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DEFINIÇÃO E SINTOMAS
Nem todos esses sintomas podem estar presentes nas crises, mas alguns sempre
estarão. Há crises mais completas e outras menores, com poucas manifestações.
Os sintomas começam de súbito e se acentuam rapidamente, muitas vezes
acompanhados por uma sensação de catástrofe ou de morte iminente e por uma
ânsia de escapar da situação. A freqüência dos ataques varia de pessoa para
pessoa.
dela, no Pânico, ela teme o que ocorre no próprio corpo. Podemos considerar os
casos de Pânico como fobias nas quais o que assusta são as reações do próprio
corpo; é para essas reações que se volta a atenção, como deflagradoras das
crises de Pânico.
Ansiedade antecipatória
Muitas vezes, a pessoa com Síndrome do Pânico não se sente presente nas
situações e não consegue responder a elas adequadamente. Em vez de se
compor com o que está à volta, ela pode se sentir ansiosa na maior parte do
tempo. A ansiedade pode dominar a cena num sentimento flutuante de ameaça
interna, de perigo que vem de dentro e que deixa a pessoa se sentindo um tanto
distante da situação presente, limitando sua capacidade, por exemplo, de sentir
raiva pelo que a desagrada, tristeza pelo que não obtém, de se sentir desafiada
pelo novo etc. Muitas pessoas com Pânico relatam que se sentem um pouco "de
fora" das situações.
Quando a pessoa consegue se compor com o que vive, estando mais presente
nas situações, tende a ir saindo desse estado constante de ansiedade. Como
veremos, aprender como estar mais presente e poder lidar com as afetações dos
encontros é ativar o processo de manejar a ansiedade, ponto básico no processo
de superação das crises de pânico.
PÂNICO E ESTRESSE
O que é estresse?
Estresse é uma reação básica que todo ser vivo apresenta frente a diversos tipos
de afetações, boas ou ruins.
Territórios existenciais
A situação estressante pode ser, por exemplo, uma crise conjugal, um medo de
estar doente ou até mesmo uma viagem ou uma promoção no emprego – algo
aparentemente bom, mas que exige adaptações e mudanças internas.
É sempre com as afetações dos encontros que temos que lidar: encontro com as
coisas, com as pessoas, com os próprios sentimentos, encontros do "eu" – aquilo
com que o "eu" se identifica – com o "não eu" – aquilo que está fora dos limites de
um território existencial.
O "não eu" pode estar dentro de meu corpo, como um sentimento que eu não
entendo e não aceito ter, um pensamento que eu rejeito, uma fantasia "perigosa",
uma sensação que eu temo, enfim todas essas partículas de experiência subjetiva
que não fazem parte do território no qual o "eu" se reconhece.
A questão é como algo nos afeta e como podemos dar conta de um certo
desmanchamento de nossos territórios existenciais que os encontros e
afetações provocam; como se compor com os acontecimentos a partir das
mudanças necessárias no processo da vida ou como ativar modos de limitar os
efeitos desorganizadores do excessivo.
O continuum do susto
Quando vivemos uma situação que mexe muito conosco e nos desestabiliza, é
ativada uma reação automática chamada reação de luta ou fuga. Essa reação faz
parte da resposta biológica do estresse e nos prepara para respondermos à
situação nova.
Caso a intensidade dessa mobilização seja suficiente para dar conta do que
ocorre, com um reconhecimento adequado da situação e de seus efeitos, a
reação de alerta se desfaz, e se organiza um modo de se compor com a situação
e os afetos.
E, finalmente, não posso dar conta, não posso mudar a situação, nada me resta a
não ser a entrega, a derrota, o colapso. Caio em apatia, tristeza e depressão. A
afetação foi demais para mim, me agrediu demais e nada posso fazer para
mudar.
(2) em seguida, se o grau de afetação for mais intenso e nos ameaçar, reagimos
com isolamento, depois com enfrentamento e raiva.
(3) Caso a situação nos ameace ainda mais intensamente, começamos a nos
sentir incapazes de dar conta do que ocorre e passamos a sentir medo,
ansiedade, e
(4) podemos então caminhar para o pânico, grau extremo de uma situação
excessiva, insuportável.
Quando não podemos avançar nem recuar, não conseguindo nos compor com a
situação, ficamos no estado de ansiedade e pânico.
Essa é a questão mais importante a ser respondida para toda pessoa que
apresenta Síndrome do Pânico, pois aponta para as causas que a levaram ao
estado de Pânico. A resposta a essa pergunta é sempre singular, cada um tem os
seus motivos, mas todos têm um motivo.
O pânico é uma reação frente a uma experiência excessiva da qual a pessoa não
está conseguindo dar conta. Na Síndrome do Pânico, o que produz o excessivo
está dentro da pessoa; um estado interno indica haver coisas em sua
personalidade que estão vivendo como estrangeiras dentro dela. Quando essas
coisas começam a vir à tona, produzem as reações do continuum do susto no
grau do Pânico.
Esse estranho não tem nome, é um desconhecido que habita e domina a vida da
pessoa. São sentimentos, sensações, micropartículas de experiência que estão
marginalizadas de um território existencial dominante.
Há algo pedindo passagem que não encontra lugar ao sol, que fica rejeitado,
cindido da percepção consciente e que, quando emerge, produz uma intensa
reação de estranhamento e desencadeia o reflexo do susto. Há uma reação de
susto frente a uma excitação interna que não encontra modo de expressão, uma
excitação sem forma.
O pânico é uma resposta de alta excitação numa situação limite em que não há
possibilidade de se compor com o que afeta e, ao mesmo tempo, em que não há
recurso viável de fuga; não dá para lutar e não dá para fugir daquilo que está
dentro da pessoa e que ela não reconhece.
A pessoa percebe a sua reação de susto frente a algo, mas não percebe esse
algo, que está desconectado, separado da percepção, produzindo a resposta
emocional de pânico.
Segundo Nina Bull, em toda emoção (tristeza, raiva, alegria etc.) há pelo menos
três componentes:
Algumas vezes, a pessoa pode não saber o motivo, mas tem suficiente
discriminação para perceber, pela sua organização somática, o tipo de emoção
que está se organizando. Por exemplo, se uma atitude postural está organizando
uma tendência motora de bater, xingar etc., pode-se identificar a emoção de raiva.
Há uma percepção de direção e intenção nas reações do corpo, há um senso de
orientação interno.
Esse senso faz com que haja uma integração entre o sentido da experiência e as
reações do corpo.
Esse é o processo que ocorre nas pessoas com Pânico: há uma certa
desconexão entre as reações somáticas e o sentido mental da experiência.
Por exemplo, frente ao excessivo, certa pessoa infla e, assim, dilui a excitação,
sentindo menos; outra adensa e contém a reação dos afetos; outra, ainda,
desconecta a experiência somática da experiência cognitiva, tentando se desligar
dos efeitos do encontro em seu corpo.
Há um modo singular pelo qual tais pessoas lidam com as sensações corporais.
Cada sensação diferente ou mais intensa do corpo pode ser percebida como um
sinal de início de uma nova crise, um sinal de que "aquilo está vindo de novo".
Isso leva a um patrulhamento constante de que algo possa sair do controle. As
pessoas com pânico fazem constantemente interpretações equivocadas e
catastróficas de suas sensações corporais.
Uma das marcas desse processo é a falta de confiança no corpo. A pessoa vive
uma profunda desconfiança do funcionamento do organismo e das sensações
que dele derivam.
OS MOMENTOS DE TRANSIÇÃO
Todos os momentos de transição na vida podem ser pontos críticos que levam às
experiências excessivas, que ultrapassam as possibilidades de assimilação de
uma pessoa. São momentos favoráveis para a eclosão dos muitos tipos de
sofrimento emocional, entre os quais a Síndrome do Pânico.
Vamos falar de um caso, entre muitos outros, em que a transição foi notadamente
o deflagrador de um processo que levou à Síndrome do Pânico.
Uma mulher chega à terapia com uma história de 12 anos de Pânico. Pudemos
observar, ao longo de seu processo, sua dificuldade em lidar com as mudanças
decorrentes do avançar para a terceira idade, as mudanças em seu corpo, nos
ritmos internos, na imagem social, na situação econômica etc.
Na época que se seguiu à menopausa, essa pessoa foi endurecendo seu corpo,
numa tentativa ferrenha de manter uma situação interna que buscava negar as
mudanças em andamento. Ela criou uma batalha interna silenciosa, para manter
um modo de funcionamento e uma imagem de si – "ativa e alegre" como antes –,
deixando uma parte de si marginalizada, escondida de si mesma.
Essa pessoa insistia em um modo de viver que não condizia com sua realidade
interna nem externa, tentando negar as afetações das transformações que
ocorriam em seu corpo e outras mudanças em sua vida, como seu padrão
econômico, que caiu com o envelhecimento do marido, o provedor da casa.
Ela sentia coisas que não conseguia nomear, identificar, e, assim, surgia a
ansiedade – que é uma reação frente ao desconhecido dentro de si. A pessoa
estranhava o que tais sensações e sentimentos produziam e reagia com
ansiedade e pânico frente àquelas experiências.
As sensações não tinham nome, não tinham sentido, e eram vividas como se
fossem reações estranhas, loucas, que ameaçavam a integridade de sua vida,
desencadeando respostas de intensa ansiedade.
Podemos dizer que as causas do processo que leva ao pânico são experiências
internas não assimiladas. A pessoa não consegue identificar o que está vindo
junto com as crises, todas as experiências de vida que foram negadas, excluídas
de seu mundo, e, assim, acaba tendo crises de pânico frente ao desconhecido
que a invade por dentro.
Conflito de formas
Um cliente de 46 anos chega para o tratamento com uma história de muitos anos
de crises de Pânico e depressão. Fala de seu problema com uma certa distância
e objetividade, como se se referisse a algo externo a ele, algo com que não está
identificado. Conta histórias em que se mostra bastante orgulhoso de suas
conquistas profissionais e financeiras, mas, ao mesmo tempo, diz que está
sofrendo muito e que sua vida está um inferno. Em seu modo de falar, evidencia-
se um elevado grau de autocontrole.
Deitado, já podendo se perceber mais, diz que sente uma grande tristeza no
peito, com um forte desânimo; sente insegurança e fantasia perder todo seu
dinheiro, o que diz ser racionalmente infundado, pois tem um bom patrimônio.
Essa forma do "durão" passou a inibir o seu modo suave, uma forma somática
passou a impedir a emergência de experiências de outra ordem, o território do
"durão" limitava muitas possibilidades de afetividade e sensibilidade em sua vida.
Essa pessoa havia criado uma estratégia de enrijecimento somático para escapar
de uma situação de muita dor e fragilidade em sua vida e para alcançar um
modelo de homem que ele havia idealizado. No entanto, havia instaurado dentro
de si uma verdadeira ditadura de um modo rígido sobre um modo sensível.
Esse homem oprimia havia muitos anos sua forma mais afetiva, numa luta
constante para paralisar e negar as afetações dos encontros com o mundo, uma
tarefa fadada ao fracasso, mas sempre reempreendida à custa de crises
episódicas de pânico e de muita medicação para tentar calar o desconforto.
O Pânico é uma reação a um estado interno do qual a pessoa não dá conta, algo
que ela sente e que não cabe em seu modo habitual de funcionar, algo que
ameaça as suas formas dominantes e passa a incomodar por baixo, como
excitação não assimilada, que não pode se expressar em formas somáticas
novas. Frente a essa excitação, a pessoa reage com estranhamento, susto,
ansiedade e pânico.
O TRATAMENTO
As técnicas utilizadas
A pessoa aprende técnicas para influenciar as suas crises. Primeiro, aprende
técnicas para diminuir a intensidade das crises; depois, como limitá-las e evitá-las,
até atingir um ponto, no decorrer da terapia, em que não as têm mais.
Assim, a pessoa vai saindo da fase das crises, podendo assimilar os sentimentos
e sensações que a haviam levado ao Pânico; vai reconhecendo as transições em
sua vida que não estavam sendo elaboradas e encontrando modos mais vitais de
lidar com as afetações e os encontros.
Notas:
* Este texto pode ser parcialmente reproduzido desde que se faça a referência do
autor e da fonte.
Modo de citação sugerido:
Scarpato, Artur. O estranho que me habita: a Síndrome do Pânico numa perspectiva formativa,
Revista Reichiana,São Paulo, numero 10, 2001, p. 50-66.
** Autor: Artur Thiago Scarpato : Psicólogo clínico (PUC SP). Mestre em Psicologia Clínica
(PUC SP). Possui quatro especializações na área de Psicologia: Especialização em Psicologia da
Reabilitação pelo HC FMUSP, Especialização em Cinesiologia Psicológica pelo Instituto Sedes
Sapientiae, Especialização em Teoria e Técnica Reichiana pelo Pulsar - Centro de Estudos
Energéticos e Especialização em Educação Somática Existencial pelo Centro de Educação
Somática Existencial. Trabalha em consultório particular com psicoterapia individual e de grupo.
Autor de diversos artigos na área.
Artur Scarpato - Psicologia Clínica
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