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LITERATURA INFANTIL E DESENVOLVIMENTO

DA LINGUAGEM ORAL

Maria Socorro Silva UFC

INTRODUÇÃO

O desafio da educação deste século, em relação à linguagem, não se restringe


apenas à transmissão do código escrito, mas a leitura de mundo. Contudo, o processo de
letramento depende não só de pôr livros nas mãos de professores e alunos, mas trata-se,
sobretudo, do que e como fazer com este insuperável veículo cultural. Diversas
pesquisas realizadas na área de Literatura Infantil (BETTELHEIM, 1980; AMARILHA,
1997; LAJOLO E ZILBERMAN, 1985; TEBEROSKY E COLOMER, 2003 e
COELHO, 1991) defendem sua importância para o desenvolvimento infantil em todos
os aspectos. Destacamos a aquisição e desenvolvimento da linguagem. Nesse sentido,
Amarilha sinaliza para a questão do utilitarismo do texto literário apontando como causa
a formação inadequada dos professores e como conseqüência a negligência das
legitimas funções da literatura, ressaltando que mesmo os objetivos aos quais a escola se
propõe também não são alcançados, uma vez que não considera a literatura como
veículo propiciador de benefícios em si mesmo, como: encantar, dar prazer, divertir,
despertar o gosto pela leitura e interesse por gêneros literários, dentre outros. Pelo
contrário, toda atividade de leitura tem, necessariamente, que estar vinculada a uma
avaliação, atividade escrita, não garantindo, apesar disso, discussões críticas, nem
tampouco a capacidade de compreender os usos dessa linguagem no cotidiano, ou seja,
a função social da escrita (AMARILHA, 1997; SOARES, 1998).
Na perspectiva de Piaget, Vygotsky e Wallon o sujeito se constrói,
essencialmente, nas interações sociais, sendo a linguagem um fator primordial e
desencadeador desse processo. Para esses autores, a aquisição e desenvolvimento da
linguagem se dá, essencialmente, nas interações sociais. Destacamos, portanto, o papel
da escola nesse processo: propor, desafiar, estimular a criança a partir de atividades
intelectuais refinadas. Enriquecendo, desse modo, o seu vocabulário, instigando sua
curiosidade, fornecendo elementos desencadeadores de uma linguagem cada vez mais
elaborada. Em outras palavras, para esses autores, é indissociável experiência social,
desenvolvimento cognitivo, aquisição e desenvolvimento da linguagem.
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Nesse sentido, Coll (et al, 2004), partindo de uma análise de pesquisas mais
recentes (Tomasello, 1995; Gelman e Shatz, 1978; Nelson 1985; Newcombe e
Huttenlocher, 1992, apud Coll et al, 2004), dentre outros que, em parte, contestam
alguns aspectos dos achados piagetianos, sobretudo, quanto às características do estágio
pré-lógico; propõem uma discussão sobre o processo de aquisição e desenvolvimento
cognitivo da criança realçando os aspectos positivos de suas aquisições, ou seja,
ressaltando competências e habilidades opondo-se a Piaget que enfatizou as limitações
dessa fase de desenvolvimento.
Coll organiza em cinco categorias evolutivas a apropriação da linguagem pela
criança nos aspectos fonológicos, semântico, morfológico e sintático e pragmático,
embora considere a indissociabilidade entre os mesmos. Ao revisar a análise que esse
autor realizou das fases e aquisições da criança em seu processo de desenvolvimento
lingüístico, temos que o retrato esboçado da criança, sujeito dessa pesquisa é o de uma
criança competente do ponto de vista funcional da linguagem. Suas habilidades de
interagir com os iguais e com os adultos a habilita – em situação social - a suprir suas
necessidades de comunicação, inclusive, buscar compreender o mundo através de sua
postura inquiridora diante deste.

PROBLEMA

 Que avanços podem-se observar no desenvolvimento da linguagem oral de


crianças a partir de três anos que têm acesso sistemático à Literatura Infantil?

OBJETIVOS

 Comparar a relação entre o uso sistemático, o acesso utilitarista e o não acesso


no ambiente escolarizado, da Literatura Infantil e o desenvolvimento da
linguagem oral em crianças a partir de três anos.
 Analisar os aspectos narrativos (noção de gênero, construções frasais, seqüência
temporal e causal) e vocabulário na reconstrução oral das crianças.

METODOLOGIA
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A população de objeto de estudo são crianças a partir de rês anos de idade


matriculadas em três instituições de Educação Infantil na cidade de Fortaleza-Ce. Duas
da rede pública municipal e outra mantida por entidades empresariais escolhidas
conforme a prática pedagógica: contar e recontar história em processo dialógico A;
contar com fins disciplinares B e não contar histórias C. Os mais falantes compõem a
amostra de 15 sujeitos. A técnica de observação simples conjugada a analise
comparativa não permite à pesquisadora interferir no ambiente. Coerente essa
metodologia de investigação a professora de sala conta a história e a pesquisadora
solicita o reconto. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram livros das
histórias: Chapeuzinho Vermelho, A Bela e a Fera e A Guardadora de Gansos; e um
gravador para registro dos recontos.

RESULTADO PARCIAL

Na análise comparativa entre as três produções orais destaca-se como relevante


às diferenças qualitativas e quantitativas entre a qualidade e a quantidade das
informações; a alternância de turnos, vocabulário, construções frasais com períodos
mais longos ou com apenas uma palavra ou onomatopéia, elementos de construção
temporal e causal e a colaboração efetiva no pensamento. Nos turnos 006 a 010 há um
retorno aos elementos desencadeadores do conflito, a não observação de Chapeuzinho
ás recomendações da mãe. Um elemento importante nesse turno (010) é a participação
do sujeito de número três (S3). Ele estava quieto até esse momento e irrompe com essa
efetiva colaboração no pensamento: “Socorro” (010), que Piaget diz não ser possível
nessa fase. Segundo esse autor, as crianças entre 3-4 em situação social (monólogos
coletivos) escutam umas as outras e se compreendem, mas não colaboram no
pensamento abstrato (PIAGET, 1999b). Nesse caso, porém, temos um exemplo não só
de escuta e compreensão, mas, sobretudo de colaboração efetiva no pensamento, a
criança completa de forma criativa e coerente o raciocínio da outra. Vejamos no
contexto:
006:P: Quem foi pegar doce?
007: S1:A chapeuzinho Vermelho foi...pegar doce pra
vovó.
008:P: E ela foi por onde entregar?
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009: S1: Foi pelo caminho bem longe... Foi pela floresta.
Tinha um lobo (silêncio). Ai ela foi pegar doce e... e...
010: S3: Socorro!

Na Instituição B, os sujeitos limitam-se a responder de forma breve ao que lhes é


perguntado ou simplesmente emitir um gesto acompanhado de onomatopéias como no
exemplo a seguir:
IB - 018: S2: inhaque!
019:P: Quem fez isso?
020: S2: O lobo.

Na reconstrução do terceiro reconto pela Instituição C temos um fato muito


importante. O sujeito alterna discurso direto e indireto no turno 219: “Aí a mãe dela
disse: (...)”. No turno 221 sem introduzir a personagem (Aia) que fica subentendida pelo
contexto da reconstrução e o conteúdo da fala, dá voz e emoção à antagonista de modo
encantador: “Eu mermo, eu mermo, eu num vou mermo, eu mermo num vou não, eu
mermo, eu mermo num vou não, eu mermo, eu mermo não, vou nada” Retomando em
seguida a função de narradora: “Aí depois ela ficou em cima do cavalo. Ela não quis
descer (...)”.
De acordo com Adam (1992); Teberosky (2004); Gancho (2004) e Bruner
(1997), os sujeitos da pesquisa da instituição A reconstroem a narrativa, uma vez que,
contemplam os principais elementos que a caracterizam com riqueza vocabular e
encadeamento de ideais apresentando seqüência temporal e causal. Os sujeitos da
Instituição B, contudo, apresentam dificuldades até mesmo de guardar as informações,
inclusive, confundem informações de histórias anteriores, não identificam os
personagens nem apresentam o elemento conflito nas duas últimas histórias; os sujeitos
da instituição C apresentam parcialmente os elementos da narrativa, demonstrando,
inclusive, avanço significativo ao utilizar o discurso direto conforme exemplo citado.

CONCLUSÃO PROVISÓRIA

Considerando o nível de desenvolvimento da linguagem dos sujeitos


pesquisados, os objetivos desse trabalho e as exigências para se considerar uma
reconstrução de narrativa podemos, certamente, considerar que os sujeitos da Instituição
A e C reconstroem satisfatoriamente a narrativa, sendo que a Instituição A apresenta
vocabulário superior ao das demais Instituições comparadas. Contudo, ressaltamos que
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a Instituição C se diferencia da Instituição B, pois tem acesso a pratica de leituras


compartilhadas no ambiente doméstico.
Esse resultado de pesquisa sinaliza para a necessidade de rever alguns conceitos
acerca das concepções de criança e de aprendizagem resquício da teoria da Privação
Cultural ainda presentes no cotidiano escolar. Em função do preconceito que relaciona
as dificuldades de aprendizagem das crianças da classe popular a insuficiências de
capital cultural, social e financeiro (Kramer, 1985), o aspecto pedagógico e
metodológico que deveria dar conta dos problemas de ensino-aprendizagem é posto a
margem da discussão e a não aprendizagem da criança é atribuída a fatores externos a
escola. Para Ferreiro (1990), a aprendizagem da leitura e da escrita não está relacionada
senão com a qualidade do trabalho pedagógico e ao ambiente social, ou seja, é a
inserção do sujeito em um ambiente alfabetizador, que desafie, estimule e responda as
suas curiosidades. Como no caso, o sujeito 01 da Instituição C que tem acesso às
práticas de leituras compartilhadas em família apresenta um nível de linguagem superior
aos demais, da mesma instituição, e também aos dos sujeitos da instituição B que apesar
de ouvir histórias no ambiente escolar não apresentam as habilidades esperadas na
atividade proposta, fato que se explica pela qualidade do trabalho pedagógico. Em
relação aos sujeitos da instituição A, tanto a prática docente sistematizada como as
experiências compartilhadas em família contribuem para a qualidade dos resultados da
amostra. Coerente com nossa orientação teórica a qualidade das interações sociais
limitam ou favorecem o desenvolvimento da linguagem oral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADAM, Jean-Michel. O propósito da seqüência narrativa. In: Os textos: tipos e


protótipos. Paris: Edições Nathan, 1992.
AMARILHA, Marli. Estão mortas as fadas? Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1990.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos contos de Fadas. Tradução de Arlene
Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
BRUNER, Jerome. Atos de Significação.Tradução Sandra Costa. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.
COELHO, Betty. Contar histórias; Uma Arte sem idade. – São Paulo: Ática. 1991.
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COL, César. MARCHESI, Álvaro; PALÁCIOS, Jesús. Desenvolvimento psicológico e


educação 1. Psicologia evolutiva: trad. Daisy Vaz de Moraes. – 2. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo. Cortez: Autores
Associados, 1990.
GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar Narrativas. São Paulo: Ática, 2004.
KRAMER, Sonia. A Política do Pré-Escolar no Brasil A arte do Disfarce. Dois Pontos.
1985.
LAJOLO, Marisa; ZIBERMAN, Regina. Literatura Infantil Brasileira Histórias e
Histórias. São Paulo: Ática. 1987.
PIAGET, Jean. A linguagem e o Pensamento da Criança. Trad. Manuel Campos;
revisão da tradução e texto final Marina Appenzeller, Áurea Regina Sartori. – 7ed. São
Paulo; Martins fontes, 1999.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,
1998.
TEBEROSKY, Ana & COLLOMER, Tereza. Aprender ler e escrever: uma proposta
construtivista. Porto alegre: Artmed, 2003.
__________ , Ana. 2a Conferencia: La construcción de un modelo de enseñanza del
lenguaje y de la alfabetización. El ejemplo de la narración. Universidad de Barcelona,
2004.

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