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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO)
JCKS
Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000)
2017/CRIME

MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME DE


LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIMES CONTRA A
ORDEM TRIBUTÁRIA. INCIDENTE DE
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA, NA MODALIDADE INVERSA.
CONSTRIÇÃO DE BENS DA SOCIEDADE
EMPRESÁRIA. INSTITUTO JURÍDICO DA
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA ESTRANHO AO PROCESSO PENAL.
A JURISDIÇÃO CRIMINAL EMANA
DIRETAMENTE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
O QUE NÃO SÓ TORNA DESPICIENDA, MAS
SIM INDEVIDA QUALQUER MEDIDA PRÉVIA
DE NATUREZA CIVEL COMO PRESSUPOSTO
DA DECISÃO CRIMINAL DE SEQUESTRO OU
ARRESTO DE BENS VINCULADOS
DIRETAMENTE À ATIVIDADE CRIMINOSA.
LEVANTAMENTO DA CONSTRIÇÃO QUE SE
IMPÕE. MANDADO DE SEGURANÇA
CONCEDIDO.
A medida cível de desconsideração da
personalidade jurídica é estranha à jurisdição
criminal. Se há indícios veementes de que
determinado bem é produto de crime ou foi
adquirido com o proveito dele, basta a decisão
do juiz criminal determinando o sequestro ou
arresto sem necessidade de qualquer outra
medida prévia de natureza que não a criminal.
A força da decisão do juiz criminal de sequestro
ou arresto de bens diretamente vinculados ao
crime não depende de qualquer medida cível
prévia, já que a jurisdição criminal tem sua
autoridade, autonomia e força vinculativa
emanadas diretamente da Constituição Federal.
No caso dos autos, não tendo sido
demonstrados indícios veementes de que os
caminhões constritos pela Justiça Criminal de
Casca são produto de crime ou tenham sido
adquiridos com o proveito dele, a constrição
judicial dos aludidos bens é ato ilegal atacável,
no caso particular dos autos, por mandado de
segurança.
SEGURANÇA CONCEDIDA.

MANDADO DE SEGURANÇA SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675- COMARCA DE CASCA


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PODER JUDICIÁRIO
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@ (PROCESSO ELETRÔNICO)
JCKS
Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000)
2017/CRIME

22.2017.8.21.7000)

W.T.L. IMPETRANTE
..
J.D.C.C. COATOR
..
M.P. INTERESSADO
..

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima


Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, EM
CONCEDER A SEGURANÇA PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO QUE
DETERMINOU A DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE
JURÍDICA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA WOR TRANSPORTES LTDA., COM O
CONSEQUENTE LEVANTAMENTO DA CONSTRIÇÃO RECAÍDA SOBRE OS
SEUS BENS, BEM AINDA REVOGO A MEDIDA LIMINAR DEFERIDA NESTE
MANDAMUS NO QUE TOCA AO SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL
PRINCIPAL (090/2.16.0001528-0), DETERMINANDO O SEU LEVANTAMENTO
E CONSEQUENTE PROCESSAMENTO REGULAR DA REFERIDA AÇÃO PENAL.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os


eminentes Senhores DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE) E
DES. CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY.

Porto Alegre, 28 de junho de 2018.

DES. JOSÉ CONRADO KURTZ DE SOUZA,


Relator.

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R E L AT Ó R I O

DES. JOSÉ CONRADO KURTZ DE SOUZA (RELATOR)

Trata-se de agravo de instrumento interposto por WOR


TRANSPORTES LTDA contra a decisão proferida nos autos do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica de nº 090/1.17.0000113-6 que
determinou, em tutela de urgência, a desconsideração inversa da
personalidade jurídica da empresa, bem como o sequestro de seus bens,
com base no Decreto-Lei nº 3.240/41.

Em suas razões, o agravante suscita, preliminarmente, a


nulidade da decisão agravada em face da ausência de fundamentação,
tendo em vista que não há na decisão a indicação dos elementos
probatórios que embasaram o deferimento da medida cautelar. No
mérito, sustenta que há ilegalidades existentes na decisão,
especialmente com relação à sua fundamentação e à inobservância dos
requisitos exigidos pelo Art. 300 do Código de Processo Civil, pelo Art. 50
do Código Civil, bem ainda pelo Decreto-Lei nº 3.240/41. Requer,
liminarmente, a concessão do efeito suspensivo ao recurso,
preliminarmente, o acolhimento da nulidade suscitada e, no mérito, a
reforma da decisão vergastada para que sejam desconstituídos os atos de
constrição de bens e a desconsideração da personalidade jurídica da
empresa.

O processo foi distribuído a 22ª Câmara Cível deste Tribunal


de Justiça em 11/07/2017.

Sobreveio decisão monocrática em 13/07/2017, declinando a


competência para julgamento do presente agravo de instrumento para
uma das Câmaras Criminais deste Tribunal de Justiça, tendo em vista que
o incidente de desconsideração de personalidade jurídica é conexo a uma
ação penal.

O processo foi distribuído a 4ª Câmara Criminal deste


Tribunal de Justiça em 18/07/2017.

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Determinada a complementação do recurso com as peças


faltantes, sobe pena de não-conhecimento do agravo de instrumento, nos
termos do Art. 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil, em
28/07/2017.

O agravante postulou a prorrogação do prazo de 10 (dez)


dias para a juntada dos documentos solicitados, tendo em vista que os
seus procuradores não obtiveram vistas dos autos do processo de origem,
o que foi deferido em 17/08/2017.

Foram juntadas as cópias solicitadas.

Deferido o pedido liminar para suspender o processo nº


090/2.16.0001528-0, bem como os efeitos do sequestro de bens da
empresa WOR TRANSPORTES LTDA. determinado nos autos do incidente
de nº 090/1.17.0000113-6 até o julgamento do presente recurso, e
solicitadas informações em 15/09/2017.

Foram apresentadas contrarrazões ao agravo de instrumento


pelo Ministério Público.

Sobrevieram informações.

A douta Procuradoria de Justiça exarou parecer pela


redistribuição do processo para Câmara de competência cível.

Sobreveio decisão em 18/12/2017, conhecendo o recurso


como mandado de segurança, considerando o resultado do julgamento
em caso semelhante ao presente (MS nº 70073485732), sendo mantida a
liminar deferida.

Determinado o processamento do recurso como mandado de


segurança e notificada a autoridade apontada como coatora.

Sobrevieram informações da autoridade apontada como


coatora.

A douta Procuradoria de Justiça exarou parecer pela


denegação do mandado de segurança.

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Sobreveio decisão monocrática em 18/04/2018,


determinando a redistribuição do processo à Quinta, Sexta, Sétima ou
Oitava Câmaras Criminais, em observância ao disposto no Art. 24-B, e do
Art. 24-A, III, “b”, ambos do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça.

O processo foi distribuído a 7ª Câmara Criminal deste


Tribunal de Justiça em 18/04/2018.

Vieram-me conclusos.

É o relatório.

VOTOS

DES. JOSÉ CONRADO KURTZ DE SOUZA (RELATOR)

Concedo a ordem para levantar a constrição judicial dos


bens da sociedade empresária WOR TRANSPORTES LTDA. determinada na
decisão vergastada (p. 81/89).

Necessário fazer-se um breve histórico dos fatos.

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Flávio


Mezzomo, Ana Greice Cipriani e Altair de Oliveira, como incursos nas
sanções do Art. 1º, II, combinado com o Art. 12, I, e Art. 2º, II, todos da
Lei nº 8.137/901, perpetrados na forma do Art. 71, caput, e do Art. 2882,
tudo na forma do Art. 69, todos estes do Código Penal. Em relação a
Flavio Mezzomo foi imputada a prática do crime previsto no Art. 1º, caput,
da Lei nº 12.683/2012. Em relação a Ana Greice e Altair de Oliveira foi

1
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou
contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: II -
fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo
operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: II - deixar de recolher, no prazo legal,
valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade
de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade
as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°: I - ocasionar grave dano à
coletividade;
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Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de
cometer crimes.
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imputada a prática do crime previsto no Art. 1º, § 1º, I, da Lei


9.613/19983. Ainda, em face de Paulo Ricardo, Joice, Argemiro e Silvia, foi
imputada a prática dos crimes previstos no Art. 288, caput, do Código
Penal, e do Art. 1º, § 1º, I, da Lei 9.613/98.

Segundo narra o Ministério Público os denunciados auferiram


significativo proveito patrimonial a partir dos crimes de sonegação fiscal
(ICMS), utilizando-se das sociedades empresárias C&P INDÚSTRIA DE
LATICÍNIOS LTDA., LATICÍNIOS MODENA LTDA e WOR TRANSPORTES LTDA,
por meio de “confusão patrimonial e o abuso de direito”.

Buscando garantir o ressarcimento à Fazenda Pública, ou


seja, o pagamento dos tributos efetivamente sonegados, o Ministério
Público ajuizou incidente de desconsideração inversa da personalidade
jurídica, nos termos do Art. 133 do Código de Processo Civil/2015, para
que fosse determinada a constrição de bens das referidas sociedades
empresárias.

Sustentou o Ministério Público a necessidade de instauração


do referido instituto jurídico para que fossem alcançados os bens das
sociedades empresárias que foram utilizadas pelos réus na ação penal
principal, tendo em vista as condutas voltadas à supressão e/ou redução
de tributo estadual de ICMS, bem ainda à ocultação e à dissimulação da
origem, destino e propriedade dos bens e valores percebidos pela prática
dos crimes perpetrados.

O juízo a quo, em decisão relativa a pedido de antecipação


de tutela, acolheu os pedidos do Ministério Público, determinando a
instauração do incidente de desconsideração inversa da personalidade
jurídica, e, aplicando o referido instituto jurídico, determinou

3
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta
ou indiretamente, de infração penal. § 1o Incorre na mesma pena quem, para
ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de
infração penal: I - os converte em ativos lícitos;
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liminarmente o sequestro dos bens das referidas sociedades empresárias,


conforme trecho da decisão colacionada a seguir:

Vistos.
MINISTÉRIO PÚBLICO propôs incidente de
desconsideração da pessoa jurídica em face de C
Eamp; P INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS LTDA, LATICÍNIOS
MODENA LTDA e WOR TRANSPORTES LTDA, partes já
qualificadas. Narrou, em suma, que os requeridos
causaram grave dano à coletividade, tendo em vista
que sonegaram o tributo estadual de ICMS (imposto
sobre circulação de mercadorias e serviços) no
montante de R$ 36.504.622,72 (trinta e seis milhões,
quinhentos e quatro mil, seiscentos e vinte e dois reais
e setenta e dois centavos), bem como que já foram
denunciados em virtude da prática de fatos análogos.
Descreveu a forma como a prática do fato delituoso
ocorria, destacando as empresas criadas para tal
finalidade. Destacou que os requeridos auferiram
significativo proveito patrimonial dos crimes praticados,
o que autoriza a realização do sequestro de seus bens,
bem como a desconsideração da personalidade jurídica
das empresas. Afirmou que busca o acautelamento dos
bens, a fim de garantir que o valor referente aos
impostos supostamente sonegados possam ser
restituídos ao erário. Requereu, em sede liminar, a
concessão da tutela de urgência, para o fim de
determinar a desconsideração inversa da personalidade
jurídica, alcançando os bens das pessoas jurídicas
requeridas (fls. 02/17).
Foi determinada a intimação do Ministério Público para
que acostasse aos autos documentos referentes às
empresas (fl. 19), o que foi atendido às fls. 20/71.
Foi determinado o apensamento dos autos ao processo
autuado sob nº 090/2.16.0000883-7 (fl. 72), o que foi
cumprido (fl. 72/v). O Ministério Público requereu a
análise da concessão do pedido de tutela de urgência
formulado na inicial (fl. 73).
Relatei.
Decido.
Trata-se de analisar pedido liminar de desconsideração
inversa da personalidade jurídica das empresas
requeridas, alcançando-se os bens das pessoas
jurídicas, formulado pelo Ministério Público.

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O artigo 300 do Código de Processo Civil dispõe que a


tutela de urgência será concedida quando houver
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e
o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
No caso em apreço, o fumus boni iuris encontra-se
demonstrado no processo apenso autuado sob nº
090/2.16.0001528-0. Naquela ação penal, Flávio
Mezzomo, Ana Greice Cipriani, Argemiro Alves da Rosa,
Paulo Ricardo Curtinaz, Joice Tondelo, Altair de Oliveira
e Silvia Maria Tondelo foram denunciados pelo
Ministério Público, na data de 28/11/2016, em virtude
da suposta prática criminosa dos delitos tipificados no
artigo 1º, II, c/c artigo 12, I, da Lei nº 8.138/90; artigo
1º, parágrafo único, da Lei nº 9.613/98; artigo 288 do
CP; e artigo 1º, § 1º, da Lei nº 9.613/98.
Além disso, em 25/07/2016, foi deferida a expedição de
mandado de busca e apreensão a ser cumprido nas
empresas C Eamp; P Industria de Laticínios Ltda e
Laticínios Modena Ltda, além da quebra do sigilo
bancário dos denunciados, nos autos do processo
apenso autuado sob nº 090/2.16.0000883-7, pois este
Juízo entendeu que as investigações realizadas dão
conta de que estão ocorrendo sucessivas fraudes ao
Fisco Estadual, através da constituição de novas
empresas.
Por outro lado, resta demonstrada, também, a
existência do periculum in mora, pois a
desconsideração invertida da personalidade jurídica
poderá ser ineficaz caso não seja deferida em sede
liminar, tendo em vista que há possibilidade de ter sido
praticada a sonegação fiscal de cerca de R$
36.504.622,72 (trinta e seis milhões, quinhentos e
quatro mil, seiscentos e vinte e dois reais e setenta e
dois centavos), o que representa um valor considerável
e valoroso para a coletividade.
Assim, faz-se necessária a constrição dos bens das
pessoas jurídicas supostamente envolvidas nos delitos
para assegurar o resultado útil do processo e a
restituição ao erário dos valores dos impostos
supostamente sonegados.
Ademais, observo que os requeridos fizeram uso de
manobras ardis e fraudulentas para esconder a
sonegação do referido tributo, o que supõe que possam
utilizar-se destas também com seus bens, a fim de
evitar a sua perda em uma futura execução forçada.

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Por fim, atinente ao pedido de desconsideração inversa


da personalidade jurídica, cumpre destacar que nosso
ordenamento jurídico prevê autonomia patrimonial
entre os bens da pessoa jurídica e os de seu sócio como
medida protetiva àqueles que buscam por suas
próprias forças desenvolver atividade empresarial.
Nesse sentido, a Constituição Federal, em seus artigos
1º, IV, e 3º, II, ao atentar para a necessidade de se
promover o desenvolvimento econômico do país por
meio da geração de emprego e incentivo ao
empreendedorismo, consagrou os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa como um de seus
fundamentos, bem como o desenvolvimento nacional
como seus objetivos.
Entretanto, quando a utilização da autonomia
patrimonial e da pessoa jurídica são destinadas para
fins fraudulentos, é autorizada a adoção da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, bem como
de sua forma invertida.
O artigo 50 do Código Civil define a desconsideração da
personalidade jurídica ao prever que “em caso de
abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo
desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial,
pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica” (grifei).
A desconsideração da personalidade jurídica inversa,
por sua vez, consiste em operação contrária, na
projeção dos efeitos às sociedades para recuperação de
débitos dos sócios, também no caso de haver abuso da
personalidade jurídica.
Nesse sentido, conforme o Ministro Ricardo Villas Boas
Cuêva, a desconsideração inversa é admitida pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ¿a fim de
possibilitar, de modo excepcional, a responsabilização
patrimonial da pessoa jurídica por dívidas próprias de
seus sócios ou administradores quando demonstrada a
abusividade de sua utilização¿ (REsp 1.493.071/SP, 3ª
Turma, j. 24/05/2016, DJe 31/05/2016).
Na hipótese em questão, conforme já exposto, a ação
penal em curso e os mandados de busca e apreensão
expedidos demonstram que ocorreu o desvio de
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finalidade das empresas, em virtude das investigações


realizadas, que demonstram as sucessivas fraudes ao
Estado que ocorreram através da constituição de novas
pessoas jurídicas.
Portanto, a tutela de urgência requerida na inicial deve
ser deferida liminarmente, com fulcro no princípio da
supremacia do interesse público, eis que podem ser
causados prejuízos irreversíveis à sociedade caso tal
considerável valor não possa ser restituído ao Estado.
Diante do exposto, CONCEDO a tutela de urgência
requerida para o fim de DETERMINAR a
desconsideração inversa da personalidade jurídica a ser
concretizada por meio de constrição judicial dos bens
de patrimônio das empresas C Eamp; P INDÚSTRIA DE
LATICÍNIOS LTDA., CNPJ nº 09.354.227/0001-00;
LATICÍNIOS MODENA LTDA., CNPJ nº 14.296.593/0001-
90; e WOR TRANSPORTES LTDA., CNPJ nº
12.064.365/0001-69, descritos na inicial.
Expeçam-se os ofícios requeridos pelo ente ministerial
na petição inicial para cumprimento da presente
decisão.
Intimem-se.
O feito deverá tramitar sob segredo de justiça.
Outrossim, citem-se as empresas requeridas, na pessoa
de seus administradores e/ou sócios arrolados, para
que apresentem defesa e requeiram o que entenderem
de direito, no prazo legal.
Apresentada manifestação, dê-se vista ao Ministério
Público.
Tudo cumprido, retornem conclusos. Dil. Legais.”

Irresignada com a referida decisão, a sociedade empresária


WOR TRANSPORTES LTDA. interpôs Agravo de Instrumento buscando a
reforma da decisão que determinou a constrição de seus bens.

Distribuído a 4ª Câmara Criminal deste Tribunal, em


15/09/2017, foi concedida a medida liminar para suspender a ação penal
principal (Proc. nº 090/2.16.0001528-0), bem como os efeitos do
sequestro de bens da empresa WOR TRANSPORTES LTDA determinado no
incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

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Em 18/12/2017 foi proferida decisão pela 4ª Câmara Criminal


conhecendo o recurso de Agravo de Instrumento como Mandado de
Segurança, tendo sido, na mesma decisão, mantida a liminar deferida.

A autoridade apontada como coatora foi notificada, nos


termos do Art. 7º, I, da Lei nº 12.016/2009.

Em 18/04/2018 foi determinada a redistribuição da presente


ação em razão da competência, tendo em vista que o crime mais grave
apurado na ação penal era o de lavagem de capitais, que é de
competência das 5ª a 8ª Câmaras Criminais deste Tribunal.

Após sorteio, vieram os autos eletrônicos conclusos para


este Relator.

Feito este breve histórico, passo à análise do caso.

O sequestro ou arresto de bens produto de crime ou


adquiridos com o proveito dele tem previsão legal nos Arts. 125 a 144-A
do Código de Processo Penal. Para que possa ocorrer a constrição judicial
criminal é imprescindível que haja a demonstração, pelo Ministério
Público, da existência de indícios veementes que vinculem diretamente
os bens ao(s) crime(s) imputados aos réus, não bastando ilações ou
argumentos baseados em lógica formal.

O mesmo se dá com a constrição de bens prevista no


Decreto Lei nº 3.240/41, que trata do sequestro de bens de agentes que
cometem crimes contra a ordem tributária, nos termos dos Arts. 1º, 4º, 8º
e 9º, do referido decreto4.

4
Art. 1º Ficam sujeitos a sequestro os bens de pessoa indiciada por crime de que
resulta prejuizo para a fazenda pública, ou por crime definido no Livro II, Títulos
V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais desde que dele resulte
locupletamento ilícito para o indiciado.
Art. 4º O sequestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender
os bens em poder de terceiros desde que estes os tenham adquirido
dolosamente, ou com culpa grave.
Art. 8º Transitada em julgado, a sentença condenatória importa a
perda, em favor da fazenda pública, dos bens que forem produto, ou
adquiridos com o produto do crime, ressalvado o direito de terceiro de
boa fé.
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No caso dos autos, não havendo demonstração cabal, ou,


nos termos da lei: demonstração da existência de indícios veementes de
que os bens da impetrante – 11 (onze) caminhões – sejam produto de
crime ou que tenham sido adquiridos com os proveitos dos crimes
imputados aos réus, não há como proceder à sua constrição na esfera
criminal.

Em outras palavras, não é base jurídica à constrição cautelar


na seara criminal a afirmação da inexistência de bens suficientes em
nome dos acusados a resguardar eventual direito de crédito da Fazenda
Pública Estadual.

Nesta mesma senda é incabível o argumento de que um ou


outro réu seja sócio da sociedade empresária e que tenha auferido
significativo proveito patrimonial a partir dos crimes cometidos, causando
prejuízo importante ao Estado.

Não se pode perder de vista que se está em sede criminal e


não na esfera cível, ramos do Direito independentes entre si. Assim, não
é demais lembrar que, constitucionalmente, toda e qualquer atividade
jurisdicional criminal tem por fim a aplicação do jus puniendi do Estado
em tensão com o princípio da presunção de inocência do réu, não se
prestando a Justiça Criminal a pôr-se, em primeiro plano, como espécie de
um instrumento acautelador de créditos do Estado, que pode e deve
buscá-los mediante o devido processo legal na seara cível.

Retornando à especificidade do que está nos autos, a


decisão que determinou a constrição dos bens da sociedade empresária
assim se posicionou: “observo que os requeridos fizeram uso de
manobras ardis e fraudulentas para esconder a sonegação do referido
tributo, o que supõe que possam utilizar-se destas também com seus

Art. 9º Se do crime resulta, para a fazenda pública, prejuizo que não seja coberto
na forma do artigo anterior, promover-se-á, no juizo competente, a execução da
sentença condenatória, a qual recairá sobre tantos bens quantos bastem para
ressarci-lo.

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bens, a fim de evitar a sua perda em uma futura execução forçada”


(grifei).

Como se vê do acima transcrito, a constrição judicial não


teve por fundamento indícios veementes de que os bens constritos são
produto de crime ou de que tenham sido adquiridos com o proveito dele.
A decisão, diversamente, supôs, deduziu, operando em mera lógica
formal, sem conteúdo fático, de que os bens constritos estejam
vinculados aos crimes em discussão.

No que toca, em particular, à desconsideração da


personalidade jurídica, é medida incompatível com o processo penal.
Aliás, sua utilização na esfera criminal chega às raias da responsabilidade
objetiva das sociedades empresárias, as quais, diga-se, sequer
respondem à ação penal principal.

De fato, a medida cível de desconsideração da personalidade


jurídica é estranha à jurisdição criminal. Se há prova de que determinado
bem é produto de crime ou foi adquirido com o proveito dele, basta a
decisão do juiz criminal determinando o sequestro ou arresto sem
necessidade de qualquer outra medida de natureza que não a criminal.

A força da decisão do juiz criminal de sequestro ou arresto


de bens, móveis ou imóveis, não depende de qualquer medida cível
prévia, já que a jurisdição criminal tem sua autoridade, autonomia e força
vinculativa emanadas diretamente da Constituição Federal.

A propósito do tema, e por amor ao debate, conforme já me


manifestei em julgamento anterior (IRDR nº 70073310740), não há, em
linha de princípio, semelhança/similitude entre o processo penal e o
processo civil, que, se se as identificarem, seria apenas aparentemente,
não se vinculando na essência5.

5
Segundo o doutrinador Carlos Maximiliano, para a aplicação da analogia “não
bastam essas precauções; cumpre também fazer prevalecer, quanto à analogia,
o preceito clássico, impreterível: não se aplica uma norma jurídica senão à
ordem de coisas para a qual foi estabelecida. Não é lícito pôr de lado a natureza
da lei, nem o ramo do Direito a que pertence a regra tomada por base do
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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO)
JCKS
Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000)
2017/CRIME

Em linhas muito singelas, enquanto o processo civil ocupa-se


com a satisfação da pretensão do autor, realizando o direito material por
ele invocado em referência ao Direito Civil (ou Tributário, no caso), o
processo penal volta-se à pessoa do acusado, à sua garantia de limitação
do poder do Estado, já que, diversamente do processo civil, o que está
em jogo é algo mais fundamental: a liberdade do indivíduo humano.

Neste contexto, é imperativa a desconstituição da decisão


que determinou a desconsideração inversa da personalidade jurídica da
sociedade empresária WOR TRANSPORTES LTDA., com o consequente
levantamento da constrição recaída sobre os seus caminhões (p. 83-91),
sem prejuízo de eventuais medidas de natureza cível a serem tomadas
pelo Estado.

Ante o exposto, concedo a segurança para desconstituir


a decisão que determinou a desconsideração inversa da
personalidade jurídica da sociedade empresária WOR
TRANSPORTES LTDA., com o consequente levantamento da
constrição recaída sobre os seus bens, bem ainda revogo a
medida liminar deferida neste Mandamus no que toca ao
sobrestamento da ação penal principal (090/2.16.0001528-0),
determinando o seu levantamento e consequente processamento
regular da referida ação penal.

É o voto. (tvh)

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE) - De acordo com o(a)


Relator(a).

DES. CARLOS ALBERTO ETCHEVERRY - De acordo com o(a) Relator(a).

processo analógico. Quantas vezes se não verifica o nenhum cabimento do


emprego de um preceito fixado para o comércio, e transplantado afoitamente
para os domínios da legislação civil, ou da criminal, possibilidade esta mais
duvidosa ainda” (MAXIMILIANO. Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio
de Janeiro: Forense, 2004, p. 173).
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

@ (PROCESSO ELETRÔNICO)
JCKS
Nº 70074405606 (Nº CNJ: 0204675-22.2017.8.21.7000)
2017/CRIME

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL - Presidente - Mandado de Segurança nº


70074405606, Comarca de Casca: "CONCEDERAM A SEGURANÇA PARA
DESCONSTITUIR A DECISÃO QUE DETERMINOU A DESCONSIDERAÇÃO
INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA WOR
TRANSPORTES LTDA., COM O CONSEQUENTE LEVANTAMENTO DA
CONSTRIÇÃO RECAÍDA SOBRE OS SEUS BENS, BEM AINDA REVOGO A
MEDIDA LIMINAR DEFERIDA NESTE MANDAMUS NO QUE TOCA AO
SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL PRINCIPAL (090/2.16.0001528-0),
DETERMINANDO O SEU LEVANTAMENTO E CONSEQUENTE
PROCESSAMENTO REGULAR DA REFERIDA AÇÃO PENAL. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau:

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