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A consciência-de-si enquanto caminho de reconhecimento do

Outro
Daniel Junio Gonçalves da Silva
Georg  Wilhelm  Friedrich  Hegel  (Alemanha,  1770-1831)  é  considerado  o  último  dos 
filósofos  modernos  e  que  escreve  de modo sistemático. Seu pensamento influenciou muitos 
filósofos posteriores que se dividiram a seu favor e contra; em direita e esquerda hegeliana. 
O  presente  artigo  tem  como  base  a  obra  “Fenomenologia  do  Espírito”,  mais 
especificamente  o  capítulo  IV  realizando  uma  interpretação  da  dialética  do  senhor  e  do 
escravo.  Assim  como  muitos  filósofos,  Hegel propõe com a “Fenomenologia do Espírito” um 
novo  jeito de filosofar, ou melhor, um jeito próprio de filosofar. Nosso objetivo aqui é mostrar 
a  importância  da  alteridade,  do  outro.  Mostrar  que  diante  do  outro  a  consciência  não  pode 
querer  simplesmente  dominá-lo.  Poderíamos  partir  do  ponto  que  Hegel  é  o  filósofo  da 
consciência,  pois  na  presente  obra  deu  grande  ênfase  a  este  tema  e  propôs,  como  nos  diz 
Marcondes,  (2004,  p.  216),  uma  virada  significativa:  “Hegel  pretende  substituir  o  problema 
epistemológico  da  fundamentação  do  conhecimento  pela  autorreflexão  fenomenológica  da 
mente,  entendendo  a  Fenomenologia  como  a  ciência  dos  atos  da  consciência”.  Mas 
tomando  num  sentido  mais  amplo,  poderíamos  compreender  a  Fenomenologia  como  a 
ciência da manifestação do espírito. 
A  cada  vez  que  o  homem  filosofa,  ele  realiza  um  movimento  de  saída  de  sua 
consciência  comum  e  vai  à  procura  do  absoluto.  “Ora,  o  itinerário  da  Fenomenologia  é  a 
progressiva  mediação  desta  oposição  até  sua  total  superação,  e  percorre  as  seguintes 
etapas:  consciência  (em  sentido  estrito),  autoconsciência,  razão,  espírito,  religião,  saber 
absoluto”.  (REALE,  2005,  p.  111).  Percebemos  que  para  Hegel  o  homem  deve  chegar  ao 
saber  absoluto  e  para  tal  é  preciso  que  ele  abandone  as  finitudes  da  consciência,  uma  vez 
que sua consciência por si mesma é limitada. 
Esclareçamos  para  melhor  entendermos  o  termo  usado  por  Hegel  chamado 
consciência-de-si.  “A  consciência-de-si  é  em  si  e  para  si  quando  e  porque  é  em  si e para si 
uma  Outra;  quer  dizer,  só  é  como  algo  reconhecido”  (HEGEL,  1988, p. 126). Nesta parte do 
capítulo  IV  da  “Fenomenologia  do  Espírito”,  Hegel  delibera  sobre  a  independência  e 
dependência  da  consciência-de-si,  ou seja, sobre a dominação e a escravidão. Pela razão de 
Hegel  escrever  de  modo  fortemente  sistemático,  antes  de  aprofundarmos  na  temática  da 
consciência-de-si,  precisamos  esclarecer  que o espírito que se manifesta é a consciência em 
sentido  lato  e  que  a  Fenomenologia  possui  etapas  ou  níveis.  “A  tese  de  Hegel  é  que  toda 
consciência  é  autoconsciência;  por  sua  vez,  a  autoconsciência  se  descobre  como  razão; por 
fim,  a  razão  realiza-se plenamente como espírito, que, através da religião, alcança seu ponto 
culminante  no  saber  absoluto”  (REALE,  2005,  p.  112).  Em  nosso  trabalho  entendemos 
autoconsciência  como  sinônimo  de  consciência-de-si.  Após  o  término  de  cada  uma  destas 
etapas ou níveis deve-se passar para outra. 
A  primeira  etapa,  que  é  da  consciência,  em  Hegel  tem  sentido  menos  abrangente, 
pois  somente  chegará  ao  sentido lato depois de percorrer um caminho que já apresentamos 
aqui.  A  consciência  é  aquela  que  conhece  o mundo, e analisando esta etapa podemos notar 
que  ela  se  divide  em  três  momentos  que  são  sucessivos:  certeza  sensível,  percepção  e 
intelecto.  Estes  momentos  se  encontram  interligados  de  modo  dialético.  Os  dois  primeiros 
momentos  que  são  o  da  certeza  sensível  e  o  da  percepção  são  importantes,  porém  podem 
criar  equívocos.  A  consciência  deve  compreender  que  os  objetos  sensíveis  devem  passar 
pelo  crivo  do  intelecto;  além  do  mais,  o  objeto  depende  da  própria  consciência.  A  oposição 
que  é  desenvolvida  entre  sujeito  e  objeto  deve  ser  resolvida,  sanada.  “Consciência  indica 
sempre  relação  determinada entre um “eu” e um “objeto”, relação sujeito-objeto. A oposição 
sujeito-objeto,  portanto,  é  característica  distintiva  da  consciência”  (REALE,  2005,  p.  112). 
Superada  a  oposição  e  passados  os  três  momentos,  culminando  no  terceiro,  que  ó  o  do 
intelecto, temos a passagem da etapa da consciência para a etapa da consciência-de-si. 
Depois  de  esclarecida  a  primeira  etapa  que  é  a da consciência, podemos aprofundar 
mais  na  segunda  que  é  nosso  objeto  de  estudo.  Hegel  mostra  que  no  processo  que  a 
Fenomenologia  traça,  quando  se  chega  na  etapa  da  consciência-de-si  ou  do  saber  de  si, 
esta  etapa  não  deve  ser  construída  ou  percorrida  de  forma  equivocada.  Na 
consciência-de-si  alguns  aspectos  devem  ser  superados  e  melhorados.  Uma  primeira 
atitude  que  deve  ser  mudada  com  relação  à  consciência-de-si  é  com  relação  ao 
reconhecimento  do  outro,  reconhecimento  da  alteridade.  A  consciência-de-si  não  deve  ser 
uma  consciência  que  negue  a  alteridade.  Hegel  quer  nos  mostrar  que  a  consciência-de-si 
deve  estar  aberta  para  o  outro:  “assim  seus  momentos  devem,  de  uma  parte,  ser  mantidos 
rigorosamente  separados,  e  de  outra  parte,  nessa  diferença,  devem ser tomados ao mesmo 
tempo  como  não  diferentes,  ou  seja,  devem  sempre  ser  tomados  e  reconhecidos  em  sua 
significação  oposta”  (HEGEL,  1988,  p.  126).  É  marca  inicial  da  consciência-de-si  excluir  o 
outro.  A  consciência-de-si  no  início  se  deixa  ser  influenciada  pelo  desejo,  destarte  procura 
tomar  posse  das  coisas  e  criar  uma  situação  para  que  tudo  dependa  si.  Ela  chega  até 
mesmo ao ponto de negar o outro. 
Chegamos  então  à  dialética  do  senhor  e  do  escravo.  O  senhor  é  aquele  que  não 
hesitou  em  sair  para a luta, ele não teve medo do outro, viu o outro como negativo que pode 
ser  vencido  e  alcançou  a  vitória.  “O  senhor  é  a  potência  que  está  por  cima  desse  ser;  ora, 
esse  ser  é  a  potência  que  está  sobre o Outro; logo, o senhor tem esse Outro por baixo de si: 
é  este  o  silogismo  [da  dominação]”  (HEGEL,  1988,  p.  130).  Já  com  o  escravo  acontece  o 
contrário, este por medo da morte se sujeitou ao senhor e tornou-se dependente dele. Como 
é  potência  do  senhor,  este  aproveita  e  abusa  do  escravo.  “O  senhor  não  está  certo  do 
ser-para-si  como  verdade;  mas  sua  verdade  é  de  fato  a  consciência  inessencial  e  o  agir 
inessencial  dessa  consciência”  (HEGEL,  1988,  p.  131).  Com  essa  afirmação  conseguimos 
perceber  que  da  relação  entre  o  senhor  e  o  escravo  elenca-se  a  seguinte  consequência:  o 
senhor  ao  invés  de  se  tornar  independente  como  sempre  fora,  acaba  se  tornando 
dependente.  Mas  afinal  de  contas  por  qual  motivo  o  senhor  acaba se tornando dependente 
visto  que  sua  figura  propicia  cada  vez  mais  a  independência?  Em  sua  cômoda  posição  o 
senhor  vai  aos  poucos  desaprendendo  a  fazer  muitas  coisas  que  agora  seu escravo realiza. 
Se  por  um  lado  o  senhor  perde  independência,  por  outro  o  servo  vai  se  tornando  cada  vez 
mais independente, pois é ele que faz e acontece. 
Hegel  não  quer  com  a  dialética  do  senhor  e  do  escravo  valorizar  uma 
consciência-de-si  mais  do  que  a  outra,  visto  que  no  capítulo  IV  fala  de  duas 
consciências-de-si  que  vão  se  confrontando;  na  verdade  ele  quer  mostrar  a  importância 
destas  caminharem  juntas,  de  não  acontecer  a  negação  de  uma  sobre  a  outra.  Hegel  quer 
propor  uma  submissão  entre  as  consciências;  submissão  e  não  subserviência.  A 
consciência-de-si deve sair do estado do “em si” e chegar ao estado do “para si”. 
Portanto,  a  relação  das  duas  consciências-de-si  é  determinada de tal modo que elas 
se  provam  a  si  mesmas  e  uma  a  outra  através  de  uma  luta  de  vida  ou morte. Devem travar 
esta  luta,  porque  precisam  elevar  à  verdade,  no  Outro  e  nelas  mesmas,  sua  certeza  de 
ser-para-si.  Só  mediante  o  pôr  a  vida  em  risco,  a  liberdade  [se  conquista];  e se prova que a 
essência  da  consciência-de-si  não  é  o  ser, nem o modo imediato como ela surge, nem o seu 
submergir-se  na expansão da vida; mas que nada há na consciência-de-si que não seja para 
ela momento evanescente; que ela é somente puro ser-para-si. (HEGEL, 1988, p. 128). 
Em  suma, com esta luta, Hegel quer mostrar que: “A luta pela vida ou pela morte, por 
meio  da  qual  e  somente  por  meio  da  qual  a  autoconsciência  se  realiza  sai  da  posição 
abstrata  do  ​em  si  e  torna-se  ​para  si”  ​(REALE,  2005,  p.  113).  Podemos  perceber  que a vida 
se  dá  quando  a  consciência  não  é negada quando não é tratada sob a ótica do servilismo. A 
morte se dá no movimento contrário a este movimento que aqui apresentamos. 
A  dialética  do  senhor  e  do  escravo  e  também  o  movimento  de  suprassunção  em 
Hegel  presentes  neste  capítulo,  querem  nos  mostrar  que  se  tratam  de  movimentos 
dialéticos  onde  neles  nenhum  ser,  ou  melhor,  adequando  ao  nosso  texto,  nenhuma 
consciência  permanecerá  sobreposta  à  outra.  Senhor  e  escravo  não  são  apenas  superior  e 
inferior;  mas  são  os  dois  juntos,  pois  conforme  já  explicitamos,  não  há  superioridade.  Estão 
juntos,  pois  a  banalização  de  uma  das  consciências  ou  a  banalização  do  senhor  sobre  o 
escravo não leva a lugar algum. O senhor precisa do escravo, o escravo precisa do senhor. 
Referências 
HEGEL,  George  W.  F.  ​Fenomenologia  do  Espírito.  Trad. Paulo Meneses e Karl-Heinz 
Efken. Petrópolis: Vozes, 1992. 
MARCONDES,  Danilo.  ​Iniciação  à  História  da  Filosofia:  ​dos  pré-socráticos  à 
Wittgenstein. 8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 
REALE,  Giovanni;  ANTISERI,  Dario.  ​História  da  Filosofia:  ​do  Romantismo  ao 
Empiriocriticismo, v. 5. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005. 
 
   

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