Professional Documents
Culture Documents
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
154
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
155
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
INTRODUÇÃO
Por conseguinte, este trabalho tem como objetivo geral apresentar os valores e as principais
características do cooperativismo de crédito como modalidade econômica, bem como refletir
sobre os fundamentos que deveriam torná-lo objeto de políticas públicas permanentes por parte do
Estado, de modo a se desvelar como instrumento eficaz de estímulo ao desenvolvimento previsto
na Constituição. Nesse sentido, serão identificados os benefícios que o cooperativismo de crédito
pode trazer para gerar produção e equidade socioeconômica.
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
156
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
que o fundamentam. Relata-se, ainda, acerca das características que diferenciam o cooperativismo
de crédito dos bancos comerciais para se comprovar as suas vantagens. Por fim, discorre-se sobre
o crescimento da adoção do cooperativismo de crédito no Brasil.
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
157
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
158
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
159
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
Amstad, depois denominada de Caixa Rural de Nova Petrópolis, e hoje museu do cooperativismo
de crédito brasileiro.
Conforme se observa, o surgimento das cooperativas deu-se na Europa e é datado do
século XIX. E embora as cooperativas de crédito não tenham sido as precursoras do movimento
cooperativista, elas tiveram origem em razão da necessidade e da demanda de crédito pela
população europeia não detentora de capital, a exemplo dos trabalhadores rurais e do proletariado.
Os diversos modelos cooperativistas, sem dúvida, influenciaram para que, no Brasil, se
acompanhasse a experiência estrangeira. Tanto que as cooperativas surgiram independentemente
do regramento jurídico, pois, somente a partir da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, é que
passaram a ter um marco legal adequado às suas especificidades.
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
160
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
sujeitos, exigindo-se o rompimento das barreiras do individualismo, para preocupar-se com o outro,
de forma a compreender o outro como realidade pessoal, mas também dando reconhecimento à
importância social das ações do indivíduo inserido na coletividade. No que tange ao cooperativismo,
Rossi (2011, p. 79) assume que este:
[...] pressupõe, para o exercício das atividades que enseja, exatamente essa
lógica. A centralização do olhar no “outro”, a superação da visão individualista,
o esvaziamento do sentido da competição e o realce da noção de ajuda mútua, de
operar conjuntamente não só com o outro, mas também por e ao lado dele.
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
161
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
Logo, pela equidade se definiria o estabelecimento de direitos e deveres iguais para todos
os associados, a distribuição dos resultados proporcional à participação, e a assistência sem
discriminação e consonante necessidades.
3 A CONSTITUIÇÃO E O COOPERATIVISMO
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 174, § 2º, prevê que “a
lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.” (BRASIL, 1988).
Como será abordado, essa regra constitucional é de fundamental importância no processo de
desenvolvimento do país. E há muitos motivos que teriam conduzido o constituinte a positivar
esta norma de natureza programática.
Sabe-se, há muito, que o modelo econômico liberal, fundado na livre organização e
funcionamento do mercado (nos termos propostos por Adam Smith), é insuficiente para gerar
desenvolvimento: produção de riqueza, equidade socioeconômica e proteção ambiental. Partindo
dessa premissa é que, desde o início do século XX, considera-se adequada a atuação do Estado
para corrigir as distorções oriundas da clássica dinâmica econômica liberal. Desta feita, autoriza-
se o Estado a intervir na economia sempre que se fizer necessário, observando-se, contudo, os
direitos e as garantias constitucionais fundamentais dos agentes privados e de padrões específicos
de funcionamento da economia capitalista, ainda que com viés social. Por conseguinte, o Estado
detém a preferência para atuar de forma indireta na economia, no exercício de suas funções
normativa e reguladora (art. 174, caput, da Constituição). Sua atuação direta somente é autorizada
por meio de lei e em situações excepcionais, quando necessária aos imperativos de segurança
nacional ou sob a premissa de relevante interesse coletivo (artigo 173, caput, da Constituição).
Assim, no modelo econômico constitucionalmente posto, o Estado passa a atuar como agente
normativo e regulador e, como tal, detém a legitimidade para definir, nos limites constitucionais,
a política econômica nacional. Munido destas prerrogativas, o Estado determina as premissas
e diretrizes sobre as quais ele próprio (artigo 173, caput, da Constituição) e os demais agentes
econômicos privados devem ou podem atuar.
Ao definir, em seu artigo 174, § 2º, que o Estado atuará para estimular o cooperativismo, a
Constituição adota um viés dogmático de matriz social-liberal, uma vez que ela impõe um dever
econômico-social ao Estado que, na qualidade de agente normativo e regulador da economia,
detém o compromisso de viabilizar esse instrumento econômico por meio de regramento
infraconstitucional e pela adoção de políticas públicas adequadas à sua efetivação.
Há de se destacar que a norma não restringe o estimulo ao cooperativismo em determinado
modelo, mas sim o trata de forma genérica, de modo a abranger diversas de suas modalidades, como
crédito, trabalho, consumo, dentre outras, indo, inclusive, mais além, ao assumir que estimulará
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
162
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
outras formas de associativismo, desde que para fins lícitos e pacíficos (ressalva do artigo 5º, inciso
XVII, da Constituição).
O estímulo constitucional ao cooperativismo e ao associativismo recontextualiza a
normatividade da Lei nº 5.764, de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, deixando
clara a importância deste modelo econômico como estratégia para o desenvolvimento nacional,
agora sob a perspectiva da sustentabilidade (produção de riqueza, equidade socioeconômica e
proteção ambiental).
Logo, o artigo 174, § 2º, da Constituição deve também ser concretizado em consonância
com o seu artigo 5º, inciso XXIII, e com todo o rol de normas-princípio previstas no artigo 170,
dentre elas a do dever de estimular ações de proteção ao meio-ambiente na seara da atividade
econômica.
Além do direito constitucional ao associativismo (artigo 5º, incisos XVII, XVIII, XIX,
XX e XXI, da Constituição), o artigo 5º, no inciso XVIII, acrescenta o cooperativismo como
direito, assegurando que a criação de cooperativas independe de autorização estatal, desde que
respeitadas as formalidades e requisitos previstos em lei, vedando-se ao Estado de interferir em
seu funcionamento.
Observe-se, pois, neste aspecto, que o dispositivo constitucional menciona “lei”, sendo
essa, portanto, ordinária e não complementar, visto que a última, quando necessária, deve ser
expressa. Neste ponto, merece questionamento se as resoluções emitidas pelo Banco Central do
Brasil seriam instrumentos hábeis na determinação das formas de atuação do cooperativismo de
crédito.
Tendo em vista que o Banco Central do Brasil é a agência reguladora responsável pelo
funcionamento do Sistema Financeiro Nacional, exercendo o controle do crédito, fiscalização e
autorização de funcionamento das instituições financeiras, conforme se depreende do artigo 10º
da Lei nº 4.595, de 1964, pode-se concluir que as suas resoluções são válidas ao regularem os
parâmetros de funcionamento e a autorização para criação de cooperativas de crédito, pois o termo
“lei” resta compreendido como veículo por meio da qual se estabelecem normas (BRASIL, 1964).
A Constituição, ao adotar a premissa de estímulo ao cooperativismo, reconhece a função
econômico-democrática da atividade cooperativa (portanto, associativa dos interessados) como
mecanismo útil e adequado para também se alcançar o desenvolvimento nacional. Neste sentido,
a Constituição adota o cooperativismo como diretriz de planejamento econômico, cujo fim é de
“imprimir ao mercado um direcionamento diferente daquele que o regeria se deixado às ‘leis
naturais’” (FONSECA, 2007, p. 339-340).
Para que o cooperativismo possa funcionar como propulsor de desenvolvimento, se faz
necessário que ele se revista de certos valores e características vantajosas que justifiquem a sua
importância como elemento de política econômico-social. É nesse sentido que se sustenta, pois, o
presente estudo, esclarecendo as razões pelas quais se deve optar pelo cooperativismo de crédito
como alternativa de planejamento econômico, constitucionalmente adequado.
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
163
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
A Lei nº 5.764, de 1971, fornece, em seu artigo 3º, um conceito de cooperativa nos seguintes
termos: “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a
contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum,
sem objetivo de lucro.” (BRASIL, 1971).
A partir desse marco legal, Pereira (2006, p. 103) detalha o conceito de cooperativa
definindo-a como:
[...] uma associação de pessoas com objetivo profissional nos diversos campos
da atividade humana, administrada no modelo da autogestão, operacionalizada
por meio de ajuda mútua, destinada à satisfação das necessidades básicas comuns
de seus membros. É uma organização de natureza empresarial sem propósito de
lucratividade, mediante a qual um grupo de pessoas busca realizar determinados
interesses comuns, e tem o capital como instrumento à serviço do homem
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
164
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
disposição do artigo 982 do Código Civil (BRASIL, 2002). Todavia, insta apenas apresentar quais
seriam as características basilares das cooperativas listados no artigo 4º da Lei 5.764, de 1971:
Ao optar pelo regramento das cooperativas como sociedades simples, o Código Civil, não
expõe tal motivação, não aclarando sua distinção em relação às sociedades empresárias, já que em
seu artigo 966 não determina a lucratividade como elemento essencial das sociedades empresárias,
limitando-se a assentar que “considera-se empresário aquele que exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou circulação de mercadorias ou serviços.”
Observa-se que do artigo supramencionado não há qualquer ressalva para que as cooperativas
não sejam consideradas como sociedades empresárias, todavia por expressa disposição legal do
artigo 982, parágrafo único, do mesmo diploma legal, deve-se considerar como simples a sociedade
cooperativa.
Apesar de se divergir de tal conceituação, notadamente pela falta de motivação expressa no
Código Civil, Krueger tenta justificar as cooperativas como sociedades simples; a esse respeito, o
autor assevera que:
[...] resta, enquadrada a cooperativa como sociedade simples, apenas uma maneira
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
165
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
É razoável o argumento levantado, todavia acaba sendo forçosa a hermenêutica, uma vez que
a lei não evidenciou as motivações que impedem as cooperativas de serem consideradas sociedades
empresárias. Todavia, por expressa disposição do artigo 982, parágrafo único, do Código Civil,
deve-se classificar as cooperativas como sociedades simples, que, segundo Krueguer, teriam como
distinção marcante a inexistência de intento lucrativo pela sociedade.
No que concerne aos tipos de cooperativas, a Lei nº 5.764, de 1971, trata apenas de expressar
as formas que as cooperativas podem assumir, quais sejam: singulares, centrais (ou federações)
e confederações. As primeiras são destinadas à prestação direta de serviços aos associados, ao
passo que as centrais seriam constituídas por três ou mais singulares e teriam por objetivo orientar,
integrar e facilitar as atividades e a utilização recíproca dos serviços. As confederações, por sua
vez, seriam formadas pela reunião de três ou mais centrais, da mesma ou de diferentes modalidades
de cooperativas, orientando e coordenando as atividades das filiadas, em defesa, portanto, do
interesse global do sistema cooperativo, conforme se depreende dos artigos 6 a 9 da referida lei.
O artigo 10, caput, da Lei nº 5.764, de 1971, estabelece que as cooperativas também se
classificam de acordo com a natureza ou objeto da atividade desenvolvida. Neste sentido, diversas
modalidades de cooperativas podem ser encontradas. Vasconcelos (2001, p. 22-27) exemplifica,
num rol extensivo, diversos tipos de cooperativas, como: de produção agrícola ou industrial, de
trabalho, de beneficiamento de produtos, de compras em comum, de consumo, de abastecimento,
de crédito, de seguro, de construção de casas populares, de editoras e de cultura intelectual,
escolares e mistas. Além dessas, acrescentam-se ainda as cooperativas de transporte, de catadores
lixo, dentre tantas outras possíveis. Contudo, este trabalho foca-se nas cooperativas de crédito.
Classificando-se as cooperativas conforme a atividade a que se dedicam, as sociedades
cooperativas de crédito são aquelas que têm o objetivo de concessão de crédito aos seus associados,
ou, nas palavras de Salomão Neto (2014, p. 72) “são entidades que têm por objeto a cooperação
mútua entre seus associados através da economia sistemática e do uso adequado do crédito.” Por
conseguinte, as sociedades cooperativas de crédito funcionam como players do mercado financeiro,
vez que a atividade de concessão creditícia é tipicamente financeira, compreendida entre “coleta,
intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou
estrangeira”, consonante prevê o artigo 17 da Lei nº 4.595, de 1964, ao definir as atividades típicas
de instituições financeiras.
Atualmente, a extensão dos serviços prestados por essas cooperativas tem sido ampliada
para além da mera concessão creditícia. Neste sentido, a Resolução nº 4.434, de 2015, do Banco
Central do Brasil, as autoriza a prestar as seguintes atividades:
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
166
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
167
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
O artigo 17 da Lei nº 4.595, de 1964, traz o conceito de instituição financeira, nos seguintes
termos:
Porém, Salomão Neto (2014, p. 17) adverte da demasiada amplitude que o mencionado
artigo confere às instituições financeiras, de tal forma que se interpretado em literalidade poucas
atividades e empresas nacionais escapariam ao enquadramento como instituições financeiras.
Assim, coube à doutrina especificar e aclarar o que seria considerado instituição financeira para
fins legais. Lamy Filho e Pedreira (1992, p. 479) argumentam que “o traço característico das
chamadas instituições financeiras é a captação de recursos do público em geral para investimentos
financeiros, cujos resultados são atribuídos aos respectivos subscritores”.
Nesse contexto, e por força de sua própria natureza, as cooperativas de crédito são tidas por
instituições financeiras, o que se reconhece no artigo 25 da Lei nº 4.594, de 1964, ao determinar
que “as instituições financeiras privadas, exceto as cooperativas de crédito, constituir-se-ão
unicamente sob a forma de sociedade anônima”. Consequentemente, e apesar da sua forma social
constitutiva, as cooperativas de crédito classificam-se como instituição financeira. Todavia, não há
de se confundi-las com bancos comerciais, pois as cooperativas de credito:
[...] são organizações que têm por escopo desenvolver a chamada mutualidade.
No setor creditício, sua finalidade consiste em propiciar empréstimo a juros
módicos a seus associados, estando subordinadas, na parte normativa, ao
Conselho Monetário Nacional e, na parte executiva, ao Banco Central. (ABRÃO,
2016, p. 66).
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
168
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
fundamentais entre ambos os modelos que, por consequência, podem levar os interessados a
optarem por um ou outro modelo. Para fins didáticos de melhor vislumbre das distinções entre
esses agentes, nos utilizaremos do quadro elaborado por Meinen e Port (2014).
Quadro 1 - Titulo
Bancos Cooperativas de crédito
a) São sociedades de capital a) São sociedades de pessoas
b) O poder é exercido na proporção do número b) O voto tem poder igual para todos (uma
de ações pessoa, um voto)
c) As deliberações são concentradas c) As decisões são partilhadas entre muitos
d) Os administradores são terceiros (homens de d) Os administradores são do meio
mercado) (associados)
e) O usuário das operações é mero cliente e) O usuário é o próprio dono (cooperado)
f) O usuário não exerce qualquer influência na f) Toda política operacional é decidida
definição dos produtos e na sua precificação pelos próprios usuários/donos
g) Podem tratar distintamente cada usuário g) Não podem distingui: o que vale para
um vale para todos (art. 37 da Lei n.
5.764/71)
h) Preferem o público de maior renda e maiores h) Não discriminam, servindo a todos os
corporações públicos
i) Priorizam os grandes centros (embora não i) Não restringem, tendo forte atuação nas
tenham limitação geográfica) comunidades remotas
j) Têm propósitos mercantis j) A mercancia não é cogitada (art. 79,
parágrafo único, da Lei nº 5.764/71)
k) A remuneração das operações e dos serviços k) O preço das operações e dos serviços
não tem parâmetro/limite tem como referência os custos e
como parâmetro as necessidades de
reinvestimento
l) Atendem em massa, priorizando, ademais, o l) O relacionamento é personalizado/
autosserviço individual, com o apoio da informática
m) Não têm vínculo com a comunidade e o m) Estão comprometidas com as
público-alvo comunidades e os usuários
n) Avançam pela competição n) Desenvolvem-se pela cooperação
o) Visam o lucro por excelência o) O lucro está fora do seu objeto, seja pela
sua natureza, seja por determinação
legal (art. 3º da Lei nº 5.764/71)
p) O resultado é de poucos donos (nada é p) O excedente (sobra) é dividido entre
dividido com os clientes) todos (usuários), na proporção de
suas operações individuais, reduzindo
ainda mais o preço final pago pelos
cooperados e aumentado a remuneração
de seus investimentos
q) No plano societário são regidos pela lei das q) São reguladas pela Lei Cooperativista e
Sociedades Anônimas por legislação própria
Fonte: Meinen e Port (2012, p. 51).
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
169
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
Em que pese não ser objetivo do presente estudo discorrer de forma pormenorizada sobre
as diversas distinções entre estes agentes financeiros, cumpre destacar algumas delas, por se
considerar fundamentais para a sua compreensão.
A primeira das distinções a ser anotada é quanto à natureza jurídica dos bancos e das
cooperativas de crédito, visto que os primeiros são sociedades de capital, enquanto estas são
sociedades de pessoas. A diferenciação, neste aspecto, é sobre a importância dos atributos pessoais
para a constituição da sociedade, uma vez que na sociedade de pessoas (no caso das cooperativas)
eles [os atributos] são condições sine qua non para que se forme a sociedade, que se assenta sob a
affectio societatis, correspondente à intenção das partes de contratarem reciprocamente com base
na pessoa com quem se firma o contrato e de seus atributos pessoais. Já na sociedade de capital
atributos pessoais como “as aptidões, a personalidade e o caráter dos sócios são irrelevantes, para
o sucesso ou insucesso da empresa explorada pela sociedade.” (COELHO, 2014, p. 42).
Outro aspecto distintivo importante é quanto ao “peso” do voto, posto que nas sociedades
cooperativas cada associado tem um voto, diferentemente do que ocorre nos bancos, em que o voto
tem “peso” diferente, proporcionalmente ao número de ações de cada acionista. No cooperativismo
tem-se, portanto, como efeito benéfico, a redução da disputa dos conflitos pelo poder de controle
societário, inobstante não seja capaz de extingui-los. Tal aspecto impede, ainda, a criação de
tratamento diferenciado entre os cooperados, de tal sorte que o que valer para um valerá para
todos, como se observa, por exemplo, no artigo 37 da Lei nº 5.764, de 1971:
[...] há que ser respeitada a prevalência mutualística. Daí ter-se de refutar qualquer
teoria ou opinião doutrinária que considere a mesma causa das sociedades
cooperativas e a causa das sociedades lucrativas, que são tipicamente capitalistas.
Mais se coopera, naquelas, para evitar o fim lucrativo de terceiros que para
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
170
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
lucrar. O fato de haver capital não pode ser base para se afirmar que há propósito
capitalístico. Por vezes o capital da sociedade é para lutar contra atos alheios
capitalísticos (MIRANDA, 1965, p.431-432).
CONCLUSÃO
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
171
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
172
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
Deste modo, consta-se que a hipótese apresentada como resposta ao tema-problema foi
verificada ao longo do trabalho. O sucesso que o cooperativismo de crédito encontrou em diversos
Estados, aliado aos valores que o norteiam e às vantagens subjetivas e coletivas que ele propicia,
são instrumentos hábeis para propiciar que o Estado implemente políticas públicas para fomentá-
lo de modo adequado e eficiente e de maneira a concretizar o princípio normativo-programático
do artigo 174, § 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja, de estímulo ao
cooperativismo, notadamente em seu vertente de crédito.
REFERÊNCIAS
ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
173
EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivIl_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em:
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 2.
DERZI, Mizabel de Abreu Machado. Tipo ou conceito no direito tributário? Belo Horizonte:
Universidade Federal de Minas Gerais, 1988.
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
IRION, José Eduardo Oliveira. Cooperativismo e economia social. São Paulo: STS, 1997.
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S/As. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992.
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1954.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965. Tomo XLIX.
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
174
COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO
OLIVEIRA, Márcio Luís de. A constituição juridicamente adequada. 2. ed. Belo Horizonte:
D´Plácido, 2016.
PEINADO, Lineu Bonora. Cooperativas de Crédito. In: ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli;
BRAGA, Ricardo Peake. Cooperativas à luz do código civil. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p.
71-93.
PEREIRA, João Batista Brista. Cooperativas, uma alternativa. In: ALMEIDA, Marcus Elidius
Michelli; BRAGA, Ricardo Peake. Cooperativas à luz do código civil. São Paulo: Quartier Latin,
2006. p. 97-131.
PRADO, Flávio Augusto Dumont. Tributação das cooperativas à luz do direito cooperativo.
Curitiba: Juruá, 2011.
SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,
2002.
WEIL, Pierre. A nova ética. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1994.
Como citar: FRADE, Eduardo Silveira; OLIVEIRA, Márcio Luís. Cooperativismo de crédito:
uma alternativa de desenvolvimento socioeconômico. Revista do Direito Público, Londrina, v.
13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153. ISSN: 1980-
511X.
REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153