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Paulo Tafner*
Fabio Giambiagi**
6. Para maiores detalhes, ver Barea (1995), Fernández Cordón (1996), Herce et al. (1996) e Piñera e Weisntein (1996).
11. Ver, a respeito, Stallings (1994), Lo Vuollo (1996) e World Bank (1994).
12. A idéia de um seguro contra a depreciação permanente do capital humano é anterior ao modelo alemão e remete às sociedades de
assistência mútua organizadas por guildas na própria Alemanha, antes de Bismarck. Também na França napoleônica bancos forneciam
seguro contra invalidez subsidiado pelo Estado. O que distinguia o caso alemão pós-Bismarck de mecanismos de proteção predecessores
era sua natureza compulsória e contributiva, estruturada sob a forma de sistema gerenciado e suportado pelo Estado.
Por suas características, a organização desses sistemas foi, desde seu início,
na Alemanha, em 1889, a partir de iniciativa do chanceler Otto von Bismarck,13
fundada sob a forma e a técnica de seguros, baseada em contribuições compulsórias
de trabalhadores (segurados) e de patrões. Os segurados que porventura fossem
atingidos pelos infortúnios do destino ou que perdessem sua capacidade laboral
por velhice (na Alemanha, a partir de 70 anos de idade) passavam a usufruir de
benefícios – normalmente reposição de uma fração de sua renda quando em ativi-
dade – em dinheiro, razão pela qual, nessas situações, passavam a ser chamados de
beneficiários.14
Ao fundar um sistema de seguro social sob controle, gerenciamento e operação
do Estado e estruturado com base em contribuições de trabalhadores e de seus
patrões, o Estado moderno trouxe para si o risco implícito associado a esse sistema.
Entenda-se risco implícito aquele associado ao desequilíbrio entre o montante
esperado de contribuições e o montante esperado de pagamentos (benefícios).
Esses riscos decorrem de alteração das variáveis que em geral não estão sob controle
dos sistemas de previdência e muitas vezes não estão sequer sob controle direto do
Estado. A mais evidente dessas variáveis é a mudança da estrutura demográfica,
mas existem outras, como as condições macroeconômicas e, em especial, aquelas
ligadas ao mercado de trabalho. O primeiro tipo de desequilíbrio – o demográfico –
tem sido, em geral, a mola propulsora das reformas dos países desenvolvidos, mas
não apenas deles.
Outra característica dos modelos de previdência que foram estabelecidos na
maioria dos países ao longo de todo o século XX é que foram estruturados num
sistema de repartição,15 o que implica que ele funciona como mecanismo de trans-
ferência e redistribuição de renda, com inexoráveis conflitos distributivos de duas
naturezas distintas: a) conflitos distributivos intrageracionais, ou seja, que existem
entre indivíduos de uma mesma geração, por exemplo, entre homens e mulheres,
pobres e ricos, entre indivíduos mais e menos escolarizados, entre pessoas saudáveis
e pessoas doentes, pessoas que trabalham e pessoas que não trabalham, pessoas
que poupam e pessoas que não poupam etc.; e b) conflitos distributivos
intergeracionais, aqueles entre jovens e velhos que disputam entre si os recursos e
os custos de transferências. Mais modernamente, aliás, tem sido reconhecido – e
13. Essa é a lógica que regeu a consolidação do seguro social implementada pelo chanceler Bismarck na Alemanha a partir de 1883 e
que deu origem a praticamente todos os planos de previdência do mundo até nossos dias.
14. Sistema alternativo financiado por impostos gerais destinados a garantir renda mínima vitalícia para idosos pobres foi instituído na
Dinamarca (1891), na Nova Zelândia (1898), na Austrália (1908) e na Inglaterra (1908).
15. Ver detalhes no capítulo 2. Em síntese, modelos de repartição envolvem redistribuições entre gerações, em favor das gerações mais
velhas, pela dissociação em termos de valor presente entre financiamento e benefício.
16. Ver, por exemplo, Rangel e Zeckhauser (2001), Bohn (2001) e Campbell et al. (2001).
17. Ver, a respeito, Myles (2002).
18. A terceira das três particularidades de nosso sistema tem certamente ensejado os mais acalorados debates. Ver, a respeito, entre
outros, Giambiagi et al. (2004), Giambiagi e Além (1997), Cechin (2005), Matijascic (2006), Zylberstajn, Souza e Afonso (2006), Tafner
(2006), Oliveira, Beltrão e Ferreira (1997), Oliveira, Beltrão e David (1999).
19. Ao incorporar elementos típicos de assistência social, a previdência brasileira engessa sua estrutura e limita as possibilidades de
ajustamento como resposta às alterações das variáveis que determinam a sustentabilidade do sistema que, como dito, são determinadas,
em sua grande maioria, fora dele.
Porque nos recusamos a aceitar que os ganhos civilizatórios obtidos pela sociedade
brasileira e expressos pela crescente esperança de vida de nosso povo não podem
ser privadamente incorporados pelos mais velhos, com custos exagerados sobre as
gerações mais novas, com evidentes impactos sobre a distribuição etária da pobreza.
Porque nos recusamos a remover privilégios inaceitáveis de certos grupos sociais,
a pretexto de zelar por direitos justificáveis. Porque construímos e preservamos
uma estrutura de incentivos que penaliza o contribuinte da previdência que, afinal,
poupa com esforço ao longo de toda uma vida de trabalho árduo, instável e de
baixa remuneração. Porque, por outro lado e finalmente, teimamos em conceder
benefícios elevados, muitas vezes generosos e freqüentemente sem cobertura de
receitas correspondentes.
O presente trabalho, que compila os esforços analíticos de pesquisadores do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e de outras instituições, analisa
cada uma das principais variáveis determinantes do desempenho do sistema
previdenciário brasileiro, trazendo ao leitor reflexões teóricas sobre a questão, a
análise e o histórico do sistema brasileiro de seguridade e previdência e, também,
informações comparativas da experiência internacional.
Inicialmente é necessário que o leitor tenha em mente que o equilíbrio de
sistemas previdenciários está diretamente associado:
z às condições macroeconômicas, como crescimento do produto e da pro-
dutividade e taxa de juros real de longo prazo;
z às condições e evolução do mercado de trabalho, como o nível e a compo-
sição do emprego;
à dinâmica demográfica, esta em grande medida determinada pelas condições
z
de saneamento, de higiene, de saúde e de hábitos da população; e
z aos critérios de contribuição e de elegibilidade – os denominados parâmetros
técnicos do sistema como alíquotas de contribuição,20 idade de aposentadoria, tempo
de contribuição etc.
Essas variáveis – que são em maior ou em menor grau reguladas e afetadas
por instituições, regras e regulamentos – estão em constante mudança, e em cada
país em estágios diferentes, fazendo com que os efeitos não sejam iguais em todo
lugar. Por isso, produzem efeitos dessemelhantes sobre os respectivos sistemas e
determinam diferentes graus de premência de reformas: em alguns casos há tempo
20. Obviamente, o efeito pode ser inverso ao esperado. Se as alíquotas são muito elevadas, como no caso brasileiro, por exemplo, podem
atuar como incentivo ao desemprego e à informalidade, reduzindo o volume de arrecadação do sistema.
21. Ver, por exemplo, o livro de Gruber e Wise (1999) e todos os capítulos de estudos de casos de países.
lhadores mais jovens e com pouca escolaridade, evidenciando, mais uma vez, que
as instituições determinam em grande medida a ação dos indivíduos e, no caso
dos sistemas previdenciários, podem ser determinantes de seu desempenho.
O capítulo 8 é voltado aos aspectos ligados ao mercado de trabalho, e em
linha com o capítulo anterior seu desempenho recente é analisado, com ênfase na
informalidade e nos impactos que instituições do mercado de trabalho podem
exercer sobre o sistema de previdência. Em complemento, é analisada a crescente
participação feminina na atividade econômica e também avaliado seu impacto
sobre o sistema previdenciário. Em linha com muitos trabalhos, procura mostrar
como instituições afetam o comportamento dos agentes, no caso com evidentes
impactos na previdência brasileira.
O capítulo 9 discute o financiamento da previdência brasileira. Apresenta a
evolução das receitas e despesas e destaca o crescente desajuste entre ambas, o que
vem exigindo aportes crescentes de recursos do Tesouro. Na discussão que faz
sobre as receitas, avalia a adequação das mesmas tendo em vista sua capacidade de
gerar os recursos necessários ao financiamento e seus efeitos econômicos. Ainda
nesse capítulo, traça-se um panorama analítico das principais propostas de mu-
dança no financiamento da previdência já apresentadas, destacando, em cada caso,
suas vantagens e desvantagens.
Os capítulos 10 e 11 tratam de um mesmo tema, com enfoques que se
complementam. O capítulo 10, utilizando modelos semiparamétricos, estima as
funções de densidades contrafactuais de diversos atributos e corrobora a tese de
que a previdência, de fato, reduz a pobreza no Brasil, ainda que esse efeito não seja
homogêneo por gênero, nem por idade. Esse resultado, se de um lado deixa claro
que a previdência atua no sentido de redução da pobreza, de outro levanta sérias
questões sobre o uso desse instrumento, dada sua reduzida potência.
O capítulo 11 faz uma ampla comparação das regras de concessão do bene-
fício de pensão por morte e mostra que nosso sistema é especialmente generoso.
De fato, comparado a duas dezenas de países de diversos continentes com variados
graus de desenvolvimento, constata-se que o Brasil é o que possui condições de
acesso menos restritivas ao benefício de pensão por morte: não exige idade mínima
de acesso do cônjuge, não tem carência contributiva, permite o acúmulo de bene-
fícios e renda de trabalho, não exige período mínimo de coabitação, nem casa-
mento. Concede 100% do valor segurado (aposentadoria ou renda do trabalho) e
não prevê extinção do benefício, exceto com a morte da(o) viúva(o). Para cada
país analisado, simula-se a aplicação de suas regras para a realidade brasileira. Os
resultados são inequívocos: para todos os casos, haveria redução do volume de
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