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FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
SÃO PAULO
2009
SÃO PAULO
2009
A minha irmã Elídia, pelo apoio, incentivo e acima de tudo pelo exemplo de dedicação
e persistência, no qual procuro espelhar-me constantemente.
Aos meus alunos, que com seus questionamentos e inquietações me fazem mergulhar
cada vez mais em busca de conhecimento.
Sartre
RESUMO
O homem é um eterno vir-a-ser, como descreveu Sartre. É com esse movimento que a
existência flui constantemente. Acreditando nessa perspectiva, o presente trabalho
apresenta um novo olhar acerca de um atendimento clínico realizado no ano de 2006.
Para isso, foi realizada a leitura das gravações transcritas para não perder o foco dos
atendimentos. Em um segundo momento, buscou-se um embasamento teórico, enfocado
no pensamento de Sartre. Considerando que a psicoterapia no enfoque fenomenológico-
existencial está focada nas percepções e sentimentos que o cliente instiga no terapeuta,
não poderia deixar de conter relatos da experiência da relação vivenciada naquele
momento. No decorrer dos atendimentos, percebeu-se que a queixa inicial, relatada pela
cliente ao procurar ajuda, tratava-se apenas de um aspecto de algo que não estava tão
aparente. O que havia sido relatado como “dificuldade de concentração” foi percebida,
com o passar dos atendimentos, como uma predominância do imaginário na sua vida.
Segundo o pensamento de Sartre, o homem é livre para imaginar, sendo a imaginação
um ato intencional da consciência. É a consciência de alguma coisa que está ausente em
determinado momento, porém, que fora anteriormente percebido por essa consciência.
Outro ponto relevante a ser descrito é a espontaneidade, que significa dizer que é uma
produção livre, que foge de qualquer forma de determinismo. Nossa vida é inteira
calcada no imaginário e a idealização está diretamente ligada a ele. Embora a
idealização seja algo tão presente na vida, é perigoso quando predomina sobre o real.
Isso podia ser percebido no caso relatado e, uma vez que geralmente a vida não dá conta
de cumprir essas expectativas idealizadas, surge a decepção. É importante ressaltar que
o imaginário nada tem de surpreendente. Enquanto os objetos “reais” podem ter
possibilidades inesgotáveis de descoberta a seu respeito, os objetos da imaginação nada
podem ensinar ou conter de novo, uma vez que só é possível imaginar o que se conhece.
Pode-se dizer então, que a imaginação não é mais rica que a realidade, ao contrário, é
apenas um pálido esboço dela. Com o passar das sessões, a cliente foi percebendo como
isso acontecia em sua vida e mostrou-se aberta a possibilidades de mudança e a correr
os riscos da própria existência.
Sobre o
Imaginário…………………………………………………………………………………
…………. 16
CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………. 24
REFERÊNCIAS ……………………………………………………….. 28
INTRODUÇÃO
A graduação em qualquer área que seja, está norteada por vários sentimentos e
expectativas. O término de um curso desse nível traz consigo muita angústia e envolve
uma intensa vontade de colocar em prática todos os conhecimentos adquiridos durante
anos na universidade, um desejo de promover mudanças em determinados contextos,
muitas vezes de “mudar o mundo”, isso tudo somado à incerteza, inexperiência e
insegurança.
Após três anos da minha graduação, revendo meu primeiro atendimento clínico
realizado durante o período de estágio em um contexto de clínica-escola e concluindo o
curso de formação em psicoterapia fenomenológico-existencial, escolho o mesmo caso
para reescrevê-lo aqui, não com o objetivo de melhorá-lo, uma vez que esse processo já
se concretizou há anos, mas em uma tentativa de enxergá-lo com um novo olhar.
Pode-se afirmar que o trabalho da psicologia com olhar fenomenológico traz a proposta
de compreender a vivência de cada sujeito e atuar no sentido de promover mudanças no
campo perceptivo, afim de que o mesmo perceba outras formas de existir no mundo,
ampliando assim, seu leque de possibilidades. Trabalha-se com um sujeito que é, em
suma, pura possibilidade. A intervenção terapêutica vai buscar ajudar, no sentido de que
o paciente possa aprender por si mesmo sobre suas escolhas e o modo de experienciá-
las.
O grande desafio de Sartre foi responder a alguns problemas propostos aos cientistas,
filósofos e pensadores do período, dilemas trazidos pelo idealismo e racionalismo, por
um lado e pelo materialismo e positivismo, por outro, materializados em questões como
a problemática do conhecimento, a discussão acerca da objetividade nas ciências e, mais
especificamente, nas ciências humanas; a necessidade de revisão da filosofia, conduzida
pelo marxismo (SCHNEIDER, 2002).
Morreu no ano de 1980 e seu cortejo contou com a presença de mais de 50 mil pessoas,
o que justifica a relevância de seu pensamento naquela época e o impacto causado pelo
mesmo, sendo ainda hoje bastante difundido.
O filósofo Franz Brentano, percebeu que haviam fenômenos ou processos mentais que
não eram dados à observação. Para ele, a consciência não era uma substância. Partia
então do pressuposto que a consciência é sempre intencional, sempre referente a algo.
Brentano dá ênfase à intencionalidade dos fenômenos psíquicos e, por conseguinte
acredita que o ponto de partida do conhecimento é a intencionalidade da consciência.
É o fato de poder fazer opções que constitui a essência do homem e lhe permite criar
seus próprios valores. Ele é um ser diante da escolha. Não há como não escolher.
Assim, se ele é totalmente livre para escolher, é também responsável por tudo que faz,
portanto, tendo um compromisso com a realidade.
Em sua obra “O Existencialismo é um Humanismo” (SARTRE, 1978), Sartre cita que o
fato de a existência preceder a essência, faz com que o Homem seja inevitavelmente
responsável pelo que é. Esse é o princípio de toda sua filosofia. O Homem nada mais é
do que aquilo que faz de si, o que se projeta num futuro (NUNES, 1995).
Sartre não considera passado, presente e futuro instâncias temporais separadas umas das
outras. Para ele, existe uma constante dialética, presente a todo o momento na vida do
homem, o constituindo. O passado, de acordo com o filósofo, pode ser caracterizado
pelo seu caráter cristalizado, imutável, paralisado, cujos acontecimentos não podem ser
eliminados nem transformados. O presente por sua vez, é o momento em que nos
colocamos, imediatamente petrificado em passado sendo apenas uma linha divisória
entre o que aconteceu e o que acontecerá. Enquanto o futuro é o que ainda não é. Trata-
se das expectativas, um possível, com a possibilidade contrária de não ser. Para Sartre, é
a mola propulsora dos projetos de cada indivíduo. É se projetando para o futuro, que o
homem escolhe diante de suas possibilidades (ARRUDA, 1994).
Erthal (2004) lembra que o homem é o que se projeta e não existe antes desse projeto. É
o que Sartre denominou de projeto original, a escolha que o indivíduo faz sobre si
mesmo, sendo essa a matriz de todos os demais projetos e determinante de sentimentos
e ações. Cabe a cada sujeito criar o seu projeto, através da liberdade, condição essencial
do homem.
Para Sartre, o homem está condenado a ser livre. Condenado por não ter criado a si
próprio e por não ser possível abdicar dessa liberdade. É essa liberdade que o faz ser
responsável pelo seu devir. Logo, é a liberdade que obriga a realidade humana a existir
em vez de ser, é o fundamento da existência e se traduz pela necessidade de ser
constantemente escolha.
Para criar seu próprio mundo, realizar suas próprias potencialidades, não deixa de ser
para o homem uma fonte de angústia, pois ele escolhe sem experiências prévias, estando
sujeito a erros. Esta condição propicia o aparecimento da angústia no homem, visto que
esta responsabilidade que lhe é inerente o obriga a agir encarando a verdade
diretamente, ainda que isso seja difícil pelo fato de ninguém poder realizar por ele seu
projeto. Projeto que deve ser entendido como a procura de atualização da própria
essência, do completar-se, condição jamais atingida pelo ser humano.
Nunes (1995), vindo de encontro com o pensamento sartreano, aponta que o homem é
uma totalização-em-curso e isso faz com que ele seja obrigado a escolher a todo
instante, sendo submetido à responsabilidade total de sua existência.
É essa angústia que traz ao homem a necessidade de engajar-se com sua própria
existência, a superar sua condição o tempo todo, a inventar-se a cada momento.
A princípio, o existencialismo trouxe a idéia de um pensamento pessimista acerca da
vida do homem, por trazer em seu bojo conceitos como solidão, angústia, tédio e morte.
Sartre rebate essa afirmação dizendo justamente o contrário: o otimismo consiste em
colocar a vida do homem em suas próprias mãos, dar condições para ele se libertar das
amarras e determinações das quais está condicionado e tornar-se protagonista de sua
própria história (ERTHAL, 2004).
SOBRE O IMAGINÁRIO
Sartre chama de projeto original a escolha que o indivíduo faz sobre si mesmo. O
indivíduo forma uma imagem de si e realiza todas as suas escolhas seguindo essa
imagem (ERTHAL, 2004). Pensando na opção de Diana por um emprego do qual não
seria necessário nenhum esforço intelectual para ser realizado, pode-se pensar o quanto
ela mesma subestimava suas possibilidades. Dessa forma fica evidente qual a imagem
que Diana tinha construído de si mesma até aquele momento, a de uma pessoa que não
acreditava ser capaz.
Isso refletia de forma bastante significativa em relação aos seus estudos. “Quando eu
venho pra cá [referindo-se à universidade] sinto como se eu ‘tivesse’ em outro planeta,
acho que esse não é meu lugar” (sic).
Com o relato acima mencionado é possível perceber o quanto Diana sentia-se
inadequada no contexto da Universidade. Segundo Torres (2008, p. 38)
“sentir-se inadequado é perceber-se desigual a uma referência, seja ela uma pessoa ou
um contexto. (…) Perceber a inadequação pode ser incômodo, principalmente em um
contexto onde as diferenças são evitadas”.
Torres (2008) ressalta que o sentimento de inadequação pode estar relacionado com
limitações das habilidades pessoais. Diante dessa colocação, é oportuno salientar duas
condições que colaboravam para que Diana se sentisse dessa forma. O primeiro diz
respeito à sua condição socioeconômica. Vale lembrar que apesar de estar inserida em
uma Universidade de cunho particular, ela exercia uma função de ajudante geral e
residia em um bairro carente da cidade mencionada. Outro aspecto importante é o fato
de apresentar dificuldades na dicção, no que se refere a pronuncia de algumas palavras.
Essa dificuldade a deixava muito constrangida nos momentos em que precisava
apresentar algum trabalho em sala de aula ou mesmo ler um texto em voz alta, limitando
suas ações.
Percebe-se que para Diana, o sentimento de inadequação era bastante significativo, uma
vez que chegava a incomodar-se por ser desigual. Era possível perceber em si, um
desejo de ser como suas colegas, tidas por ela como referencial.
Com o passar das sessões, Diana foi relatando o que ela denominava “Mundo de
Bobby” [2].
O imaginário de Diana estava quase exclusivamente voltado a sua postura diante dos
acontecimentos de sua vida, a sua posição frente ao mundo e diante dos outros.
Geralmente, quando algo acontecia em sua rotina, Diana agia de determinada forma
que, de fato, nunca lhe agradava. Permanecia com a sensação de que agiu da pior forma
possível e que poderia ter feito diferente, que poderia ter sido melhor.
Desta forma, em sua imaginação, o desfecho de suas histórias era sempre perfeito,
esperado por ela, mas nunca alcançado por ela na vida real apesar dos “ensaios” na
frente do espelho, fato que culminava em constante frustração e decepção a respeito de
sua conduta.
Suponho que, por ter uma autoestima bastante reduzida, Diana dirigiu-se a um ideal
quase inatingível, perfeito demais, numa tentativa de compensar o seu vazio. Devido a
esse distanciamento existente entre si e sua imagem idealizada, frequentemente
decepcionava-se consigo mesma, o que consequentemente confirmava sua
incapacidade. Ou seja, a todo o instante realizava escolhas que vinham ao encontro da
sua autoestima rebaixada e a confirmava a todo o momento.
É importante ressaltar que, de acordo com Angerami (2003), a todo o momento estamos
criando expectativas em nossa vida, calcadas no imaginário. Pode-se dizer, segundo o
autor, que nossa realidade é praticamente toda sedimentada nesse aspecto imaginário.
De acordo com Arruda (1994), a imaginação é liberdade, uma vez que a consciência
tem o caráter livre e criador. Sartre chega a compará-lo ao ato mágico, na virtude de
fazer aparecer objetos desejáveis.
Logo, se não houvesse uma motivação desejante, não haveria necessidade de trazer para
a consciência esse objeto.
Para Sartre, o imaginário é frustrante por nada conter de revelador sobre as coisas, pois
só é possível imaginar algo que se conhece. O mundo real tem seu caráter surpreendente
e comporta inesgotáveis descobertas acerca de um objeto, a imaginação por sua vez,
seria uma pobreza essencial, pálido esboço dessa realidade que se apresenta de forma
tão rica.
Seguindo esse pensamento, pode-se dizer que uma existência norteada apenas pelo
aspecto imaginário torna-se frustrante, incompleta, pois não traz em si o caráter
surpreendente da realidade concreta.
Para Angerami (2004), quando nossa realidade existencial não dá conta das expectativas
criadas no imaginário surge à decepção. A decepção está relacionada ao não
cumprimento da idealização originária no imaginário.
Existia uma tendência de Diana em estar o tempo todo no imaginário e não conseguir
realizar suas possibilidades no mundo real. Isso apenas foi percebido por ela no
momento em que ela deu-se conta do quanto estava em uma condição de telespectadora
de sua própria existência.
“Às vezes eu tenho a sensação de que eu estou sentada, assistindo minha vida passar,
como se fosse uma novela, mas sem nenhum acontecimento novo. Só a mesmice de
sempre” (sic).
Pensar em ser protagonista de sua própria história, de realizar escolhas que o tempo
todo permite ao homem criar-se é fonte de angústia para todos, uma vez que esse
movimento de liberdade traz consigo a responsabilização e o compromisso com a sua
existência. Parece que era dessa angústia que Diana pretendia fugir, uma vez que,
assumir uma condição passiva diante da vida, traz a ideia ilusória de que não se é
responsável por ela. O que Diana até então não havia se dado conta até então é de que
essa posição passiva na qual permanecia também se efetivava em uma escolha.
Em todos os momentos em nosso encontro era possível notar o quanto Diana estava
envolvida e comprometida com o tratamento psicoterápico, mostrando uma postura
reflexiva e aberta a mudanças.
A partir de nossas reflexões, pareceu-me que Diana estava buscando libertar-se das
amarras que a impediam de agir e não mais apenas em concentrar-se nas suas
atividades. Isso seria consequência. Era preciso apropriar-se de sua liberdade e de sua
existência. Reconstruir sua autoestima e, por conseguinte, seus projetos. Poder realizar
escolhas em um mundo concreto sem ter a sensação de que poderia ter sido diferente,
decepcionando-se a todo o momento por não ter agido da forma como esperava.
O mesmo autor ressalta que, embora a vida imaginária tenha um fascínio reluzente
capaz de conferir as mais diferentes propriedades a um determinado objeto, é preciso
que também tenhamos padrões claros e definidos da vida real (ANGERAMI, 2004).
Sartre nos fala que só é possível estabelecer projetos futuros se conseguirmos nos
colocar em direção à, ou seja, um futuro sem essa vivência de imaginário não mobiliza
o homem em direção a construção e realização desse projeto.
“A melhor coisa que mudou em mim foi aquela sensação ruim de ter feito algo errado.
Não fico mais querendo voltar atrás, no “Mundo de Bobby”. Consigo até respirar
melhor. Minha autoestima mudou muito. (…). Me sinto com força, capaz de aprender
(…) eu pensei e acho que ‘tô preparada pra fazer as minhas coisas sozinha. Foi muito
bom vir aqui. Eu senti que você dava importância pras minhas coisas. Aqui eu vi outro
aspecto das coisas, que tem outro jeito, outra maneira de ver que não era o que eu via.
Dependia de mim desde o começo, por isso foi tão difícil e você me ajudou nisso.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se dizer que a psicoterapia, vista como uma proposta fenomenológico- existencial
tem como princípio a crença no homem-em-relação, na sua forma de estar-no-mundo,
na sua forma de escolher sua existência. Assim, esse homem encara o vazio, a culpa, a
angústia, a morte, sempre buscando caminhos que o levem a transcender-se a todo
instante.
O cliente passa a perceber que a norma da vida é o risco, fazendo escolhas ou não ele
arrisca-se a todo o momento, até no fato de nada escolher, não se pode ter certeza do
resultado de nossas escolhas. A consciência da liberdade e da responsabilidade, em si
mesma é geradora de angústia. Expressando suas possibilidades de conduta, o homem
vai moldando a si mesmo, ao mesmo tempo que vai se moldando ao mundo (ERTHAL,
2004).
Erthal (2004) cita que a função do terapeuta é apenas estimular a mudança no sentido de
ver o cliente fiel a sua própria mudança, confiando na capacidade “latente” do mesmo
de poder compreender a si mesmo e resolver seus problemas, não traçando um rumo
para ele.
Penso que o papel do profissional da psicologia é ajudar o cliente para que assuma sua
liberdade de ser, aceitando os riscos de suas escolhas, utilizando sua capacidade criativa
para existir, responsabilizando-se que a partir de suas próprias escolhas que se constrói e
dá sentido a sua existência, podendo assim perceber que existem inúmeras
possibilidades para enredar a sua existência.
REFERÊNCIAS
ARRUDA, F. D. A questão do imaginário: a contribuição de Sartre. Em: Em Aberto,
Brasília, ano 14, n.61, jan./mar. 1994.
ANGERAMI, V.A. (org). Angústia em Psicoterapia. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2000.