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DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153

Cooperativismo de Crédito: uma Alternativa de


Desenvolvimento Socioeconômico

Credit Cooperativism: an Alternative to


Socioeconomic Development

Eduardo Silveira Frade*


Márcio Luís de Oliveira**

Como citar: FRADE, Eduardo Silveira; OLIVEIRA,


Márcio Luís. Cooperativismo de crédito: uma alternativa de
* Mestre em Direito Empresarial
desenvolvimento socioeconômico. Revista do Direito Público,
pela Faculdade Milton Campos, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-
com bolsa da Coordenação de 108104-1.2018v13n3 p 153. ISSN: 1980-511X.
Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior - CAPES.
Pós-graduando lato sensu em
Direito Tributário pelo IBET.
Graduado em Direito pelo Centro
Universitário de João Pessoa. Resumo: O cooperativismo de crédito apresenta valores
Professor da Pós-Graduação em
Direito Tributário do Instituto de e características que o tornam vantajoso como modelo de
Ensino Superior da Paraíba (IESP) concessão de crédito e, por isso, benéfico para o desenvolvimento
e Professor da Pós-Graduação
em Direito Administrativo das socioeconômico. O artigo busca demonstrar e justificar esses
Faculdades Integradas da Paraíba valores e características de modo a tornar o cooperativismo de
- FIP. Advogado e Consultor
jurídico. crédito objeto de políticas públicas adequadas para estimulá-
E-mail: eduardosfrade@hotmail. lo e viabilizá-lo de modo eficiente, cuja análise perpassa o
com reconhecimento de sua importância como instrumento de
**Doutor em Direito pela desenvolvimento socioeconômico. Na elaboração do trabalho
Universidade Federal de Minas adota-se a metodologia analítico-dogmática, com auxílio de
Gerais - UFMG. Mestre em
Direito Universidade Federal de textos históricos, doutrina jurídica e relatórios proferidos por
Minas Gerais - UFMG. Professor entidades estatais cuja competência se reflete sobre a fiscalização
da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), da Escola e promoção do cooperativismo de crédito, bem como de consulta
Superior Dom Helder Câmara - à legislação.
ESDHC e da Faculdade Milton
Campos - FDMC. Advogado e
Consultor jurídico.
E-mail: marcio.luiz@uol.com.br Palavras-chave: Cooperativismo de crédito; Política pública;
Sociedade cooperativa; Desenvolvimento socioeconômico.

Abstract: Credit cooperativism presents valuable traits that


makes it an advantageous model for granting credit and is,
therefore, beneficial to sustainable socioeconomic development.
This paper demonstrates and justifies its usefulness to society
in order to make credit cooperativism a central object of public
policies. Consequentially, the State should stimulate and enable it
to work efficiently, as society needs to recognize the importance

REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153
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COOPERATIVISMO DE CRÉDITO: UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO
SOCIOECONÔMICO

of credit cooperativism in the socioeconomic development of


Brazil. This study utilized an analytical-dogmatic model of research,
with the aid of historical texts, legal doctrine and data from State
authorities – whose competence is to oversse and promote credit
cooperativism, as well as offering public access to related legal
regulations and norms.

Keywords: Credit cooperativism; Public policies; Cooperative


society; Socioeconomic development.

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EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA

INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 174, § 2º, estimula o


cooperativismo e outras formas de associativismo. Desta feita, adota um modelo atualizado de
intervenção na economia e opta pelo cooperativismo como uma das alternativas para se alcançar o
desenvolvimento nacional, pré-determinado no seu artigo 3º, inciso II. (BRASIL, 1988).

Nesse cenário, a cooperativa de crédito é uma das modalidades de cooperativismo que


tem crescido substancialmente no Brasil. Sob este prisma, almeja-se responder o seguinte
questionamento: quais são os valores e as características do cooperativismo de crédito que o
habilitam a ser considerado como alternativa economicamente viável para a implementação de
políticas públicas de equidade socioeconômica?

Para se responder ao tema-problema, parte-se da hipótese de que o cooperativismo de crédito


apresenta certos valores e características que o tornam vantajoso como modelo de concessão de
crédito e, por isso, benéfico para o desenvolvimento nacional. Assim, o marco teórico da pesquisa
é de substrato científico-dogmático, pois se assenta no marco jurídico-constitucional de estímulo
ao cooperativismo (artigo 174, § 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil) e nas
propriedades inerentes ao cooperativismo de crédito.

Por conseguinte, este trabalho tem como objetivo geral apresentar os valores e as principais
características do cooperativismo de crédito como modalidade econômica, bem como refletir
sobre os fundamentos que deveriam torná-lo objeto de políticas públicas permanentes por parte do
Estado, de modo a se desvelar como instrumento eficaz de estímulo ao desenvolvimento previsto
na Constituição. Nesse sentido, serão identificados os benefícios que o cooperativismo de crédito
pode trazer para gerar produção e equidade socioeconômica.

Na elaboração do trabalho adota-se a metodologia analítico-dogmática, com auxílio de


textos históricos, doutrina jurídica e consulta à legislação.

A temática deste artigo é relevante no estudo do desenvolvimento. A necessidade de


compreensão dos valores e das características do cooperativismo de crédito se faz justificável para
que políticas públicas mais adequadas ao seu fomento sejam implementadas em todos os níveis
da Federação. O conhecimento de suas peculiaridades em relação a outras formas de concessão de
recursos financeiros permite uma melhor avaliação acerca da importância do modelo econômico
cooperativista de crédito como alternativa para o desenvolvimento nacional com maior justiça
social e menor desigualdade regional e local.

Para tanto, inicia-se o estudo com o regramento constitucional do cooperativismo. No


segundo tópico, faz-se um breve relato histórico do cooperativismo, com ênfase no cooperativismo
de crédito, demonstrado como este modelo econômico atingiu expressão em todo o mundo. Nos
itens seguintes são abordados o conceito e as funções do cooperativismo de crédito e os valores

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que o fundamentam. Relata-se, ainda, acerca das características que diferenciam o cooperativismo
de crédito dos bancos comerciais para se comprovar as suas vantagens. Por fim, discorre-se sobre
o crescimento da adoção do cooperativismo de crédito no Brasil.

1 A ORIGEM DO COOPERATIVISMO DE CRÉDITO

O cooperativismo, como modalidade de associativismo, está correlacionado à dinâmica


socioeconômica de desenvolvimento no Estado Liberal, notadamente pelas implicações sociais
provenientes da Revolução Industrial do século XIX.
O liberalismo econômico tem por alicerce a mais-valia, compreendida como vetor de
acumulação, ou seja, “um diferencial entre o valor agregado pelo trabalho ao produto final e o
valor efetivamente apropriado pelo trabalho como remuneração do fator.” (COURI, 2001, p. 25).
Dessa compreensão de mais-valia decorrem consequências sociais, detectadas não somente pelos
socialistas, cuja inspiração subsiste nos escritos de Karl Marx, mas como resultado empírico que
promoveu a readaptação do modelo de produção capitalista, sobretudo após a crise de 1929.
Apesar das críticas à concepção da mais-valia nos moldes definidos por Karl Marx, (por
não considerar os preços relativos e, consequentemente, a concorrência entre os empresários como
fator de redução de lucro e de preço para o consumidor, bem como sua internalização pelo risco
da atividade econômica), certo é que a partir dela se atentou sobre as diferenças socioeconômicas
entre os detentores do capital e a classe proletária. Desta forma, é imperioso concluir que, como
consequência da mais valia, acentua-se o abismo entre classes, dado às diferenças econômicas
pela concentração e transmissão intraclasse da renda e de poder aquisitivo entre elas. Mas, para
Oliveira (2016, p. 204), “o associativismo crescente dos trabalhadores, os movimentos feministas
e o avanço revolucionário das ideias socialistas repercutiram profundamente na mentalidade e nas
práticas liberais desvirtuadas na passagem do século XIX para o XX.”
Naquele ambiente socioeconômico, e em decorrência da baixa capacidade de consumo da
classe proletária, começaram a surgir, na Inglaterra, em meados do século XIX, movimentos de
associativismo entre os trabalhadores com o objetivo de adquirir produtos industriais, inclusive
para expandir o seu poder de barganha perante os detentores do capital e de modo que houvesse
a redução do valor dos produtos por eles negociados. Foi nesse contexto que, em 1844, na cidade
britânica de Rochdale, foi constituída a primeira cooperativa, sendo formada pela agregação de
esforços destinados ao consumo de bens industriais, formada por 28 tecelões, dentre os quais
somente uma mulher, como observa João Paulo Koslovski (2001, p. 21).
Em que pese a primeira cooperativa ter surgido em 1844, o associativismo manufatureiro
tem origens mais remotas, pois desde as corporações de ofício, surgidas entre a Alta e a Baixa
Idade Médica, verifica-se a reunião de indivíduos com o objetivo comum de produção de bens.
Todavia, pode-se afirmar que, naquela época, não havia ainda o cooperativismo, dada a ausência

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de seus elementos jurídico-econômicos, existindo apenas a reunião de pessoas sem animus de


constituírem entre si uma sociedade empresarial de produção.
A cooperativa de Rochdale, denominada de Society of Equitable Pioneers inaugurou,
portanto, uma nova forma de associativismo, na medida em que, a partir dela, se verificou a intenção
de constituição de uma sociedade, pois seus fundadores cuidaram de dispor de seu próprio capital
particular para formar um capital social, inicialmente destinado à aquisição de um armazém para
o estoque de mercadorias a serem utilizadas por todos os sócios.
A cooperativa de Rochdale, ademais de fundar um armazém destinado ao favorecimento
de associados,

[...] almejava também a construção de casas para fornecer alojamento a preços


de custo; a formação de um capital para a emancipação do proletariado por meio
da economia conseguida pela compra em comum de gêneros alimentícios; a
criação de estabelecimentos industriais e agrícolas para, além de produzir para
promover as necessidades da classe operária, assegurar trabalho aos operários
desempregados ou com salários baixos; a construção de estabelecimentos de
temperança a fim de combater o alcoolismo; a criação de pequenos núcleos
nos quais a produção e a repartição fossem organizadas; a multiplicação destes
núcleos por meio do exemplo e propaganda (ROSSI, 2011, p. 41).

Destarte, a cooperativa de Rochdale ergueu as premissas sobre as quais seriam projetadas


as demais cooperativas que a seguiram, fossem destinadas a consumo ou não. O cooperativismo,
portanto, propunha aos associados a possibilidade de transcenderem da classe proletária,
conseguindo, assim, melhores condições de vida tanto para si como para os demais colegas de
empreitada, pois, como assenta Prado (2011, p. 40) tinha a ajuda mútua como ideia básica, unindo
forças contra um inimigo comum, qual seja a exploração do trabalho humano pelos detentores do
capital.
Os números, per si, exprimem a importância do cooperativismo. Como demonstra Singer
(2002, p. 130), em 1881, o número de associados chegou a 547 mil e, em 1900, atingiu 1,7
milhão, o que sem dúvidas, serviu de estímulo para que o movimento cooperativo tomasse força,
independentemente da finalidade originária de cada cooperativa.
A constituição de cooperativa com a finalidade de oferta de crédito para os associados
não tardou a aparecer. Como se depreende de Pinheiro (2008, p. 23), a primeira cooperativa de
crédito foi fundada na Alemanha, em 1864, por Friedrich Wilhelm Raiffeisen, denominada de
Heddesdorfer Darlehnskassenveirein (Associação de Caixas de Empréstimo de Haddesdorf). Essa
cooperativa foi especialmente destinada ao apoio creditício para a população rural daquela região,
que se via restringida a empréstimos com altas taxas de juros, cobrados por agentes industriais
locais, detentores de capital, o que lhes dificultava a produção agropecuária
Sobre as características das cooperativas rurais alemãs, destaca-se a “responsabilidade
ilimitada e solidária dos associados, a singularidade de votos dos sócios, independentemente do
número de quotas-parte, a área de atuação restrita, a ausência de capital social e a não-distribuição

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de sobras, excedentes ou dividendos.” (PINHEIRO, 2008, p. 23). Outrossim, cumpre destacar,


conforme aponta Oliveira (2005, p. 32), que, em 1888, já havia cerca de 400 sociedades de crédito
constituídas nos moldes de Raiffeisen, o que demonstra a repercussão e a popularidade que esse
tipo de associativismo rural alcançou na Alemanha.
As cooperativas de crédito urbanas também tiveram origem na Alemanha, desta vez na
cidade de Delitzsch, tendo como precursor Hermman Schulze, passando a ser conhecidas como
tipo “Schulze-Delitzsch”. Em sua primeira fase, foram criadas como cooperativas de produção
para atender artesãos locais e, numa segunda etapa, fomentaram o financiamento destes mesmos
artesãos, razão pela qual assumiram a natureza creditícia. A diferença fundamental deste modelo
em relação ao proposto por Raiffeisen é que há, neste, a possibilidade de retorno de sobras líquidas
proporcionalmente ao capital investido, bem como não há área de atuação restrita, além de haver
remuneração dos dirigentes, como destaca Pinheiro (2008, p. 23). Esse modelo cooperativo também
encontrou ampla difusão na Alemanha. Tanto que Moreno (1999, p. 16) afirma que, em 1861, já
havia 340 cooperativas do tipo “Schulze-Delitzsch”, sob a denominação de Bancos Populares.
A confluência das ideias de Schulze e Raiffeisen rapidamente se espalharam por toda a
Europa Ocidental. Em 1865, na cidade italiana de Milão, Luigi Luzzatti organizou a primeira
cooperativa de crédito do país, inaugurando um modelo que herdaria seu sobrenome, o tipo
Luzzatti, a princípio destinada à concessão de crédito rural. Segundo Pinheiro (2008, p. 23) aquela
forma de cooperativismo tinha, como algumas de suas características, a não exigibilidade de
vínculo específico dentre os associados – à exceção da limitação geográfica previamente definida
–, quotas de capital de pequeno valor, a não necessidade de garantias reais para a concessão de
pequenos empréstimos, bem como a não remuneração dos dirigentes e a responsabilidade limitada
dos associados ao capital por eles subscritos, o que serviria de inspiração para o cooperativismo de
crédito brasileiro, sobretudo entre as décadas de 1940 e 1960.
O cooperativismo de crédito, todavia, não se restringiu à Europa Ocidental. Nas Américas,
o Canadá foi o pioneiro na criação de um modelo próprio. Inspirado nos modelos Raiffeissen
e Schulze surgiu, em Quebec, o modelo Desjardins, conhecido no Brasil como cooperativas de
crédito mútuo, que reunia os sócios sob alguma espécie de vínculo entre eles, destarte “reunindo
grupos homogêneos como os de clubes, trabalhadores de uma mesma fábrica, funcionários públicos
etc.” (PINHEIRO, 2008, p. 24).
Essa confluência de ideários cooperativistas, sobretudo de crédito, e o sucesso que
alcançaram onde foram implantadas acabaram por estimular também o surgimento de cooperativas
de crédito no Brasil.
Pinheiro (2008, p. 27) assinala como primeira sociedade cooperativa brasileira a “Sociedade
Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto”, criada em 1889. Contudo,
destaca que, anteriormente, existiram outras associações econômicas, a exemplo da Sociedade
Beneficente de Juiz de Fora, de 1885, o que dificulta, a seu juízo, a precisão do marco histórico do
cooperativismo no Brasil. Por sua vez, Peinado (2006, p. 72) aponta que a primeira cooperativa de
crédito brasileira foi fundada em 1902, sob a denominação de Caixa Econômica de Empréstimos

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Amstad, depois denominada de Caixa Rural de Nova Petrópolis, e hoje museu do cooperativismo
de crédito brasileiro.
Conforme se observa, o surgimento das cooperativas deu-se na Europa e é datado do
século XIX. E embora as cooperativas de crédito não tenham sido as precursoras do movimento
cooperativista, elas tiveram origem em razão da necessidade e da demanda de crédito pela
população europeia não detentora de capital, a exemplo dos trabalhadores rurais e do proletariado.
Os diversos modelos cooperativistas, sem dúvida, influenciaram para que, no Brasil, se
acompanhasse a experiência estrangeira. Tanto que as cooperativas surgiram independentemente
do regramento jurídico, pois, somente a partir da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, é que
passaram a ter um marco legal adequado às suas especificidades.

2 VALORES FUNDAMENTAIS DO COOPERATIVISMO

A adequada compreensão do cooperativismo não se restringe à sua conceituação formal,


tornando-se indispensável o acesso às razões e fundamentações sob as quais surgiu e se sustenta.
Conforme demonstrado anteriormente, o cooperativismo teve origem nas necessidades
econômicas dos trabalhadores, no contexto do liberalismo econômico europeu clássico, que
ampliou as desigualdades sociais de modo a impedir até mesmo o alcance da sobrevivência digna
do operariado e do camponês.
Ao invés de aguardarem por uma solução do Estado, as classes trabalhadoras urbanas e
rurais, desprovidas de capital e em face da concentração de poder econômico de industriais e
detentores de terra, passaram a se associar ou com vistas a garantir melhores condições subjetivas
de trabalho ou até de se auto proverem. Se o primeiro fundamento para o associativismo gerou
o sindicalismo, o outro propiciou, entre os trabalhadores, a formação do cooperativismo como
modelo institucionalizado de unificação de esforços para a produção, consumo, apoio creditício
mútuo e outras finalidades.
Contudo, para que a associação com vistas ao crescimento econômico e social se opere, se
faz necessária a confluência de valores comuns entre os sujeitos que se dispõem a essa atividade.
Valores aqui compreendidos como fatores de orientação da conduta humana, portanto como “variável
da mente que faz com que o ser humano decida ou escolha se comportar numa determinada direção
e dentro de uma determinada importância” (WEIL, 1994, p. 47). Nesse sentido, o associativismo,
do qual o cooperativismo é espécie, sustenta-se sob alguns valores. Inobstante a diversidade de
pensadores, e sem deixar de fazer referência a outros valores, Irion (1997) lista como valores mais
importantes do associativismo a solidariedade, a liberdade, a justiça social e a equidade, uma vez
que fomentam o senso de coletividade na satisfação de interesses e necessidades dos associados,
tanto sob o aspecto coletivo quanto individual.
A solidariedade é a premissa básica de auxílio e cooperação mútuos entre dois ou mais

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sujeitos, exigindo-se o rompimento das barreiras do individualismo, para preocupar-se com o outro,
de forma a compreender o outro como realidade pessoal, mas também dando reconhecimento à
importância social das ações do indivíduo inserido na coletividade. No que tange ao cooperativismo,
Rossi (2011, p. 79) assume que este:

[...] pressupõe, para o exercício das atividades que enseja, exatamente essa
lógica. A centralização do olhar no “outro”, a superação da visão individualista,
o esvaziamento do sentido da competição e o realce da noção de ajuda mútua, de
operar conjuntamente não só com o outro, mas também por e ao lado dele.

A solidariedade cooperativa representa, portanto, a possibilidade de crescimento econômico


coletivo, pois, pelo auxílio creditício mútuo, viabiliza-se a austeridade financeira do associado que
dela necessita.
A liberdade, como valor cooperativo, não se revela apenas na possibilidade de ingresso ou
saída do associado a qualquer tempo. A liberdade cooperativa também compreende a possibilidade
de o associado participar autonomamente das atividades da sociedade, nos limites de seus status
jurídico de associado, bem como resguarda a autonomia da cooperativa quanto a seus dirigentes e
associados, observando-se, em todos os casos, as regras livremente estatuídas e em conformidade
com o Direito.
Por justiça social entende-se que essa “realiza-se pela promoção econômica, educacional
e cultural das pessoas por meio da oportunidade de trabalho e de realização pessoal que pode ser
implementado pela via cooperativa.” (ROSSI, 2011, p. 80). Neste sentido, o cooperativismo busca
dotar de condições os indivíduos para que possam realizar projetos profissionais ou empreender
com menores riscos. Percebe-se facilmente esta condição nas cooperativas de trabalho, em que
diversos sujeitos fornecem sua força de trabalho para o bem-estar da sociedade cooperativa, não
por fim altruísta, mas na perspectiva de fazer prosperar a entidade, cujos resultados serão revertidos
aos próprios trabalhadores, condição analogamente observável nas cooperativas de crédito ou
consumo, em que há o esforço do associado em prol da cooperativa. Nas cooperativas de crédito
a concessão de crédito possibilita a promoção econômica a que se refere Rossi, razão pela qual
também detém potencialidade para conduzir à justiça socioeconômica de seus membros.
Sobre equidade e seu significado cooperativo, Irion (1997, p. 50) explica seus três aspectos:

A vertente associativa estabelece deveres e direitos gerais e iguais para todos os


sócios especificados nos estatutos, nas decisões das assembleias ou estabelecidos
pela administração. A vertente econômica preconiza a participação do associado
nos negócios cooperativos e na sustentação da entidade. Chega-se então à
distribuição dos resultados econômicos proporcional à participação dos associados
nos negócios da cooperativa determinando que a equidade, sob o ponto de vista
econômico passa a ser preceituada como “a cada um, segundo sua participação
nos negócios cooperativos.” A vertente social obriga a cooperativa (dentro de sua
capacidade), a assistir os associados de forma equânime, sem qualquer tipo de
discriminação, definindo a equidade como “a cada um segundo suas necessidades
de assistência.”

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Logo, pela equidade se definiria o estabelecimento de direitos e deveres iguais para todos
os associados, a distribuição dos resultados proporcional à participação, e a assistência sem
discriminação e consonante necessidades.

3 A CONSTITUIÇÃO E O COOPERATIVISMO

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 174, § 2º, prevê que “a
lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.” (BRASIL, 1988).
Como será abordado, essa regra constitucional é de fundamental importância no processo de
desenvolvimento do país. E há muitos motivos que teriam conduzido o constituinte a positivar
esta norma de natureza programática.
Sabe-se, há muito, que o modelo econômico liberal, fundado na livre organização e
funcionamento do mercado (nos termos propostos por Adam Smith), é insuficiente para gerar
desenvolvimento: produção de riqueza, equidade socioeconômica e proteção ambiental. Partindo
dessa premissa é que, desde o início do século XX, considera-se adequada a atuação do Estado
para corrigir as distorções oriundas da clássica dinâmica econômica liberal. Desta feita, autoriza-
se o Estado a intervir na economia sempre que se fizer necessário, observando-se, contudo, os
direitos e as garantias constitucionais fundamentais dos agentes privados e de padrões específicos
de funcionamento da economia capitalista, ainda que com viés social. Por conseguinte, o Estado
detém a preferência para atuar de forma indireta na economia, no exercício de suas funções
normativa e reguladora (art. 174, caput, da Constituição). Sua atuação direta somente é autorizada
por meio de lei e em situações excepcionais, quando necessária aos imperativos de segurança
nacional ou sob a premissa de relevante interesse coletivo (artigo 173, caput, da Constituição).
Assim, no modelo econômico constitucionalmente posto, o Estado passa a atuar como agente
normativo e regulador e, como tal, detém a legitimidade para definir, nos limites constitucionais,
a política econômica nacional. Munido destas prerrogativas, o Estado determina as premissas
e diretrizes sobre as quais ele próprio (artigo 173, caput, da Constituição) e os demais agentes
econômicos privados devem ou podem atuar.
Ao definir, em seu artigo 174, § 2º, que o Estado atuará para estimular o cooperativismo, a
Constituição adota um viés dogmático de matriz social-liberal, uma vez que ela impõe um dever
econômico-social ao Estado que, na qualidade de agente normativo e regulador da economia,
detém o compromisso de viabilizar esse instrumento econômico por meio de regramento
infraconstitucional e pela adoção de políticas públicas adequadas à sua efetivação.
Há de se destacar que a norma não restringe o estimulo ao cooperativismo em determinado
modelo, mas sim o trata de forma genérica, de modo a abranger diversas de suas modalidades, como
crédito, trabalho, consumo, dentre outras, indo, inclusive, mais além, ao assumir que estimulará

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outras formas de associativismo, desde que para fins lícitos e pacíficos (ressalva do artigo 5º, inciso
XVII, da Constituição).
O estímulo constitucional ao cooperativismo e ao associativismo recontextualiza a
normatividade da Lei nº 5.764, de 1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, deixando
clara a importância deste modelo econômico como estratégia para o desenvolvimento nacional,
agora sob a perspectiva da sustentabilidade (produção de riqueza, equidade socioeconômica e
proteção ambiental).
Logo, o artigo 174, § 2º, da Constituição deve também ser concretizado em consonância
com o seu artigo 5º, inciso XXIII, e com todo o rol de normas-princípio previstas no artigo 170,
dentre elas a do dever de estimular ações de proteção ao meio-ambiente na seara da atividade
econômica.
Além do direito constitucional ao associativismo (artigo 5º, incisos XVII, XVIII, XIX,
XX e XXI, da Constituição), o artigo 5º, no inciso XVIII, acrescenta o cooperativismo como
direito, assegurando que a criação de cooperativas independe de autorização estatal, desde que
respeitadas as formalidades e requisitos previstos em lei, vedando-se ao Estado de interferir em
seu funcionamento.
Observe-se, pois, neste aspecto, que o dispositivo constitucional menciona “lei”, sendo
essa, portanto, ordinária e não complementar, visto que a última, quando necessária, deve ser
expressa. Neste ponto, merece questionamento se as resoluções emitidas pelo Banco Central do
Brasil seriam instrumentos hábeis na determinação das formas de atuação do cooperativismo de
crédito.
Tendo em vista que o Banco Central do Brasil é a agência reguladora responsável pelo
funcionamento do Sistema Financeiro Nacional, exercendo o controle do crédito, fiscalização e
autorização de funcionamento das instituições financeiras, conforme se depreende do artigo 10º
da Lei nº 4.595, de 1964, pode-se concluir que as suas resoluções são válidas ao regularem os
parâmetros de funcionamento e a autorização para criação de cooperativas de crédito, pois o termo
“lei” resta compreendido como veículo por meio da qual se estabelecem normas (BRASIL, 1964).
A Constituição, ao adotar a premissa de estímulo ao cooperativismo, reconhece a função
econômico-democrática da atividade cooperativa (portanto, associativa dos interessados) como
mecanismo útil e adequado para também se alcançar o desenvolvimento nacional. Neste sentido,
a Constituição adota o cooperativismo como diretriz de planejamento econômico, cujo fim é de
“imprimir ao mercado um direcionamento diferente daquele que o regeria se deixado às ‘leis
naturais’” (FONSECA, 2007, p. 339-340).
Para que o cooperativismo possa funcionar como propulsor de desenvolvimento, se faz
necessário que ele se revista de certos valores e características vantajosas que justifiquem a sua
importância como elemento de política econômico-social. É nesse sentido que se sustenta, pois, o
presente estudo, esclarecendo as razões pelas quais se deve optar pelo cooperativismo de crédito
como alternativa de planejamento econômico, constitucionalmente adequado.

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EDUARDO SILVEIRA FRADE E MÁRCIO LUÍS DE OLIVEIRA

4 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DA COOPERATIVA DE CRÉDITO

A Lei nº 5.764, de 1971, fornece, em seu artigo 3º, um conceito de cooperativa nos seguintes
termos: “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a
contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum,
sem objetivo de lucro.” (BRASIL, 1971).
A partir desse marco legal, Pereira (2006, p. 103) detalha o conceito de cooperativa
definindo-a como:

[...] uma associação de pessoas com objetivo profissional nos diversos campos
da atividade humana, administrada no modelo da autogestão, operacionalizada
por meio de ajuda mútua, destinada à satisfação das necessidades básicas comuns
de seus membros. É uma organização de natureza empresarial sem propósito de
lucratividade, mediante a qual um grupo de pessoas busca realizar determinados
interesses comuns, e tem o capital como instrumento à serviço do homem

Discorrendo, ainda, sobre o conceito de cooperativa a partir de sua finalidade, Mendonça


(1954, p. 240) acrescenta que elas são:

Institutos modernos, tendentes a melhorar as condições das classes sociais,


especialmente dos pequenos capitalistas e operários. Elas procuram libertar
essas classes da dependência das grandes indústrias por meio da união das
forças econômicas de cada uma; suprimem aparentemente o intermediário, nesse
sentido: as operações ou serviços que constituem o seu objeto são realizados
ou prestados aos próprios sócios e é exatamente para esse fim que se organiza a
empresa cooperativada.

Diversos conceitos sobre cooperativas podem ser apresentados, contudo, há de se destacar a


essência deste tipo societário. A sociedade cooperativa se revela na reunião de esforços individuais
com o fito de obter benefício comum, contando, para tanto, com a colaboração conjunta de seus
associados. Para isso, a cooperativa se constitui por intermédio de contrato social, do qual a
pessoalidade dos associados é elemento característico, bem como a não intencionalidade lucrativa
da sociedade, já que seus resultados serão compartilhados necessariamente pelos associados.
Portanto, pode-se afirmar que, no que tange à classificação das cooperativas, sua tipologia resultará
da especificidade da sua atividade societária, conforme se depreende das lições de Mizabel Derzi
(1988), que assenta na abertura dos tipos, mais maleáveis que os conceitos, essencialmente
fechados e estáticos.
Não é objetivo deste estudo discorrer, em minúcias, sobre as características das cooperativas.
Contudo, os conceitos legal e doutrinário apresentados revelam as principais especificidades do
cooperativismo, quais sejam, o não interesse lucrativo da entidade (muito embora possa haver o
interesse lucrativo dos associados) e o fato de ser a cooperativa uma sociedade simples, conforme

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disposição do artigo 982 do Código Civil (BRASIL, 2002). Todavia, insta apenas apresentar quais
seriam as características basilares das cooperativas listados no artigo 4º da Lei 5.764, de 1971:

Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza


jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para
prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades
pelas seguintes características:
I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo
impossibilidade técnica de prestação de serviços;
II - variabilidade do capital social representado por quotas-partes;
III - limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado,
facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se
assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais;
IV - incessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à
sociedade;
V - singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e
confederações de cooperativas, com exceção das que exerçam atividade de
crédito, optar pelo critério da proporcionalidade;
VI - quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral
baseado no número de associados e não no capital;
VII - retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às
operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da
Assembleia Geral;
VIII - indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica
Educacional e Social;
IX - neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social;
X - prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos
estatutos, aos empregados da cooperativa;
XI - área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião,
controle, operações e prestação de serviços (BRASIL, 1971).

Ao optar pelo regramento das cooperativas como sociedades simples, o Código Civil, não
expõe tal motivação, não aclarando sua distinção em relação às sociedades empresárias, já que em
seu artigo 966 não determina a lucratividade como elemento essencial das sociedades empresárias,
limitando-se a assentar que “considera-se empresário aquele que exerce profissionalmente atividade
econômica organizada para a produção ou circulação de mercadorias ou serviços.”
Observa-se que do artigo supramencionado não há qualquer ressalva para que as cooperativas
não sejam consideradas como sociedades empresárias, todavia por expressa disposição legal do
artigo 982, parágrafo único, do mesmo diploma legal, deve-se considerar como simples a sociedade
cooperativa.
Apesar de se divergir de tal conceituação, notadamente pela falta de motivação expressa no
Código Civil, Krueger tenta justificar as cooperativas como sociedades simples; a esse respeito, o
autor assevera que:

[...] resta, enquadrada a cooperativa como sociedade simples, apenas uma maneira

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de distinguir essa da empresária: o sócio necessariamente opera com a sociedade;


não há possibilidade de existir um sócio exclusivamente detentor de capital, e
nesta única condição exercer a condição de mando sobre a sociedade e que a sua
participação nos resultados operacionais possa se resumir à distribuição de lucros.
A sociedade empresária é aquela em que não somente existe essa possibilidade,
como a estrutura organizacional é erigida em torno dessa possibilidade
(KRUEGER, 2006, p. 83).

É razoável o argumento levantado, todavia acaba sendo forçosa a hermenêutica, uma vez que
a lei não evidenciou as motivações que impedem as cooperativas de serem consideradas sociedades
empresárias. Todavia, por expressa disposição do artigo 982, parágrafo único, do Código Civil,
deve-se classificar as cooperativas como sociedades simples, que, segundo Krueguer, teriam como
distinção marcante a inexistência de intento lucrativo pela sociedade.
No que concerne aos tipos de cooperativas, a Lei nº 5.764, de 1971, trata apenas de expressar
as formas que as cooperativas podem assumir, quais sejam: singulares, centrais (ou federações)
e confederações. As primeiras são destinadas à prestação direta de serviços aos associados, ao
passo que as centrais seriam constituídas por três ou mais singulares e teriam por objetivo orientar,
integrar e facilitar as atividades e a utilização recíproca dos serviços. As confederações, por sua
vez, seriam formadas pela reunião de três ou mais centrais, da mesma ou de diferentes modalidades
de cooperativas, orientando e coordenando as atividades das filiadas, em defesa, portanto, do
interesse global do sistema cooperativo, conforme se depreende dos artigos 6 a 9 da referida lei.
O artigo 10, caput, da Lei nº 5.764, de 1971, estabelece que as cooperativas também se
classificam de acordo com a natureza ou objeto da atividade desenvolvida. Neste sentido, diversas
modalidades de cooperativas podem ser encontradas. Vasconcelos (2001, p. 22-27) exemplifica,
num rol extensivo, diversos tipos de cooperativas, como: de produção agrícola ou industrial, de
trabalho, de beneficiamento de produtos, de compras em comum, de consumo, de abastecimento,
de crédito, de seguro, de construção de casas populares, de editoras e de cultura intelectual,
escolares e mistas. Além dessas, acrescentam-se ainda as cooperativas de transporte, de catadores
lixo, dentre tantas outras possíveis. Contudo, este trabalho foca-se nas cooperativas de crédito.
Classificando-se as cooperativas conforme a atividade a que se dedicam, as sociedades
cooperativas de crédito são aquelas que têm o objetivo de concessão de crédito aos seus associados,
ou, nas palavras de Salomão Neto (2014, p. 72) “são entidades que têm por objeto a cooperação
mútua entre seus associados através da economia sistemática e do uso adequado do crédito.” Por
conseguinte, as sociedades cooperativas de crédito funcionam como players do mercado financeiro,
vez que a atividade de concessão creditícia é tipicamente financeira, compreendida entre “coleta,
intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou
estrangeira”, consonante prevê o artigo 17 da Lei nº 4.595, de 1964, ao definir as atividades típicas
de instituições financeiras.
Atualmente, a extensão dos serviços prestados por essas cooperativas tem sido ampliada
para além da mera concessão creditícia. Neste sentido, a Resolução nº 4.434, de 2015, do Banco
Central do Brasil, as autoriza a prestar as seguintes atividades:

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Art. 17. A cooperativa de crédito pode realizar as seguintes operações e atividades,


além de outras estabelecidas na regulamentação em vigor:
I - captar, exclusivamente de associados, recursos e depósitos sem emissão de
certificado;
II - obter empréstimos e repasses de instituições financeiras nacionais ou
estrangeiras, inclusive por meio de depósitos interfinanceiros;
III - receber recursos oriundos de fundos oficiais e, em caráter eventual, recursos
isentos de remuneração ou a taxas favorecidas, de qualquer entidade, na forma de
doações, empréstimos ou repasses;
IV - conceder créditos e prestar garantias, somente a associados, inclusive em
operações realizadas ao amparo da regulamentação do crédito rural em favor de
associados produtores rurais;
V - aplicar recursos no mercado financeiro, inclusive em depósitos à vista e
depósitos interfinanceiros, observadas as restrições legais e regulamentares
específicas de cada aplicação;
VI - proceder à contratação de serviços com o objetivo de viabilizar a compensação
de cheques e as transferências de recursos no sistema financeiro, de prover
necessidades de funcionamento da instituição ou de complementar os serviços
prestados pela cooperativa aos associados;
VII - prestar, no caso de cooperativa central de crédito e de confederação de
centrais:
a) a cooperativas filiadas ou não, serviços de caráter técnico, inclusive os
referentes às atribuições tratadas no Capítulo VIII;
b) a cooperativas filiadas, serviço de administração de recursos de terceiros, na
realização de aplicações por conta e ordem da cooperativa titular dos recursos,
observadas a legislação e as normas aplicáveis a essa atividade; e
c) a cooperativas filiadas, serviço de aplicação centralizada de recursos,
subordinado a política própria, aprovada pelo conselho de administração,
contendo diretrizes relativas à captação, aplicação e remuneração dos recursos
transferidos pelas filiadas, observada, na remuneração, proporcionalidade em
relação à participação de cada filiada no montante total aplicado; e
VIII - prestar os seguintes serviços, visando ao atendimento a associados e a não
associados:
a) cobrança, custódia e serviços de recebimentos e pagamentos por conta
de terceiros a pessoas físicas e entidades de qualquer natureza, inclusive as
pertencentes aos poderes públicos das esferas federal, estadual e municipal e
respectivas autarquias e empresas;
b) correspondente no País, nos termos da regulamentação em vigor;
c) colocação de produtos e serviços oferecidos por bancos cooperativos, inclusive
os relativos a operações de câmbio, bem como por demais entidades controladas
por instituições integrantes do sistema cooperativo a que pertença, em nome e por
conta da entidade contratante, observada a regulamentação específica;
d) distribuição de recursos de financiamento do crédito rural e outros sujeitos
a legislação ou regulamentação específicas, ou envolvendo equalização de
taxas de juros pelo Tesouro Nacional, compreendendo formalização, concessão
e liquidação de operações de crédito celebradas com os tomadores finais dos
recursos, em operações realizadas em nome e por conta da instituição contratante;
e
e) distribuição de cotas de fundos de investimento administrados por instituições
autorizadas, observada a regulamentação aplicável editada pela Comissão de
Valores Mobiliários (CVM) (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2015).

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Desta ampla gama de atividades, percebe-se que atualmente as cooperativas de crédito


em muito se assemelham aos bancos em razão dos serviços por elas prestados. Todavia, há que
se destacar as diferenças entre estas instituições financeiras, inclusive as vantagens de cada uma
delas.

5 DISTINÇÕES ENTRE COOPERATIVAS DE CRÉDITO E BANCOS COMERCIAIS

O artigo 17 da Lei nº 4.595, de 1964, traz o conceito de instituição financeira, nos seguintes
termos:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação


em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade
principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros
próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor
de propriedade de terceiros (BRASIL, 1964).

Porém, Salomão Neto (2014, p. 17) adverte da demasiada amplitude que o mencionado
artigo confere às instituições financeiras, de tal forma que se interpretado em literalidade poucas
atividades e empresas nacionais escapariam ao enquadramento como instituições financeiras.
Assim, coube à doutrina especificar e aclarar o que seria considerado instituição financeira para
fins legais. Lamy Filho e Pedreira (1992, p. 479) argumentam que “o traço característico das
chamadas instituições financeiras é a captação de recursos do público em geral para investimentos
financeiros, cujos resultados são atribuídos aos respectivos subscritores”.
Nesse contexto, e por força de sua própria natureza, as cooperativas de crédito são tidas por
instituições financeiras, o que se reconhece no artigo 25 da Lei nº 4.594, de 1964, ao determinar
que “as instituições financeiras privadas, exceto as cooperativas de crédito, constituir-se-ão
unicamente sob a forma de sociedade anônima”. Consequentemente, e apesar da sua forma social
constitutiva, as cooperativas de crédito classificam-se como instituição financeira. Todavia, não há
de se confundi-las com bancos comerciais, pois as cooperativas de credito:

[...] são organizações que têm por escopo desenvolver a chamada mutualidade.
No setor creditício, sua finalidade consiste em propiciar empréstimo a juros
módicos a seus associados, estando subordinadas, na parte normativa, ao
Conselho Monetário Nacional e, na parte executiva, ao Banco Central. (ABRÃO,
2016, p. 66).

Destarte, assume-se do mutualismo a principal distinção entre cooperativas de crédito e


bancos comerciais, cujo interesse é tipicamente privado, portanto, lucrativo.
Apesar de cooperativas de crédito e bancos serem agentes financeiros, há diferenças

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fundamentais entre ambos os modelos que, por consequência, podem levar os interessados a
optarem por um ou outro modelo. Para fins didáticos de melhor vislumbre das distinções entre
esses agentes, nos utilizaremos do quadro elaborado por Meinen e Port (2014).

Quadro 1 - Titulo
Bancos Cooperativas de crédito
a) São sociedades de capital a) São sociedades de pessoas
b) O poder é exercido na proporção do número b) O voto tem poder igual para todos (uma
de ações pessoa, um voto)
c) As deliberações são concentradas c) As decisões são partilhadas entre muitos
d) Os administradores são terceiros (homens de d) Os administradores são do meio
mercado) (associados)
e) O usuário das operações é mero cliente e) O usuário é o próprio dono (cooperado)
f) O usuário não exerce qualquer influência na f) Toda política operacional é decidida
definição dos produtos e na sua precificação pelos próprios usuários/donos
g) Podem tratar distintamente cada usuário g) Não podem distingui: o que vale para
um vale para todos (art. 37 da Lei n.
5.764/71)
h) Preferem o público de maior renda e maiores h) Não discriminam, servindo a todos os
corporações públicos
i) Priorizam os grandes centros (embora não i) Não restringem, tendo forte atuação nas
tenham limitação geográfica) comunidades remotas
j) Têm propósitos mercantis j) A mercancia não é cogitada (art. 79,
parágrafo único, da Lei nº 5.764/71)
k) A remuneração das operações e dos serviços k) O preço das operações e dos serviços
não tem parâmetro/limite tem como referência os custos e
como parâmetro as necessidades de
reinvestimento
l) Atendem em massa, priorizando, ademais, o l) O relacionamento é personalizado/
autosserviço individual, com o apoio da informática
m) Não têm vínculo com a comunidade e o m) Estão comprometidas com as
público-alvo comunidades e os usuários
n) Avançam pela competição n) Desenvolvem-se pela cooperação
o) Visam o lucro por excelência o) O lucro está fora do seu objeto, seja pela
sua natureza, seja por determinação
legal (art. 3º da Lei nº 5.764/71)
p) O resultado é de poucos donos (nada é p) O excedente (sobra) é dividido entre
dividido com os clientes) todos (usuários), na proporção de
suas operações individuais, reduzindo
ainda mais o preço final pago pelos
cooperados e aumentado a remuneração
de seus investimentos
q) No plano societário são regidos pela lei das q) São reguladas pela Lei Cooperativista e
Sociedades Anônimas por legislação própria
Fonte: Meinen e Port (2012, p. 51).

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Em que pese não ser objetivo do presente estudo discorrer de forma pormenorizada sobre
as diversas distinções entre estes agentes financeiros, cumpre destacar algumas delas, por se
considerar fundamentais para a sua compreensão.
A primeira das distinções a ser anotada é quanto à natureza jurídica dos bancos e das
cooperativas de crédito, visto que os primeiros são sociedades de capital, enquanto estas são
sociedades de pessoas. A diferenciação, neste aspecto, é sobre a importância dos atributos pessoais
para a constituição da sociedade, uma vez que na sociedade de pessoas (no caso das cooperativas)
eles [os atributos] são condições sine qua non para que se forme a sociedade, que se assenta sob a
affectio societatis, correspondente à intenção das partes de contratarem reciprocamente com base
na pessoa com quem se firma o contrato e de seus atributos pessoais. Já na sociedade de capital
atributos pessoais como “as aptidões, a personalidade e o caráter dos sócios são irrelevantes, para
o sucesso ou insucesso da empresa explorada pela sociedade.” (COELHO, 2014, p. 42).
Outro aspecto distintivo importante é quanto ao “peso” do voto, posto que nas sociedades
cooperativas cada associado tem um voto, diferentemente do que ocorre nos bancos, em que o voto
tem “peso” diferente, proporcionalmente ao número de ações de cada acionista. No cooperativismo
tem-se, portanto, como efeito benéfico, a redução da disputa dos conflitos pelo poder de controle
societário, inobstante não seja capaz de extingui-los. Tal aspecto impede, ainda, a criação de
tratamento diferenciado entre os cooperados, de tal sorte que o que valer para um valerá para
todos, como se observa, por exemplo, no artigo 37 da Lei nº 5.764, de 1971:

Art. 37. A cooperativa assegurará a igualdade de direitos dos associados sendo-


lhe defeso:
I - remunerar a quem agencie novos associados;
II - cobrar prêmios ou ágio pela entrada de novos associados ainda a título de
compensação das reservas;
III - estabelecer restrições de qualquer espécie ao livre exercício dos direitos
sociais (BRASIL, 1971).

Ademais, há uma diferença fundamental na relação entre os associados e a cooperativa.


Contrariamente ao que ocorre com os bancos, os associados não são simples clientes da cooperativa,
mas, simultaneamente, sócios e destinatário dos serviços. Destarte, todos os cooperados estão
aptos a participar das decisões de direção e na operacionalidade da própria cooperativa, podendo
decidir, até mesmo, sobre a precificação dos serviços
Distinção relevante também é o não interesse lucrativo das sociedades cooperativas, o
que Pontes de Miranda justifica na medida em que o fundamento do cooperativismo reside na
superação das adversidades do capitalismo. Para o autor,

[...] há que ser respeitada a prevalência mutualística. Daí ter-se de refutar qualquer
teoria ou opinião doutrinária que considere a mesma causa das sociedades
cooperativas e a causa das sociedades lucrativas, que são tipicamente capitalistas.
Mais se coopera, naquelas, para evitar o fim lucrativo de terceiros que para

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lucrar. O fato de haver capital não pode ser base para se afirmar que há propósito
capitalístico. Por vezes o capital da sociedade é para lutar contra atos alheios
capitalísticos (MIRANDA, 1965, p.431-432).

O intuito das sociedades cooperativas é o de viabilizar condições para que os comerciantes


de menor porte possam atuar e concorrer com as grandes empresas capitalistas em um cenário
econômico menos desiquilibrado. A não intencionalidade de lucro reflete esse ideal. Os associados
não estariam reunidos para lucrar individualmente, mas sim para angariarem para si melhores
condições econômicas que lhes permitam a superação das adversidades e injustiças existentes em
ambiente concorrencial desigual e acirrado.
O eventual resultado financeiro positivo, conhecido por “sobras”, não é, pois, o fim da
cooperativa, mas, corresponde ao excedente do aporte investido pelos associados e que não
foi utilizado, razão pela qual deve ser devolvido aos cooperados na mesma proporção de seus
investimentos, em padrões estabelecidos pela própria cooperativa, como acentua a Resolução
nº 4.434, de 2015, do Banco Central do Brasil. Ademais, a eventual existência de sobras não é
elemento essencial e nem caracterizador das cooperativas.
O cooperativismo de crédito traz, ainda, a vantagem de fomentar o desenvolvimento
economicamente do grupo de cooperados, bem como da região em que se insere. Nesse sentido,
basta atentar que os rendimentos das cooperativas, bem como os empréstimos aos associados,
propiciam capital aos próprios cooperados. Esse capital, por sua vez, pode vir a retornar,
como crescimento econômico, para os negócios dos cooperados (caso seja uma cooperativa de
empresários) ou para o cotidiano da localidade, já que o ganho de capital aumenta a renda dos
associados e, consequentemente, seu poder de compra e até de produção, o que faz movimentar a
economia da região. Além disso, as cooperativas podem proporcionar um retorno intangível para
os associados, na medida em que propiciam encontros entre os cooperados, o que, per si, já é
potencialmente desenvolvedor de novos negócios.
Interessante ressaltar que nos próprios ideais cooperativistas está a responsabilidade social
das cooperativas, que buscam não somente o desenvolvimento do cooperativismo como modelo
econômico, mas também revelam o intuito educativo e emancipador dos próprios cooperados,
visto que os ganhos e investimentos no sistema cooperativo propiciam retornos positivos para a
coletividade.

CONCLUSÃO

A opção constitucional pelo estímulo ao cooperativismo é reflexo de um processo histórico,


que remete à matriz de desenvolvimento do Estado liberal. O movimento cooperativo surge como
forma de superação das adversidades oriundas do capitalismo, que se revelou, em sua dinâmica
clássica, prejudicial à sociedade. Ao longo do século XIX, trabalhadores urbanos e rurais não
usufruíam dos benefícios daquele modelo socioeconômico, posto que a renda se concentrava em
pequena parcela social, detentora dos meios de produção.

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O cooperativismo surgiu no continente europeu e, rapidamente, expandiu-se como


alternativa econômica voltada para o desenvolvimento. Apesar de ter sido inaugurado como meio
para promover maior poder de consumo aos associados, a cooperação com vistas à concessão
creditícia a taxas de juros e encargos menores que aqueles cobrados pelos detentores de capital
logo se revelou bastante viável para os pequenos produtores e trabalhadores urbanos e rurais
necessitados de crédito. Em pouco tempo, o cooperativismo de crédito teve alta expressão nos
diversos Estados do continente europeu, apresentando pequenas distinções formais entre os
modelos espontaneamente instituídos.

O estímulo ao cooperativismo de crédito relaciona-se à importância da atividade financeira


como elemento propulsor de desenvolvimento, o que o torna objeto de intervenção estatal. Contudo
há várias espécies de instituições financeiras, sendo os bancos e as cooperativas de crédito as mais
comumente encontradas no âmbito privado. Todavia, há diferenças fundamentais entre ambas que
podem influenciar a escolha dos cidadãos e das pessoas jurídicas interessadas na obtenção de
crédito.

Contudo, o Estado, na qualidade de agente fomentador de políticas públicas, tem, no


cooperativismo de crédito, um modelo social e economicamente atrativo para promover crescimento
econômico com equidade socioeconômica.

Dentre as vantagens apresentadas pelo cooperativismo de crédito destacam-se: a) a


condição simultânea de sócio e cliente das sociedades cooperativas, visto que os próprios usuários
do serviço podem participar do processo decisório, inclusive não havendo distinção quanto ao
peso de seus votos, que independem da quantidade de capital do associado; b) a pessoalidade
em relação a quem se contrata, sendo elemento valorativo nas sociedades cooperativas, de forma
que interessam-lhes os atributos pessoais dos sócios, o que é interessante quando considerado
o interesse de ajuda e auxílio mútuos dos próprios associados; c) o interesse não lucrativo das
sociedades cooperativas, o que resulta na redução da remuneração dos serviços por ela prestados
em comparação com os bancos comerciais, o que beneficia toda a economia, uma vez que a
concorrência leva à redução dos preços; d) a concessão creditícia por intermédio do sistema de
cooperação permite que o destinatário se utilize do crédito mais vantajosamente concedido para
reaplicá-lo em seu empreendimento econômico ou para a quitação de suas dívidas perante outros
credores, o que propicia a circulação de riquezas pelo menor custo e incentivo à produção e ao
consumo.

A conjunção dessas vantagens, notadamente o menor custo dos serviços e a possibilidade


de participação no processo decisório, influenciam na opção do interessado por tornar-se associado
às cooperativas de crédito, o que induz o crescimento do sistema cooperativo. Porém, a mera
demanda pelo cooperativismo não é suficiente para a sua adequada utilização como elemento de
viabilização do desenvolvimento socioeconômico, fazendo-se necessária a adoção de políticas
públicas que o estimulem.

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SOCIOECONÔMICO

Há de se destacar, ainda, como razões para o estímulo ao cooperativismo, os valores


sobre os quais ele se sustenta. Valores como: a) a solidariedade que se revela no auxílio mútuo
entre os cooperados e entre estes e a sociedade, o que torna a concorrência não depredatória;
b) a liberdade de empreendedorismo existente entre as atividades dos associados em relação à
cooperativa; c) o senso de equidade entre os associados e entre estes e a sociedade, dados os
diversos programas sociais e de capacitação que podem ser promovidos no contexto da atividade
cooperada. O reconhecimento desses valores leva à mudança da percepção individual e coletiva
em relação à economia e, a longo prazo, permite criar bases ideológicas para o desenvolvimento
na conjugação de seus três pilares: geração de riqueza pelo empreendedorismo inovador, equidade
socioeconômica e proteção e preservação ambiental.

A constatação do aumento numérico do sistema cooperativo mesmo num cenário de


recessão econômica demonstra sua aptidão para a promoção de crescimento socioeconômico.
Ademais, o modelo de cooperativismo de crédito auxilia os associados em crise, pois lhes propicia
fonte de crédito, sujeita à fiscalização do Banco Central do Brasil, o que representa garantia ao não
colapso do sistema.

Ressalta-se, também, a peculiaridade de que o crédito concedido é utilizado na própria


região, de sorte que a circulação de riqueza local e regional aumenta, o que representa efeito benéfico
para o desenvolvimento econômico territorialmente descentralizado. Logo, o cooperativismo de
crédito detém alta potencialidade para atuar na redução de desigualdades socioeconômicas no
contexto federativo, mantendo, assim, plena sintonia com o sistema constitucional vigente.

Destarte, entende-se que o cooperativismo de crédito compreende interessante proposta de


desenvolvimento sócio-econômico para os associados e até mesmo de desenvolvimento regional,
uma vez que fomenta a circulação de riquezas.

Deste modo, consta-se que a hipótese apresentada como resposta ao tema-problema foi
verificada ao longo do trabalho. O sucesso que o cooperativismo de crédito encontrou em diversos
Estados, aliado aos valores que o norteiam e às vantagens subjetivas e coletivas que ele propicia,
são instrumentos hábeis para propiciar que o Estado implemente políticas públicas para fomentá-
lo de modo adequado e eficiente e de maneira a concretizar o princípio normativo-programático
do artigo 174, § 2º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ou seja, de estímulo ao
cooperativismo, notadamente em seu vertente de crédito.

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Como citar: FRADE, Eduardo Silveira; OLIVEIRA, Márcio Luís. Cooperativismo de crédito:
uma alternativa de desenvolvimento socioeconômico. Revista do Direito Público, Londrina, v.
13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153. ISSN: 1980-
511X.

Recebido em: 04/07/2018


Aprovado em: 07/11/2018

REVISTA DO DIREITO PÚBLICO, Londrina, v. 13, n. 3, p. 153-174, dez. 2018. DOI: 10.5433/24157-108104-1.2018v13n3 p 153

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