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RESUMO
A análise funcional é a principal ferramenta que auxilia o terapeuta analítico-comportamental nas decisões
de intervenções mais adequadas durante o processo terapêutico. O presente artigo teve como objetivo princi-
pal relatar as principais análises funcionais realizadas por uma terapeuta no decorrer de um atendimento em
terapia analítico-comportamental infantil (TACI). Este caso retrata um processo diagnóstico de transtorno
obsessivo-compulsivo (TOC) de uma criança de cinco anos de idade, || e foi interpretado com ênfase mais em
critérios funcionais do que topográficos e foi interpretado com ênfase em critérios funcionais mais do que nos
topográficos. Os comportamentos-alvo selecionados (todos sendo parte do espectro obsessivo-compulsivo),
analisados funcionalmente, e com intervenções bem descritas, propunham diminuir a apresentação destes, en-
tretanto sem a pretensão de suprimi-los completamente. Este estudo de caso permitiu verificar melhora signi-
ficativa nos comportamentos-problema apresentados inicialmente pela cliente, e assim constatar a efetividade
das análises realizadas e da escolha das intervenções.
* carol_coury@hotmail.com
** joana@nucleoparadigma.com.br
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Relato de um caso de Transtorno Obsessico-Compulsivo infantil à luz da Análise do Comportamento
ABSTRACT.
Functional analysis is the main tool that assists the behavior analytic therapist in the decisions for more
appropriate interventions during the therapeutic process. This article aimed to report the main functional
analyzes performed by a therapist during a treatment in child behavior analytic therapy (CBAT). This case
was interpreted with more emphasis on functional criteria instead of topographic criteria, and reports a diag-
nostic process of obsessive-compulsive disorder (OCD) in a five years old child. The target behaviors selected
(all being part of the obsessive-compulsive spectrum disorder), functionally analyzed and with good described
interventions proposed, decrease their presentation, however, without the pretension to suppress them comple-
tely. This case study has shown significant improvement in problem behaviors initially presented by the client,
and enabled to verify the effectiveness of the behavior analysis and the chosen interventions.
Alguns trabalhos levantados acerca da literatura so- Vermes e Zamignani (2002) fornecem uma defini-
bre o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) na ção do Transtorno Obsessivo Compulsivo a partir de
Análise do Comportamento têm ressaltado a relevân- uma interpretação comportamental: “(...) as obses-
cia da utilização da análise funcional como principal sões são imagens, ideias ou pensamentos intrusivos
ferramenta no processo terapêutico, em contraposi- e repetitivos que produzem ansiedade e desconforto
ção ao uso de intervenções populares sem uma análi- para o indivíduo. As compulsões, por sua vez, são
se individual das funções do comportamento de cada respostas repetitivas e/ou estereotipadas emitidas
cliente (Zamignani, 2000; Wielenska, 2001; Guilhar- para prevenir ou eliminar as obsessões e/ou a an-
di, 2002; Zamignani & Andery, 2005 e Copque & siedade. Deste ponto de vista, as compulsões ocor-
Guilhardi, 2009). rem sob controle de reforçamento negativo, à me-
dida que eliminam as obsessões e a ansiedade” (p.
É comum observar terapeutas relatarem estudos de 137). No caso deste transtorno, os comportamentos
casos psiquiátricos embasados na nomenclatura e característicos são amplamente interpretados com
nos respectivos critérios diagnósticos do DSM-IV. função de esquiva, sendo comum uma tendência a
Esses critérios são úteis para identificar conjuntos de utilizar o procedimento de Exposição com Prevenção
topografias de comportamentos considerados típicos de Respostas – EPR. Este procedimento consiste na
em cada transtorno. Entretanto, este modo de identi- exposição gradual aos estímulos ansiogênicos como
ficar o problema torna-se insuficiente para o analista principal estratégia de intervenção, amplamente uti-
do comportamento que procura variáveis instalado- lizado pelos terapeutas comportamentais. Zamignani
ras e mantenedoras dos comportamentos-problema (2000) atribui esta tendência pela escolha generaliza-
do cliente (Zamignani & Andery, 2005). da do procedimento, sem uma análise funcional ante-
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com ela e ligaria para sua casa. Apesar de todas as um diagnóstico formal antes das intervenções tera-
explicações que tentaram dar a filha, ela continuava pêuticas, e optaram por procedimentos que visavam
perguntando. à alteração de variáveis ambientais, antes de recorrer
ao uso de medicação.
A terapeuta observou que a cliente também apresen-
tava um padrão de comportamentos obsessivo-com- Em sessões de entrevista e orientação com os pais, a
pulsivos relacionados a “segredos”: falava baixo com mãe relatou acreditar que teve “culpa” (sic) no desen-
medo de as secretárias ouvirem, falava no ouvido da volvimento desse quadro da filha. Contou que quan-
terapeuta quando achava que era assunto “impróprio do a filha a desobedecia, ela dizia que contaria para a
de criança” (como brincar de namorado), ou fica- professora favorita da filha o que ela estava fazendo
va questionando insistentemente a terapeuta se ela de errado, e que isso provocava reações fortes de irri-
não iria contar para ninguém o que ela lhe contava tação e medo na cliente. Contou que nessas situações
na sessão. Além disso, foi observado que a cliente a filha interrompia rapidamente o que estava fazendo,
não estabeleceu vínculo com a terapeuta no início do implorava para a mãe não contar nada e pedia muitas
processo, sempre chorava no início da sessão, dizia desculpas.
que estava com saudade da mãe, passava a primeira
parte da sessão com uma expressão facial triste e na Definição dos principais
maior parte do tempo permanecia calada. A terapeuta comportamentos-alvo da intervenção.
observou que a cliente só se dirigia a ela esponta-
neamente emitindo respostas relacionadas à preocu- Os comportamentos que foram alvos de intervenções
pação (como por exemplo: “você ta brava comigo?” foram principalmente os comportamentos obsessivo-
[sic]). Foi observado ainda que a cliente sempre exi- compulsivos apresentados em sessão. Isto é, os com-
gia que as brincadeiras fossem do jeito dela, impunha portamentos que a cliente apresentava de verificação
seu jeito de brincar de maneira agressiva (como por através de perguntas do tipo “você tá brava comigo?”
exemplo: “sou eu que vou ficar com essa boneca, vai (sic), “você tá triste comigo?” (sic), “desculpa?” (sic),
logo pega a outra” [sic]). entre outros. Foi observado que no início do trata-
mento a cliente emitiu pelo menos uma resposta des-
Inicialmente, a terapeuta levantou a hipótese de ser se tipo nas sessões, o que possibilitou intervenções
um caso de TOC infantil, e continuou com esta hi- da terapeuta. Segundo Vermes e Zamignani (2002),
pótese até as últimas sessões. Foi observado, testado as obsessões causam ansiedade e significativo des-
por algumas intervenções, e constatado que a cliente conforto para o indivíduo, enquanto as compulsões
apresentava obsessões relacionadas a medo de perda são emitidas para evitar ou eliminar obsessões. As-
principalmente do amor da família e de pessoas que- sim, como as compulsões ocorrem comumente sob
ridas. Apresentava rituais (compulsões) que visavam controle de reforçamento negativo, confirmar o que
sempre verificar se ela tinha desagradado as pessoas, a cliente estava perguntando à terapeuta, aos pais e a
e de maneira mais exagerada com as pessoas mais outros funcionava como alívio das reações de ansie-
próximas no seu convívio. Em conjunto, a terapeuta dade e pensamentos que a incomodavam no momen-
com os pais decidiram não procurar psiquiatra para to, o que era mantido por reforçamento negativo.
Pôde-se observar que a cliente apresentava encober- Provavelmente, contar sobre dificuldades da filha
tos relacionados ao ritual de verificação se as pes- para a terapeuta eliciou respondentes de ansiedade
soas estavam chateadas ou bravas com ela, o que a na cliente e possivelmente obsessões relacionadas à
incomodava, e evocava as respostas de verificação aceitação. Evocou, assim, comportamentos de opo-
com a outra pessoa. A terapeuta teve como objetivo sição que fazem parte do padrão comportamental da
principal durante todo o processo terapêutico dessa cliente, relatado pela mãe, de emitir comportamentos
cliente evocar os comportamentos-problema em ses- de birra para se esquivar de uma situação potencial-
são e: 1. não reforçar (isto é, não confirmar o que ela mente aversiva. O ambiente de terapia, ainda des-
perguntava), 2. tentar mudar o controle de estímulos conhecido para a cliente provavelmente eliciou ob-
estabelecido no momento, 3. realizar extinção de re- sessões relacionadas com o que a terapeuta poderia
forçamento para essas respostas (não participando do “pensar” sobre ela e, ainda, o que a terapeuta poderia
ritual com a cliente) e ainda 4. fornecer modelos de ter falado sobre ela para sua mãe. Nesta situação pô-
comportamentos alternativos para a mesma. de-se observar que a mãe reforçou comportamentos
de birra da filha (choros, gritos, reclamações) e as
Discussão verbalizações “estranhas” relacionadas às suas preo-
cupações, negociando privilégios para que ela fosse
É válido ressaltar que este caso foi atendido pelo pe- à terapia.
ríodo de um ano, e não será possível abarcar todos os
aspectos trabalhados durante todo o tratamento. En- O alívio das respostas encobertas desagradáveis após
tretanto, foram selecionadas as principais análises e as explicações dadas pelas mãe, e por outras pessoas
intervenções que possibilitaram identificar as funções em situações semelhantes, provavelmente foi a va-
dos comportamentos-problema da cliente, e propor riável que instalou inicialmente essas respostas no
intervenções efetivas na mudança dos mesmos. repertório da cliente. No entanto, a atenção recebida
dos pais e os privilégios dados a ela por eles podem
Análise Funcional dos Comportamentos-alvo ter passado a controlar a manutenção dessas respos-
Nesta seção, alguns exemplos de comportamen- tas da cliente, com o tempo. Pode-se observar essa
tos-problema emitidos pela cliente em sessão serão contingência esquematizada a seguir:
apresentados a seguir, de modo a facilitar a exposição
da análise funcional realizada pela terapeuta durante SD R (da cliente) C (R+)
o processo. Pais. Chora, grita, reclama, Atenção dos pais.
Pais informarem Fala que está preocupada. Recebe prêmios.
A mãe relatou que ao contar para a filha que ela faria que ela irá fazer
terapia, a criança ficou extremamente brava, chorou terapia.
muito, disse que não acreditava que a mãe tinha con-
tado “problemas de casa para outra pessoa” (sic). A Em relação aos comportamentos da cliente em ses-
mãe relatou que teve que negociar com a filha, ofe- são, no segundo encontro ela disse para a terapeuta
recer privilégios para ela se acalmar e aceitar ir à pri- que estava “boazinha” em casa. Pode-se levantar a
meira sessão da terapia. hipótese de que inicialmente a cliente tenha ficado
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sob controle de se “justificar” para a terapeuta, de obsessivo-compulsivo, explicando que, com um tra-
realizar com a terapeuta um ritual de verificação, balho conjunto, poderiam diminuir a apresentação
sendo que dizer que estava “boazinha” pode pro- destes. Em sessão de orientação forneceu algumas
duzir feedback positivo da terapeuta, eliminando recomendações aos pais. Solicitou que não valori-
possíveis obsessões relacionadas a ela desagradar à zassem relatos relacionados à perfeição e verbali-
terapeuta e/ou à família que procurou ajuda. zações de “preocupação” que a filha apresentasse.
Teve como objetivo principal extinguir qualquer
Algumas situações contribuíram para que a hipóte- atenção dos pais que pudesse ter função reforçadora
se de se tratar de comportamentos obsessivo-com- nestas contingências de vida da cliente.
pulsivos fosse confirmada pela terapeuta. Na tercei-
ra sessão, informou para a cliente que conversaria A terapeuta orientou a que os pais ficassem ainda
com seus pais naquele dia, a cliente perguntou se mais atentos a demonstrar afeto para a filha em situ-
poderia estar junto, ela negou o pedido e perguntou ações não contingentes a comportamentos adequa-
se havia algo que a cliente não quisesse que ela con- dos. Visou com esta recomendação a que a cliente
versasse com seus pais. A cliente respondeu pronta- aprendesse a ficar mais sob controle de outros es-
mente “eu não quero nenhum segredo” (sic). Após tímulos quando recebesse carinho dos pais (e não
esse episódio, ficou evidente que a cliente ainda não só diante de comportamentos bem-sucedidos), e
tinha estabelecido vínculo com a terapeuta. Outra pudesse estabelecer a relação de que era amada in-
hipótese é de que, vincular-se à terapeuta, ter algum dependentemente do que realizasse.
tipo de segredo com ela, poderia eliciar obsessões
relacionadas a um afastamento da família (o que foi Em sessões subsequentes, a mãe relatou que estava
confirmado em sessões subsequentes). Enquanto a seguindo as orientações dadas pela terapeuta, que
cliente estava em sessão, aparentava se divertir e não estava mais cobrando tanto a filha em relação às
gostar. No entanto, sempre no início da sessão se- tarefas da escola, e que já havia observado melhora
guinte demonstrava estar resistente a interagir com nos comportamentos dela. Contou que a filha errou
a terapeuta, ou, talvez, resistente a se separar das na tarefa, não “deu escândalo” (sic) e disse “ah, vai
figuras familiares, o que corroborava a hipótese ci- ficar assim” (sic), não corrigindo o erro. Também
tada anteriormente. observou que a filha tinha diminuído muito os cho-
ros e as perguntas repetidas sobre estarem “bravos”
Proposta de Intervenção e Resultados ou “tristes” com ela.
A seguir, serão apresentadas algumas estratégias
de intervenção selecionadas pela terapeuta e alguns Com a cliente, a supervisora propôs que a terapeuta
exemplos dos resultados alcançados, com uma aná- conversasse sobre os comportamentos obsessivo-
lise de cada tópico abordado. compulsivos que ela apresentou em sessão. Essa
intervenção teria como objetivo produzir na cliente
Após algumas sessões de avaliação, a terapeuta op- autoconhecimento de suas dificuldades e auxiliar
tou por informar os pais sobre a hipótese de que a um processo de aceitação de sensações desagradá-
cliente apresentava comportamentos do espectro veis sentidas por ela. A terapeuta propôs ainda uma
intervenção para auxiliá-la a identificar quando es- a cliente pensamentos e sentimentos ruins que teve
tivesse apresentando esses comportamentos. Pro- em relação a sua irmã, e em seguida brincava “es-
pôs que as duas criassem um código para quando sas Marinas deixam a gente muito brava né, elas
a cliente apresentasse esse tipo de “preocupação” são terríveis, mas como a gente gosta delas” (sic).
(sic), e que a terapeuta diria o código em vez de Era esperado que, conforme a terapeuta fornecesse
responder à pergunta da cliente de verificação. A te- consequências sociais mais próximas das provi-
rapeuta objetivou com esta proposta não participar das pelo ambiente, os comportamentos instalados
dos rituais da cliente (como todos de seu contexto em sessão pudessem ser generalizados para o am-
vinham fazendo), e, assim, não reforçá-los. Entre- biente natural da cliente. Deste modo, a terapeuta
tanto não obteve sucesso nesta intervenção, consi- podia dar modelos de dificuldades enfrentadas em
derando que a cliente disse que não queria fazer, e relacionamentos interpessoais, modelos de como
começou a chorar dizendo que estava com saudades se comportar diante destas situações, procurando,
de sua mãe. A terapeuta interrompeu e redirecionou assim, estabelecer novos repertórios alternativos,
a cliente para uma brincadeira, e ela imediatamente que possibilitassem diminuição do sofrimento sen-
parou de chorar, demonstrando que a intervenção tido quando eram costumeiramente eliciadas essas
estava muito aversiva. Como a cliente apresentou obsessões pela cliente.
comportamentos de fuga/esquiva de se engajar na
intervenção proposta inicialmente, o objetivo prin- Foi observado melhora no estabelecimento de
cipal inicial da terapia foi investir no estabeleci- vínculo a partir da quinta sessão, na qual a clien-
mento de vínculo terapêutico. te cumprimentou a terapeuta na recepção, em ses-
são contou um segredo de sua irmã e pediu sigilo.
A terapeuta optou também por utilizar autorreve- Em sessões posteriores, foi observado que a cliente
lações com essa cliente, diante da alta responsivi- manteve mais contato físico com a terapeuta, e pe-
dade apresentada por ela neste tipo de intervenção. diu algumas vezes para ficar mais no final da sessão.
Como terapeuta e cliente tinham irmãs com o mes- Uma possível hipótese é de que a terapeuta tenha
mo nome (“Marina”), a terapeuta passou a contar passado a deixar a cliente escolher mais sobre o que
histórias de quando brigava com sua irmã e de como gostaria de falar e brincar. Isto pode ter contribuí-
depois sempre faziam as pazes, riam do que havia do para a cliente interpretar que a terapeuta não a
acontecido e falavam que se amavam. Esta interven- estava “analisando” ou “julgando-a”, já que era ela
ção tinha como objetivo dar modelo para a cliente quem escolhia o que ia ser feito no dia.
de como pessoas que se amam podiam pensar de
maneiras diferentes, até mesmo brigar e continua- Após o estabelecimento de vínculo, a terapeuta pas-
rem amigas. sou a extinguir o fornecimento de repostas que fun-
cionavam como reforço negativo (que eliminariam
Esta intervenção visou principalmente fornecer os aversivos encobertos da cliente) para os compor-
modelos de aceitação de sentimentos e pensamen- tamentos obsessivo-compulsivos apresentados por
tos ruins em relação às irmãs, ou, de maneira mais ela. Isto é, a terapeuta passou a não responder às
geral, a pessoas queridas. A terapeuta contava para perguntas de verificação que a cliente fazia, e em
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vez disso perguntava “qual você acha que é a res- tiva para evitar os efeitos negativos da extinção,
posta?”. A terapeuta também visou alterar o con- e ainda com o intuito de acelerar a aprendizagem
trole de estímulos, amenizando o contexto aversivo de respostas alternativas. Este procedimento con-
nessas interações de extinção, inserindo sempre que siste na extinção de reforço para as respostas in-
possível piadas e brincadeiras para não participar desejadas, e utilização de reforçamento diferencial
dos rituais, e sinalizava não punição para a cliente de qualquer outra resposta, ou seja, para respostas
(e.g., em vez de responder “fica tranquila, não estou alternativas àquela que precisa diminuir de frequ-
brava” dizia “você é tão engraçada, a sua cabeça vai ência.
longe né” [sic]).
Outra intervenção muito utilizada nos atendimen-
A terapeuta procurou também, não atender a todas tos desta cliente foi inserir em situações de fan-
as solicitações da cliente de regras criadas “sem tasia, como em brincadeiras com bonecas Pollys,
sentido” durante as brincadeiras, como ir mais rá- pensamentos estranhos e absurdos nas bonecas,
pido quando ela determinava, ou levantar quando a e dando modelos de como lidar com eles. A tera-
criança mandava de maneira urgente. A terapeuta peuta e a cliente criaram uma personagem que era
procurava realizar de modo diferente do que o que a uma Polly mais “doidinha” que tinha pensamentos
cliente havia solicitado, e em formato de brincadei- absurdos e engraçados (estes últimos novamente
ra. Essas intervenções tinham por objetivo ensinar a foram inseridos com o intuito de mudar o controle
cliente a ficar mais sob controle das contingências de estímulos antes aversivo, para um controle de
da sessão e não sob controle de respostas encober- estímulos mais reforçador nesta classe de respos-
tas que ela possivelmente teve naquele momento. tas relacionada a “falar de pensamentos ruins”).
Uma evidência do efeito dessa intervenção foi a di- Todas as vezes que essa boneca contava seus pen-
minuição da apresentação desses comportamentos samentos as outras riam e falavam “cada coisa que
nas sessões subsequentes, e ainda o fato de a cliente você pensa né amiga, você é muito maluca mes-
ter passado a brincar e dar risadas, mesmo quando a mo” (sic).
terapeuta fazia alguma brincadeira e não respondia
seus pedidos “sem sentido óbvio”. Simultaneamente aos atendimentos da cliente, fo-
ram realizadas diversas sessões de orientação com
De acordo com Kohlemberg & Tsai (2001), é im- os pais, duas sessões de orientação com as avós
portante que o terapeuta crie condições que evo- (que passavam grande parte do tempo com a mes-
quem respostas de comportamentos-problema na ma) e uma com os pais e a irmã em conjunto. Nes-
sessão, oferecendo consequências contingentes à sas orientações, a terapeuta procurou identificar
sua emissão, para selecionar respostas desejadas situações e contextos nos quais a cliente apresen-
e diminuir a frequência de respostas que tragam tava comportamentos obsessivo-compulsivos em
sofrimento para o cliente, neste caso, as respostas outros ambientes, e auxiliou os membros da famí-
compulsivas. Catania (1999) sugere o procedimen- lia a pensarem qual seria a melhor maneira de agir
to de DRO (Reforçamento Diferencial de Outros em cada uma das situações. Essas sessões foram
Comportamentos), como uma intervenção alterna- primordiais para que as respostas alternativas às
respostas-problema dadas pela cliente e reforçadas mudança de padrão de respostas da cliente bem
em sessão pudessem ser generalizadas, e mantidas instalado
em seus outros contextos de vida.
Durante todo o processo, a terapeuta teve como
Nessas sessões de orientação, a terapeuta enfatizou objetivo valorizar expressão de sentimentos e pen-
sempre a importância de não punir relatos da clien- samentos negativos, procurando reforçar esse tipo
te de pensamentos estranhos e/ou absurdos (e.g., de relato, do qual a cliente se esquivava muito. A
como “minha irmã vai matar alguém?” [sic]), mas terapeuta e os pais seguiram o objetivo principal de
sim de auxiliá-la a identificar que eram apenas pen- não participar dos rituais da filha, ajustando as es-
samentos (e.g., “olha lá pra dentro e pensa se você tratégias de intervenção frequentemente de acordo
realmente acha que ela faria isso de verdade” [sic]). com os variados comportamentos obsessivo-com-
Enfatizou ser importante nestas situações não res- pulsivos que ela apresentou durante todo o período
ponderem com indignação, participando do ritual do tratamento.
da cliente (e.g., como responder “claro que não né,
como você pode pensar uma coisa dessas” [sic]). No decorrer do processo foi possível observar al-
Pois isto desqualificaria o relato da cliente sobre guns comportamentos da cliente que indicaram
um pensamento que lhe ocorreu, e ao mesmo tempo melhoras, como: aumento de apetite, retorno do
forneceria a ela uma resposta de verificação, parti- interesse para brincar, diminuição de comporta-
cipando do ritual, e mantendo o padrão comporta- mentos que demonstravam “irritação” e/ou “incô-
mental problemático. modo”, diminuição da apresentação de choro “sem
motivo”, de comportamentos de birra e principal-
Após seis meses de terapia, a cliente apresentou mente de perguntas de verificação de aceitação re-
melhora significativa. A terapeuta passou a inserir petitivas.
falas de melhoras nas sessões da cliente, com o
objetivo de iniciar um processo de follow up (o que No início do processo, não foi recomendado avalia-
não foi possível, devido à recaída apresentada por ção psiquiátrica, pois os procedimentos comporta-
ela posteriormente). A terapeuta passou a inserir mentais demonstraram ser suficientes para diminui-
falas do quanto a cliente estava mais feliz, menos ção significativa de respostas obsessivo-compulsivas
preocupada e mais animada para brincar. Esta in- da cliente. No entanto, a cliente continuou apresen-
tervenção teve como foco principal ensinar a clien- tando, em menor quantidade, pensamentos obsessi-
te a ouvir “análises” sobre ela mesma, e ao mesmo vos. Continuava em alguns momentos apresentando
tempo inserir gradativamente o processo de sepa- falas como: “não quero falar, é só minha cabeça que
ração da terapeuta. É importante salientar que para está pensando” (sic).
esta cliente em especial inserir falas de melhora
poderia acarretar uma recaída, já que “falar sobre Ao final do processo terapêutico a cliente de-
ela” faz parte da classe de estímulos aversivos dos monstrou grande avanço na aceitação de pensa-
quais ela se esquiva realizando rituais e, por isso, mentos desagradáveis e supressão de antigos ritu-
seria mais uma contingência que requereria uma ais. Foi enfatizado com a família a importância de
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Carolina Coury Silveira – Joana Singer Vermes
o de Foa & Steketee (1977) que indicam ser fre- linguagem e cognição. 4ed. Porto Alegre: Artes Mé-
eram foco de intervenção na terapia por outros, Copque, H. & Guilhardi, H. (2009). O modelo comportamental na
com uma topografia diferente. Após a primeira análise do TOC. Revista eletrônica (Inter)subjetiv-
recaída da cliente, foi sugerido que os pais procu- idade da UNIJORGE, 1-18.
rassem avaliação psiquiátrica para ela, para ava- Ferrão, I. A.; Florão, M. S. (2010). Acomodação familiar e criti-
liar a necessidade de auxílio na minimização de cismo percebido em pacientes com transtorno obsessivo-
reações muito intensas de ansiedade, o que pode- compulsivo. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 59,
ria também auxiliar na adaptação às intervenções (1), 34-43. Porto Alegre.
do processo terapêutico.
Foa, E. B. (1979). Failure in treating obsessive-compulsives.
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Considerações Finais
Guilhardi, H. (2002). Problemas e perspectivas na análise apli-
Diante do exposto, pode-se dizer que a análise cada do comportamento: o caso da clínica, 1-36. Texto
funcional dos comportamentos-problema, neste para fins didáticos, recuperado de http://www.ter-
caso, foi primordial para o planejamento das in- apiaporcontingencias.com.br/pdf/helio/Problemas_Per-
tervenções em sessão e com a família. Vale um spectivas.pdf.
alerta para os analistas do comportamento para Hayes, S. C.; Wilson, K. G.; Gifford, E. V.; Follette, V. M. & Stro-
que não atentem apenas à queixa dos pais, poden- sahl, K. (1996). Experiential avoidance and behavioral dis-
do recair no erro de desconsiderar as contingên- orders: a functional dimensional approach to diagnosis
cias em vigor na vida da criança. Diante de uma and treatment. Journal of Consulting and Clinical
análise funcional pobre, essa cliente poderia não Psychology, 64 (6), 1152-1168.
apresentar melhoras, ou até apresentar mais pre-
Kohlemberg, R. J. & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analíti-
juízos caso a terapeuta reforçasse ainda mais os
ca Funcional: criando relações terapêuticas
comportamentos obsessivo-compulsivos apresen-
intensas e curativas, 1ª ed., 139-155. R. R. Kerbauy,
tados pela cliente (como os pais já vinham fazen-
Trad. Santo André: ESETec.
do), aumentando ainda mais a classe de estímulos
aversivos constituintes do problema. Entretanto, Vermes, J. S. & Zamignani, D. R. (2002). A perspectiva analítico-
pesquisas com maior controle de variáveis fazem- comportamental no manejo do comportamento obsessivo-
compulsivo: estratégias em desenvolvimento. Revista Zamignani, D. R. (2000). Uma tentativa de entendimento do com-
Brasileira de Terapia Comportamental e Cog- portamento obsessivo-compulsivo: algumas variáveis
nitiva, 4, (2), 135-149. São Paulo. negligenciadas. R. C. Wielenska (org.), Sobre compor-
tamento e cognição: questionando e amplian-
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