You are on page 1of 4

202

o irmão mais velho lhe faz conhecer "Por vinte anos temos que impedir a
desde 1 905, são os contatos com o mo­ este cérebro de funcionar". Os anos de
vimento socialista turinês nos anos da prisão são duríssimos também pela grave
Faculdade que ele cursou em Turim. doença que o obriga a longos períodos
Brilhante aluno do curso de Letras, não de imobilidade quase absoluta. Graças
consegue todavia manter um ritmo cons­ à dedicação de Tatiana Schucht e ao
tante de estudo curricular devido às empenho do economista Piero Sraffa,
instáveis condições de saúde e a inci­ Gramsci obtém a pennissão de estudar
piente atividade política. e escrever. São os amigos que lhe for­
Colaborador dos cotidianos "11 grido necem os materiais necessários.
deI popolo" e "Avanti", mantém con­ Em 1 9 3 3 , em Paris, se constitui um
ferências nos círculos operários, expe­ comitê para a libertação de Gramsci e
riência essa que lhe faz sentir a necessi­ das vítimas do fascismo, mas Gramsci
dade de integrar a ação política e eco­ deixará a prisão em 1 9 3 4 apenas para
nômica com um órgão de atividade cul­ ser transferido para uma clínica. Em
tural, e lhe sugere a criação de uma 1 9 3 7 obtém a liberdade e se propõe a
associação proletária de cultura. Sempre se restabelecer na ilha natal. Morre
com o intuito de renovar ideológica e antes de realizar o projeto na tarde do
culturalmente o movimento socialista, 25 de abril de 1 9 3 7 .
funda em 1 9 1 9 a revista "L'Ordine
Nuovo" que estará à frente do movi­
mento operário pelas propostas inova­ A Revolução Burguesa
doras e como fonte de informação dos FE RNANDES, FLORESTAN
movimentos operarIOS internacionais,
das vozes mais vivas da política e da Zahar Editores, 1 9 75
revolução no campo da cultura. São Paulo Silveira
publicados textos de Bela Kun, Zinov'ev,
Lenin, Barbusse, Lunatcharsky, Romain Os comentários surgidos até agora
Rolland, Eastman, Martinet, Gorki. sobre este último livro de Florestan
A atividade política o afasta da linha Fernandes, independentemente de seu
do partido socialista até que, em 1 9 2 1 , teor crítico ( e, portanto, político ) têm
é chamado a p articipar d o Comitê concordado com a dificuldade da lei­
central do então recém constituído Par­ tura do texto. Por que A Revolução
tido Comunista da Itália. Começa um Burguesa no Brasil é um texto difícil?
período de atividade intensíssima, de Esta dificuldade provém principal­
novas formulações políticas e novos mente dos níveis em que trabalha o
contatos. Gramsci é designado p ara Autor : o da história e o da estrutura.
manter os contatos com o Comitê exe­ Confundi-los não só acarreta dificulda­
cutivo da Internacional Comunista e des de leitura, mas, o que é pior, inter­
com os outros partidos comunistas euro­ pretações errôneas.
péus. Em política interna adota a linha Com efeito, a arquitetura profunda
da aliança entre as camadas mais pobres deste trabalho está fundada na distinção
da classe operária do Norte e as m assas que o Autor faz entre his.tória e estru­
rurais do Sul. tura. Elas são como que os pilares que
Em 1 924 é eleito deputado e em 1 926 sustentam e que fundam todo o discurso.
é preso pela polícia fascista. Durante o Esta importância requer que se medite
processo de 28 de maio de 1 928 que o um pouco sobre essa distinção.
condenou a 1 7 anos de reclusão, o pro­ Por estrutura Florestan Fernandes
motor público, Michele Isgro, afirma : entende a configuração mais profunda
LIVROS 203

da sociedade brasileira, a um tempo culação interna, se não foi suficiente­


capitalista - e como tal implicando nas mente explorada, foi pelo menos indi­
contradições fundamentais do MPC - cada, em relação às sociedades latino­
e dependente - nesse caso imbricada -americanas, a mais de dez anos por
na maneira pela qual se expande o capi­ Stavenhagen nas "Sete Teses Equivoca­
talismo, em particular, com os laços que das sobre a América Latina", na forma
se estendem necessariamente a partir das do que ele denominou de "colonialismo
n ações capitalistas hegemônicas. M as interno" e que na oportunidade era uma
pensar a estrutura da sociedade brasi­ crítica às teorias dualistas. A articula­
leira apenas nestes termos é ainda per­ ção externa, que define o caráter depen­
manecer num nível muito abstrato. De dente das sociedades latino-americanas,
um lado este caráter capitalista impli­ talvez tenha tido a sua primeira expres­
cando na contradição entre as classes são mais acabada nos textos de Gunder
sociais, e de outro, o caráter dependente Frank, alguns dos quais também já com
suscitando as formas de dominação ex­ mais de dez anos.
terna, que frequentemente são denomi­ A novidade do texto, então, não é a
nadas abstratamente de imperialismo. mera referência a essas articulações,
De outro ângulo, seria tentar resolver mas a forma pela qual elas se concreti­
por aglutinação, a polêmica que se tem zam na sociedade brasileira. O Autor
travado sobre a abordagem mais ade­ nos mostra não só como se concretizam
quada - teórica e politicamente - à essas articulações - interna e externa
análise das sociedades capitalistas depen­ -, mas também - e aí talvez resida
dentes ( 1 ) . o ponto mais importante - como elas
Ê precisamente n o aprofundamento se articulam entre si. Isto é, p ara além
de sua concepção da estrutura da socie­ de qualquer tipo de relação mecânica
dade brasileira que se encontra uma das entre o interno e o externo, ele procura
contribuições mais importantes de Flo­ demonstrar dialeticamente que essa
restan Fernandes nesse texto. Para além dupla articulação faz p arte de uma
daquelas configurações mais abstratas j á mesma unidade: a estrutura da sociedade
apontadas, o Autor nos acena à dupla brasileira. O externo - a dependência
articulação econômica que caracteriza a - não é tomado como uma referência
estrutura da sociedade brasileira : interna p ara se compreender o interno, ele ganha
e externa. A rticulação interna: entre os poder explicativo quando é pensado
diferentes setores econômicos internos, como fazendo p arte mesmo da estrutura
e suas distintas formas de produção e, interna, ou seja, o "externo" é um de­
por conseguinte, de exploração do tra­ terminante essencial das condições
balho, que implicam em formas relati­ internas.
vas de subdesenvolvimento. A rticulação Não se trata de mera retórica, esta
externa: entre a economia brasileira, e posição suscita problemas políticos muito
particularmente alguns setores desta, e sérios. O externo não é pensado como
as economias centrais, o que supõe um "enclave" que possa ser extirpado
certas modalidades de dependência. como um quisto, por exemplo, através
Tomadas isoladamente cada uma de medidas políticas de tipo naciona­
dessas articulações, não se percebe cer­ lista. Ao contrário, como componente
tamente a novidade do texto. Essa arti- mesmo da estrutura interna, ele só pode
ser suprimido com a própria supressão
( 1) Ver, por exemplo, o debate entre
desta estrutura. Isto ao mesmo tempo
Francisco c. Weffort e Fernando H. põe fim ao mito da autonomia de uma
Cardoso, Estudos CEBRAP - 1 . burguesia nacional, que tem servido
204

historicamente a uma série de alianças certa concepção estruturalista, através


políticas. da qual as classes sociais e as relações
Se bem que este nível estrutural seja de classe' são consideradas com meros
fundamental à análise da sociedade bra­ suportes das estruturas. Ao contrário,
sileira - e aqui começam as dificulda­ Florestan Fernandes não se permite
des -, restringir-se a ele significa per­ afastar, em nenhum momento, do cará­
manecer ainda num patamar bastante te � contraditório dessa estrutura, o que
. completamente a possibilidade de
allJa
abstrato. E é neste ponto que entra a
análise propriamente histórica, isto é, uma leitura que considere a estrutura
de que maneira os agentes sociais - como determinante e as relações de
classes, frações de classe etc. , - viven­ classe como determinadas ( perspectiva
ciam aquela condição estrutural ; de que que acaba esfumando a contradição
maneira esta estrutura é fortalecida, é estrutural) . Sim, a estrutura tem
vitalizada, ou, ao contrário é solapada, também, para o Autor, um caráter
é subvertida. O Autor nos mostra, con­ determinante, mas que nada tem a ver
'tudo, que a rigor apctnas a primeira com uma relação linear de causa e efeito.
dessas alternativas concretizou-se como A determinação estrutural abre um
história, a ponto do texto parecer uma campo de possibilidades, de alternativas
história da burguesia ( daí também A ( de acomodação, competição e conflito)
Revolução Burguesa no Brasil ) . Por que se põem e se realizam historica­
exemplo, referindo se a etapa competi­ mente, dependendo em cada momento
tiva do capitalismo dependente : "Assim, do peso relativo e da atuação efetiva
mantida a dupla articulação, a alta bur­ das forças sociais em presença ( classe s
guesia e a pequena burguesia 'fazem sociais, frações de classe, categorias
história'. Mas fazem uma história de sociais etc. ) . Assim se a estrutura é de­
circuito fechado ou, em outras palavras, terminante à história (e a sua inteligi­
a história que começa e termina no b�lidade ) , a história é o lugar privile­
capitalismo competitivo dependente" (p. gIado da análise, pois é nela que essa
250 ) . estrutura se realiza efetivamente, perma­
As dificuldades. O Autor trabalha o necendo, contudo, sempre como possi­
tempo todo com esses dois níveis - o bilidade histórica a sua não realização,
estrutural e o histórico -, isto é, man­ ou seja, a ruptura dessa mesma estru­
tendo viva a estrutura complexa com tura. É por esta razão que, em vários
dupla articulação do capitalismo depen­ momentos do texto, Florestan Fernandes
dente e, ao mesmo tempo, mostrando refere-se às alternativas que foram
como ela se concretiza historicamente. postas historicamente, sejam aquelas que
A primeira funciona como uma determi­ foram frustradas ou aquelas que não
nação profunda que enlaça as classes foram nem mesmo pressentidas. Digres­
sociais e suas relações ; o segundo nível sões que, como já deve ter ficado claro
- o histórico - diz respeito à reali­ não se relacionam com a saturação o �
zação efetiva das relações de classe. Não não de um modelo típico-ideal.
se trata, como poderia pensar, de duas Como vimos, então, o Autor não teve
"histórias" : uma história lenta e pro­ outra alternativa senão enfrentar esta
funda das estruturas e uma história dificuldade de operar concomitantemente
superficial das relações de classe ( o com os dois níveis : estrutural e histó­
leitor que procurar encontrar n o texto rico. Se se restringisse ao primeiro, esta­
uma história " acontecimental" certa­ ria condenado a uma análise por demais
mente vai decepcionar-se) . Por outro abstrata. Se optasse apenas pelo segun­
lado, não há também similitude com do, perderia a condição de inteligibilida-
NOTICIAS 205

de dos processos históricos efetivos e te­ história da sociedade brasileira e que


ria atingido as raias de uma história fa­ certamente deve servir de marco obriga­
tual. Desse modo, apesar de ser em cer­ tório a quem queira refletir não só sobre
tos pontos difícil. A R ev olução Burgues'a a nossa sociedade, como, de resto, sobre
no Brasil é uma das contribuições mais as sociedades vinculadas ao capitalismo
importantes que tem aparecido sobre a dependente.

NOTíCIAS

a) Curso d e Pós-Graduação em selho do Curso está formado pelos Dou­


Filosofia e Teoria das Ciências tores Wílcon Jóia Pereira ( Cooordena­
Humanas dor) , Ubaldo Puppi e Péric1es Trevisan.

Vem sendo organizado, desde 1 9 74 e b) I Jornada de Es.tudos de Filosofia


destina- se à formação de mestres nesta e Teoria das Ciências Humanas
área. Deverá ser instalado no período de
1 9 77, assim que for aprovado pela Co­ Realizou-se nos dias 30 de novembro
missão Central de Pós-Graduação da e 19 de dezembro de 1 9 75 na Faculdade
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Filosofia de Assis a I Jornada de
de Mesquita Filho". A Faculdade de Estudos de Filosofia e Ciências Humanas
Filosofia, Ciências e Letras de Assis será reunindo professores de várias unidades
a sede administrativa do Curso. Seu da UNESP e promovido pelo Conselho
corpo docente está formado por douto­ do Curso de Pós-Graduação em Filoso­
res e docentes livres das Faculdades de fia. Os debates se desenvolveram em
Assis, de Araraquara e de Marília, num torno das relações entre Filosofia e
total de 1 2 pesquisadores, se responsa­ Teoria das Ciências Humanas, com a
bilizando pela orientação dos alunos. participação especial da professora
Serão convidados também alguns espe­ Maria Sylvia de Carvalho Franco e do
cialistas nacionais ou estrangeiros, para professor Gabriel Cohn, ambos da Uni­
colaborar na execução dos programas. versidade de São Paulo.
Para inscrição no Curso o candidato
deverá possuir diploma de Curso Supe­ c) Cursos de especialização:
rior em Filosofia ou áreas afins, expe­
dido por instituição de ensino oficial­ Promovido pelo Departamento de
mente reconhecida. Número de vagas : Filosofia, ministrou-se durante o ano
60 ( a ser preenchido em três anos ) . São escolar de 1 9 75 um curso sob o tema
as seguintes as áreas de concentração : Cinem a: Linguagem e Ideologia. Pro­
História da Filosofia (Antiga, Medieval, fessores do próprio Departamento bem
Moderna, Contemporânnea) ; Filosofia como alguns convidados ( críticos e espe­
das Ciências Humanas (Filosofia da cialistas em Cinema) orientaram o tra­
História, Teoria das Ciências Humanas ) ; balho e a pesquisa de alunos graduados
Ética e Filosofia Política (Filosofia e em Filosofia, Letras, Psicologia e Ciên­
Mitologias, Teoria das Ideologias, Ideo­ cias Sociais.
logia e Formação Social ) ; Estética e Através de dois de seus docentes, o
Filosofia da Arte ; Epistemologia e Se­ Departamento de Filosofia foi o co-res­
miologia; Filosofia e Educação. O Con- ponsável, juntamente com o Departa-

You might also like