde e da segurança,
têm dimensões normativas que não podem ser decididas somente em bases científicas.
Procedimentos justos para integrar a ciência às normas culturais e morais devem ser
adotados. Cientistas e negociadores (comerciantes e políticos) têm demonstrado, até
agora, insensibilidade para a natureza problemática da tomada de decisões de regulação
em qualquer uma das últimas dimensões citadas. Harmonizar normas internacionais
implica negociar culturas e visões de mundo no seu senso mais fundamental.

Os sistemas agroalimentares

Uma das definições mais completas da Agroecologia hoje é a “ecologia dos sistemas
agroalimentares”. Ele tem o objetivo explícito de transformar sistemas alimentares
para a sustentabilidade, de tal modo que exista um equilíbrio entre solidez ecológica,
econômica viabilidade e da justiça social. No entanto, para alcançar esta transformação,
a mudança é necessária em todas as partes do sistema de alimentação, ou seja, nas
cadeias produtivas, a partir da semente até a mesa dos consumidores. O envolvimento
deve ser por quem produz, quem distribui e quem consome; todos devem ser conectados
em um movimento social que homenageia a profunda relação entre o meio ambiente, os
alimentos e as pessoas. Nossa realidade globalizada atual oferece com muita facilidade,
o sistema de alimentos industrializados não fornece evidências convincentes de que é
sustentável em qualquer um dos três aspectos da sustentabilidade (econômica, social
ou ambiental).

A profunda compreensão do que vem a ser uma visão holística e ecológica dos sistemas
agroalimentares pode desencadear a mudança necessária para restaurar a sustentabilidade
nos sistemas alimentares nas diversas regiões produtoras.

Os agricultores têm a reputação de serem inovadores e experimentadores, adotando


voluntariamente novas práticas quando percebem que algum benefício será adquirido,
ainda mantendo os que provaram ao longo do tempo. Isto é especialmente verdadeiro
para os pequenos agricultores ao redor do mundo. Mas ao longo dos últimos 50-60
anos, a inovação na agricultura tem sido impulsionada principalmente por um excesso
de ênfase em altos rendimentos e lucros na fazenda com uma visão de curto prazo,
resultando em retornos notáveis para alguns, mas muitas vezes à custa de uma série de
efeitos colaterais ambientais e sociais negativos.

23
UNIDADE I │ HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DA AGROECOLOGIA

Apesar da continuação de uma forte pressão para concentrar-se nos retornos econômicos,
muitos agricultores estão dispostos a optar por fazer a transição para práticas que
preservem os recursos naturais e têm o potencial de contribuir para a sustentabilidade
a longo prazo para a agricultura. Estes produtores rurais estão usando princípios
agroecológicos para fortalecer o conhecimento local, a experiência e as redes na
agricultura que se acumularam ao longo dos séculos. Todos estes tipos de esforços
representam a “transição” ou “transformação” da agricultura em sentido amplo.

A transição para uma gestão baseada na ecologia está fundamentada nos princípios
da Agroecologia. Estes princípios podem entrar em jogo inicialmente no processo real
de mudar a forma como o alimento é cultivado. Agricultores que se dedicam ao processo de
transição sabem, através da intuição, experiência e conhecimento, o que é insustentável
e o que é, no mínimo, mais sustentável.

24
O sistema Unidade II
agroecológico atual

Capítulo 1
Agroecologia na atualidade

A Agroecologia, ainda hoje, é considerada um campo de estudo novo que analisa os


agroecossistemas, integrando conhecimentos da agronomia, ecologia, economia,
sociologia, entre outros.

Há aqueles que defendem a Agroecologia, não como uma disciplina, e sim sob um
enfoque transdisciplinar, considerando a atividade agrária desde uma perspectiva
ecológica com teoria e metodologia que utiliza várias disciplinas científicas, construindo
uma vinculação essencial existente entre o solo, a planta, o animal e o ser humano.

Atualmente a Agroecologia é caracterizada principalmente como um movimento


sociopolítico, de empoderamento do agricultor em busca de sua identidade e raízes
culturais. Ela é um mecanismo que oferece ao agricultor autonomia, poder de decisão
e participação ativa no processo produtivo. Tudo isso acaba por favorecer o local como
foco de ação.

No mundo
A institucionalização da agricultura orgânica no mundo teve início em 1972, com a
criação da Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM)
e a publicação de suas primeiras normas em 1978. As normas privativas da IFOAM
serviram de referência para a comercialização dos produtos orgânicos no mundo até
a década de 1990 e para o estabelecimento de outras normas locais e regulamentos
técnicos em diferentes países.

A França foi o primeiro país a regulamentar, ainda nos anos 1980. No início da década
de 1990, foram criados os regulamentos técnicos para a produção orgânica de origem
vegetal da Comunidade Econômica Europeia, à época o maior mercado de orgânicos.
25
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

No final da década, o Codex Alimentarius5 estabeleceu diretrizes para a produção


orgânica de origem vegetal e em 2001, editou diretrizes para a produção animal.
O Codex é a norma internacional que serve de referência para as negociações comerciais
de alimentos nos acordos de barreiras técnicas ao comércio e medidas sanitárias e
fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para os não alimentos
(têxteis e cosméticos) devem ser usadas as normas da IFOAM.

Essas normas internacionais de referência são baseadas nas realidades, práticas


e contextos específicos dos países de clima temperado e dos países de alta renda.
Hoje existem mais de 80 países com alguma regulamentação da agricultura orgânica
em algum estágio (implantadas ou em discussão). A pouca flexibilização das normas
internacionais está refletida nos regulamentos técnicos nacionais, praticamente cópia
das normas internacionais e regionais, que dificultam o comércio internacional de
produtos da agricultura orgânica e também o desenvolvimento dos mercados locais em
países de baixa renda da América Latina e Caribe e da Ásia.

O estabelecimento em 2003, da Força Tarefa Internacional – FAO6/UNCTAD7/IFOAM


para harmonização e equivalência das normas na agricultura orgânica mostra a
necessidade de flexibilizar e buscar acordos de reconhecimento mútuo, embora
respeitando as diversidades os diferentes países. Essa flexibilização deve começar pela
busca da equivalência de objetivos regulamentares comuns na condução dos sistemas de
garantia das qualidades orgânicas dos países cujos resultados são iguais, para satisfazer
às necessidades de inocuidade e qualidade, bem como o imaginário dos consumidores e
das autoridades competentes. A harmonização virá como consequência das negociações
de diretrizes internacionais menos específicas e mais evolutivas.

Há tendência de inclusão e aceitação dos sistemas participativos de garantia (SPG)


em oito legislações dos países de baixa renda na América Latina e Caribe, na Índia
e na Espanha. O reconhecimento dos SPG pela FAO, em sua 30ª Reunião Regional,
que ocorreu em abril de 2008, em Brasília-DF, demonstra que esses mecanismos de
avaliação da conformidade são adequados aos mercados internos e externos.

5 O Codex Alimentarius é uma coletânea de padrões reconhecidos internacionalmente, códigos de conduta, orientações e outras
recomendações relativas a alimentos, produção de alimentos e segurança alimentar. Disponível em: <http://www.fao.org/fao-
who-codexalimentarius/en/>.
6 A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla do inglês Food and Agriculture Organization)
é uma organização das Nações Unidas cujo objetivo é aumentar a capacidade da comunidade internacional para de forma eficaz
e coordenada, promover o suporte adequado e sustentável para a segurança alimentar e nutrição global. Sítio: <http://www.
fao.org/brasil/pt/>.
7 A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) foi estabelecida em 1964, em Genebra, Suíça,
atendendo às reclamações dos países subdesenvolvidos, que entendiam que as negociações realizadas não abordavam os
produtos por eles exportados, os produtos primários. Sítio: <http://unctad.org/en/Pages/Home.aspx>.

26
Capítulo 2
O sistema de produção agropecuária
ecológica no Brasil

No Brasil, a Agroecologia tem alcançado resultados significativos em algumas regiões.


Isso acontece quando são desenvolvidos, simultaneamente e de forma integrada, aspectos
sociais, culturais, econômicos e ambientais, principalmente junto aos agricultores
familiares e às comunidades advindas de classes populares.

A rica biodiversidade dos sistemas de produção, a pluriatividade e as formas de


organização e acesso a mercados próprios, relacionados com os fatores socioeconômicos,
ambientais e culturais e sua capacidade de garantir, em grande medida, a segurança
alimentar e nutricional de nossa população, são características marcantes da agricultura
orgânica e de base agroecológica brasileira.

Nas últimas décadas, tivemos importantes avanços no campo do conhecimento


agroecológico e orgânico, integrando os saberes tradicionais dos agricultores,
assentados da reforma agrária, e dos povos e comunidades tradicionais com o científico,
refletindo em diversas iniciativas de políticas públicas em setores do ensino superior e
profissionalizante, no direcionamento da pesquisa e nos métodos e metodologias da
extensão rural, bem como na ampliação das técnicas e tecnologias de suporte à transição
agroecológica. Entretanto, diversos desafios ainda se apresentam para diminuir as
fragilidades e garantir a sustentabilidade desses sistemas de produção.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em atenção a políticas de Agroecologia


criou o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo).

O Planapo (BRASIL, 2016) busca integrar suas ações com o Plano Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional, o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e o
Plano Nacional de Direitos Humanos, assim como o Código Florestal, o Plano de Ação
Nacional de Combate à Desertificação e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, a
partir de processo de convivência, mitigação e adaptação, diminuindo a vulnerabilidade
dos agricultores que se encontram em situação de fragilidade econômica e social
no campo.

No campo produtivo, o Plano avança ao propor mecanismos capazes de atender à


demanda por tecnologias ambientalmente apropriadas, compatíveis com os distintos
sistemas culturais e com as dimensões econômicas, sociais, políticas e éticas no
campo do desenvolvimento agrícola e rural. Ao mesmo tempo, apresenta alternativas

27
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

que buscam assegurar melhores condições de saúde e de qualidade de vida para a


população rural.

Nesse sentido, o Planapo, orientado pelas diretrizes estabelecidas no referido Decreto


estabeleceu os seguintes macro desafios:

»» ampliação do número de agricultores/as e produtores/as envolvidos/as


com a produção orgânica e de base agroecológica;

»» incentivo ao registro, à produção e à distribuição de insumos adequados


à produção orgânica e de base agroecológica;

»» fomento à conservação, ao manejo e ao uso sustentável dos recursos naturais;

»» contribuição para a organização de agricultores e agricultoras em


cooperativas e redes solidárias, a ampliação das compras e subvenções e
o número de pontos de venda de produtos;

»» ampliação da utilização de crédito e outras formas de financiamento e


fomento para o custeio e implantação de infraestruturas produtivas e
comerciais;

»» inclusão e incentivo à abordagem da Agroecologia e de sistemas de


produção orgânica nos diferentes níveis e modalidades de educação e
ensino, bem como no contexto das práticas e movimentos sociais, do
mundo do trabalho e das manifestações culturais;

»» democratização da agenda de pesquisa e sua integração com a extensão,


de modo a socializar o conhecimento agroecológico para técnicos/as,
agricultores/as e produtores/as;

»» estímulo à agroindustrialização e a outras formas de agregação de valor


aos produtos orgânicos e de base agroecológica;

»» ampliação do acesso de consumidores a informações e ao consumo de


produtos orgânicos e de base agroecológica;

»» reconhecimento e fortalecimento do protagonismo dos/as jovens e das


mulheres rurais na agroecologia e produção orgânica;

»» fortalecimento do papel das redes na articulação dos atores e na dinamização


de ações relacionadas à produção orgânica e de base agroecológica.

Mais informações sobre o programa: <https://www.mda.gov.br/sitemda/sites/


sitemda/files/user_img_19/BrasilAgroecologico_Baixar.pdf>.

28
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

Figura 3. Logotipo do Planapo.

Fonte: Brasil, 2016.

A Agroecologia como um todo, e neste caso na política pública brasileira deve ser encarada
enquanto ciência, de maneira que ela se posicione em condições de contribuir para
a melhoria da qualidade de vida das pessoas e para a transformação da agricultura
brasileira. Assim, pode-se estabelecer medidas para o seu fortalecimento:

»» fortalecer a luta pela terra, de maneira que a reforma agrária seja o


instrumento capaz de superar o latifúndio, a exploração do homem pelo
homem e a produção de alimentos saudáveis para a população rural e
urbana;

»» articular e ampliar o número de instituições de ensino superior para a


formação de agroecólogos em nível de graduação e pós-graduação, em
todo o território nacional;

»» manter a articulação junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário


(MDA) de maneira que as políticas para a agricultura familiar e de base
agroecológica sejam reforçadas e aprimoradas;

»» criar e fortalecer programas governamentais que reforcem o papel da


Agroecologia no processo da agricultura brasileira;

»» estimular a organização dos agricultores familiares para a produção e


comercialização de produtos agroecológicos;

»» fortalecer o intercâmbio de experiências agroecológicas entre os


agricultores familiares e suas entidades representativas;

»» incentivar o cooperativismo e a solidariedade como instrumentos de


emancipação econômica e social;

»» incentivar a organização dos agricultores familiares para que se fortaleçam


em busca de conquistas que garantam vida digna no campo.

29
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

Produção
Estimativas da área total com produção orgânica no Brasil variam de acordo com a
fonte consultada. Segundo dados da FiBL (Instituto Suíço de Pesquisa em Agricultura
Orgânica) e da IFOAM, publicados em 2015, a área cultivada e as áreas de pastagem
no Brasil totalizavam cerca de 887.637 hectares em 2013. Estima-se a área certificada,
ou sob alguma forma de controle da conformidade com o manejo orgânico, em cerca
de 6,6 milhões de hectares, incluindo as áreas de extrativismo sustentável na região
amazônica. As áreas de agroextrativismo estão concentradas na região Norte e as de
pecuária na região Centro-Oeste.

Estimativas mostram que, em 2008, existiam 32,6 milhões de hectares certificados


como orgânicos no mundo, dos quais 6,4 milhões encontravam-se na América do Sul,
sendo a maior parte de pastagens nativas na Argentina e no Centro-Oeste brasileiro.

Em 2006, os países com o maior número de unidades de produção orgânica certificadas


eram o México (12 mil unidades), a Indonésia (45 mil unidades), a Itália (36 mil
unidades), as Filipinas (35 mil unidades) e Uganda (34 mil unidades). As maiores áreas
com culturas encontravam-se na Europa, seguida dos Estados Unidos (cereais, grãos,
oleaginosas, vegetais flores e plantas medicinais). As áreas com culturas permanentes
(olivas, café, frutas e nozes) representavam 37% na União Europeia, 35% na América
Latina e Caribe e 21% na África. As áreas de pastagens representavam 57% na Oceania,
19% na América Latina e Caribe e 15% na União Europeia (PESAGRO, 2009).

As áreas com produção orgânica certificada eram ocupadas por: cereais (1,295 milhão
de hectares); pastagens e produção de proteína (1,166 milhão de hectares); culturas
permanentes - oliveiras, frutas e nozes (0,555 milhão de hectares); óleo vegetal (0,97
milhão de hectares); uvas (0,95 milhão de hectares); legumes e verduras (0,92 milhão
de hectares).

Em 2006, o Brasil tinha cerca de 19 mil unidades controladas, que afirmavam seguir
as práticas da agricultura orgânica, envolvendo pequenas e grandes unidades de
produção e processamento. Dos projetos controlados, 70 a 80% eram conduzidos
por agricultores familiares e/ou trabalhadores rurais, tanto para atender ao mercado
interno quanto o de exportação. Os projetos conduzidos por agricultores familiares
forneciam castanha (de caju e da Amazônia), frutas, legumes e verduras, café, cacau,
mel, óleos essenciais (cosméticos) e algodão colorido, entre outros produtos, para os
mercados interno e de exportação.

Em 2007, o Projeto Orgânicos Brasil divulgou estudo com o mapeamento da área


brasileira de produção orgânica certificada, de acordo com os dados de quatro

30
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

certificadoras que trabalham no Brasil (IBD, ECOCERT Brasil, IMO Brasil e BCS),
todas acreditadas no mercado internacional. O resultado mostrou que existiam
932.120 hectares de produção orgânica certificada e 6.182.180 hectares de produção
orgânica que inclui a base extrativista. Juntando-se as duas informações, o Brasil
poderia ser considerado o segundo país do mundo em área de agricultura orgânica
controlada. Os produtos de base extrativista no Brasil estão sendo estimulados por
meio das cadeias de produtos da sociobiodiversidade, uma iniciativa coordenada
pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e com apoio da Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB) no estabelecimento dos preços mínimos.

Mercado

O mercado mundial de produtos orgânicos certificados evoluiu com as vendas no varejo,


estimadas em US$ 46 bilhões em 2006, US$ 33 bilhões em 2005, US$ 31,4 bilhões em
2004 e US$ 25 bilhões em 2003 (PESAGRO, 2009).

Há expectativas de que esse mercado cresça 20% ao ano, atingindo US$ 60 bilhões em
2010 e US$ 100 bilhões em 2012. Os maiores mercados para os produtos orgânicos
continuam sendo a União Europeia, os Estados Unidos e o Japão. Os produtos orgânicos
comercializados incluem frutas e legumes frescos, nozes e frutas secas, especiarias, ervas,
vegetais processados, cacau, óleos vegetais, doces, alimentos processados e bebidas
de frutas. Itens não alimentares incluem algodão, óleos essenciais para cosméticos e
flores de corte.

Em 2006, na União Europeia, US$ 17 milhões em vendas estavam concentrados na


Europa Ocidental, com Alemanha, Reino Unido, França e Itália sendo responsáveis por
75% das vendas regionais.

A demanda por esses produtos na Suécia, Dinamarca e Holanda é relevante. Quanto aos
canais de comercialização usados, encontram-se produtos orgânicos em lojas de
conveniência e supermercados específicos, mas também nas grandes redes de varejo.
No Reino Unido, ainda é grande a importação de produtos.

Nos mercados internos dos países de baixa renda, são comercializados os excedentes da
produção para exportação, muitas vezes como produtos convencionais, mas também
frutas, legumes e verduras in natura, produtos de origem animal (leite de vaca e de
cabra, carne de frango e ovos) produzidos nos arredores das grandes cidades e produtos
processados em escala muito pequena. As principais oportunidades brasileiras de
exportação são as frutas tropicais e os legumes e verduras na entressafra dos mercados
importadores, além do algodão colorido naturalmente. Os óleos essenciais e outros

31
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

produtos do agroextrativismo sustentável orgânico também representam boas


oportunidades de mercado.

Embora a produção ocorra no mundo todo, a demanda permanece concentrada nos


países de alta renda. A América do Norte e a União Europeia estão experimentando
a escassez de fornecimento em face de a produção local não atender ao crescimento
da demanda (que foi estimulado por políticas públicas e privadas e pelo medo
quanto à inocuidade dos alimentos depois dos escândalos como o mal da vaca louca).
Nos últimos anos, o crescimento da produção nos países de baixa renda foi de três
dígitos, mas o mercado doméstico não cresceu. Os consumidores dos países de alta
renda são os maiores compradores de alimentos orgânicos. Na realidade, em 2006, seis
países do G7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo) foram responsáveis por 84%
das vendas globais de produtos orgânicos.

No Brasil, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento


(MAPA, em 2003, o mercado nacional era estimado em cerca de US$ 1 milhão, com
crescimento de 20% ao ano. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX),
ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o
Brasil exportou 19,5 mil toneladas de produtos orgânicos de janeiro a dezembro de
2007, gerando divisas da ordem de US$ 12,5 milhões. Em 2008, houve diminuição
de 35% no volume de produtos orgânicos exportados e aumento de 3,70% no valor
total recebido pelas exportações de orgânicos. Esses dados permitem concluir que
houve melhor desempenho, pois, apesar da queda no volume exportado, os produtos
tinham maior valor agregado. Os produtos exportados em maior volume foram a soja
e derivados (76%), açúcar, mangas frescas, café, cacau e derivados. Os sete principais
destinos dos produtos orgânicos brasileiros foram Holanda, Suécia, EUA, Reino Unido,
França, Canadá e Noruega (PESAGRO, 2009)

O mercado internacional absorve 70% da produção brasileira e registra taxa de


crescimento da área duas vezes maior do que a média internacional. De acordo com
a mesma fonte, o Brasil comercializou US$ 250 milhões em 2008. Esses dados são
bem superiores (20 vezes) aos dados oficiais apresentados pela SECEX. O projeto
Organics Brasil, em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e
Investimentos (APEX), envolve 70 empresas associadas (de pequeno e grande porte),
que faturaram US$ 58 milhões em 2008 com a venda de produtos orgânicos. Espera-se
que, com a implantação da regulamentação da agricultura orgânica, os dados oficiais
sejam compatibilizados.

A oferta de produtos orgânicos provém de grandes empreendimentos, mas também


de agricultores familiares organizados, tanto para o mercado externo quanto para o
interno. A Rede Ecovida, no sul do País, que congrega agricultores familiares e pequenos

32
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

empreendimentos, comercializou, em 2003, cerca de US$ 15 milhões em produtos


no mercado interno e externo, dos quais 66% em canais de venda direta (mercados
institucionais, feiras e lojas de consumidores).

Existem parcerias entre a empresa Friboi (maior produtora mundial de carnes bovinas,
com matriz no Brasil) e a WWF (ONG internacional) para estímulo ao desenvolvimento
da produção de carne bovina em sistemas de produção orgânicos.

O maior produtor e maior exportador de açúcar orgânico do mundo é a Usina São


Francisco, em Sertãozinho-SP, que detém mais de 50% da produção mundial de açúcar
orgânico com a marca Native, processada na própria Usina. Esse projeto foi iniciado
em 1996 e, em 2000, cultivava cana em 7.540 ha. O açúcar Native tem certificação
internacional feita pela FVO para o mercado dos Estados Unidos e pela Ecocert para o
mercado da União Europeia. O grupo se envolveu também com a comercialização de
café e suco de laranja orgânico. Em 2008, cerca de 80% do faturamento da empresa
correspondiam à exportação de 60 mil toneladas de açúcar a granel para fabricantes
de alimentos.

O preço médio do café praticado no mercado externo é de U$ 3,50 por kg e, no mercado


interno, o valor médio é de US$ 1 a US$ 2 por kg. A Cia. Orgânica de Café vende 30%
da safra de 1.500 sacas para o Japão, Emirados Árabes e Estados Unidos. O restante
abastece lojas do Grupo Pão de Açúcar, com quatro tipos de café – grão, sachê, solúvel
e em pó – e outros comércios varejistas. A recém-criada “holding” Bem da Terra aposta
no mercado de café gourmet, entre outros produtos, ciente do desafio do crescimento:
ter escala e baixar preço.

Os produtos orgânicos estão presentes nos diversos canais de comercialização


existentes, também explorados pelos produtos convencionais. Em 2004, de 611 canais
de comercialização pesquisados pelo SEBRAE, os supermercados, seguidos das
lojas/distribuidoras, eram os mais procurados na região Sudeste, enquanto na região
Sul os mais procurados eram as feiras e depois os supermercados. Observou-se que, nas
regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, era pequena a comercialização de orgânicos
em todos os canais, representando somente 6% dos canais de venda de produtos
orgânicos. Em 2008, a venda de alimentos isentos de agrotóxicos pelo Grupo Pão de
Açúcar representou faturamento de R$ 40 milhões, com expectativa de que ultrapasse
os R$ 50 milhões até o final de 2009.

A implantação de alternativas (circuitos curtos de distribuição) aos processos


tradicionais de comercialização vigentes (atacado e circuitos longos de distribuição
via grande varejo) é condição para que a agricultura orgânica venha a representar
verdadeira e profunda transformação das condições de vida, de trabalho e de renda

33
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

dos agricultores familiares. Uma dessas iniciativas é a Cooperativa de Consumidores


Ecológicos de Três Cachoeiras – COOPET, no município de Três Cachoeiras, cidade
com cerca de 6 mil habitantes próximo à cidade de Torres-RS, que tem 100 membros.
Lá, uma pequena loja da cooperativa fornece produtos orgânicos à população local que,
antes, só via os produtos passarem embalados nos caminhões para venda nos grandes
centros urbanos.

Outra iniciativa são as cestas de produtos orgânicos para grupos organizados de


consumidores, como funcionários de empresas, grupo de acadêmicos, moradores
de bairros. É o caso da Rede Ecológica, no Rio de Janeiro, que funciona como grupos
organizados de consumidores nos bairros. Em 2007, estavam em dois bairros e, em
2008, já eram oito bairros/localidades na cidade do Rio de Janeiro (Urca, Santa Teresa,
Laranjeiras, Tijuca, Recreio e Freguesia) e cidades vizinhas (Niterói e Seropédica).

Essa rede conta também com a participação de acadêmicos ligados às ciências naturais
e sociais, ligados ao tema da Agroecologia e às relações campo-cidade/rural-urbano.
Outra modalidade de venda direta usada pelos produtores são as cestas em domicílio.
Em 2007, observava-se a tendência de as distribuidoras de produtos orgânicos, com
sede no estado do Rio de Janeiro, estarem diminuindo a oferta aos supermercados e
passando a fornecer ou aumentando o fornecimento das cestas em domicílio.

Na quarta edição da Semana do Alimento Orgânico, que aconteceu em maio de 2008


em todo o país, numa parceria MAPA, MDA e MMA, a CPOrg-RJ distribuiu folheto
divulgando mais de 20 pontos de venda de produtos orgânicos em feiras e lojas de
produtos naturais em oito municípios do estado do Rio de Janeiro: Nova Iguaçu,
Niterói, Campos, Nova Friburgo, Teresópolis, Casimiro de Abreu, Silva Jardim e Rio de
Janeiro. Outros canais de comercialização que estão sendo construídos e estimulados
são os mercados institucionais (merenda escolar, creches, hospitais, restaurantes).

Existem políticas federais, estaduais e municipais de “aquisição dos orgânicos”


estabelecidas a partir de 2003, com enfoque de segurança alimentar, que estimulam
os mercados quanto à consciência dos produtores sobre o uso dos insumos e os
consumidores sobre os benefícios de consumir alimentos orgânicos. Um exemplo
é o PAA, parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e o MAPA,
executado em âmbito estadual pela CONAB, através do qual as compras alcançaram
US$ 7,993 milhões em 2005. Entre 2003 e 2007, por meio de estoques originários da
agricultura familiar, doou 79,8 mil toneladas de produtos (feijão, farinha de mandioca,
arroz em casca e milho em grãos, entre outros), usados em ações de suplementação
alimentar para segmentos carentes da população, assistidos por 3.614 entidades de
interesse público, em 1.514 municípios de 26 estados.

34
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

A CONAB comprava de cada agricultor familiar o valor total de R$ 3.500,00 em


produtos para serem doados a organizações em situação de insegurança alimentar,
pagando prêmio de até 30% no preço dos produtos orgânicos. Esse valor deve subir
para R$ 4.500,00/família para os contratos a serem firmados em 2009 para entrega
em 2010. O programa é justificado por preservar a biodiversidade e a sustentabilidade
ambiental no gerenciamento dos sistemas, mas também promove a agricultura orgânica
controlada pelos seus efeitos benéficos à segurança alimentar com a oferta de produtos
orgânicos a outros segmentos da sociedade.

Apesar de a região Sudeste ter a segunda maior participação no PAA no período 2003-
2007, no Estado do Rio de Janeiro, somente três contratos foram firmados em 2007
com a CONAB/SUREG-RJ para fornecimento ao PAA em 2008. Na esfera municipal,
o PAA é operado diretamente pelas prefeituras, em parceria com o MDS. A prefeitura
de Nova Iguaçu-RJ, por vontade política, adquiriu produtos orgânicos para a merenda
escolar da associação de agricultores familiares que produzem hortaliças orgânicas em
faixas de dutos da Petrobras e contam com apoio técnico do Instituto Terra e recursos
daquela empresa petrolífera.

Em fins de 2008, a Associação dos Produtores Orgânicos de Petrópolis (APOP), que


congrega produtores da comunidade do Brejal, com apoio da Associação de Agricultores
Biológicos (ABIO) e dos Escritórios Locais da EMATER-RIO em Nova Friburgo e em
Petrópolis, firmou contrato com a CONAB/SUREG-RJ para que 10 dos seus membros
entregassem produtos orgânicos ao PAA em 2009, na modalidade –Doação Simultânea,
em parceria com o Banco de Alimentos e Colheita Urbana, responsável pelo transporte dos
alimentos até os beneficiários finais (organizações em situação de insegurança alimentar).

A oferta de produtos da região na merenda, além de estimular a geração de emprego


e renda, favorece a manutenção do hábito alimentar baseado na cultura local. Foi o
que fez a Cooperativa Grande Sertão, em Minas Gerais, com produtos processados do
extrativismo sustentável, com a venda para o PAA e entrega nas merendas escolares e
nos mercados locais. Essas iniciativas contam também com o apoio do programa da
Secretaria de Desenvolvimento do Território do MDA e com cooperação internacional
(movimento Slow Food, ligado à gastronomia).

Em Brasília-DF, o mercado de orgânicos funciona na CEASA, em sistema cooperativo


entre os produtores (SINDIORGÂNICOS – Sindicato dos Produtores Orgânicos) e
em parceria com diversas instituições como sistema profissionalizado, dispondo de
recursos que permitem gestão moderna e competitiva para atender aos consumidores.

Os principais produtos oferecidos incluem hortifrutigranjeiros, leite e laticínios, além


de sucos, café, achocolatados e geleias.

35
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

O desafio é fornecer produtos da agricultura familiar e, se possível, produtos orgânicos


para a merenda escolar, pois o marco legal fala de alimentação saudável, alimento
orgânico e agroecológico.

Resumidamente, o tipo de canal a ser utilizado pelos produtores dependerá do seu nível
de organização e de relacionamento com o ambiente externo, da existência de grupos
organizados, dos tipos de produtos existentes e das épocas do ano, de acordo com as
exigências de cada canal de comercialização ou de consumidores organizados, além dos
recursos financeiros disponíveis.

Fica clara a importância da organização dos produtores em grupos para negociar


coletivamente com a municipalidade os apoios necessários para desenvolver o mercado
local de produtos orgânicos visando atender à população. A parceria com escolas
técnicas, universidades, institutos de pesquisa e organismos de assessoria técnica é
importante para a construção das redes de conhecimento agroecológico e dos critérios
de controle das qualidades orgânicas. A proximidade com o poder legislativo favorecerá
a implantação de políticas adequadas às realidades locais.

36
Capítulo 3
Conformidade e certificação

Para a produção de alimentos por meio da Agroecologia é preciso seguir algumas etapas
uniformizadas que irão conferir um atestado de qualidade ao produto, a certificação
pelo processo de conformidade.

Segundo Gliessman (2014) são estabelecidos 5 níveis de transição por pequenos passos
em direção ao objetivo final da sustentabilidade. Os três primeiros níveis de conversão
para um sustentável têm foco no sistema alimentar na escala da fazenda. Dois níveis
adicionais ultrapassam a escala fazenda. Os três primeiros níveis nos ajudam a descrever
os passos que os agricultores realmente tomam na passagem de agroecossistemas
industriais ou convencionais, e todos os cinco níveis em conjunto servem como um mapa
delineando um processo de mudança evolutiva para todo o sistema alimentar global.

Nível 1
Aumentar a eficiência das práticas industriais/convencionais, a fim de reduzir o uso
e consumo de insumos caros, escassos ou prejudiciais para o ambiente. O objetivo
dessa abordagem é a utilização de insumos de forma mais eficiente, para que menos
insumos sejam necessários e ainda uma gradual redução de impactos negativos.
Esta abordagem tem sido a principal ênfase de algumas pesquisas da agricultura
convencional, por meio do qual foram desenvolvidas inúmeras tecnologias e práticas
agrícolas. Exemplos incluem o espaçamento ideal das culturas e densidade, melhores
máquinas, monitoramento de pragas para melhorar a aplicação de pesticidas, melhor
gestão do tempo das operações e agricultura de precisão para a dosagem correta de
fertilizante e baixo consumo de água na irrigação. Embora esses esforços busquem
reduzir os impactos negativos da agricultura convencional, eles não ajudam a quebrar
a dependência de insumos externos.

Nível 2
Substituição de insumos industriais e práticas convencionais, substituindo-os por
práticas alternativas. O objetivo neste nível de transição é substituir produtos e práticas
de uso intensivo de recursos degradantes por aqueles que são mais ambientalmente
benignos. Exemplos de práticas alternativas incluem o uso de plantas de cobertura
fixadoras de nitrogênio e rotações para substituir fertilizantes nitrogenados sintéticos,

37
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

o uso de agentes de controle biológico em lugar de pesticidas, e a mudança para preparo


de solo reduzido ou mínimo. Neste nível, a estrutura básica do agroecossistema não
é muito alterada, portanto, muitos dos mesmos problemas que ocorrem em sistemas
industriais convencionais, também podem ocorrer.

Nível 3
Redesenhar o agroecossistema para que ele funcione com base em um novo conjunto
de processos ecológicos. Neste nível, mudanças fundamentais na concepção geral do
sistema buscam eliminar as causas de muitos dos problemas que ainda existem nos
níveis um e dois. Assim, em vez de encontrar formas mais sólidas de resolução de
problemas, os problemas são impedidos em primeiro lugar. Estudos de reconversão
de todo o sistema permitem uma compreensão dos fatores limitantes de rendimento
no contexto da estrutura e função agroecossistema. Um exemplo é a diversificação da
estrutura das explorações agrícolas e de gestão por meio do uso de rotações, cultivos
múltiplos e sistemas agroflorestais.

Nível 4
Reestabelecer uma ligação direta entre aqueles que cultivam os alimentos e quem
o consome. A transição ocorre dentro de um contexto cultural e econômico, e nesse
contexto, deve apoiar a mudança para práticas mais sustentáveis de ambos. Em nível
local, isso significa que os consumidores valorizam produtos cultivados localmente e
usam seu dinheiro de forma mais racional. Este apoio se transforma em uma espécie
de “cidadania alimentar” e torna-se uma força para a mudança do sistema alimentar.
Quanto mais essa transformação ocorre em comunidades ao redor do mundo, mais
perto caminhamos para a construção da nova cultura e economia da sustentabilidade
que é o pré-requisito para atingir o nível cinco.

Nível 5
Sobre os fundamentos criados na escala da fazenda sustentável em agroecossistemas
de nível três e as relações alimentares sustentáveis de nível quatro. Busca-se construir
um novo sistema global de alimentos, com base na equidade, participação e justiça, que
não só é sustentável, mas também ajuda a restaurar e proteger os sistemas de suporte
de vida da Terra. Ao contrário de níveis de um a quatro, o nível cinco implica mudar
o escopo global que atinge tão profundamente a natureza da civilização humana que
transcende o conceito de “transição”. No entanto, o caminho para o nível cinco passa
necessariamente pela escala da fazenda.

38
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

Em termos de pesquisa, agrônomos e outros cientistas têm feito um bom trabalho


para adaptação dos processos de transição em suas regiões. O trabalho com a ética e a
economia da sustentabilidade fornece a base para o tipo de pesquisa e ação baseados na
comunidade. As pesquisas desenvolvem técnicas locais mas focam em eventos globais.

Seguidos os níveis acima, o produtor pode procurar uma forma de certificação da sua
produção. Após o nível de implantação da agricultura orgânica, o produtor que não se
encaixar na modalidade de venda direta por agricultores familiares com certificação
facultativa e quiser fazer uso no Brasil da denominação produto orgânico ou outro
similar, terá de estar cadastrado no Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade
Orgânica (SISORG).

Os mecanismos de avaliação da conformidade reconhecidos no SISORG devem dar


garantias aos clientes e consumidores sobre as qualidades orgânicas e de que seguem
os regulamentos técnicos da agricultura orgânica. São dois mecanismos: a certificação
e os Sistemas Participativos de Garantia. Portanto, os produtos têm de ser submetidos
ao controle feito por um OAC (Organismo de Avaliação da Conformidade) ou OPAC
(Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade).

Desde a década de 1970, organizações de produtores e consumidores, além de técnicos,


desenvolvem práticas seguindo os princípios da agricultura orgânica. Em 1994,
iniciou-se a discussão para a regulamentação da agricultura orgânica no país, que foi
oficialmente reconhecida em maio de 1999.

Em dezembro de 2003, foi publicada a Lei no 10.831, definindo e estabelecendo condições


obrigatórias para a produção e a comercialização de produtos da agricultura orgânica.

Em julho de 2004, foi editada a Portaria no 158, do MAPA, que trata da Comissão
Nacional para a Produção Orgânica (CPOrg-RJ) e das Comissões da Produção Orgânica
nas Unidades da Federação (CPOrg -UF), criadas com a função de executar o programa
Pró-Orgânico.

Em março de 2004, foi criada a Câmara Setorial de Agricultura Orgânica (CSAO) como
órgão consultivo de apoio às políticas públicas do MAPA. É composta por membros do
governo e da sociedade civil. Foi na CSAO que aconteceram as discussões, elaboração,
aprovação e regulamentação da Lei no 10.831. Os textos do Decreto e das Instruções
Normativas foram construídos, durante os anos de 2004, 2005 e 2006, por técnicos de
diferentes ministérios em parceria com diversos segmentos da sociedade civil ligados à
agricultura orgânica, sob a coordenação do MAPA.

Após a tramitação pela Casa Civil e demais ministérios envolvidos (MAPA, MDA,
MMA, MS e MDIC), e após a aprovação das alterações pela CSAO, em agosto de 2007,

39
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

o Decreto no 6.323 foi publicado no Diário Oficial da União, em 28 de dezembro de


2007. Os regulamentos técnicos específicos (portarias e instruções normativas) para
cada atividade e setor foram objeto de consulta pública em maio de 2008. No mesmo
ano, a CSAO passou a ser chamada de Câmara Técnica da Agricultura Orgânica (CTAO)
e mudou suas representações (novos mandatos, inclusão e exclusão de membros).

As cinco Instruções Normativas específicas, que regulamentam a atividade da agricultura


orgânica de acordo com a Lei no 10.831 e com o Decreto no 6.323, foram publicadas em
2008 e 2009. Em outubro de 2008, a Instrução Normativa no 54, que trata das Comissões
da Produção Orgânica, em dezembro de 2008, a Instrução Normativa no 64, dos Sistemas
Orgânicos de Produção Primária – animal e vegetal. Em maio de 2009, as Instruções
Normativas no 17, do Extrativismo Sustentável Orgânico; no 18, do Processamento e no 19,
dos Mecanismos de Controle e Informação da Qualidade Orgânica, sendo a IN 17/2009
e a IN 18/2009 conjuntas com o MMA e o MS, respectivamente. Em julho de 2009,
foi publicado o Decreto no 6.913/2009, que trata dos produtos fitossanitários com uso
aprovado para a agricultura orgânica.

As possibilidades de acesso dos produtos da agricultura orgânica ao mercado brasileiro


estão previstas na Lei no 10.831, nos Decretos no 6.323 e no 6.913 e nas Instruções
Normativas no 54 e no 64, no 17, no 18 e no 19.

No Brasil, podem ser três os mecanismos de controle para a garantia da qualidade


orgânica. O primeiro mecanismo diz respeito aos agricultores familiares, que deverão
atender aos requisitos estabelecidos para a venda direta sem certificação, porém como
membros de uma Organização de Controle SOCIAL (OCS). Os outros dois mecanismos
são para a venda direta por produtores não familiares e para a venda indireta, sendo que
todos deverão atender aos requisitos estabelecidos pelo Sistema Brasileiro de Avaliação
da Conformidade Orgânica (SISORG).

O SISORG é integrado por órgãos e organizações da administração pública federal e


pelos Organismos de Avaliação da Conformidade (OAC) credenciados pelo MAPA.
Os OACs são pessoas jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis pela verificação
da conformidade dos processos produtivos avaliados em relação à regulamentação da
produção orgânica, tanto na certificação como nos SPG (art. 6o, parágrafo único da
IN 19/2009).

A seguir são demonstrados os três procedimentos reconhecidos pela regulamentação


da agricultura orgânica no Brasil que podem ser acessados, dependendo do canal de
comercialização usado (venda direta ou indireta) e do tipo de fornecedor (agricultor
familiar ou não). Segundo o glossário do Decreto, entende-se que o agricultor familiar,
na venda direta, deve vender apenas para a pessoa física ou jurídica que vai consumir

40
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

o produto, ou seja, o consumidor final. Se, por exemplo, o agricultor familiar vende
laranjas em uma feira para uma pessoa física que vai se alimentar daquele produto,
trata-se de venda direta porque quem comprou o produto vai consumi-lo. Se o agricultor
familiar vende laranjas para o governo, que doará o produto a hospitais e creches ou
vai utilizá-lo na merenda escolar, sem vendê-lo, essa modalidade também pode ser
classificada como venda direta. Também se considera venda direta se grupos possuem
pontos coletivos de comercialização para o consumidor final.

O preposto – que pode, direta ou indiretamente, auxiliar o agricultor familiar na


comercialização. Essa figura idealizada pela lei da agricultura orgânica e materializada
no art. 96 § 1o de sua regulamentação não pode ser comparada ao preposto, em sentido
mais amplo, adotado pelo direito civil, nem àquele idealizado pelo Código de Defesa do
Consumidor (CDC). O CDC, em seu artigo 34, dispõe que “o fornecedor do produto ou
serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes
autônomos”.

Na visão da lei da agricultura orgânica e na sua regulamentação o preposto não pode


ser um empregado, mas, tão somente, um membro da família do próprio agricultor
familiar, outro agricultor familiar ou membro da comunidade envolvido na estrutura
organizacional. Quanto à responsabilidade civil sobre a qualidade do produto, esta
recairá sobre o agricultor e nunca sobre o preposto, salvo as previsões legais, que aqui
não cabe comentar.

Como hipótese, cita-se o caso de um grupo de agricultores familiares pertencentes a uma


associação informal em que um deles possui meio de transporte e, por isso, fica incumbido
de transportar as mercadorias produzidas pelos outros agricultores para a feira local, bem
como de vendê-las. É o caso típico idealizado pela lei, ou seja, os agricultores familiares
organizados se ajudam mutuamente e, mesmo que o agricultor não possa acompanhar
seu produto, alguém do grupo poderá fazê-lo, sem obter remuneração.

Dessa forma, a venda direta pode ser feita pelo próprio agricultor familiar, por familiar ou
por membro da estrutura organizacional (preposto) em que está inserido, pois a garantia
perante o consumidor continuará sendo o controle social. A garantia da conformidade
perante os regulamentos técnicos da agricultura orgânica se dá pela atuação do agricultor
familiar frente aos consumidores, não sendo necessária uma terceira parte para garantir
a qualidade orgânica, como ocorre, por exemplo, na certificação.

Os documentos usados para garantir a conformidade dos produtos orgânicos na


venda direta são: Declaração de Cadastro de Produtor vinculado à OCS; Termo de
Compromisso com a Garantia da Qualidade Orgânica, preenchido e assinado por todos
os membros da OCS comprometendo-se a cumprir as regulamentações técnicas da

41
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

agricultura orgânica; e Declaração de Cadastramento da OCS no MAPA ou em órgão


fiscalizador conveniado (estadual ou federal).

Os órgãos fiscalizadores responsáveis pelo cadastramento e acompanhamento das OCS


são as Superintendências Federais de Agricultura – SFAs nas Unidades da Federação
ou mediante convênio com outros órgãos da esfera federal, estadual ou distrital.
A OCS deverá atualizar, pelo menos uma vez por ano, as listas dos principais produtos
e quantidades estimadas de produção por unidade de produção familiar. Os dados
dos produtores vinculados à OCS, atualizados periodicamente no órgão fiscalizador
conveniado, alimentarão o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos (CNPO).

Para comprovar a condição de agricultor familiar, a OCS deverá apresentar a Declaração


de Aptidão (DAP) de cada produtor, emitida pela Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural – EMATER, pelo Instituto Nacional de Colonização e reforma Agrária
– INCRA ou por organização de assistência técnica e extensão rural autorizada (no Rio
de Janeiro, a União das Cooperativas – UNACOOP a Federação dos Trabalhadores na
Agricultura do Rio de Janeiro – FETAG-RJ). Além de permitir a visita de consumidores
e da fiscalização, a OCS deve informar sobre os procedimentos usados para o controle
social da produção e da comercialização, de forma a garantir que todos estejam
cumprindo as regulamentações da agricultura orgânica e a assegurar a rastreabilidade
dos produtos.

A participação da sociedade pode se dar como consumidor, na compra e nas visitas às


unidades de produção, ou como membro da OCS, conforme previsto na regulamentação.
O art. 21 da IN no 54/2008, que trata das atribuições das comissões, e a IN no 19/2009
não abordam a participação das CPOrgs-UF no processo de credenciamento da OCS.
Outras possibilidades que favoreceriam o controle social com diminuição de custos e
aumento da confiança nos produtos orgânicos de agricultores familiares submetidos ao
controle social não foram incluídas pelos reguladores, como a possibilidade de os órgãos
fiscalizadores municipais participarem do credenciamento das OCS e a possibilidade de
as CPOrgs-UF darem parecer sobre o credenciamento das OCS.

Credenciamento dos OACs e dos OPACs

Os OACs deverão ser credenciados pelo MAPA. No caso das certificadoras, o


credenciamento será precedido pela acreditação segundo a norma ISO65, do Instituto
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO). O
credenciamento dos Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade (OPAC)
responsáveis por um SPG será precedido por auditoria realizada pela Coordenação de
Agroecologia – COAGRE/MAPA.

42
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

De acordo com o art. 8o da IN no 19/2009, a solicitação de credenciamento dos OACs


deve ser feita à Superintendência Federal da Agricultura (SFA) da unidade da federação
onde estiverem sediados, devendo estar definido o escopo em que vai atuar.

Naquele órgão, o Serviço de Política e Desenvolvimento Agropecuário (SEPDAG) fará a


verificação completa da documentação (art. 9o). Embora haja 12 escopos possíveis, ainda
não há regulamentos específicos, por exemplo, para têxteis, cosméticos e aquicultura.

Certificadoras

Para se estabelecer o sistema de avaliação de conformidade – do qual a certificação


pode ser um componente – cada país é responsável por implantar seu mecanismo de
acreditação de organismos de certificação, laboratórios, auditores etc. Esse mecanismo
é responsável por garantir a independência, objetividade, imparcialidade e segurança
das atividades de avaliação da conformidade feito pelas certificadoras.

A norma ISO65, que trata da acreditação de organismos de certificação de produtos,


processos e serviços, é internacionalmente aplicada e usada na agricultura orgânica,
referenciada textualmente pelos regulamentos, com ou sem adaptações. No âmbito dos
blocos comerciais ou nos países, podem existir normas de acreditação de certificadoras
adaptadas às realidades locais.

A IFOAM criou uma acreditadora orgânica (IOAS) específica do setor que controla a
aplicação do seu Programa de Garantia, no qual está o Programa de Acreditação das
Certificadoras. A IOAS é acreditada pela ISO para usar a norma ISO65.

Dos organismos de certificação que trabalham para a agricultura orgânica, cerca de 1/3
é acreditado pela norma ISO65. Em 2003, havia 364 certificadoras listadas pela IFOAM.
Em 2004, eram 385 e, em 2005, 419 organizações. Em 2006, porém, a lista baixou
para 395 certificadoras, o que pode ser explicado pelas mudanças na regulamentação
de alguns países como o Japão e pelas exigências de registro em outros países, além das
fusões de pequenas certificadoras.

O Brasil possuía, em 2003, 18 organizações realizando o controle da produção orgânica.


Entretanto, sabe-se que, naquele ano, havia mais de 30 organizações realizando
o controle. Desde então, pequenas certificadoras de produtos orgânicos fecharam
(AAOCert-SP e Fundagro-SC), outras pensam em se fundir num único organismo com
atuação mais abrangente para racionalizar custos e se verifica, também, a entrada de
certificadoras tradicionais não específicas de orgânicos (TECPAR- PR).

No Brasil, o credenciamento das certificadoras está normalizado no art. 7, § 1o e 2o da IN


no 19 e compreende duas fases. Na fase 1, a certificadora faz a solicitação para auditoria

43
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

conjunta com o INMETRO, conforme o art. 23 da IN no 19/2009 e formulário próprio.


Na fase 2, a certificadora apresenta o documento de acreditação e novo formulário de
solicitação de credenciamento ao SEPDAG/SAF da unidade da federação em que estiver
sediado, que os enviará à COAGRE/MAPA. Após ouvir as CPOrgs-UF, a COAGRE emitirá
a Declaração de Credenciamento do OAC e a autorização para usar o selo do SISORG.

Figura 4. Selo de conformidade do Ministério da Agricultura – SISORG.

Fonte: Brasil, 2016.

Organismos participativos de avaliação


da conformidade

O OPAC que se interessar em ser credenciado pelo MAPA, para que os produtores
e outros atores vinculados ao SPG possam comercializar os produtos como orgânicos
controlados e usarem o selo do SISORG, deverá entregar a solicitação de credenciamento
ao SEPDAG/SAF da unidade da federação em que estiver situada a sua sede, acompanhada
dos seguintes documentos: listas das unidades de produção, CNPJ, atos constitutivos
do OPAC (estatutos, regimentos internos e contrato social) e manual de procedimentos
do OPAC. O credenciamento do OPAC é precedido por auditoria da COAGRE/MAPA.
Após ouvir as CPOrgs-UF, a COAGRE emitirá a Declaração de Credenciamento do OAC
e a autorização para usar o selo do SISORG (arts. 10, 11 § 1o e 12). Como não há norma
internacional de referência para o monitoramento de um SPG, o MAPA está elaborando
um manual. O prazo para a adequação do OPAC aos regulamentos estabelecidos, ou seja,
para o credenciamento dos OPACs que já atuam na rede de produção orgânica.

O produto de fornecedor certificado como orgânico por certificadora credenciada no


MAPA poderá ser aceito por outro processador certificado orgânico como produto
orgânico, mesmo que os organismos de avaliação da conformidade não usem os mesmos
mecanismos de avaliação. Assim, os produtos controlados pela certificação e pelo SPG
serão equivalentes para efeito de regulamentação da Lei no 10.831, do Decreto no 6.323
e da Instrução Normativa no 19.

O MAPA terá o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos (CNPO) periodicamente


atualizado pelos OACs (participativos ou não) e o Cadastro dos OACs (participativos ou
não) credenciados no SISORG.

44
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

A participação da sociedade na verificação da conformidade no SISORG se dará


pelos membros das CPOrgs nas unidades da federação quando da solicitação de
credenciamento e também por técnicos que pertencerem ao Banco de Especialistas para
Auditorias de Credenciamento nos OACs, conforme expresso no art. 14 da Instrução
Normativa no 19. Esta lista estará disponível na internet na página do MAPA <www.
agricultura.gov.br>.

Certificação

É o procedimento de verificação (de registros, de documentos e física) e confirmação


(certificado) da conformidade do produto ou processo com os padrões estabelecidos.
Os critérios orientadores da certificação são a transparência nos critérios adotados,
a imparcialidade, a independência (disponibilidade de recursos) e a competência
(capacidade para executar os serviços). É um dos meios de assegurar aos industriais,
comerciantes e consumidores o cumprimento de determinadas normas e padrões.

Quando a cadeia de produção se torna mais complexa e o consumidor fica mais distante
do produtor, ou quando não existe nenhuma forma de controle social, há necessidade
de confirmação feita por uma terceira parte – a certificadora (organismo de avaliação
da conformidade). Normalmente, quando se fala em certificação, entende-se que os
procedimentos são feitos por uma certificadora, baseada em sistema independente de
verificação e confirmação da conformidade.

Por princípio, a certificadora não pode prestar assistência técnica. Tanto produtos como
processos e serviços podem ser certificados e cada tipo de certificação deve desenvolver
seus próprios procedimentos de verificação, bem como as punições resultantes da não
observância aos padrões estabelecidos. A certificação na agricultura orgânica pode ser
individual ou em grupo de pequenos produtores.

Certificação em grupo de pequenos produtores

A agricultura orgânica, em geral, é praticada por agricultores que possuem pequenas


unidades familiares e pequenos empreendimentos. Há registro de cerca de 350 diferentes
grupos produzindo nos países de baixa renda, reunindo perto de 150 mil pequenos
produtores, cujos produtos orgânicos são exportados para os mercados dos países de
alta renda.

As normas e regulamentos técnicos de agricultura orgânica exigem, no mínimo, uma


inspeção anual em cada unidade produtora. Os organismos de certificação locais,
muitas vezes, não estão disponíveis na maioria dos países de baixa renda e tropicais.

45
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

Nesses países, é impossível pagar pelas visitas anuais de inspeção de organismo de


certificação estrangeiro ou brasileiro, além de ser física e economicamente impossível
para as certificadoras visitarem anualmente todas as unidades de produção num projeto
que envolva, por exemplo, cerca de 5 mil pequenos produtores. Diferentes formas de
sistemas de garantia da qualidade praticados por grupos de pequenos produtores foram
desenvolvidas há algum tempo, considerando a natureza e o tamanho da operação,
variando de dez a alguns milhares de produtores individuais.

A certificação em grupo foi estabelecida para desonerar a produção familiar do custo


da certificação individual e facilitar o trabalho dos inspetores, barateando, assim, o
custo final dos produtos e possibilitando a chegada de produtos exóticos nos principais
mercados e de produtos em geral na entressafra dos europeus, americanos e japoneses.
A certificação deve ser um mecanismo de estímulo à capacitação e não uma barreira
técnica para o acesso ao mercado interno e à exportação.

A certificação em grupo de pequenos produtores, preconizada pela IFOAM, é baseada


no controle feito por inspetor interno (Sistema Interno de Controle – SIC), que
acompanha o dia a dia dos produtores, e na inspeção anual por amostragem, feita
por organismo de certificação, criando, assim, um sistema de garantia da qualidade
orgânica. Nesse sistema, a auditoria externa, feita pela certificadora, realiza visitas
a algumas unidades de produção de acordo com critério de amostragem baseado na
análise de riscos.

A certificação em grupos de pequenos produtores pode ser definida quando:

»» o custo (individual) de certificação é desproporcionalmente alto em


relação aos valores das vendas dos produtos comercializados;

»» as unidades produtivas são manejadas, principalmente, por trabalho


familiar;

»» há homogeneidade dos membros quanto à localização geográfica, sistema


de produção, tamanho das unidades de produção e sistema comum de
mercado;

»» favorece a organização por cadeia produtiva (cacau, soja etc.);

»» O tamanho do grupo é suficiente para sustentar um sistema interno de


controle viável; um número mínimo de 30 a 50 produtores envolvidos
por inspetor interno. Grupos maiores poderão ter mais de um inspetor
interno (normalmente da comunidade ou algum técnico que dê assistência
técnica ao grupo).

46
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

Um organismo central é responsável pela comercialização e pelo atendimento às normas


(comprador, processador ou associação/cooperativa auto-organizada).

Uma única certificação é feita para toda a produção individual, assim como para o
processamento e atividades de distribuição registradas dentro do grupo. Operadores
individuais dentro do grupo podem não usar a certificação independentemente, sendo
negociado entre as partes. Os membros dos grupos operam as unidades de produção
sob exigências contratuais e de filiação que especificam o compromisso de cumprir as
normas da agricultura orgânica aplicáveis, permitir a inspeção etc.

O SIC, operado por organismo central ou organismo externo contratado pelo organismo
central do grupo, da associação ou da cooperativa, normalmente mantém os arquivos
de todos os membros do grupo e inspeciona cada membro ao menos uma vez ao ano.
Por meio dos mecanismos do SIC, o grupo decide sobre o atendimento às normas
aplicáveis por parte dos membros. As não conformidades são resolvidas de acordo
com um conjunto de procedimentos, sanções, medidas para apelação e reclamações
estabelecidas pelos grupos.

Em algumas certificadoras, o controle por amostragem nos grupos só é usado devido à


difícil aplicação do plano de controle padrão (usado em 100% das unidades produtoras).
Para viabilizar o controle dessas unidades, em geral pequenas, é aplicado o controle
por amostragem, que será auditado pela certificadora. Os critérios para controle por
amostragem são:

»» mínimo de 30 produtores participantes, obrigatoriamente organizados


em torno de uma empresa ou grupo;

»» maioria dos produtores com menos de 5 hectares de cultivo orgânico;

»» visita de inspeção anual obrigatória para controle interno (realizada pelos


técnicos da entidade) em 100% das unidades dos grupos de produtores
(associação, cooperativa, condomínio) inscritos no projeto;

»» cada unidade produtora deve fornecer uma série de informações (cadastro,


termo de compromisso, histórico de cada lavoura, normas de registro
das intervenções nos cultivos/criações, lista com os problemas – não
conformidades, descrição de estoques e medidas de separação dos mesmos);

»» os produtores têm de ter a mesma produção principal e técnicas de


produção homogêneas entre os participantes do grupo e da região;

»» o SIC obrigatório sob responsabilidade da entidade em que os produtores


estão organizados e em nome da qual será certificado.

47
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

O SIC deverá ser realizado uma vez por ano, documentado em todas as unidades
produtoras, sendo apresentada à certificadora a lista das unidades com problemas.
A amostragem a ser inspecionada pela certificadora é obtida por meio do cálculo da
raiz quadrada de n, sendo n o número de unidades a serem certificadas. Por exemplo:
se a cooperativa tem 144 membros, serão inspecionadas anualmente 12 unidades de
produção. Por meio da avaliação dos riscos do SIC do grupo, as unidades inspecionadas
serão aquelas em que há maior risco de fraude no SIC. Ao final de três anos, todas as
unidades devem ter sido visitadas.

Sistema Participativo de Garantia (SPG)

É a denominação genérica de diferentes metodologias para a avaliação participativa da


conformidade de produtos, processos e serviços a regras específicas. Os SPG são baseados
na busca da maior participação possível de todos os atores interessados em procedimentos
de avaliação participativa da conformidade adaptados a diferentes realidades sociais,
culturais, políticas, ambientais, territoriais, organizacionais e econômicas.

Nos Sistemas Participativos de Garantia, a conformidade representa a alteração


ou modificação do comportamento e das crenças de uma pessoa ou de um grupo na
direção determinada por um grupo mais amplo, resultante do controle social por meio
de sanções positivas, negativas e neutras. A conformidade social (controle social) é o
resultado da observação sistemática das unidades de produção, da convergência das
informações, das reuniões de discussão, do desenho e monitoramento dos acordos
de produção e da exclusão pelo não cumprimento desses acordos, visando à oferta de
produtos orgânicos.

As condições de comercialização dos produtos orgânicos também são objeto de


observação sistemática, buscando atender aos diferentes circuitos de comercialização
(curtos – feiras, entregas em domicílio – e longos – grande varejo) com transparência nas
relações comerciais justas e nos acordos negociados, visando ao consumo consciente.

A declaração de conformidade do fornecedor e a verificação da conformidade por meio da


avaliação participativa da conformidade, usando a revisão de pares, o estabelecimento
de acordos coletivos e registros realizados, estão presentes nas diferentes etapas de
geração de credibilidade, essenciais para qualquer esquema de funcionamento.

Do mais simples nível, que é essencial, até o mais complexo, com a participação de
outros atores, além dos membros da associação de produtores, consumidores e técnicos
de ONGs que trabalham com produção orgânica e organização de grupos, todos são
desejáveis, sendo estimulados sempre que a realidade permitir.

48
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

O controle social é estabelecido pela participação direta dos membros do SPG.


Esses atores estabelecem e dinamizam ações coletivas de avaliação da conformidade
das unidades de produção dos membros dos SPG de acordo com o regulamento técnico
da produção orgânica. O controle social representa a manutenção da ordem social pela
conformidade de cada membro às normas (valores, costumes populares, preconceitos
e leis). A participação colaborativa e a responsabilidade solidária são características
complementares, que possibilitam o controle social e o poder compartilhado e regem as
avaliações e decisões relativas à conformidade dos produtos. O controle social representa
a manutenção da ordem social pela conformidade de cada membro às normas (valores,
costumes populares, preconceitos e leis).

Existem interpretações da expressão solidariedade aplicadas aos SPG, como:

a. relação de responsabilidade entre pessoas unidas por interesses comuns,


de maneira que cada elemento do grupo se sinta na obrigação moral de
apoiar os outros (solidariedade de classe); e

b. vínculo jurídico entre os credores (ou entre os devedores) de uma mesma


obrigação, cada um com direito (ou compromisso) ao total da dívida, de
sorte que cada credor pode exigir (ou cada devedor é obrigado a pagar)
integralmente a prestação objeto daquela obrigação (no caso, a garantia
das qualidades orgânicas).

Estrutura dos SPG

De acordo com o art. 70 da IN no 19, um SPG é formado, basicamente, por dois


componentes: os Membros do Sistema e o Organismo Participativo de Avaliação da
Conformidade (OPAC).

Os membros são pessoas físicas e/ou jurídicas que fazem parte de um grupo, classificados
em duas categorias: produtores e colaboradores. Os produtores (fornecedores) são
produtores primários, processadores, distribuidores, comerciantes, transportadores,
armazenadores e extrativistas sustentáveis orgânicos. Os colaboradores são consumidores
e suas organizações, técnicos, organizações públicas ou privadas, ONGs, organizações de
representação de classe e demais atores.

De acordo com o art. 7, § 2o, o OPAC é a personalidade jurídica que assume a


responsabilidade formal pelo conjunto de atividades desenvolvidas num SPG, tendo as
seguintes características:

»» Estatuto social que caracterize suas atribuições.

49
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

»» Regimento interno ou caderno de normas que explicite sua organização, seu


funcionamento participativo e como se responsabiliza por determinado SPG.

»» Estrutura que contenha, no mínimo, uma comissão de avaliação e o


Conselho de Recursos, ambos compostos por representantes dos membros
do SPG.

De acordo com o art. 70, § 2o, o estatuto deve conter critérios para composição ou
escolha dos membros da comissão de avaliação e do conselho de recursos, requisitos
mínimos de participação, direitos e deveres dos membros, periodicidade de reuniões e
assembleias, sanções administrativas, composição mínima do SPG, exigências mínimas
de funcionamento e quórum mínimo para deliberação nas reuniões e assembleias.

Rotulagem e identificação

No Codex Alimentarius, a rotulagem de produtos em conversão (em transição para


orgânico) é permitida depois de 12 meses de produção com métodos orgânicos, de
acordo com critério adicional, para evitar confusão aos consumidores.

O regulamento técnico chinês permite o uso de duas marcas de certificação: produto


em transição e produto orgânico certificado. Nos Estados Unidos, só se permite a
denominação “produtos orgânicos”. No regulamento técnico boliviano, a proposta é
ter um selo para produto em transição, outro para produto orgânico certificado e outro
para produto orgânico que usa SPG.

Na proposta brasileira, só poderá ser rotulado o produto orgânico, não sendo permitida
a denominação produto em transição, nem será possível colocar as outras denominações
(biodinâmico, por exemplo) em letras maiores que as da palavra “orgânico”.

Na rotulagem de produtos processados, a IFOAM, o Codex Alimentarius e os


regulamentos da União Europeia permitem a utilização do termo orgânico nos rótulos
de matérias-primas que foram produzidas em concordância com o regulamento da
agricultura orgânica e nos alimentos compostos que incluam pelo menos 95% de
ingredientes orgânicos na matéria-prima. Quando os produtos compostos incluem
entre 95% e 70% de ingredientes de origem orgânica na matéria-prima, podem ser
rotulados como “feitos com ingredientes orgânicos”.

Quando os alimentos compostos contêm menos de 70% de ingredientes orgânicos


de origem certificada, o Codex Alimentarius e o regulamento europeu não permitem
a utilização da palavra orgânico. Em contrapartida, a IFOAM e o regulamento
norte-americano estabelecem que, quando menos de 70% dos ingredientes de

50
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

um alimento composto são de origem orgânica certificada, a indicação de que um


ingrediente é orgânico pode aparecer na lista de ingredientes, porém o produto não
pode ser rotulado como tal. O regulamento norte-americano contém, ainda, normas
para a rotulagem de produtos “100% orgânicos”, quando os ingredientes são rotulados
como orgânicos.

Depois da publicação dos Decretos 6.323/2007 e 6.913/2009, e com as Instruções


Normativas, as organizações têm dois anos para se adaptarem aos regulamentos.
Os OACs, OPACs e OCSs que estiverem em funcionamento, devem estar credenciados
no MAPA até 28 de dezembro de 2009. Após esse período, em 2010, além de atenderem
aos regulamentos técnicos vigentes específicos para o produto que está sendo rotulado
para venda, nos supermercados ou atacadistas, por exemplo, os produtos deverão
obedecer às determinações para rotulagem de produtos orgânicos e conter a marca
nacional do SISORG.

Isso significa que os produtos foram submetidos aos mecanismos de controle


estabelecidos pelo SISORG e que dão garantia de que são orgânicos (quer seja pela
certificação ou SPG).

Os aspectos relativos à rotulagem de produtos orgânicos, incluindo a marca e sua


forma de utilização, estão dispostos nos artigos 117 a 120. O selo do SISORG deverá
estar na parte frontal do produto e, logo abaixo, a identificação do sistema de avaliação
da conformidade usado: certificação ou SPG. Será facultado o uso da marca do OAC
(participativo ou não) do produto em associação com o selo nacional do SISORG.

A informação da qualidade orgânica pode se dar por meio da rotulagem dos produtos,
da Declaração de Transação Comercial, por material de publicidade e propaganda e por
dizeres expostos nos locais de comercialização.

Além das outras exigências sobre rotulagem contidas nas legislações específicas para
os diferentes produtos, a rotulagem dos produtos orgânicos deverá conter, no mínimo:

»» Nome, endereço e CNPJ ou CPF do produtor.

»» Selo de identificação do SISORG.

»» Selo do OAC (certificadora ou SPG).

»» Denominação “Orgânico”, “Produto Orgânico” e “Produto com ingredientes


orgânicos”.

Esses termos podem ser complementados pelas expressões “Ecológico”, “Biodinâmico”,


da “Agricultura Natural”, “Regenerativo”, “Biológico”, “Agroecológico”, da “Permacultura”
51
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

e “Extrativismo Sustentável Orgânico”, além de outros que atendam aos princípios


estabelecidos pela regulamentação da agricultura orgânica.

De acordo com o art. 115 da Instrução Normativa no 19, aos produtos orgânicos
processados que contenham ingredientes, incluindo aditivos, que não sejam de origem
certificada orgânica, aplicam-se as seguintes regras:

I. produtos com 95% ou mais de ingredientes orgânicos certificados


deverão ter identificados os ingredientes não orgânicos e poderão utilizar
os termos “orgânico” ou “produto orgânico”;

II. em produtos com 70% a 95% de ingredientes orgânicos certificados, os


rótulos deverão identificar esses ingredientes orgânicos e apresentar os
dizeres “produto com ingredientes orgânicos”;

III. produtos com menos de 70% de ingredientes orgânicos certificados não


poderão ter nenhuma expressão relativa à qualidade orgânica.

Em seu parágrafo único, o artigo observa que “água e sal adicionados não serão incluídos
no cálculo do percentual de ingredientes orgânicos”.

Quanto à identificação do produto na venda direta aos consumidores por agricultores


familiares cadastrados (produtos não certificados e nem de SPG), o Decreto
no 6.323/2007 determina que não poderá ser utilizada a marca nacional do SISORG.
Entretanto, de acordo com o art. 124, no ponto de comercialização ou no rótulo desses
produtos, quando tiver, poderá constar a expressão “Produto orgânico para venda direta
por agricultores familiares organizados, não sujeito à certificação, de acordo com a Lei
no 10.831, de 23 de dezembro de 2003”. Os pontos de comercialização ou os produtos
poderão conter ou utilizar marcas ou outras formas de identificação referentes ao OCS
responsável pelo controle social da qualidade orgânica.

No Brasil, a marca do SISORG assegurará que os elementos essenciais da agricultura


orgânica e os quesitos da legislação e regulamentos técnicos relativos à produção
orgânica foram atendidos/ cumpridos. Essa marca pública servirá para facilitar as
trocas, tanto para os produtores quanto para os consumidores.

A marca nacional será agregada ao rótulo e deverá seguir as normas vigentes para
rotulagem do produto ao final do processo.

Quando as vendas se derem no atacado, um documento (certificado, por exemplo)


acompanhará as transações comerciais. O termo orgânico deverá estar realçado.

É considerada infração veicular qualquer forma de propaganda, publicidade ou


apresentação de produto que contenha denominação, símbolo, desenho, figura ou

52
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

qualquer indicação que possa induzir ao erro ou equívoco quanto à origem, natureza
e qualidade orgânica do produto, ou atribuir características ou qualidades que
não possua.

Até, o marketing governamental para estimular o consumo de produtos orgânicos era


vinculado a duas marcas: a da semana do alimento orgânico, parceria entre MAPA,
MMA e MDA, lançada em 2005 e divulgada anualmente, e a marca do projeto de
exportação de produtos orgânicos da APEX (Organics Brasil), lançada em 2005.
A marca do SISORG, submetida à consulta pública em 2009, entrará em vigor em 2010.

No caso dos produtos importados, o Decreto no 6.323/2007 estabelece que só poderão


ser comercializados no país os produtos orgânicos que estejam de acordo com a
regulamentação brasileira para a produção orgânica. O art. 122 da IN no 19 dispõe
que a entrada no país de produtos orgânicos só será autorizada se a certificação ou o
SPG, ou outro mecanismo de avaliação da conformidade do produto, for realizado por
OAC (participativo ou não) credenciado pelo MAPA, ou se o país de origem do OAC
tiver acordo de equivalência ou acordo de reconhecimento mútuo de seu sistema de
garantia com o brasileiro. Os rótulos dos produtos importados deverão conter o selo
do SISORG.

Certificação e SPG: importância, limites e desafios

Os mercados dos produtos orgânicos encontram-se em rápida expansão e, como a


produção não tem acompanhado essa demanda, normalmente são oferecidos melhores
preços de comercialização. A promessa de alimentos mais saudáveis, com enorme apelo
aos consumidores que se dispõem, inclusive, a pagar mais por isso, obriga os produtores
a garantir a qualidade. O cumprimento dos padrões de produção em mercados em que
consumidores e produtores se tornam cada vez mais distantes uns dos outros, só pode
ser assegurado pela certificação.

A certificação orgânica, quando usada em realidades adequadas aos pequenos produtores,


tem sido ferramenta importante e útil para criar ambiente de confiança em circuitos
longos de comercialização para os mercados de produtos orgânicos. Apesar de onerar o
custo da produção, a certificação traz benefícios, a seguir destacados:

»» Facilita o planejamento da produção (há necessidade de documentação e


isso pode melhorar a eficiência da unidade de produção).

»» Facilita o desenvolvimento do mercado, dos serviços de extensão e da


pesquisa (os dados coletados pela certificação podem ser muito úteis
para o planejamento do mercado, para a difusão e para a pesquisa).

53
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

»» Cria transparência ao tornar pública a informação sobre produtores e


produtos.

»» Aumenta a credibilidade e melhora a imagem da agricultura orgânica.

»» Facilita a introdução de créditos especiais ou subsídios, já que define o


grupo que será beneficiado.

Grande parte dos estudos sobre a agricultura orgânica certificada enfatiza os seus
benefícios econômicos, sociais e ambientais e as oportunidades que traz para os países de
baixa renda. Entretanto, deve-se considerar a agricultura orgânica certificada de forma
mais realista, pois:

»» Ainda é um setor muito pequeno, com exceção de algumas regiões ou


países e de alguns produtos.

»» Enfrenta pontos de estrangulamento na produção, comercialização e


institucionalização que precisam ser superados. Destaca-se o acesso
a mercados e os prêmios nos preços, frequentemente incertos, mesmo
em mercados de exportação. As normas técnicas não são adequadas às
diferentes realidades tecnológicas, econômicas, políticas, geográficas,
climáticas e culturais.

»» Procedimentos complexos de importação e questões envolvendo os


procedimentos de avaliação da conformidade, como a certificação e a
acreditação, precisam ser atendidos.

»» Os efeitos dos subsídios e de outras medidas de apoio nos países de alta


renda sobre a competitividade dos produtos orgânicos dos países de
baixa renda, que competem com produtos orgânicos produzidos local ou
regionalmente, são problemas com que se preocupar.

»» A preferência dos consumidores dos países de alta renda pelos produtos


locais e o reconhecimento da garantia da conformidade ligada à reputação
de marcas comerciais locais é uma realidade nesses países, principalmente
em alguns da União Europeia.

»» É preciso distinguir analiticamente duas categorias de sistemas de


agricultura orgânica: a produção orgânica certificada, inspecionada,
verificada e atestada; e a produção orgânica “de fato”. Estimativas dão
conta de que a área agrícola mundial dedicada a ambas as categorias de
agricultura orgânica gira em torno de 3% da área total agrícola.

54
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

»» Como a certificação não permite o fornecimento de assistência técnica pelos


OACs durante e após a verificação da conformidade como contribuição
para a correção das não conformidades, sua prática nos países de baixa
renda não favorece a construção do conhecimento agroecológico e não
favorece o empoderamento por meio do controle social, nem estimula o
mercado local.

Em alguns países com regulamentação implantada, está ocorrendo a redução do número


de unidades certificadas, como no México, na Costa Rica e também na Áustria.

Sistemas participativos de garantia

A tendência de aceitação dos SPG nas regulamentações nacionais dos países da América
Latina e Caribe é uma realidade. As oportunidades para o estabelecimento de acordos
de equivalência e de reconhecimento mútuo que favoreçam a harmonização das normas
dos produtos orgânicos é estratégia buscada pelos movimentos e deve ser buscada pelas
autoridades competentes, com a liderança do Brasil.

A importância dos SPG para o desenvolvimento da agricultura orgânica pode ser


avaliada pelas seguintes vantagens que proporcionam:

»» Assistência técnica e correção das não conformidades diretamente no


processo de avaliação da conformidade, diferentemente da certificação.

»» Formação de todos os atores da rede de produção e comercialização de


produtos orgânicos; organização dos produtores e identidade do grupo
ao estimular a participação colaborativa e o poder compartilhado no
estabelecimento, além da implementação dos critérios/acordos do
sistema de controle da qualidade orgânica.

»» Difusão dos conceitos e princípios da agricultura orgânica.

Envolver os atores dos canais de comercialização e consumidores na discussão e prática


dos SPG. Ter consciência da responsabilidade de que participar do sistema de garantia
da qualidade é uma ação de longo prazo. Deve-se:

»» Estabelecer relações nos circuitos longos de comercialização (venda


indireta). O desafio é criar reputação (longo prazo) sem onerar muito.

»» Uniformizar não é padronizar. O limite é manter a diversidade de


relações sociais nos arranjos produtivos e comerciais tendo como desafio
a multiplicação dessas garantias de qualidades identificadas e valoradas

55
UNIDADE II │ O sistema agroecológico atual

pelos consumidores no âmbito local, regional, nacional, continental e


internacional.

»» Casos de efetividade da aplicação dos SPG e reconhecimento nos


mercados são resultado de ações de longo prazo, que têm a participação
de organizações de assessoria privada (ONGs), envolvem alto grau de
organização e gerenciamento e ações de cooperação muito grandes. O
desafio é quanto ao montante elevado e ao longo prazo de investimentos
financeiros e humanos nessas atividades.

»» Estabelecer transversalidade nas políticas públicas e privadas em âmbito


nacional, estadual e municipal.

»» Ter consciência de que os princípios da agricultura orgânica e do comércio


justo e solidário trabalham com bens públicos. Há no Brasil a cultura
de pouco investimento do setor privado em bens públicos. O Estado
é responsável por fornecer e cuidar de bens públicos, como ecologia e
justiça social, preconizados pela agricultura orgânica e pelo comércio
justo e solidário.

Os SPG são ferramentas para auxiliar a comercialização, e no tema mercado e


comercialização, tem que se investir também na organização da produção para atender
às diferentes exigências dos diferentes canais de comercialização e nas relações
comerciais e de consumo. Os custos diretos para os produtores podem ser pequenos,
mas são maiores os custos indiretos ligados ao tempo dedicado pelos atores ao SPG,
gastos com deslocamento e assistência técnica para a correção das não conformidades
e registros, que desafiam a sustentabilidade dos SPG.

Deve ficar claro que os SPG surgem naturalmente, como necessidade de um grupo
organizado comercializar seus produtos de forma organizada e identificada com uma
qualidade específica. Existe muito trabalho dos produtores para terem participação
ativa na construção e manutenção do sistema de garantia das qualidades.

Para o cálculo do custo de certificação, devem ser consideradas a taxa de elaboração do


relatório técnico e os gastos com a visita do inspetor à unidade de produção (distância,
tamanho da unidade de produção, número de espécies envolvidas). Além disso, há
certificadoras que cobram porcentagem sobre o faturamento bruto como justificativa
para o uso do seu selo. Assim, a certificação individual custa cerca de R$ 700,00 por ano.
Entretanto, quando é feita em grupo de pequenos produtores, o custo da certificação
pode baixar para cerca de R$ 120,00. Em 2007, a acreditação de um organismo de
avaliação da conformidade (certificadora) custava em torno de R$ 5.000,00 por ano.

56
O sistema agroecológico atual │ UNIDADE II

Às vezes, o organismo acreditador cobra percentual do faturamento do organismo


de certificação pelo uso da marca do organismo de acreditação. Existem países que
estimulam a acreditação dos OACs, como é o caso dos EUA. Nos países que não dão
incentivos, muitas vezes acontecem fusões de pequenas certificadoras locais e regionais
para ganhar em escala e possibilitar o barateamento dos custos de certificação para os
pequenos produtores e de acreditação.

57
Os ramos da Unidade III
Agroecologia

Capítulo 1
Ramo agronômico

As abordagens transdisciplinares da Agroecologia são aquelas que valorizam e integram


diferentes tipos de sistemas de conhecimento, podem incluir disciplinas científicas
ou acadêmicas, bem como diferentes tipos de sistemas de conhecimento, ou seja,
experimental, locais, indígenas etc., bem como adotar um foco baseado em problemas.

A valorização do conhecimento gerado pelo agricultor desafia a pesquisa e o


desenvolvimento agrícola e a elaboração de políticas de suporte à produção e o bem-estar
social. O conhecimento empírico tem sido utilizado desde a fundação da Agronomia
como ciência para investigar, analisar e propor melhores técnicas que visem à boa
produção e a qualidade do que é produzido. Estes estudos permitiram a compreensão
das bases ecológicas da agricultura ecológica. O desenvolvimento de técnicas pela
observação e a prática é visto como uma fonte de conhecimento para conceituar e
aplicar os princípios da Agroecologia.

A incorporação do conhecimento local ou gerado pelo agricultor é um componente


importante para o pensamento e prática agroecológica. Os grupos de pesquisas
agroecológicas têm procurado integrar conhecimento do agricultor com pesquisa e
extensão e são bastante proveitosas quanto a resultados. Na última década, um número
crescente de estudos tem combinado Agroecologia com abordagens participativas de
formas diferentes.

A participação e interação da prática (produtores), mercado (consumidores) e cientistas


(pesquisadores) têm obtido resultados inseridos à realidade local, preservando os
costumes alimentares, a diversidade e as relações sociais.

O desenvolvimento da Agroecologia é possível pelo desenvolvimento das pesquisas que


comprovam a sua eficácia e as suas diretrizes. O estudo da Agronomia no campo do
desenvolvimento rural sustentável deve ser condizente com o conhecimento técnico-
científico necessário para o aprimoramento da Agroecologia.
58
Os ramos da Agroecologia │ UNIDADE III

Para tal deve-se buscar:

»» pesquisa científica, realizada isoladamente e de forma participativa;

»» conhecimentos relacionados à Agroecologia, formulados por diversos


autores, incluindo os fundadores das correntes clássicas e contemporâneas
na área agrícola;

»» conhecimentos tradicionais de agricultores familiares, povos indígenas,


comunidades tradicionais, ribeirinhos, quilombolas e da reforma agrária;

»» aprendizado acumulado na prática recente de construção de uma grande


variedade de sistemas sustentáveis em diversas condições locais do
mundo;

»» conhecimentos relacionados às ciências humanas e sociais, englobando


várias correntes do pensamento da teoria econômica e da sociologia
econômica, para explicar as diferentes formas de governança e formas
de coordenação construídas na rede de produção, comercialização e
consumo dos produtos da agricultura orgânica. A proposta é de uma
análise fundamentalmente interdisciplinar da ação econômica.

A Agroecologia embora pouco exigente em recursos tecnológicos comuns na Agricultura


Convencional, também necessita de resultados de pesquisas, experimentações e banco
de dados com informações estatísticas.

Os estudantes e pesquisadores de ciências agrárias devem desenvolver a capacidade de


lidar com o futuro, a complexidade e incerteza, e, portanto, estarem preparados para
procurar e responder a perguntas difíceis que ainda não foram feitas. Em uma cultura
universitária de curiosidade e compromisso, precisamos de ambientes que preparem
os alunos para lidar com a mudança, abraçar múltiplas dimensões do desafio alimentar
e estabelecer interações participativas com clientes, comunidades e instituições de
ensino, pesquisa e extensão.

A conexão entre cientistas e consumidores com as origens de seus alimentos e


sensibilização da importância do ambiente natural preservado, incentivaremos o
apoio da sociedade para a pesquisa agrícola e de engenharia de produção de alimentos
como recursos sustentáveis a longo prazo. O ambiente acadêmico deverá fornecer um
modelo de trabalho integrado e transdisciplinar para sustentar os sistemas agrícolas e
alimentares regionais.

O campo profissional de ciências da terra deve apresentar novas abordagens para


os problemas agrários são requeridas, reconhecendo na diversidade cultural um

59
UNIDADE III │ Os ramos da Agroecologia

componente insubstituível, com estratégias apoiadas em metodologias participativas,


enfoque interdisciplinar e comunicação horizontal. A Agroecologia, enquanto ciência
integradora de distintas disciplinas científicas, tem a potencialidade para constituir a
base de um novo paradigma de desenvolvimento rural sustentável (CAPORAL, 2005).

De acordo com Almeida (2000), pode-se descrever algumas iniciativas metodológicas


em relação às atividades de Agronomia e Agroecologia:

a. A análise do “perfil de cultivo”, por meio do desenvolvimento de um


conceito operacional apoiado sobre uma teoria da evolução dos solos
cultivados, permitindo estudar a população vegetal, o solo, o clima e as
intervenções do homem.

b. A atenção à “vocação dos solos”, em oposição à tendência do período


de industrialização da agricultura, que negligenciou a especificidade
das áreas de plantio por meio do desenvolvimento de insumos como
fertilizantes, sementes melhoradas etc.

c. A ideia de “práticas agrícolas” remete, necessariamente, à problemática


do desenvolvimento rural. Esta, funda-se na hipótese de que as barreiras
à inovação técnica estariam ligadas a uma inadaptação do “progresso
técnico” proposto para situações concretas.

d. Por fim, destaca-se a construção de uma agroecologia, esta como


espaço privilegiado de pesquisa e reflexão para a agronomia, apoiando-
se no uso potencial da diversidade social e dos sistemas agrícolas, no
desenvolvimento local, descentralizado.

Os consumidores têm buscado cada vez mais informações sobre os produtos para se
decidir na hora da compra. Isso também ocorre com os alimentos. A procura pela
qualidade, a rejeição por agrotóxicos têm sido elementos que mudam a relação dos
consumidores com os alimentos. Isso demanda produtos mais saudáveis, cujo processo
produtivo respeita o meio ambiente de maneira integral. Essa realidade conduz a
produção de alimentos agroecológicos e orgânicos nas unidades rurais familiares, onde
a qualidade do produto é considerada fator básico e, por isso, recebe toda a atenção de
quem produz e de quem orienta: os extensionistas rurais.

O financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar


(Pronaf) para sistemas de produção de base agroecológica ou orgânicos tem papel
importante na viabilidade desse modelo para a agricultura familiar. A linha de crédito
conta com o Seguro da Agricultura Familiar que contribui para a redução de custos e
riscos da lavoura.

60
Os ramos da Agroecologia │ UNIDADE III

O conjunto dessas ações e atores – de técnicos de Ater, agentes financeiros, organizações


não governamentais, agricultores familiares e organizações econômicas da agricultura
familiar – garante o aumento na produção de alimentos saudáveis, maior oferta de
produtos com valor agregado, aumento da renda do agricultor familiar e a dinamização
da economia local.

Para que haja um comprometimento mútuo do técnico e das pessoas da unidade


familiar de produção e para que exista um compromisso de continuidade no processo
de transição agroecológica, é necessário que o extensionista elabore, junto com a família
do agricultor familiar, um plano de transição de base agroecológica ou orgânica com
duração de alguns anos, tempo suficiente para a complementação da fase de transição.

O projeto é o estudo técnico, elaborado pelo extensionista ou técnico que faz a orientação
à unidade familiar de produção, em que consta o orçamento de aplicação dos recursos,
as receitas previstas, as medidas eventualmente necessárias para a adequação da
unidade familiar às exigências de defesa do meio ambiente, a duração da orientação
técnica e as épocas mais adequadas à sua prestação.

O projeto técnico não poderá contemplar o uso de fertilizantes sintéticos de alta


solubilidade, agrotóxicos sintéticos, aditivos sintéticos utilizados na alimentação animal,
reguladores sintéticos de crescimento e organismos geneticamente modificados;
conforme Portaria no 38 do Ministério do Desenvolvimento Agrário, de 4 de julho
de 2014.

61
Capítulo 2
Ramo ambiental

A agricultura orgânica refere-se a um sistema que melhora a fertilidade do solo por


meio da maximização da utilização dos recursos locais, enquanto afasta o uso de
agroquímicos, de organismos geneticamente modificados (OGM), bem como muitos
compostos sintéticos utilizados como aditivos alimentares. A agricultura orgânica se
sustenta em uma série de práticas agrícolas com base nos ciclos ecológicos que visam
minimizar o impacto ambiental causado pela indústria de alimentos, preservando a
sustentabilidade do solo a longo prazo e reduzindo ao mínimo a utilização de recursos
não renováveis.

As práticas naturais de agricultura fornecem um pano de fundo histórico da agricultura


orgânica com todo a sua evolução e aprimoramento de técnicas. Percebe-se, ao longo dos
anos como as práticas agrícolas afetam as características do solo: fertilidade, umidade,
estrutura e preservação. Os solos sob manejo orgânico possuem maior capacidade de
retenção de água do que solos intensivamente tratados, resultando em rendimentos
maiores em comparação com a agricultura convencional, em condições de escassez
de água. Devido à sua maior capacidade de armazenar carbono no solo, a agricultura
orgânica poderia representar um meio para melhorar a redução de CO2 se adotada em
larga escala.

Outro aspecto que o enfoque ambiental da Agroecologia possui é o baixo impacto sobre a
biodiversidade. Sistemas de agricultura orgânica em geral abrigam uma biodiversidade
de flora e fauna maior do que os sistemas convencionais. Em muitas áreas que já
passaram pela transição para a produção orgânica apresentam recuperação de espécies
nativas, melhoria da qualidade da água, mananciais e até aumento da biodiversidade
anteriormente degradada.

O uso racional de fontes energéticas, seu baixo consumo e geração alternativa de


na propriedade são fatores que são considerados e compõem a gama de práticas
sustentáveis em propriedades rurais sustentáveis já que a agricultura orgânica tem
maior eficiência energética (entrada/saída). A inibição do uso de produtos químicos
prejudiciais e sua disseminação no ambiente e ao longo da cadeia trófica talvez seja o
benefício mais facilmente perceptível pelos produtores e pela sociedade.

Outro aspecto a ser considerado é a conservação dos ecossistemas naturais e a recomposição


ou incremento da diversidade biológica dos ambientes modificados. A conservação da
agrobiodiversidade é fundamental para manter a autonomia e a sustentabilidade da

62
Os ramos da Agroecologia │ UNIDADE III

produção. Essa visão nos remete à necessidade de se entender a dinâmica do conjunto dos
recursos naturais, não só da unidade de produção, mas também no contexto do território
onde está inserida.

Até cerca de quatro décadas atrás, o rendimento das culturas em sistemas agrícolas
dependia de recursos internos, reciclagem de matéria orgânica, construído em
mecanismos de controle biológico e os padrões de chuva. Os rendimentos agrícolas
eram modestos, mas estáveis. A produção foi salvaguardada por eventos aleatórios de
condições meteorológicas severas e controle pragas e doenças. A nutrição das plantas
era obtida pela rotação das principais culturas com leguminosas. Por sua vez as rotações
suprimiam insetos, ervas daninhas e doenças, quebrando eficazmente os ciclos de vida
dessas pragas. A maioria do trabalho era feito pela família com a ajuda de funcionários
eventuais e nenhum equipamento ou serviço especializados. Neste tipo de sistema
agrícola, a ligação entre agricultura e ecologia era bastante forte e sinais de degradação
ambiental raramente eram evidentes.

A modernização agrícola progrediu, a ligação de cultivo e Ecologia foi muitas vezes


quebrada por princípios ecológicos que foram ignorados ou substituídos. Na verdade,
vários cientistas agrícolas chegaram a um consenso de que a agricultura moderna
enfrenta uma crise ambiental.

Um número crescente de pessoas tornou-se preocupada com a sustentabilidade a


longo prazo nos sistemas de produção de alimentos existentes. A evidência acabou
mostrando que, enquanto a tecnologia e sistemas de produção intensiva de capital têm
sido extremamente produtivos e competitivos, eles também trazem uma variedade de
problemas econômicos, ambientais e sociais.

Também está provado que a própria natureza da estrutura agrícola e as políticas vigentes
conduziram a esta crise ambiental, favorecendo a utilização de grandes fazendas, a
produção especializada, monoculturas agrícolas e mecanização. Hoje, como cada vez
mais agricultores estão integrados à economia internacional, a biodiversidade fica
comprometida e as monoculturas são recompensadas pelas economias de escala.

Por sua vez, a falta de rotações e diversificação tiram os principais mecanismos


de autorregulação, transformando monoculturas em agroecossistemas altamente
vulneráveis dependentes de grande quantidade de insumos químicos.

De uma perspectiva ecológica, as consequências regionais de especialização monocultura


são muitas vezes:

a. A maioria dos sistemas agrícolas de grande escala apresenta uma


conformação mal estruturada de componentes agrícolas, quase sem

63
UNIDADE III │ Os ramos da Agroecologia

vínculos ou relações de complementaridade entre sociedade, culturas,


plantas e animais.

b. Apesar da quantidade substancial de resíduos de culturas e estrume


produzido nas fazendas, está se tornando cada vez mais difícil reciclar
nutrientes, mesmo dentro dos sistemas agrícolas tradicionais. Resíduos
animais e vegetais não são economicamente viáveis em um processo de
reciclagem de nutrientes, pois os sistemas de produção são geograficamente
distantes de outros sistemas que completam o ciclo. Em muitas áreas,
os resíduos agrícolas e da pecuária intensiva tornaram-se um passivo
ambiental ao invés de um recurso a ser utilizado. A reciclagem de nutrientes
dos centros urbanos de volta aos campos é igualmente difícil.

c. Parte da instabilidade e suscetibilidade a pragas em agroecossistemas pode


ser ligada à adoção de vastas monoculturas que concentraram alimentos
para herbívoros e insetos e pragas. Esta simplificação também reduziu as
oportunidades ambientais para os inimigos naturais. Consequentemente,
os surtos de pragas ocorrem frequentemente quando um grande número
de pragas imigrantes.

d. Como culturas específicas são expandidas para além das suas faixas de
vegetação nativa ou regiões favoráveis ao elevado potencial de pragas
ou com água limitada, ou solos de baixa fertilidade, intensificou-se os
controles químicos para superar tais fatores limitantes. O pressuposto
é que a intervenção humana e o nível de insumos que permitem essas
expansões podem ser insustentáveis no futuro.

e. Os agricultores convencionais testemunham um desfile constante de


novas variedades de culturas com a substituição de variedades nativas
devido a estresses bióticos e mudanças do mercado. A cultivar com
maior resistência a doenças e a insetos faz uma estreia, vai bem durante
alguns anos (normalmente 5-9 anos) e depois é sucedida por outra
variedade quando os rendimentos começam a cair, a produtividade está
ameaçada ou uma cultivar mais promissora se torna disponível. Assim,
a estabilidade na agricultura moderna depende de um fornecimento
contínuo de novas cultivares, em vez de uma colcha de retalhos de muitas
variedades diferentes plantadas na mesma fazenda.

f. A necessidade de subsidiar as monoculturas requer aumentos no uso de


pesticidas e fertilizantes, mas a eficiência do uso de insumos aplicados
está diminuindo e o rendimento das colheitas na maioria das principais
culturas tende saturar. Em alguns lugares, os rendimentos estão em
64
Os ramos da Agroecologia │ UNIDADE III

declínio. Existem opiniões diferentes quanto às causas subjacentes a este


fenômeno. Alguns acreditam que os rendimentos são nivelados porque
o potencial máximo de rendimento das variedades atuais está próximo
do limite, e, portanto, a engenharia genética deve ser aplicada para
redesenhar a cultura. Agroecologistas, por outro lado, acreditam que o
nivelamento se dá por causa da contínua erosão da base produtiva da
agricultura através de práticas insustentáveis.

65
Capítulo 3
Ramo socioeconômico

O conceito de Agroecologia está sendo mobilizado cada vez mais na sociedade, nas
universidades e nas áreas de produção agrícola e pecuária. No entanto, suas dimensões
socioeconômicas recebem pouca atenção de pesquisadores.

O que sabemos sobre a relação entre a Agroecologia e seus efeitos sobre os aspectos
socioeconômicos da subsistência dos agricultores? Não temos provas de que a
Agroecologia leva a impactos positivos como a criação de empregos e aumento da renda
e do bem-estar social?

As interações benéficas da sociedade local em sistema agroecológico fornecem evidências


e indicativos de que a Agroecologia tem impactos sociais e econômicos positivos, que
merecem consideração quando se pretende elaborar políticas e programas que melhorem
a segurança alimentar e nutrição. Longe de um conceito puramente agronômico, que
só é significativa no nível de cultura ou de produtor, a Agroecologia tem um olhar mais
abrangente em muitos níveis de sistemas alimentares, sociais e culturais.

Para se ter uma melhor compreensão do que os princípios socioeconômicos da Agroecologia


podem abranger, deve-se olhar para os movimentos agrícolas que são alternativas para a
agricultura convencional, o comércio justo, o movimento cooperativo, e o movimento de
economia social e solidária, ou seja, quatro correntes pertinentes de Agroecologia.

Com uma evidência relativamente forte, o tema patrimônio ambiental é visto como
decorrente de princípios agroecológicos bem definidos, assim como o pouco uso de
insumos químicos em qualquer fazenda agroecológica. Além disso, de acordo com os
movimentos sociais, o ser humano é considerado como parte da natureza e do cosmos.

A mercantilização de qualquer forma de vida é rejeitada. A redução de entradas externas


em práticas agroecológicas é considerada importante para o meio ambiente como
também para a promoção da independência financeira dos agricultores em relação às
agroindústrias.

O tema do acesso ao mercado e autonomia são o objetivo dos grupos de pequenos


produtores, que promovem o comércio transparente e autônomo para enfrentar os
mercados mundiais e favorecer a autogovernança.

Outras fontes sublinham a importância da diversificação das explorações agrícolas


agroecológicas, a fim de permitir a autonomia em relação ao mercado. A diversificação

66
Os ramos da Agroecologia │ UNIDADE III

também é vista como a melhoria da sustentabilidade e adaptabilidade do sistema


enfrentar choques socioeconômicos e as mudanças climáticas.

Tem-se demonstrado que as partes interessadas no sistema alimentar são capazes de


organizarem-se a fim de salvaguardar as suas atividades e garantir a relevância social
e viabilidade econômica das práticas. É claro, no entanto, que os desafios permanecem
e, portanto, nenhum dos exemplos práticos existentes deve ser tomado como soluções
de “copiar e colar”.

A Agroecologia sugere um ambiente natural e socioeconômico, onde o alimento é


produzido e apela para o desenvolvimento de inovações dentro deste contexto preciso.

A educação ambiental e os trabalhos de disseminação das razões e qualidades da


Agroecologia são uma ferramenta precisa para a mudança de padrão produtivo. Ritter
(2013) aponta que a educação ambiental embasada em uma abordagem crítica forma
cidadãos mais preparados para a reversão dos quadros de degradação ambiental e
social. Em síntese, o desafio consiste em mudar a relação sociedade e recursos naturais,
o que exige simultaneamente o desenvolvimento sustentável e a incorporação da
agroecologia nos modelos agrícolas atuais.

Os conceitos e princípios da Agroecologia são abordados pela educação ambiental


que pode ser utilizada como um mecanismo que caminha a partir da sensibilização
até a transformação de cidadãos quanto à sua consciência social e ambiental. Hoje, a
educação ambiental é entendida como a educação para a ação, a partir de um complexo
interdisciplinar que parte da perspectiva da vida cotidiana no contexto dos processos
educacionais, e procurando promover a adesão (individual e coletiva) para a mudança
social, ambiental, cultural e econômica projetado para resolver a crise ecológica
instalada atualmente.

Enquanto o conhecimento e a sensibilização para as questões ambientais têm se


expandido significativamente, a degradação ambiental piora, bem como as suas
consequências sociais. São desafios aos educadores ambientais a proposta de ações e
correntes que busquem solução sustentáveis em curto, médio e longo prazo.

Na verdade, a educação ambiental, que tem sido chamado de “linha verde”, trouxe o
debate da natureza à sociedade. Este ponto de vista da natureza tem sido associado a
uma política de gestão de áreas naturais e rurais protegidas com foco na sua capacidade
de gerar atividade econômica e turística como uma forma de manter a população rural
evitar o êxodo rural.

De acordo com os objetivos que procuramos em cada intervenção, a Agroecologia pode


fornecer conteúdo ou técnicas diferentes. Isso faz com que a intervenção agroecológica

67
UNIDADE III │ Os ramos da Agroecologia

possa assumir muitas formas, desde os processos de conscientização sobre determinadas


questões locais, para a revitalização de processos abrangentes do desenvolvimento rural,
por meio de aspectos mais técnicos, como os relacionados com a prática agronômica.

Em abordagens agroecológicas, as intervenções de sensibilização são adaptadas aos


aspectos da realidade local relacionadas com a agricultura, alimentação, manejo da terra
ou certos aspectos históricos da gestão dos recursos naturais a serem implementadas.
Certo que ligada a uma abordagem social, no qual a atividade humana está no centro
de educação ambiental.

A este respeito, a proposta da Agroecologia nos permite avançar em termos ambientais e


sociais, na discussão clássica da educação ambiental entre a consciência e transformação
da realidade, elevando os processos que integram ambos os aspectos da intervenção
sobre as questões ambientais. A premissa é colocar a comunidade no centro dos
processos de transformação social.

As pesquisas têm mostrado que a Agroecologia é flexível e dinâmica o suficiente para ser
adaptada a diversas condições socioeconômicas e ambientais; e é fácil para as pessoas
integrarem-se ao sistema e adotá-lo de forma eficaz.

A transição agroecológica dos sistemas de produção agrícola é um processo complexo


que implica mudanças técnicas e sociais. De forma geral, a trajetória de transição
agroecológica surge de teorias da inovação social e territorial. A transição agroecológica
leva a uma mudança social destinada a satisfazer as necessidades humanas básicas
para as populações mais enfraquecidas. Implica em processos de aprendizagem,
transformações das relações sociais e de consolidação dos arranjos sociais, bem como
uma modificação das condições de governança do desenvolvimento e regiões, para
apoiar a integração social e inserção política dos camponeses.

As inovações são condizentes com a cultura e hábitos alimentares do território, entendido


como um espaço de construção de uma identidade coletiva, de debate e institucionalização
dos processos de transição agroecológica. Consequentemente, isso implica uma variedade
de inovações técnicas, sociais e institucionais, nem sempre fáceis de serem absorvidas.
Para apoiar estas inovações, uma nova leitura das práticas socioprodutivas é necessária,
baseada na adaptação das atividades, procedimentos e engajamento da população.

68
Capítulo 4
Ramos político e legal

Os aspectos políticos e legais estão no centro da política de conhecimento e legitimidade


em torno da agricultura e da alimentação. Quando as pessoas aceitam práticas alimentares
industriais como imposição e padronização, elas estão consentindo a sua utilização e
existência. Com a sua legitimidade, sistemas alimentares industriais contradizem o
crescimento da agricultura alternativa, incluindo a agroecologia. Questões sobre como
a agricultura alternativa pode alcançar sua própria legitimidade e validação, como outro
caminho em relação aos alimentos industriais ainda não atraiu satisfatoriamente a
opinião popular.

As atividades agroecológicas podem crescer em uma teia de processos de legitimação


científica, política, social e jurídica. Muitas vezes a consolidação de produtos e princípios
agroecológicos passe por testes de credibilidade com opiniões diversas e conflitantes
entre si.

Os agroecologistas tendem a navegar nestes conceitos múltiplos buscando a legitimação


dos seus princípios por inúmeros benefícios econômicos, sociais e ambientais que são
alcançados pela prática agroecológica.

Durante a consolidação dos sistemas agroecológicos, muitas críticas feitas à agricultura


alternativa centram em desmerecer o seu fundamento científico. Realmente não havia
pesquisas científicas suficientes para atestar a eficácia daqueles sistemas. No entanto, com
o passar dos anos, vários pesquisadores buscaram evidências que as práticas alternativas
traziam benefícios à saúde humana, à justiça social e ao meio ambiente, principalmente.
À medida que a produção orgânica mostrava seus benefícios, sua aceitação e adoção
foram se tornando maior, e passou a envolver, produtores, consumidores e os governos.

Uma razão fundamental para esta transição é a legitimidade: os governos passaram a


dar atenção aos processos agroecológicos de produção agrícola, pois acreditavam que a
via alternativa de produção merecia regulação e legitimação, com o estabelecimento de
regulamentos e leis. Os sistemas de certificação autônomos por entidades certificadoras
já haviam sido criados e preenchiam este vazio da demora dos governos em normatizar
os processos e a qualidade da produção.

A grande conquista da participação das leis se deu em razão da demanda de mercado


e das intervenções sociais que permitiram aos consumidores identificar e adquirir
produtos certificados. O grande apelo dos consumidores é proteger sua saúde e de suas
famílias contra os riscos dos agrotóxicos.
69
UNIDADE III │ Os ramos da Agroecologia

Os órgãos normatizadores, como o Ministério da Agricultura, são as autoridades que


tecem a tomada de decisão em relação ao conhecimento científico produzido, os anseios
dos consumidores e as questões políticas e sociais; esse processo de criação de leis
estabelece a legitimidade do setor.

As normas e práticas em uso pela Agroecologia estão hoje em dia, cobertos por pesquisas
científicas de rigor na investigação agrícola dos resultados alcançados. Ao aumentar a
transparência da investigação científica, a diversidade metodológica encoraja o trabalho
transdisciplinar e fomenta a ciência baseada na investigação com financiamento público
relacionado com princípios agroecológicos, desta forma podemos facilitar o caminho
para a Agroecologia para ser considerada cientificamente legítima. No brilhante trabalho
de Wezel et al. (2009) percebe-se como as dimensões da ciência, prática e movimento
social criam espaços para a construção da legitimidade dentro e fora da Agroecologia.

O ciclo de produção da Agroecologia centra suas ações em princípios éticos dos sistemas
alimentares, com respeito e atenção em todas as fases da cadeia produtiva. Esta pode
ser uma das razões de sua melhor aceitação nos últimos anos, o caminho alternativo que
traz inúmeros benefícios e de forma transparente, sem produtos químicos escondidos
nos alimentos e com preservação de recursos naturais.

Muitos agroecologistas fazem parte dos movimentos sociais, embora eles podem ou não
ser os cientistas. Por exemplo, a Via Campesina e o Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST) no Brasil aceitaram a agroecologia como uma filosofia fundamental em
seu trabalho de organização, na sequência, debates internos perenes, e ainda em aberto
ONGs, grupos comunitários e públicos divergem em suas opiniões sobre a legitimidade
da ciência ao abordar a Agroecologia. Alguns acreditam que a ciência pode fornecer
valiosos aliados e provas em apoio às agriculturas alternativas. Mas alguns grupos de
agricultores e movimentos camponeses podem rejeitar a ciência como subjugação,
com base na história da ciência, por exemplo da Revolução Verde e sobre a política
contemporânea de culturas e animais geneticamente modificados. A seus olhos, a ciência
tem o hábito de desvalorizar o patrimônio cultural e o conhecimento experimental dos
povos locais ou indígenas.

Da mesma forma, muitos agricultores abraçam práticas orgânicas com enfoque da


ciência agrícola como catalisador da destruição do que eles veem como solos saudáveis.
Seu ceticismo não é necessariamente enraizado na antipatia para a ciência, por si só
– mas nas maneiras que a ciência tem favorecido certas visões de mundo ocidentais –
centrados e reducionistas. Por outro lado, alguns grupos de consumidores e movimentos
populares podem rejeitar a ciência em princípio; eles podem ter uma visão religiosa,
mística, ou política do que conta como conhecimento significativo e aproveitável.

70
Os ramos da Agroecologia │ UNIDADE III

A prática dominante, ainda da Revolução Verde, é a sinergia entre a ciência da nutrição,


a engenharia genética e grandes recursos financeiros colocados na pesquisa agrícola de
larga escala juntamente com as indústrias de alimentos para a produção de alimentos
cada vez mais padronizados, de baixo custo e preços sujeitos à especulação.

Um mínimo de qualidade é exigido por normas que permitiram empresas de alimentos


industriais em construir cadeias de suprimentos complexas; assegurar o controle de
qualidade e segurança dos alimentos em todas as localizações geográficas distantes dos
pontos de produção (conservantes) para transformar a matéria agrícola em produtos
negociáveis e atrativos mercadologicamente. A indústria da alimentação foca no
uso intensivo de tecnologias para a produção, processamento, transporte, varejo e
marketing em detrimento da qualidade nutricional de seus produtos.

Como os sistemas industriais de alimentos começaram a oferecer peixe, frutas, nozes,


carne e verduras durante todo o ano, os consumidores se acostumaram à aparente
confiabilidade desta generosidade. Portanto, a agricultura industrial reflete atributos
poderosos da ciência, desta vez direcionada à produção em larga escala. Não significa
que a ciência esteja exclusivamente a serviço das complexas cadeias comerciais de
alimentos, mas estas investem maciçamente em pesquisas para referendar seus
produtos, enquanto a ciência que desenvolve pesquisas em torno da Agroecologia
conta com o comprometimento de seus pesquisadores apoiados por poucos programas
de pesquisa.

Uma lógica subjacente que contribui para a força da agricultura industrial é o dogma
que os seres humanos devem exercer controle sobre a natureza. Houve muito trabalho
acadêmico em antropologia, etnobiologia e geografia humana, entre outras disciplinas
que investigam como as sociedades se relacionam com seus ambientes. O sucesso da
moderna agroindústria tem sido persuadir esse costume industrial mundial em prática
produtivista. Seja na forma de sprays de pesticidas, paisagens desflorestadas para cultivo,
ou tecnologias de reprodução animal, as pessoas entendem-se fundamentalmente
distintas da natureza, com a responsabilidade de trazê-la sob controle.

O trabalho dos cientistas torna-se então desenvolver as ferramentas e tecnologias


que permitam tal subjugação de ocorrer. O trabalho dos agricultores, por sua vez,
tornou-se empunhar essas ferramentas no chão além de simplificar e racionalizar
paisagens. A agricultura industrial também é tecida profundamente no mercado e
em instituições governamentais de ações políticas para imbuir a agricultura com
legitimidade considerável ao favorecer determinadas linhas de pesquisa, tecnologias
e desenvolvimento de mercado. As commodities agrícolas (produtos de larga escala
global) são resultado da agricultura industrial.

71
UNIDADE III │ Os ramos da Agroecologia

Os subsídios para a produção e comercialização são destinados principalmente para


produtores de commodities, mas não para os agricultores que utilizam métodos
diversificados. As agências governamentais e instituições financeiras de crédito
rural são formadas e organizadas em termos de necessidades agrícolas industriais.
Financiam a pesquisa, o ensino e a extensão na agricultura convencional e direcionam
poucos recursos para a agricultura em comparação com o financiamento para o
mercado majoritário. O resultado se mostra com mais pesquisas, mais de publicações,
desenvolvimento tecnológico em apoio à agricultura produtivista em um efeito de “bola
de neve”.

É inegável o poder dos grandes centros de comércio agrícola internacionais na legitimação


industrial de alimentos em muitas regiões desde a década de 1940. No regime alimentar
neoliberal atual, uma série de acordos de livre comércio bilaterais e multilaterais torna
cada vez mais difícil para os pequenos produtores, diversificados, especialmente nos
países em desenvolvimento, em manter os seus sistemas de produção de alimentos
pelos métodos locais, impactando inclusive na agrobiodiversidade de espécies
alimentares regionais.

Em nível institucional, departamentos governamentais, tribunais, universidades e outros


organismos também devem vir a integrar a agroecologia em suas culturas e procedimentos.
Os sistemas de produção fazem a agregação de meios científicos, políticos, sociais, legais,
econômicas entre outros para a construção e estabilização dos interesses.

Os órgãos governamentais têm tornado cada vez mais evidente a forma como a ciência
tem permeado a organização e a prática destes órgãos. Departamentos burocráticos
formam seus repertórios administrativos em torno do conhecimento e de instrumentos
técnicos, muitas vezes em aliança com cientistas e engenheiros envolvidos com meios
industriais de produção. Usando os princípios de gestão científica, os governos se
esforçam para maximizar a extração eficiente de florestas, água e recursos terrestres
para o bem-estar público. Neste caso, vê-se um direcionamento para o uso mais racional
e de preservação dos recursos naturais. A interação dos diversos grupos de interesse e
as evidências sobre o meio ambiente e a sociedade, trouxeram o uso de ferramentas
quantitativas, como análise de custo-benefício e avaliações de risco, para padronizar e
justificar as decisões políticas por razões objetivas.

As atividades políticas no parlamento das nações com vocações agropecuárias


sofrem pressão de grupos de interesse das agriculturas convencional e ecológica.
Historicamente houve uma dominância por grupos ligados à indústria e à pesquisa
científica. Esta dominância leva os governos a direcionarem o orçamento público para
influenciar substancialmente os rumos da pesquisa científica por meio de suas decisões

72
Os ramos da Agroecologia │ UNIDADE III

e prioridades de financiamento. Os regimes de subvenção competitivos favorecem


os produtores ligados aos processos tradicionais de produção que possuem melhor
aceitação entre os consumidores.

Nas duas últimas décadas viu-se no Brasil a intensificação das atividades políticas e
legislativas em torno da regulamentação das atividades agroecológicas. As práticas
ficaram mais evidentes, os consumidores mais conscientes e isso refletiu nas esferas
governamentais.

73
O futuro da Unidade IV
Agroecologia

Capítulo 1
Perspectivas dos ramos da agroecologia

Como ciência em construção, com características transdisciplinares, a Agroecologia


necessita da participação efetiva de diversas ciências e disciplinas, como a Agronomia,
a Biologia, a Economia, a Sociologia, a Antropologia, a Ciência do Solo, entre outras.
Além disso, incorpora e reelabora o conhecimento tradicional das populações.
Ciência integradora, a ecologia fornece a base metodológica para a integração desses
conhecimentos.

Apesar dos evidentes problemas causados pela agricultura tradicional, esta ainda é
dominante, devido a sua facilidade e respostas imediatas, além do intenso bombardeio
ideológico que sofrem os agricultores por parte dos agentes de mercado, que lucram
com esse modelo de agricultura.

Paulatinamente, a Agroecologia vai ganhando respeitabilidade, tendo passado de


elemento da contracultura, na década de 1970, a disciplina acadêmica. Os inegáveis
resultados obtidos pelas diferentes linhas de pesquisa da área dão suporte a esse ganho
de respeitabilidade.

Inúmeras lacunas ainda estão em aberto e exigem um extraordinário esforço de


pesquisa, experimentação, teste em meio real para expandir o conhecimento na área e
a adoção de tecnologias agroecológicas por parte dos agricultores.

O acesso à internet e outros meios modernos de informação poderiam abrir um caminho


importante para o desenvolvimento agrícola baseado no conhecimento, mas esses meios
não podem continuar beneficiando somente aos mesmos setores que sempre tiveram
acesso ao capital e à tecnologia, deixando fora os milhões de agricultores familiares,
camponeses e os mais pobres da região. Neste sentido, cabe ao Estado reverter a
tendência neoliberal que destruiu os serviços de Extensão Rural em quase todas os
países, cumprindo com seu dever de ofertar este serviço que se caracteriza como um
“bem público”.

74
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

Não há dúvidas que o conhecimento científico de ponta (e ecologicamente correto)


terá cada vez maior custo, tenderá a ser restringido a alguns setores e dominado por
estratégias de poder econômico. Isso poderá determinar que as instituições públicas
de pesquisa e extensão rural fiquem cada vez mais debilitadas, sem possibilidades de
contribuir para que o conhecimento chegue por outras vias acessíveis aos agricultores
familiares e camponeses de menos recursos. Caberá ao Estado estar atento a este tipo
de problemática destinando recursos e estabelecendo políticas que possam superar
tais obstáculos. Ao mesmo tempo, devem ser apoiadas e estimuladas as milhares
de iniciativas de agricultores e técnicos, que têm avançado o desenvolvimento de
experiências baseadas no conhecimento agroecológico.

A inovação é um tema central na Agroecologia e práticas agrícolas inovadoras têm


consequências económicas, sociais e ecológicos. A difusão da inovação pode ser
definida como uma ideia, uma prática ou objeto que é disseminada em um grupo
ou individualmente. A inovação tem sido aplicada a principalmente no contexto da
“revolução verde”, onde novas práticas agrícolas, como fertilizantes e pesticidas são
ligados a aumentos em grande escala na produtividade agrícola em todo o mundo.
A perspectiva geral de que informações sobre novas práticas e produtos agrícolas fluem
através das redes de produtores rurais como forma de melhorar os rendimentos de suas
culturas. Nesse contexto a extensão rural tem um papel social importantíssimo como
agregador de valor.

As interações sociais na agricultura agroecológica são temas recorrentes em pesquisas


sociais, dada a sua particularidade e seu alcance em diversas comunidades com
características diferenciadas. Muitas vezes o objeto de pesquisa é dedicado a descobrir
os caminhos causais por meio dos quais as características e comunicação influenciam
o comportamento individual. Empiricamente é difícil determinar a influência social do
grupo porque as sociedades consistem de pessoas afins com comportamento similar e
as diferenciações são sutis.

Muitas vezes, o comportamento aponta para modelos de difusão simples de práticas


novas, como cultivo orgânico baseados em um modelo de imitação linear em que cada
interação com outro adotante aumenta a probabilidade de aprovação pelo sujeito
em análise. As teorias da evolução cultural podem identificar outras estratégias de
aprendizagem social, como a conformidade e imitação à base de prestígio, que podem
afetar a forma e a velocidade da inovação e da adoção de uma nova forma de cultivo
em determinada comunidade, por exemplo. A influência de diferentes características
estruturais dos indivíduos e famílias pode depender de aceitação e adoção de benefícios
privados e sociais da inovação. Isso pode ser particularmente importante em relação à
difusão de inovações por agentes de assistência técnica rural.

75
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

Milhares de parcerias locais têm evoluído em todo o mundo nas últimas duas
ou três décadas em direção à colaboração, cooperativismo e notadamente para a
economia solidária. Governos e agências internacionais de fomento e pesquisa estão
implementando projetos para ajudar as comunidades rurais a melhorar o bem-estar
econômico, ambiental e social.

Com todo o apanhado de complexidade da produção de alimentos, meio ambiente e


agroecologia, surge algumas indagações que trazem as discussões recentes para uma
análise técnica e científica. Os tópicos a seguir relacionam as principais discussões para
reflexão.

1. Como pode a agroecologia por uma abordagem científica e com valores


e sistemas éticos diferentes conviver com crescente preocupação pública
em muitos países em matéria de bem-estar animal e vários aspectos dos
sistemas de produção pecuária intensiva?

2. Como as perspectivas agroecológicas podem contribuir para uma


avaliação de riscos e benefícios das várias aplicações da biotecnologia
agrícola para produção alimentar, o ambiente, a saúde humana e a
segurança dos alimentos?

3. Qual o nível de produção de alimentos otimiza o bem-estar humano e


em qual escala (local, regional, nacional) e em que período de tempo
(sazonalidade)?

4. De que forma os sistemas integrados como a Permacultura e sistemas


agroflorestais, nomeadamente os sistemas de integração lavoura-
pecuária-floresta (ILPF), podem ser desenvolvidos para substituir
fertilizantes nitrogenados sintéticos, expandir a produção global de
alimentos (incluindo produtos de origem animal), e melhorar os meios
de subsistência dos pobres nos países em desenvolvimento, minimizando
a degradação ambiental e a perda de biodiversidade?

5. Quais são os pontos mais significativos entre as práticas de produção


agrícola, a qualidade dos alimentos e a saúde humana?

6. Como podem os princípios e práticas de agroecologia contribuir para


o controle de plantas invasoras nas lavouras que movimentam cifras
bilionárias com herbicidas?

7. Será que vai ser possível gerir a biodiversidade do solo como parte de uma
abordagem agroecológica para a manutenção da fertilidade das terras?

76
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

8. Que medidas serão mais eficazes na detecção de limiares de preocupação


ambiental e de saúde com o aumento da resiliência da agricultura sustentável
e do sistema alimentar em face de múltiplos fatores de mudança?

A reflexão e análise de respostas aos questionamentos citados são um exercício


preparatório para as pessoas que atuam diretamente com a assistência técnica junto a
produtores e que devem possuir habilidades imprescindíveis como:

»» realizar assistência técnica e a extensão rural;

»» conhecer as bases científicas e tecnológicas da Agroecologia;

»» saber trabalhar em equipe;

»» deverá ter iniciativa, criatividade, responsabilidade e capacidade


empreendedora;

»» deverá estimular a participação e o compromisso coletivo no


desenvolvimento de projetos agrícolas, utilizando práticas de cooperação
e organização entre agricultores;

»» desenvolver projetos agroflorestais e de recuperação de áreas degradadas;

»» atuar nos processos de certificação dos sistemas orgânicos, ecológicos,


solidários e agroecológicos de produção;

»» elaborar relatórios mensais descrevendo as atividades desenvolvidas;

»» realizar pesquisas e estudos que contribuam para o resgate das experiências


e conhecimentos dos agricultores e também para a geração e validação de
tecnologias adaptadas à realidade da agricultura familiar.

A despeito do grande apelo em relação à melhoria da alimentação humana e sua


consequente melhora na saúde das pessoas, a Agroecologia converge para outro aspecto
de suma importância: a biodiversidade, aqui tratada como agrobiodiversidade. Os
estudos e a conscientização trazem a perspectiva de convergir para que os movimentos
de preservação e recomposição ecológica tenham como justificativa, as consequências
benéficas da manutenção da biodiversidade dos ecossistemas.

Agrobiodiversidade
A produtividade e a resistência em muitos ecossistemas são variavelmente correlacionadas
com a diversidade espacial, temporal e genética. Os benefícios ecológicos oriundos pela
maior diversidade de espécies de culturas, genótipos e habitats na paisagem agrícola

77
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

podem aumentar a ciclagem dos nutrientes do solo, a retenção mineral, e regulação de


pragas e patógenos, e melhorar a polinização além de qualidade da água satisfatória.

A valorização e conservação da biodiversidade estão entrelaçadas ao longo destes


processos e são componentes integrais do controle biológico e manejo integrado de
pragas (MIP). Apesar da abundância de espécies individuais em uma comunidade
nativa diversa original, os seres da fauna e da flora podem variar em relação à adaptação
de cada um para condições prevalecentes, a resiliência pela evolução ano-a-ano e a
reprodução é reforçada pela diversidade genética e riqueza de espécies.

Por meio dos seus efeitos na redução das concentrações de fontes de alimentos e
habitat para pragas e doenças, a diversidade genética proporciona resistência ao
estresse biótico, como patógenos (fungos, vírus e bactérias), plantas invasoras e pragas
(insetos e artrópodes). O próprio agroecossistema busca equilibra-se quando há alguma
sobreposição de domínio biótico.

A rotação de culturas gera biodiversidade em uma escala temporal, com impactos


definidos sobre a saúde do solo, estado nutricional, insetos e microrganismos que
vivem no solo e espécies benéficas. A manutenção de refúgios de vegetação para
insetos benéficos e para os inimigos naturais das espécies mais vorazes representa
biodiversidade espacial em sistemas agrícolas.

Além da variedade de animais e plantas que são os produtos diretos da agricultura,


a agrobiodiversidade inclui a espécies benéficas que integram o bioma local e não
utilizados diretamente como produto da atividade agrícola (microrganismos do
solo, predadores, polinizadores). São seres de apoio à ciclagem de nutriente e
reequilíbrio ambiental. De todas as espécies de plantas utilizadas em todo o mundo
para a alimentação, apenas uma pequena fração representa a maior parte do cultivo.
Os costumes alimentares fazem com a agricultura seja pouco diversificada e tendendo
à monocultivos e monoculturas que podem levar a desequilíbrios ambientais quanto
à biodiversidade.

A agrobiodiversidade tem sido bastante reduzida por práticas de manejo da terra que
incluem a remoção de plantas oportunistas, limpeza da vegetação natural para expandir o
tamanho do campo, terraplanagem, cultivo intensivo, pesticidas, fertilizantes minerais,
propagação clonal, e plantação de monocultura extensiva.

Tais práticas maximizam a produtividade, com pouca atenção para consequências


ambientais e, em alguns casos, a qualidade do produto. Práticas destinadas a minimizar
os impactos ambientais, incluindo os impactos de pragas e doenças, muitas vezes,
inadvertidamente reduzem a utilidade e o equilíbrio do ecossistema.

78
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

O restabelecimento da agrobiodiversidade nos agroecossistemas requer uma


compreensão da oportunidade e necessidade, como determinado por cada ambiente.
Isso envolve as fases fundamentais da colonização pelas espécies: chegada, criação,
integração e disseminação, embora estes sejam comuns também em relação às espécies
que não interessam ao sistema produtivo, seja convencional ou agroecológico.

Organismos com uma distribuição geográfica mais ampla e diversidade ecológica são
mais propensos a se estabelecer em um novo ambiente. A eliminação ou redução de
uso de agrotóxicos é propícia para a criação bem-sucedida de inimigos naturais das
espécies de pragas; uma variedade de plantas e organismos proporciona refúgios,
fontes e viveiros de agentes de controle biológico.

Mudando a nossa atenção de controle de pragas a benefícios prestados por insetos, a


biodiversidade de abelhas é um componente importante tanto do nível de polinização
das culturas e sua estabilidade ao longo do tempo. Nos últimos anos, autoridades dos
Estados Unidos, têm demonstrado preocupação com a redução da população de abelhas
nas zonas rurais daquele país. Estima-se que a queda seja 42% (AGRONEGÓCIOS,
2015).

As abelhas selvagens, muitas vezes são negativamente afetadas pela perda de habitat
natural e outras práticas associadas à intensificação agrícola, no entanto, populações de
abelhas persistem onde os recursos florais e de nidificação suficientes estão disponíveis.

Embora as culturas de floração em massa possam beneficiar espécies individuais, a


diversidade de habitat naturais fornecem condições mais consistentes de reprodução e
dispersão do as observadas na agricultura intensiva.

Os estudos científicos da agrobiodiversidade abaixo do solo têm experimentado grandes


avanços na última década. Como exemplo, considera-se os avanços das pesquisas em
relação aos organismos fixadores de nitrogênio que de forma natural incorporam
este nutriente através das raízes. As plantas leguminosas, como soja, feijão e ervilha
dispensam adubação química com nitrogênio por viverem em prefeita simbiose com
bactérias nitrificantes benéficas.

O restabelecimento da cadeia alimentar do solo é um dos fundamentos para a utilização


de cultivos orgânicos. Os pesticidas têm impactos negativos sobre os níveis tróficos de
áreas de cultivo e acarretam a diminuição de organismos benéficos, seja por agrotóxicos,
seja pelo intenso revolvimento da terra.

O desafio é projetar os sistemas para que propiciem a criação funcional dos níveis
tróficos superiores e facilitem a relação de entre os seres que o compõem.

79
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

No nível intraespecífico, combinações de genótipos podem retardar a progressão


e gravidade das epidemias de doenças de plantas e infestação de pragas como já
comprovado em práticas agroecológicas.

Temporalmente, sequências de rotação de culturas podem ser utilizadas para construir


a fertilidade do solo, quebrar os ciclos de doenças, amplificar inimigos naturais, e
acelerar o declínio de espécies de pragas.

Algumas estratégias para a sustentabilidade futura podem beneficiar diferentes tipos de


organismos e ecossistemas, no entanto, a assistência governamental pode ser necessária
para propiciar uma base de conhecimento e divulgação O desafio permanente de buscar
práticas que, simultaneamente, proporcionem maior retorno ambiental, econômico e
social são as grandes perspectivas dos ramos da Agroecologia.

Agroecologia é um termo que tem recebido muita atenção desde que a Organização
para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) realizou um simpósio
internacional intitulado “Agroecologia para a Segurança Alimentar e Nutricional”.
Este simpósio representou um ponto significativo na história dos movimentos e de
repente a Agroecologia estava sendo apontada como uma solução legítima para o debate
“alimentar o mundo”, uma realidade que contrasta com a agricultura empresarial.
A agroecologia pode ser considerada a antítese da corrente convencional, incorporada
e conduzida em sistemas agrícolas baseados na monocultura.

Onde a agricultura convencional visa simplificar os sistemas de produção, a Agroecologia


abraça complexidade de fatores desprezados. Onde a agricultura convencional
visa eliminar a biodiversidade, a Agroecologia não só constrói a diversidade, mas
depende dela. Onde a agricultura convencional procura transformar os agricultores
em operários não qualificados, a Agroecologia é muito intensiva e democrática em
conhecimento. Onde a agricultura convencional é baseada em pacotes tecnológicos
pré-estabelecidos, a Agroecologia é construída sobre a compreensão de que os
problemas locais requerem soluções locais. Mas, possivelmente, o mais importante,
onde a agricultura convencional é em grande parte promotora de degradação, a
Agroecologia é baseada em regeneração.

O maior problema que as correntes de agricultura alternativa enfrentam tem origem nas
principais instituições e pessoas da agricultura convencional que abominam as ideias
conservacionistas por sua própria natureza. O foco central de sistemas agroecológicos
envolve a utilização dos recursos locais para criar sistemas de autossustentáveis.
Isso quer dizer que, em Agroecologia há muito pouco para vender, produz-se boa parte
dos insumos necessários.

80
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

É por esta razão que a Agroecologia é, muitas vezes, referida como mais do que uma
filosofia apenas agrária, mas também um movimento político. Em nenhum lugar essa
realidade mais evidente do que no recente Declaração do Fórum Internacional de
Agroecologia, na qual a declaração de abertura lê:

Agroecologia é a resposta para como transformar e reparar nossa


realidade material em um sistema alimentar e do mundo rural que foi
devastada pela produção industrial de alimentos e as suas chamadas
revoluções verde e azul. Vemos agroecologia como uma forma
fundamental de resistência a um sistema econômico que coloca o lucro
antes da vida.

Em alinhamento com a Declaração do Fórum Internacional sobre Agroecologia,


evento que reuniu representantes de movimentos sociais de todos os continentes em
fevereiro de 2015, em Nyéléni, no Mali, os representantes da sociedade civil presentes
no seminário reiteraram a sua defesa da Agroecologia como enfoque para a promoção
de transformações estruturais nos sistemas agroalimentares.

Enquanto o dinheiro investido em pesquisas agroecológicas é uma insignificância


quando comparado com investimentos em áreas tradicionais da pesquisa agrícola
convencional, a pesquisa agroecológica é sustentada pelo senso comum. Não é preciso
ser um cientista para entender que, na atualidade há degradação ambiental continuada
com práticas agrícolas que que ferem a sustentabilidade. A discussão que se faz não é
sobre efeitos danosos das práticas convencionais da agricultura, mas como podemos
utilizar práticas como a agroecologia para regenerar os ambientes naturais.

Existem verdades simples que já não podem ser ignoradas. Talvez a mais óbvia delas
é que, como os níveis de dióxido de carbono na atmosfera começam a ameaçar a
existência humana como a conhecemos, os solos oferecem a oportunidade mais óbvia
para sequestrar o carbono. Ainda mais do que isso, os solos são pobres em carbono e
a sua ciclagem natural os tornariam suficientes. O aumento do teor de carbono nos
solos é diretamente correspondente ao aumento da capacidade de retenção de água e
melhoria da fertilidade.

Em termos simples, somos confrontados com duas escolhas. A primeira é continuar as


práticas agrícolas convencionais que irão garantir a alimentação de gerações futuras
mesmo com o problema das alterações climáticas. A outra é começar a explorar e
implementar práticas agroecológicas que podem transformar a agricultura em parte,
como solução ambiental.

Um dos grandes defensores da Agroecologia como solução para as mudanças climáticas


atuais e para o desenvolvimento da ciência agroecológica tem sido o professor Miguel

81
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

Altieri, da Universidade da Califórnia em Berkeley. O mesmo possui mais de 200


publicações científicas e numerosos livros, incluindo o texto “Agroecologia: A ciência
da agricultura sustentável”.

82
Capítulo 2
Estudo de caso em comercialização de
produtos agroecológicos

Consumidores têm consciência limitada quanto aos rótulos orgânicos e princípios e


benefícios da agricultura orgânica controlada. Apesar dos atuais hábitos de compra
dos consumidores – diversidade, frequência, rapidez, frescor, entregas em domicílio,
compras pela internet, ambiente agradável de compra – que levam à compra de
alimentos em supermercados, outras feiras orgânicas foram implantadas em Niterói,
Paty do Alferes, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, aumentando a oferta nos
circuitos curtos de comercialização.

A história recente da agricultura orgânica controlada no Estado do Rio de Janeiro tem sido
marcada por ciclos de expansão e de retração do número de unidades controladas e da
oferta de produtos orgânicos. As consequências desses ciclos traduzem-se, por exemplo,
no lento crescimento do número de produtores orgânicos certificados/controlados
(neorrurais, agricultores familiares e pequenos produtores) pela ABIO nos últimos 10
anos (1998-2008) e nas estimativas dos volumes de produtos orgânicos produzidos e
comercializados no grande varejo e em outros canais. Apesar das iniciativas públicas e
privadas para estimular a conversão dos sistemas produtivos para a agricultura orgânica
controlada e da diversidade de experiências implantadas nas áreas de produção, há
poucas ações positivas de comercialização desenvolvidas.

Embora sejam raras as informações sobre o crescimento da demanda de consumo dos


alimentos e bebidas orgânicas nos últimos anos no Rio de Janeiro, percebe-se o aumento
do número de segmentos para escoamento (canais de comercialização), do número
de produtos orgânicos ofertados (in natura e processados), do número de marcas
(aparecimento das marcas dos supermercados) e do volume comercializado pelas redes
de varejo (supermercados, restaurantes, cestas em domicílio, vendas coletivas e lojas
de produtos naturais).

Adotando-se como unidade de análise os membros da ABIO do Rio de Janeiro, verifica-se


que, em fins de 2008, eram 211 (91% produtores, 6% processadores, 2% comerciantes
e 1% produtores de insumos). Ao se comparar com os 74 produtores membros em
1998, constata-se o crescimento de 185% em 10 anos. Em 2008, do total de produtores
da ABIO (191), 49% eram agricultores familiares, sendo que 26% destes (49) usavam
como forma de garantia o controle social por meio da venda direta em feiras orgânicas,
conforme previsto na Lei no 10.831, no Decreto no 6.323 e na Instrução Normativa no 19.

83
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

Em 74% dos produtores (agricultores familiares ou não) são certificados, comercializam


ou não nas feiras orgânicas organizadas pela ABIO e também em outros canais de
comercialização na modalidade venda direta (mercado institucional, venda na unidade
produção, entregas em domicílio, redes de consumo – compras coletivas) e indireta
(distribuidoras de produtos orgânicos certificadas pela ABIO ou não).

Feiras da agricultura orgânica


Figura 5. Feira de produtos orgânicos em Itu/SP.

Fonte: G1, 2013.

A experiência com as feiras orgânicas nos países da América Latina e Caribe servem de
estímulo ao desenvolvimento dos mercados locais, com apoio de ONGs e de Fundos de
Desenvolvimento Internacional. A importância da escolha por feiras específicas e não
pela oferta de produtos orgânicos em feiras convencionais, deve-se a alguns fatores:

»» Impacto visual: espaço alternativo para que se tenha segurança de que só


os produtos da agricultura orgânica são vendidos.

»» Espaço além do comercial que promove o encontro entre produtores e


consumidores para troca de experiências e saberes – valorização cultural.

»» Como nem todos os produtores são controlados, há necessidade de apoio


institucional e de espaço diferenciado que funcione como mecanismo de
garantia.

Lançou-se mão do arcabouço teórico de várias correntes do pensamento da teoria


econômica e da sociologia econômica para explicar as diferentes formas de governança e
formas de coordenação construídas nas redes de produção, comercialização e consumo
dos produtos da agricultura orgânica, sendo a proposta uma análise fundamentalmente

84
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

interdisciplinar da ação econômica. Foram realizadas entrevistas nas feiras selecionadas


em levantamento feito pelo GT Comercialização da Comissão da Produção Orgânica
do Rio de Janeiro (CPOrg-RJ), publicado durante a IV Semana do Alimento Orgânico.
Usando a metodologia de pesquisa-ação, os resultados do estudo de caso foram
apresentados e discutidos em oficinas com os produtores orgânicos das regiões
estudadas (dos núcleos da ABIO ou não), técnicos e elaboradores de políticas públicas.

Apesar do aumento do número de produtores, a produção (principalmente a pequena


de origem familiar) é punida pelas relações comerciais desvantajosas (prazos longos
de pagamento, aluguel do m² de prateleira, impostas pelos canais de comercialização
tradicionais). É fundamental conhecer o funcionamento, as estratégias e as
características de cada canal de comercialização para definir, de forma participativa,
ações direcionadas ao crescimento sustentável do setor produtivo e ao aumento do
consumo de forma consciente.

Para isso, foram visitadas 10 feiras no estado do Rio de Janeiro, o que corresponde a
53% dessas iniciativas, já que em 2009 foram identificadas 19 feiras que comercializavam
produtos orgânicos (controlados ou não) e/ou produtos da agricultura familiar, “da roça”.

A ABIO é responsável pela organização de 4 feiras (1 no Rio de Janeiro, 2 em


Niterói e 1 em Nova Friburgo). A criação de todas as feiras ocorreu por iniciativa
de órgãos públicos, de pessoas ou organizações interessadas em produtos orgânicos
e da agricultura familiar e dos movimentos sociais. Normalmente, as vendas são
feitas por agricultores familiares, que comercializam a maior parte da produção
(frutas, legumes e verduras, doces, geleias, queijos, pães, biscoitos) nesse canal, mas
não exclusivamente.

As principais características das feiras orgânicas e da agricultura familiar são:

»» Os feirantes são os próprios agricultores familiares que, em sua maioria,


têm origem rural e moram nas áreas em que produzem (com exceção de
Nova Friburgo, onde predominam os neorrurais, que têm outra fonte de
renda – aposentadoria, turismo rural).

»» Os feirantes são discriminados em suas comunidades por produzirem


sem o uso de agrotóxicos.

»» As feiras ocorrem em praças, parques ou em lugares fechados de livre


acesso ao público.

»» As garantias de que os produtos são orgânicos são fornecidas pelo controle


social ou pela certificação.

85
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

Os feirantes não se veem como concorrentes, mas como parceiros que trocam saberes,
mudas, sementes e insumos. As feiras são ambientes em que há espaço para atividades
de lazer e cultura e onde a relação entre produtores e consumidores é de confiança e de
amizade, além de local para a troca de conhecimentos sobre questões rurais e urbanas.
Os agricultores se sentem mais valorizados à medida que os consumidores criam
vínculos de fidelidade; os consumidores, por sua vez, sentem-se seguros em adquirir
produtos de qualidade, sabendo a origem e que são cultivados por pessoas que têm
preocupações ecológicas e humanitárias. A maioria dos consumidores desconhece a
regulamentação e os princípios da agricultura orgânica, mas afirmam que os orgânicos
são sem agrotóxicos.

Os principais pontos fortes identificados nas feiras são:

»» A troca de conhecimentos, saberes e sabores entre produtores, entre


produtores e consumidores e entre consumidores.

»» A possibilidade de exercitar melhor o controle social das qualidades


orgânicas e das garantias dos produtos orgânicos, identificadas pelos
consumidores devido ao envolvimento produtor-consumidor e às
organizações de apoio (públicas, privadas ou da sociedade civil).

»» A oferta de produtos frescos e com preços menores que nas redes do


grande varejo pela venda direta produtor – consumidor, o que, com o
tempo, leva à fidelidade da clientela.

As maiores dificuldades identificadas são:

»» O desconhecimento dos custos de produção e da formação de preço de


venda.

»» O uso de embalagens plásticas e a ausência de balança e de tabela com


preços.

»» A ausência de planejamento da produção para a venda, o que leva à ausência


de regularidade, quantidade e baixo padrão de qualidade sensorial nos
produtos ofertados.

»» O isolamento de alguns produtores e a pouca prática no transporte


coletivo/solidário dos produtos até os pontos de comercialização.

»» A pouca profissionalização dos agricultores e suas associações, que


esbarram na burocracia e na exigência de documentos, dificultando o
acesso às políticas públicas que favorecem o acesso a outros mercados
(mercados institucionais).
86
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

»» A falta de infraestrutura e de padrão mínimo: banheiros, barracas,


uniformes, divulgação, identificação do feirante, do local de produção
e da organização de controle social ou do organismo de avaliação da
conformidade.

As limitações das feiras dizem respeito ao pequeno volume de produtos orgânicos


vendido por família, que gera pouca renda, e aos atuais hábitos dos consumidores de
comprar nas grandes redes de varejo, principalmente nas cidades. O aumento do volume
pode ser alcançado com uma dinâmica de mão-dupla: planejamento da produção
e divulgação de novos pontos de venda aos potenciais consumidores de produtos
orgânicos. O aumento da produtividade e da qualidade dos produtos poderá ser obtido
com ações em parceria e construção do conhecimento agroecológico. As limitações para
o uso das feiras como canais de orgânicos estão relacionadas, também, à localização,
pois o estacionamento de veículos, o barulho e o lixo nas cidades tornam-se entraves à
sua instalação.

Na visão dos entrevistados, os maiores desafios enfrentados são:

»» Expandir as feiras orgânicas para outros locais na cidade do Rio de


Janeiro e para outros municípios.

»» Despertar o interesse dos jovens em continuar com a atividade agrícola.

»» Estabelecer parcerias entre os grupos de agricultores de regiões diferentes


para fornecer diversidade e regularidade de produtos às feiras locais.

»» Planejar a produção em grupo e processar os produtos na safra para


ofertar ao longo do ano.

»» As oficinas apontaram, também, outros desafios, como manter infraestrutura


mínima (banheiros, barracas padrões), regras claras e transparentes de
acesso às feiras por outros produtores e trabalho coletivo de destino das
sobras e lixo (orgânico e inorgânico) das feiras.

O trabalho concluiu que as garantias orgânicas fornecidas pela organização de controle


social de cada localidade e a satisfação dos consumidores das feiras mostram que a
regulamentação da agricultura orgânica controlada no Brasil está bem fundamentada,
baseada nas realidades de cada arranjo socioprodutivo local.

Os agricultores familiares e produtores orgânicos deverão estar cadastrados no Cadastro


Nacional de Produtores Orgânicos (CNPO) com vistas a comercializar suas produções,
o maior desafio será estabelecer os registros, podendo esta atividade ser alternativa
para o trabalho de jovens rurais.

87
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

A complementação da renda familiar com o escoamento de parte da produção em


outros circuitos curtos de comercialização (compras governamentais locais, cestas em
domicílio e vendas nas unidades de produção) é a estratégia buscada pelos orgânicos
do Rio de Janeiro. As visitas de técnicos e consumidores às unidades de produção e os
registros dos controles individuais de volumes vendidos nas feiras x produção prevista
servem para apoiar os sistemas de produção, estabelecer preços compatíveis com os
custos de produção e de comercialização e fornecer garantias dos produtos vendidos,
podendo a rastreabilidade dos produtos chegar aos grupos ou às famílias produtoras.

Os mercados institucionais de produtos orgânicos trazem inúmeros benefícios como:

»» Permitem a conscientização do produtor quanto à aplicação correta dos


insumos ao saber o destino dos seus produtos, além de favorecerem a
transição agroecológica.

»» Adquirem a produção orgânica com prêmio sobre o preço do produto


convencional.

»» Fortalecem a organização dos produtores e, consequentemente, o


fornecimento aos mercados locais (pequeno e grande varejo).

»» Viabilizam a pequena produção orgânica que não tem condições de


acessar mercados voltados para outras exigências específicas (grande
varejo, por exemplo).

»» Em nível local, favorecem políticas redistribuidoras de renda (doação a


creches, escolas, merenda escolar etc.).

»» Representam importante papel na convergência de atores locais


(prefeituras, associações e cooperativas) para as camadas mais
necessitadas da população (baixa renda); favorecem hábitos alimentares
relacionados à cultura local, que estimulam o consumo consciente e a
economia de energia não renovável (frete).

»» Permitem fornecer alimentação saudável pela oferta de produtos orgânicos


aos estudantes e à população em situação de insegurança alimentar.

No âmbito dos mercados institucionais, entendidos como aqueles constituídos pelas


relações sociais envolvidas nas compras governamentais destinadas ao atendimento
alimentar das populações que utilizam serviços públicos federais, estaduais e municipais,
e privados de caráter filantrópico, o projeto executado pela PESAGRO/RIO abordou,
especificamente, o PAA e a alimentação escolar. O foco foi a oferta de orgânicos à
população em situação de insegurança alimentar e às crianças na alimentação escolar.

88
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

A partir da constatação da reduzida participação do Rio de Janeiro no PAA em relação


a outros estados e do reduzido número de experiências de fornecimento direto de
produtos orgânicos ou convencionais para a alimentação escolar, o estudo procurou
responder a duas questões: por que os mercados institucionais não têm se constituído
em canal de comercialização importante para os agricultores familiares e pequenos
produtores orgânicos do estado do Rio de Janeiro? E quais as condições necessárias
para que esses mercados sejam acessados?

As respostas resultaram da análise de dados e informações de fontes secundárias,


particularmente da legislação que norteia as compras governamentais e de entrevistas
com os atores sociais. Foram realizadas entrevistas com gestores públicos, com
dirigentes e técnicos de organizações de agricultores familiares, com beneficiários
consumidores do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e da merenda escolar e
com produtores. Por último, realizou-se um estudo de caso, constituído pelo primeiro
projeto de fornecimento de produtos orgânicos do Estado do Rio de Janeiro para o
PAA, realizado pela Associação dos Produtores Orgânicos de Petrópolis (APOP).

Os resultados da pesquisa apontaram como principais pontos fortes desse canal: as


experiências de oferta de produtos orgânicos como alimento; a democratização do
acesso a alimentos saudáveis e de qualidade por populações em situação de insegurança
alimentar; a valorização do agricultor; o equilíbrio do mercado, pois o governo passa
a ser comprador; o exercício de organização dos agricultores; os preços negociados; a
disponibilidade antecipada dos produtos e a facilidade na logística pela parceria com o
Banco SESC-Rio de Alimentos.

No caso da alimentação escolar, somam-se, ainda, os seguintes pontos fortes:

»» A ênfase na qualidade da alimentação e na oferta de alimentos orgânicos


e agroecológicos.

»» A recomendação de aquisição da agricultura local.

»» A possibilidade de compras descentralizadas nas escolas estaduais.

Nas escolas municipais de Duque de Caxias e de Nova Iguaçu, a compra é descentralizada


(por meio de acordo com a firma terceirizada para a entrega da merenda escolar), por
vontade política do poder executivo e por iniciativa dos agricultores familiares que
produzem em faixas de dutos da Petrobras.

Os 10 agricultores da APOP que firmaram contrato para fornecimento ao PAA eram


certificados pela Associação de Agricultores Biológicos (ABIO) e receberam até 30%
a mais no preço médio dos produtos, sendo que, por ausência de preços referência

89
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

de orgânicos, foram praticados os preços médios anuais dos produtos convencionais


coletados pelo SIMA/PESAGRO-RIO, disponíveis na internet. Em geral, os preços
médios das “caixarias” (legumes e raízes) foram considerados bons pelo grupo,
enquanto os preços de algumas folhosas eram inferiores aos praticados no varejo (feiras)
e no atacado (distribuidoras de orgânicos). Há de se ter reserva nas análises por não
existirem séries históricas de preços dos produtos orgânicos. Com relação aos custos
de produção, foram comparados dados de 2004, compilados pelo Programa Cultivar
Orgânico, atualizando-se os custos em dezembro de 2008.

Observou-se aumento médio de 20% (descontada a inflação anual) nos custos de


produção de 5 produtos (agrião, brócolis, cenoura, espinafre e inhame) em 4 anos.
Ao se compararem os preços médios no atacado (distribuidoras) pagos aos produtores
orgânicos de 8 hortaliças (agrião, alface lisa, brócolis ramoso, cenoura, espinafre
e inhame, tomate cereja e salada) entre os anos de 2002 e 2008, observou-se que
somente 2 produtos (inhame e tomate salada) tiveram seus preços aumentados,
45,38%, em média. Os demais produtos tiveram decréscimo médio de 37,90% no preço
pago ao produtor de orgânicos, com destaque para a alface. O aumento dos custos de
produção e a queda dos preços pagos no atacado pelas distribuidoras de orgânicos
têm colaborado para o ciclo de expansão e retração da produção de orgânicos no Rio
de Janeiro.

O estudo apontou as seguintes dificuldades gerais para o acesso dos agricultores


familiares orgânicos aos mercados institucionais:

»» A percepção, tanto por parte dos responsáveis pelas compras quanto por
parte dos agricultores, da Lei no 8.666 como barreira intransponível e o
temor do “calote” do governo.

»» A fragilidade da organização dos agricultores e a falta de planejamento


da produção para a venda resultam em irregularidade da oferta e tornam
insuperáveis os problemas de logística.

»» O desconhecimento, por parte dos agricultores, dos seus custos de


produção e de distribuição, o que leva a avaliações equivocadas dos
preços de compra nos mercados institucionais.

»» A ausência de preços referência de produtos orgânicos.

»» O desconhecimento dos técnicos e das associações de agricultores das


possibilidades de venda direta de produtos orgânicos sem certificação
por agricultores familiares para as compras governamentais.

90
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

»» A necessidade de elaboração de padrões mínimos locais de qualidade.

»» Com relação ao PAA, as dificuldades localizam-se menos no


desconhecimento do Programa do que na obtenção, pelos agricultores
familiares, da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) e, pelas suas
organizações, da documentação necessária, além da necessidade
de organização dos agricultores; a necessidade de apoio técnico ao
planejamento, elaboração, implantação e administração da execução
dos projetos.

A pesquisa dos Mercados Institucionais concluiu que eles representam alternativa


viável e acessível aos agricultores orgânicos do Estado do Rio de Janeiro. São capazes
de contribuir para a transição agroecológica e para a superação dos graves problemas
de comercialização que os produtores enfrentam, principalmente como canal de
comercialização que favorece a organização dos agricultores para o fornecimento de
maior volume de produtos orgânicos.

Para tanto, é necessária a implementação de políticas públicas direcionadas ao


enfrentamento das dificuldades apontadas. As oportunidades com as iniciativas
dos legislativos municipais e estaduais e os desafios para a implementação da Lei
no 11.947/2009 e da resolução FNDE no 38 são realidades que vêm sendo articuladas e
debatidas por um grupo de organizações públicas e privadas que trabalham no Rio de
Janeiro. Levantamentos sistemáticos e análises dos preços no atacado (distribuidoras
e restaurantes) e no varejo (feiras e supermercados) e dos custos de produção dos
orgânicos são serviços que devem existir como forma de apoio às ações de P&D, mas
também de geração de emprego e renda.

Dados não oficiais revelam aumento de 267% no número de contratos firmados


com a CONAB-RJ em 2008, envolvendo cerca de 2.000 agricultores familiares,
quando comparados com os dados de 2007. Esses números, embora sejam fruto de
alguns desmembramentos de contratos anteriores e da inclusão de algumas novas
associações, são pequenos diante do número de estabelecimentos agrícolas (cerca
de 70 mil) e do número de DAPs emitidas no estado (cerca de 8 mil) e mostram
que os esforços de várias organizações públicas (federais, estaduais e municipais) e
da sociedade civil (privadas e ONGs), nas diferentes localidades, foram importantes
para aumentar o acesso dos agricultores familiares ao PAA no Rio de Janeiro.
Possibilitaram maior e melhor acesso dos agricultores familiares às políticas públicas
de geração de renda e emprego, mas também de combate à fome, com a oferta de
produtos orgânicos para a população em situação de insegurança alimentar e para a
alimentação escolar.

91
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

Alguns problemas e propostas para o PAA, apontadas por agricultores, técnicos e


beneficiários na região Sudeste, foram, em parte, resolvidos em algumas localidades no
Rio de Janeiro:

»» preços (inclusão dos tributos na negociação);

»» oferta de orgânicos;

»» melhora na logística de distribuição dos alimentos aos beneficiários, com


apoio do Banco SESCRio de Alimentos;

»» apoio técnico, com a contratação de jovens rurais (técnicos agrícolas)


como bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do rio
de Janeiro (FAPERJ) para a elaboração e implantação dos projetos
junto aos órgãos de extensão e associações de produtores, com recursos
de P&D.

Após demanda levantada na CPOrg-RJ, em reuniões no ano de 2007, foi apresentado


e aprovado projeto de pesquisa para analisar os canais de comercialização de produtos
orgânicos na modalidade de venda direta (produtores-consumidores) de produtos
orgânicos: feiras e mercado institucional. A pesquisa também envolveria o estudo sobre
a modalidade de venda indireta para as distribuidoras, por ser importante canal de
escoamento da produção orgânica do estado do Rio de Janeiro.

A pesquisa com as distribuidoras de produtos orgânicos buscou caracterizar,


compreender a atuação, a logística de funcionamento e a especificidade de cada uma
como canal de comercialização. Foram selecionadas 13 distribuidoras, com base em
ensaio exploratório realizado nos supermercados, na CPOrg-RJ, no portal do Planeta
Orgânico e no banco de dados da empresa de consultoria Agrosuisse, todos com sede
no Rio de Janeiro.

Os movimentos do setor produtivo estão se articulando para atender ao aumento da


demanda, porém é necessário um ambiente que favoreça políticas públicas que gerem
recursos para o setor, além da própria organização e planejamento da produção e da
venda, de forma individual ou em grupo. É fundamental conhecer o funcionamento,
as estratégias e características de cada canal de comercialização para definir ações
direcionadas ao crescimento sustentável do setor produtivo e ao aumento do consumo
de forma consciente. A metodologia empregada compreendeu entrevistas abertas,
com roteiro semiestruturado, com informantes qualificados das distribuidoras
selecionadas, além do uso de documentos existentes sobre as mesmas e informações
colhidas na internet. As entrevistas foram realizadas no período de junho de 2008 a
março de 2009.

92
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

As informações coletadas buscaram os aspectos de origem das empresas (como data


de fundação), localização, certificadora, área de produção e área de atuação (compra
e venda). O perfil das distribuidoras que seriam entrevistadas foi definido a partir das
características dos canais de comercialização e das relações com fornecedores e clientes,
além do seu portfólio. As formas de atuação foram definidas a partir do levantamento
da logística de recebimento e entrega e da estrutura geral de seleção, processamento e
embalagem dos produtos, assim como das características de apresentação ao mercado
(tipo de embalagem, rótulo, marca própria). Os questionários incluíram também o
estágio das empresas quanto ao volume médio mensal, número de produtos, número
de clientes e frequência de entrega. O levantamento considerou os valores praticados
no mercado, como preços pagos ao produtor, preços por segmento de mercado e
margens de lucro apuradas por segmento e distribuidora, além das margens entre o
setor produtivo e a distribuição.

Os resultados permitiram entender o funcionamento, as exigências para os fornecedores,


os problemas e as soluções encontradas, bem como os fatores de sucesso.

Das 13 distribuidoras pesquisadas, seis (46%) têm menos de cinco anos de atuação e
quatro (31%) têm dez anos ou mais de atuação e experiência no mercado de orgânicos
no estado. Essas distribuidoras com mais tempo no mercado têm como característica
comum o gerenciamento por neorrurais, que possuem outra fonte de renda. Cerca
de 70% das distribuidoras estão localizadas na região Serrana, que possui aptidão e
vocação para a produção de frutas, legumes e verduras, e as demais estão localizadas na
Baixada Fluminense e no município do Rio de Janeiro. Das distribuidoras pesquisadas,
7 possuem certificação de organização sediada no Rio de Janeiro (ABIO), 2 possuem
certificação nacional/internacional (IBD e Ecocert) e 4 não são certificadas. Dentre as
distribuidoras, 77% têm áreas de produção, caracterizando-se como operação vertical
entre a produção e a comercialização. Apenas 33% são especializadas somente na
compra e distribuição de alimentos orgânicos.

Quanto aos clientes (a quem vendem), 60% comercializam parte de seus produtos
nos mercados locais e 90% na cidade do Rio de Janeiro. Atualmente, a prioridade das
distribuidoras é a entrega de cestas em domicílio (representando 25% das vendas),
prezando a qualidade do produto e a busca da satisfação dos consumidores e não
mais as grandes redes de supermercados. Na visão das distribuidoras, a venda para
cestas em domicílio é caracterizada como venda direta, evidenciando grande potencial
de crescimento e confirmando a mudança na construção da cadeia dos alimentos
orgânicos no Estado do Rio de Janeiro. Essa mudança representa o estreitamento
das margens entre a produção e o consumo, a exploração dos mercados locais
e regionais.

93
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

Observou-se aumento na diversidade dos canais de comercialização usados; além


do domicílio, restaurantes (13%), feiras livres (10%) e lojas especializadas (7%).
Essa dinâmica reflete o aumento de demanda, fortalecendo a construção do mercado
consumidor em diferentes canais de comercialização. As distribuidoras diversificaram
seus canais, sempre na direção da venda direta ao consumidor (cestas em domicílio,
vendas nas unidades de produção e para grupos de consumidores organizados).
Caso sejam distribuidoras cujos donos são agricultores familiares, existe a possibilidade
de fornecimento para os programas de compra de alimentos pelo governo federal para
doação a comunidades carentes.

A regulamentação da agricultura orgânica e as exigências legais são atendidas por 77%


das distribuidoras pesquisadas, numa relação direta com os processos de obtenção de
selo de certificação orgânico, de acordo com a regulamentação da Lei no 10.831/2003.
A apresentação dos produtos, como embalagem e rótulo, são desafios para os próximos
anos, já que 92% das distribuidoras utilizam plástico não degradável para embalar
seus produtos. Além disso, 54% utilizam bandejas de isopor e os demais 46% vendem
a granel.

Do total de pesquisados, 54% usam rótulo com marca própria para a apresentação
no mercado. Vale destacar o aparecimento de marcas orgânicas das grandes redes
varejistas. A informação obtida sobre a alternativa de embalagens biodegradáveis, já
pesquisadas, testadas e aprovadas, é relevante, embora ainda com custos elevados,
principalmente se adquiridas em pequenos volumes.

A maioria das distribuidoras (77%) comercializa, principalmente, verduras, legumes,


frutas, ervas frescas e ovos. Apenas três distribuidoras (23%) trabalham com um leque
bastante diversificado de produtos (mais de 100 itens). Em média, as distribuidoras
trabalham com 50 a 70 itens, incluindo produtos processados e industrializados, como
geleias e patês, conservas, sucos, pães, bolos, biscoitos, derivados de soja e leite, café,
carne, grãos e cereais, produtos de limpeza, produtos para o corpo e mudas de plantas
nativas, entre outros. Além disso, metade das distribuidoras pesquisadas participa de
eventos promocionais que viabilizam vendas, como as feiras estaduais ou nacionais
específicas de produtos orgânicos.

Somente duas distribuidoras (15%) não possuem produtos com marca própria, vendendo
apenas os produtos de seus fornecedores. Os clientes são cestas em domicílio ou grupos
de consumidores. As demais comercializam produtos próprios e de seus produtores
fornecedores sem contrato. As principais questões levantadas (perfil, características
operacionais, canais de comercialização utilizados, atendimento a normas e legislações,
apresentação do produto no mercado, preços e margens obtidas) confirmam a nova
dinâmica no setor de produção e distribuição de alimentos orgânicos no estado do
94
O futuro da Agroecologia │ UNIDADE IV

Rio de Janeiro, caracterizada pelo fornecimento a outros canais de comercialização


(restaurantes, feiras locais), além do grande varejo; pelo foco na construção dos
mercados locais (feiras, pequenos mercados); e pela necessidade de adequação das
distribuidoras aos novos desafios de mercado (embalagens biodegradáveis, logística de
distribuição, preços competitivos com outros alimentos).

Quanto às características operacionais das distribuidoras, 54% têm apenas produtores


como principais fornecedores e as demais (46%) têm também outros distribuidores como
fornecedores, principalmente de produtos processados e não perecíveis, adquirindo
caráter de intermediários. Um fato a ser destacado é a ameaça de concorrência entre as
distribuidoras pesquisadas por possuírem praticamente os mesmos fornecedores, com
os mesmos produtos processados. Evidencia-se, também, a ameaça pela disputa dos
mesmos produtores, especialmente na região de Petrópolis e Teresópolis, onde quatro
distribuidoras disputam esses agricultores.

As entrevistas indicaram que não existe parceria entre as distribuidoras ou qualquer


forma de cooperação. Apesar de detectada em pesquisas anteriores, a ausência de
parcerias entre as distribuidoras para aumentar o volume e o leque da oferta por meio
da organização e planejamento da produção e fornecimento de serviços de assistência
técnica, visando reduzir custos e aumentar a eficiência na distribuição, continua
existindo. A única distribuidora que trabalha com parcerias na distribuição é a Rede
Ecológica, que adota princípios solidários, e cujos preços de venda são bem inferiores
aos das demais distribuidoras.

No que se refere à logística, constatou-se que 38% do transporte são terceirizados,


46% são feitos de forma mista (parte terceirizada e outra própria) e apenas 16% são
feitos exclusivamente com transporte próprio. A logística é fator fundamental para
as distribuidoras e a terceirização vem sendo considerada como fator de eficiência e
profissionalismo no mercado, tendo em vista o alto custo do transporte e a dificuldade
para a distribuição dos produtos numa grande cidade como o Rio de Janeiro. Das 13
distribuidoras entrevistadas, 2 têm de 2 a 3 fornecedores; 5 até 10 fornecedores; 2
têm entre 15 e 25 fornecedores e 2 têm mais de 50 fornecedores. A ampla maioria faz
seleção rigorosa dos produtos, com exceção da Rede Ecológica, que é mais flexível em
relação ao padrão dos produtos. Em relação a cestas em domicílio, as distribuidoras
analisadas entregam, em média, 500 a 600 cestas semanais, especialmente na cidade
do Rio de Janeiro, o que demonstra grande potencial de aumento para esse canal de
comercialização, tanto nas regiões de origem da distribuidora quanto na cidade do Rio
de Janeiro.

95
UNIDADE IV │ O futuro da Agroecologia

Figura 6. Tela do artista pernambucano Lula Cardoso Ayres retratando o trabalho comunitário no campo.

Fonte: Ayres, 2011.

96
Referências

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WEZEL, A. et al. Agroecology as a science, a movement or a practice. Agron.


Sustain. Devel. doi, v. 10, 2009.

99
Anexo I

Aspectos e oportunidades profissionais

As pessoas que atuam diretamente com a assistência técnica junto à produtores devem
possuir habilidades imprescindíveis como:

»» Realizar assistência técnica e extensão rural com foco na vocação e


hábitos locais;

»» Conhecer as bases científicas e tecnológicas da Agroecologia;

»» Saber trabalhar em equipe;

»» Deverá ter iniciativa, criatividade, responsabilidade e capacidade


empreendedora;

»» Deverá estimular a participação e o compromisso coletivo no


desenvolvimento de projetos agrícolas, utilizando práticas de cooperação
e organização entre agricultores;

»» Desenvolver projetos agroflorestais e de recuperação de áreas degradadas;

»» Atuar nos processos de certificação dos sistemas orgânicos, ecológicos,


solidários e agroecológicos de produção;

»» Elaborar relatórios mensais descrevendo as atividades desenvolvidas;

»» Realizar pesquisas e estudos que contribuam para o resgate das


experiências e conhecimentos dos agricultores e também para a geração
e validação de tecnologias adaptadas à realidade da agricultura familiar.

100
Anexo II

Glossário

A
Adubação: diferença entre a exigência da cultura e a reserva do solo, que é reposta
através dos adubos.

Adubação Verde: prática agrícola de se incorporar ao solo a massa verde ou vegetal,


não decomposta, de plantas cultivadas, com a finalidade de se enriquecer o solo com
matéria orgânica e elementos minerais.

Adubo Verde: planta cultivada ou não com a finalidade primeira de enriquecer o solo
com sua massa vegetal.

Adubação Orgânica: aquela feita com adubos orgânicos, havendo incorporação de


matéria orgânica ao solo.

Adubo Orgânico: qualquer resíduo animal ou vegetal.

Adubação Química: a que é feita com adubos químicos, havendo incorporação de sais
minerais ao solo.

Adubo Químico: sal mineral, obtido a partir de processos industriais, compostos de


macro e micronutrientes.

Agricultura Orgânica: sistema de produção agropecuário que promove a interação entre


biodiversidade, ciclos biológicos das espécies vegetais e animais e atividade biológica
do solo. Baseia-se no uso mínimo de produtos externos à propriedade e no manejo de
práticas que restauram, mantém e promovem a harmonia ecológica do sistema.

Agroecossistema: conjunto compreendido pelo ecossistema natural e ambientes


modificados pelo ser humano, contido na propriedade rural, no qual ocorrem complexas
relações entre seres vivos, elementos naturais (rochas, solos, água, ar, reservas minerais).

Agrofloresta: sistema agrícola no qual se incluem árvores em agroecossistemas de


produção vegetal ou animal.

101
anexos

Antibiótico:

1. Substância produzida por uma espécie de organismos que elimina ou


impede o crescimento de outros organismos.

2. Fungicidas e bactericidas que exterminam fungos e bactérias.

B
Biofertilizante: fertilizante orgânico repleto de microrganismos (por isso é considerado
um fertilizante “vivo”) usado no solo ou diretamente sobre a planta. Feito a partir de
matéria orgânica fermentada (estercos, ou partes de plantas), que pode ou não ser
enriquecido com alguns minerais como calcário e cinzas.

Biomassa: qualquer matéria de origem vegetal, utilizada como fonte de energia, para
adubação verde ou para proteger o solo da erosão.

C
Calcário: corretivo frequentemente usado em solos ácidos, sendo constituído de rochas
carbonatadas.

Calda Bordalesa: protetor líquido de plantas, feito à base de sulfato de cobre e água de cal.

Calda Sulfocálcica: protetor líquido de plantas, feito à base de sulfato de cálcio, e água
de cal, contendo também enxofre.

Cobertura Viva: cultura de cobertura do solo que é plantada juntamente com as culturas
principais durante a estação de cultivo.

Cobertura Morta: restos culturais, adubos verdes picados e outros materiais vegetais
secos ou em processo decomposição que são depositados sobre o solo, para fins de
proteção contra erosão e fornecimento de matéria orgânica.

Composto: adubo orgânico que provém de todos os resíduos da propriedade agrícola,


reunidos e preparados sob condições controladas para melhorar as propriedades físicas,
químicas e biológicas do solo.

Compostagem: processo de preparação do composto.

D
Diversidade:

1. número ou variedade de espécies em um local, comunidade, ecossistema


ou agroecossistema.

102
anexos

2. grau de heterogeneidade dos componentes bióticos de um ecossistema


(ver diversidade ecológica).

Diversidade Ecológica: grau de heterogeneidade da composição de espécies,


potencial genético, estrutura espacial vertical e horizontal, estruturas de alimentação,
funcionamento ecológico e mudança no tempo, de um ecossistema ou agroecossistema.

E
Ecossistema: um sistema funcional de relações complementares entre organismos
vivos e seu ambiente, com uma determinada área física.

Efeito Residual: tempo em que um agrotóxico permanece nas plantas, nos alimentos,
no solo, no ar e na água, podendo trazer complicações de ordem toxicológicas.

Equilíbrio Dinâmico: uma condição caracterizada por um equilíbrio geral no processo


de modificação de um ecossistema, possibilitado pela sua capacidade de resistir a
transformações significativas. Este estado dinâmico de equilíbrio possibilita uma
estabilidade relativa da estrutura e função do ecossistema, apesar de haver modificações
e perturbações constantes, em pequena escala.

Erosão: processo de desgaste do solo, causado pela chuva ou vento, em consequência de


práticas impróprias de manejo do mesmo.

Esterco: excremento animal usado como fertilizante, o mesmo que estrume.

F
Fosfato: mineral acessório em rochas magmáticas (formadas a partir da lava de vulcões),
metamórficas e sedimentares, cuja função é fornecer quase todo fósforo presente no solo.

Fotossíntese: processo realizado pelas plantas dotadas de clorofila, em que ocorre a


fabricação de moléculas orgânicas a partir de substâncias simples e na presença de luz.

H
Hortaliças: refere-se a verduras, legumes e condimentos.

Horticultura: parte da agricultura que trata da exploração racional das plantas e se


divide nos ramos da olericultura, floricultura, fruticultura e paisagismo.

Hormônio:
1. Princípio ativo das glândulas de secreção dos animais, que também pode
ser sintetizado em laboratórios.

103
anexos

2. Substância química produzida pelas plantas ou pela indústria para


regular processos fisiológicos das espécies vegetais.

Húmus: produto final resultante da decomposição da matéria orgânica de origem animal


ou vegetal, que se caracteriza por uma massa escura, amorfa, heterogênea, insolúvel,
possuindo carga negativa e alta capacidade de absorver água. O mesmo que humo.

I
Índice de produtividade: uma medida da quantidade de biomassa contida no produto
colhido com relação a quantidade total de biomassa viva presente no restante do sistema.

Insumo: todas as despesas e investimentos que contribuem para formação de


determinado resultado, mercadoria ou produto até o acabamento ou consumo final.

L
Lavoura:

1. Propriedade lavrada e cultivada.

2. Plantação.

Legume: hortaliça cujas partes comestíveis são frutos, sementes ou partes subterrâneas.

Leguminosa: planta que frutifica em vagens.

M
Macronutrientes: nutrientes que as plantas necessitam em grandes quantidades
(100Kg/hectare/ano), como nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre.

Micronutriente: nutrientes que as plantas necessitam em pequenas quantidades (10Kg/


hectare/ano): boro, zinco, ferro, molibdênio, cloro, manganês e cobre.

Microrganismo: ser vivo microscópico. Para atividade agropecuária recebem atenção


especial os que habitam os solos e convivem com as plantas e animais de modo benéfico
ou prejudicial.

N
Nutrição:

1. Processo pelo qual os organismos retiram do meio à energia e a matéria


necessárias ao seu crescimento, multiplicação, manutenção e exercício
de suas faculdades.

104
anexos

2. Conjunto de processos assimilatórios, constituindo a ingestão, a digestão,


a absorção.

Nutriente: qualquer substância alimentar que entre no metabolismo celular e promova


a vida do organismo.

P
Planta Perene: que vive mais de três anos, florescendo ou não todos os anos; o mesmo
que perene.

Planta Semiperene: que vive mais de dois anos e menos de três anos, como a
cana-de-açúcar.

Produtividade: produção de um solo, expressa em Kg/hectare ou lucro/há, de uma


cultura específica sob um sistema de manejo específico.

Produtividade do solo: capacidade de um solo de produzir espécies vegetais de interesse


econômico para o ser humano, sob um sistema específico de manejo.

Propriedade Familiar: imóvel rural que, explorado pelo agricultor e sua família,
lhes absorve a maior parte da sua força de trabalho, garantindo-lhes não apenas a
subsistência como a melhoria do poder aquisitivo e da qualidade de vida.

Q
Quebra-ventos: conjunto de árvores plantadas perpendicularmente à direção do vento
predominante com o objetivo de proteger a cultura e o solo da ação dos ventos.

R
Resiliência: capacidade genética dos organismos de resistirem a tensões ou fatores
limitadores do ambiente.

S
Sistema Alimentar: metassistema interligado de agroecossistemas, seus sistemas
econômicos, sociais, culturais e tecnológicos de sustentação, e sistemas de distribuição
e consumo de alimentos.

Sistêmico: que diz respeito a um sistema orgânico; que atinge vários componentes de
um sistema ou estrutura. O mesmo que holismo.
105
anexos

Solubilidade: capacidade que uma substância tem de se dissolver num meio líquido.

Suscetibilidade: predisposição de um organismo vivo em sofrer os efeitos de condições


adversas.

T
Tolerância:

1. Capacidade de o organismo suportar condições adversas sem se desviar


das suas funções ou desenvolvimento.

2. Quantidade máxima de resíduos de agrotóxicos permitida sobre um


produto alimentar ou sobre os seres humanos.

Toxicidade Aguda: poder letal de uma substância ou composto químico, seus derivados
ou metabólitos.

Toxicidade Crônica: toxicidade cumulativa de uma substância ou produto químico

Tratos Culturais: operações feitas nas culturas, tais como: adubação, rotação de culturas,
manejo da matéria orgânica, entre outros.

V
Valor Nutritivo: valor de um alimento em função de seus nutrientes digestivos.

Variedade:

1. Cruzamento de duas espécies de plantas ou de animais em que há


eliminação de plantas atípicas e fixação de caracteres desejáveis para a
empresa ou agricultor que realiza este processo.

2. Subdivisão dentro de uma mesma espécie animal ou vegetal.

Veneno: toda substância tóxica que perturba o ciclo vital do organismo e seu bom estado.

Verdura: hortaliça cujas partes comestíveis são folhas, flores, botões ou hastes.

Visão Holística: modo de tratar uma propriedade agrícola, no qual as partes não podem
ser compreendidas separadamente do todo. E o todo é diferente da simples soma das
partes, pois o que importa é a relação entre as partes.

Vitamina: composto orgânico dos reinos animal e vegetal que atua em pequeníssimas
quantidades sendo essencial para o desenvolvimento do ser vivo.

106
anexos

Classificam-se em:

a. hidrossolúveis, que se dissolvem em água, sendo constituídas pelas


vitaminas B e C.

b. lipossolúveis, que são insolúveis em água e solúveis em solventes


orgânicos, sendo constituídas pelas vitaminas A D, E, e K.

Vulnerabilidade Genética: suscetibilidade de culturas geneticamente uniformes a dano


ou destruição casado por surtos de uma doença ou praga, por condições climáticas mais
drásticas do que o normal ou por alterações climáticas.

Fontes: “Dicionário do Agrônomo”, Lúcia Helena S.D.Goulart, Editora Rígel, 1999; Equipe de
conteúdo do Planeta Orgânico <http://planetaorganico.com.br/site/index.php/glossario/>.

107

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