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Revista

 Aproximação  —  Primeiro  semestre  de  2015  —  Nº  9  


 

A RETÓRICA PSICAGÓGICA NO DIÁLOGO FEDRO

Michelle Belatto

Graduanda em filosofia na UFSC

Resumo: A retórica ganha uma nova abordagem no Fedro, de Platão. Ela passa a ser
entendida como psicagogia: a condução da alma por palavras, efetivadas num percurso
dialético. A retórica como psicagogia pode ser constatada em todo o Fedro, pois, o
Diálogo movimenta-se de uma demonstração da pseudorretórica a uma revelação da
verdadeira retórica. Neste artigo, temos a finalidade de indicar uma relação entre retórica,
psicagogia e dialética, uma vez que os três fundamentos permeiam o Diálogo como um
todo.

Palavras-chave: Retórica. Dialética. Psicagogia.

Abstract: The rhetoric receives a new account in Plato’s Phaedrus. It turns to be


understood as psychagogy, the conduction of the soul through words, actualized in a
dialectical path. The rhetoric as psychagogy can be found in throughout the Phaedrus,
because the dialogue moves from a demonstration of the pseudo-rhetoric to a revelation
of true rhetoric. In this paper, we indicate a relation between rhetoric, psychagogy and
dialectic, since the three arts permeate the dialogue as a whole.

Keywords: Rhetoric. Dialectic. Psychagogy.

Introdução

Além de ser a arte da palavra, a retórica recebe uma nova abordagem no Fedro, de
Platão. Ela passa a ser compreendida como psicagogia: a condução da alma por palavras
(PLATÃO, Fedro, 2009, 261a-b), edificadas num caminho dialético. Em seu artigo
“Psicagogia no Fedro de Platão”, Elizabeth Asmis sugere que este é o tema subjacente,
o qual conecta todo o Diálogo. Ao ponderarmos que é uma constituição com suas partes
vinculadas, notamos que o processo de psicagogia, pelo qual Sócrates conduz a alma do
menino Fedro à verdade, passa por vários estágios, segundo divide Asmis: a celebração

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do discurso de Lísias; a exposição de Sócrates para rivalizar com o texto do orador; a


oposição que o filósofo faz a seu próprio discurso com uma retratação mítica e o
ensinamento a Fedro, por um exame dialético, do que exemplifica a retórica verdadeira
(ASMIS, 1986, p. 57). Enfatizando a conexão entre esses fragmentos, temos o objetivo
de mostrar uma relação entre retórica, psicagogia e dialética, uma vez que os três
fundamentos permeiam o Diálogo como um todo.

Percebemos que a presença do movimento psicagógico pode ser constatada no


Fedro, integralmente, e não apenas na parte seguinte aos três discursos sobre o amor – o
que podemos pensar, a princípio, já que lá estão as duas únicas referências ao vocábulo
“psicagogia” feitas na totalidade do Diálogo – notando que há duas alusões, se levarmos
em conta as duas aparições do termo em grego (psycagogía). Senão, há somente uma,
pois a segunda aparece traduzida não por “psicagogia”, mas por seu significado:
“condução da alma” (PLATÃO, Fedro, 2009, 271c).

Da mesma maneira que Sócrates se direciona da noção de uma retórica


fraudulenta à verdadeira retórica, na discussão dialética posterior aos discursos, o
Diálogo se movimenta de uma demonstração da pseudo retórica a uma revelação da
“genuína” retórica. De acordo com Asmis, isso é uma transição da psicagogia como
ilusão à psicagogia como guia da alma. Por esse prosseguimento, Sócrates pode ser
considerado um verdadeiro retórico e um verdadeiro psicagogo, que conduz almas à
verdade (ASMIS, 1986, p. 57).

A Celebração do Discurso de Lísias

No começo do Diálogo, observamos Fedro encantado com um discurso de Lísias,


no qual o orador tenta seduzi-lo. O encantamento do garoto é tamanho, que passa a
manhã inteira memorizando o texto. Sócrates é quem transmite essas informações
quando Fedro o convida para uma caminhada fora da cidade. O filósofo pede ao jovem
que recite o discurso e ele diz que não pode fazer, de memória, justiça à composição
feita, num longo período de estudo, pelo mais hábil dos escritores. Sócrates exclama:
“Se eu não conheço Fedro, então, perdi também a consciência de mim próprio!”
(PLATÃO, Fedro, 2009, 228a). Ele está convicto de que, primeiramente, Fedro escutou
o discurso várias vezes e, não satisfeito, pegou o manuscrito emprestado para examiná-
lo e, em seguida, treinar declamando-o além dos muros da cidade (Ibid, 227a-228d).

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Sócrates conhece bem Fedro: sabe que o garoto alegrar-se-ia ao vê-lo, já que os
dois são fascinados por ouvir discursos, e incitá-lo-ia a acompanhá-lo no passeio.
Instigado a falar por um apaixonado por ouvir discursos, far-se-ia de difícil, como se não
fosse isso que desejasse. Em último caso, estaria disposto a fazer o proferimento à força,
se ninguém o quisesse escutar de livre vontade. Fedro persiste dizendo que é incapaz de
pronunciar o discurso de cor, mas que consegue enumerar seus principais argumentos. O
menino quer alguém para testar sua habilidade oratória, porém, Sócrates percebe que ele
tem algo escondido debaixo do manto. Desconfia de que é o próprio discurso e lhe pede
que retire de cima deste a veste que o recobre, impedindo-o de vê-lo. Assim, Sócrates
acaba com a esperança que Fedro alimenta de exercitar sua oratória às custas dele (Ibid,
228c-e).

Devemos apreender que o conhecimento da alma, à qual se deseja falar, é um pré-


requisito do verdadeiro orador. Sócrates entende que, para não violentar a liberdade de
conhecer de Fedro, é preciso partir do entusiasmo do garoto pelo discurso de Lísias. A
fim de não perdê-lo, o filósofo entusiasma-se com ele, situando-se na sua condição, pois
assim pode conduzir melhor sua alma. A medida socrática é aceitar a abordagem do
interlocutor, tornando-a seu ponto de partida.

Sócrates e Fedro caminham pelo campo, parecendo num cortejo báquico, em


que os dois celebrantes conduzem um ao outro, cada um a sua vez. A alternância dos
condutores insinua um trajeto dialético rumo à verdade, já que a dialética precisa dos
dois participantes a fim de chegar ao que se presta: a investigação do verdadeiro.
Primeiramente, Sócrates sugere que saiam da estrada e andem pela beira do rio à procura
de um lugar agradável e solitário. Enquanto procuram, Fedro lembra-se história de
Orítia1 (filha do rei de Atenas, Erecteu) raptada por Bórias (o vento norte) (Ibid, 229a-e).
Assim como Bóreas raptou Orítia para junto dele, Sócrates e Fedro também parecem
raptados por um poder sobrenatural. Essa impressão é reforçada quando o lugar que
Fedro escolhe confirma-se como sendo de um arvoredo consagrado a uma ninfa e a um
rio (ASMIS, 1986, p. 158).

Com o objetivo de alcançar o arvoredo, eles precisam cruzar o rio. Esse rio serve
de limite entre a cidade e o campo, como o corpo de água fora do Hades, que separa as
                                                                                                                       
1.  O laço amoroso que unia Bóreas à Orítia o fez raptá-la e levá-la para junto dele. Na ocasião em que foi
raptada, Orítia brincava nas margens do rio com a ninfa Farmaceia. Orítia foi jogada ao abismo contra
rochas e morreu. A lenda de seu rapto por Bóreas nasceu das circunstâncias de sua morte (PLATÃO,
Fedro, 2009, 229a-e).

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almas dos vivos das almas dos mortos. É como se suas almas fossem transportadas a um
reino do qual eles normalmente são excluídos: esse local é um despertar à filosofia. (Ibid,
p. 59).

Chegando ao lugar pretendido, Sócrates comemora o arvoredo com uma


descrição liricamente detalhada. Diz a Fedro que não pode haver melhor guia para
conduzi-lo, no seu caso, como um estrangeiro que não sai da cidade, a um território
estranho: o campo. Fedro reconhece que Sócrates se comporta, realmente, como um
estrangeiro que é conduzido. A justificativa de Sócrates é de que o garoto descobriu uma
droga com a qual pode levá-lo aonde ele queira, ao balançar discursos à sua frente, como
quem oferece frutas a um animal faminto (PLATÃO, Fedro, 2009, 230a-d). Esse
suposto cortejo báquico é uma psicagogia: as almas dos dois são evocadas a um
território estrangeiro, por um poder semelhante ao das palavras (ASMIS, 1986, p. 58).

Fedro age como líder nessa jornada. Maravilhado pelo discurso de Lísias, ele
seduz Sócrates a um lugar de estranhamento. No entanto, agir como líder não significa
que lidera de fato. Guiado por um comando divino, é Sócrates quem leva Fedro a um
lugar de purificação, pois deve libertá-lo do encantamento maligno ocasionado pelo
escrito do famoso orador: o estrangeiro conhece o território melhor que seu guia.

O garoto lê, para Sócrates, o escrito de Lísias, o qual defende que o amado deve
ceder ao amante não apaixonado, em vez de ao amante apaixonado. O filósofo diz
sentir-se atordoado com a leitura e atribui tal estado a Fedro, convencido de que o
menino entende aquelas coisas melhor que ele. Fedro questiona a atribuição de Sócrates,
desconfiado de que seu amigo não fala sério. Pergunta ao filósofo se ele acha que algum
outro grego é capaz de proclamar um discurso mais elevado, pois acredita que Lísias
esgota o assunto em seu texto e que ninguém está apto a fazer um discurso melhor.
Indignado, Sócrates responde perguntando se deve louvar o manuscrito por seu autor
escrever aquilo de que tem obrigação. Ele sensibiliza-se com a retórica de Lísias, fora
isso, parece-lhe que o escritor usa várias vezes os mesmos argumentos, feito um jovem
que deseja causar boa impressão, mas não tem mais nada a declarar sobre o tema ou,
simplesmente, não quer aprofundá-lo (PLATÃO, Fedro, 2009, 231a-235b).

Entretanto, Fedro está certo de que o discurso é perfeito e de que ninguém


consegue pronunciar outro melhor. Sócrates discorda argumentando que, se concordasse,
seria refutado por antigos sábios que falaram ou escreveram sobre o assunto.

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Paralelamente às ideias expostas por Fedro, diz que pode citar outras nem um pouco
inferiores, apesar de não as ter descoberto por si mesmo, uma vez que é consciente de
sua ignorância. Fedro aceita o esquecimento de Sócrates a respeito de suas fontes,
contanto que o filósofo cumpra sua promessa: dizer de maneira diferente argumentos
mais belos e nada inferiores aos contidos no escrito de Lísias, preservando a tese de que
o amante apaixonado encontra-se mais doente que aquele que não ama. (Ibid, 235b-d).

O Discurso Rival

Sócrates entra no jogo proposto por Fedro, porque sabe que não pode derrotar o
discurso de Lísias em abstrato. Ele assume o papel de amante do jovem a fim de
desfazer sua admiração por Lísias, posicionando-se como orador rival do escritor. Sua
estratégia é competir com Fedro, reivindicando que antigos sábios trataram mais
amplamente do mesmo tema abordado por Lísias e que pode fazer melhor que o autor de
renome. O filósofo é cauteloso em conferir sua própria invenção a alguma fonte que não
tem condições de nomear no momento. Não nos interessa, aqui, discutir qual seria a
fonte do primeiro discurso socrático. Interessa-nos o movimento psicagógico, o qual
Sócrates promove com esse discurso, livrando Fedro do encantamento por Lísias,
oferecendo-lhe as primeiras direções para conduzi-lo à verdadeira filosofia, mesmo que
discorde do tipo de retórica que usa: uma retórica fundada na opinião e não na verdade.
Os retóricos, de modo geral, utilizam artifícios baseados na opinião da maioria, pois
acreditam ser esta a maneira mais fácil de chegarem a seu objetivo de convencer o
auditório, por estarem mais preocupados com a satisfação de seus próprios interesses
que com um compromisso com aquilo que é verdadeiro.

Ao esconder o discurso de Lísias, Fedro protesta que não pode recitá-lo. Os papeis
se revertem e Sócrates toma o lugar do entusiasta estudante de retórica: depois de se
vangloriar de sua capacidade discursiva, ele reluta, dizendo que só está provocando
Fedro e que não sabe pronunciar um discurso mais refinado que o de Lísias. Por sua vez,
Fedro usa as mesmas palavras de seu amigo: “Se eu não conheço Sócrates, então, perdi
também a consciência de mim mesmo” (Ibid, 236c). Ele acusa Sócrates de se fazer de
tímido e avisa que não sairá de onde estão sem que o filósofo fale o que guarda no peito
nem que tenha que dizê-lo à força (Ibid, 236b-d).

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Sócrates faz seu pronunciamento com o rosto velado de vergonha, pois suas
palavras são ofensas ao Amor. De início, avisa que o discurso é direcionado a um
menino muito belo por um de seus muitos amantes, que finge não estar apaixonado por
ele (Ibid, 237a-b). Com essa estratégia, ele se preserva da acusação de enganar seu
ouvinte, diferentemente de Lísias, que faz do engano instrumento retórico. Sócrates
denuncia a retórica como ilusão – um tipo de psicagogia incorreta - na discussão
dialética, posterior a seu segundo discurso, ao alegar que alguns retóricos acatam que
não há necessidade de conhecer a verdade, uma vez que argumentos a partir da
verossimilhança são mais convincentes ao auditório (Ibid, 272c-273e).

O filósofo evoca o jovem no começo do discurso, dizendo que a respeito de


qualquer assunto, há apenas um ponto de partida a quem deseja julgá-lo de modo
adequado: conhecer o objeto sobre o qual se quer deliberar, a fim de não falhar
totalmente em sua deliberação. Explica que Fedro e ele devem entrar em acordo sobre a
natureza do amor, para decidirem se é melhor ceder a quem ama ou a quem não ama.
Propõe que reflitam sobre dois princípios existentes nos seres humanos, que os guiam
para onde vão: um – inato – residente no desejo dos prazeres; outro – adquirido –
encontrado na reflexão. Quando a reflexão, por meio da razão, predomina, são tomados
pela temperança; quando o desejo é mais forte, recebe o nome de desregramento (Ibid,
237b-238a)

Os argumentos do primeiro discurso são fundamentados numa definição de amor


como desejo irracional pela fruição da beleza corporal (Ibid, 238a-b). Em seu segundo
discurso, Sócrates mostra que a definição dada no primeiro é enganosa, já que discorre
sobre um tipo perverso de amor, oposto ao verdadeiro, conforme faz Lísias. Os
proferimentos são um exercício retórico-dialético-psicagógico, que levam Fedro da
falsidade à verdade. Sócrates age como legítimo orador, ajustando suas palavras à alma
do ouvinte. Impressiona Fedro construindo um discurso que é, na superfície, tão
enganoso quanto o de Lísias, mas construído para ser verdadeiro, pois funciona como
ponto de partida a fim de encaminhar o menino à verdade. O filósofo interrompe,
bruscamente, seu discurso e explica a Fedro que se continuar, as ninfas as quais o garoto
o lançou, o possuirão de fato. Diz que atravessará o rio para o caminho de volta, antes
que Fedro o force a algo mais grave. Mas o garoto não o deixa partir, pois estão no calor
do meio-dia e é preciso esperarem refrescar para poderem ir embora (Ibid, 241e-242a).

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Então, Sócrates fala a Fedro da admiração que sente por ele: compreende que,
dos discursos surgidos na vida do adolescente, a maioria nasce por causa dele – Fedro –
pronunciados por ele mesmo ou obrigando outros a fazê-lo, certo de que o menino é o
motivo do proferimento que entoará a seguir. Prevenido por sua voz divina de que não
deve cruzar o rio, sem antes se purificar, Sócrates se conscientiza de que precisa de uma
retratação da falta que cometeu contra a divindade. Enquanto declamava seu primeiro
discurso, ele sentiu um receio que atribuiu ao poder mântico da alma, o qual prenunciava
seu pecado contra o Amor. Tanto o manuscrito que Fedro trouxe, quanto o discurso que
Sócrates recitou, envenenado pelo garoto, difamaram o deus (Ibid, 242a-e).

A Retratação Mítica

Sócrates convence Fedro da imprudência que cometeram e, feito isso, está pronto
a proclamar, com a cabeça desvelada, o elogio ao Amor. Desse modo, livrar-se-á da
vergonha que sente por caluniar a divindade (Ibid, 243b-d). O novo discurso não apenas
subverte, mas também, complementa o anterior, oferecendo um louvor ao amante
verdadeiro para equilibrar a condenação do amante pervertido. A retratação revela o
amor da alma e da verdade, oposto ao falso amor dirigido ao corpo do outro. Os
discursos socráticos formam uma continuidade, na qual o primeiro é um fragmento
completado e ao qual é dado um novo sentido pelo segundo (ASMIS, 1986, p. 64).

Ao censurar alguns erros dos dois primeiros discursos, que ele e Lísias cometeram,
Sócrates antecede sua fala de elogio ao amor com uma pergunta: “Onde está o jovem a
quem eu me dirigia? Que ele escute também este discurso e se não apresse, por o não ter
ouvido, a conceder os favores a alguém que não ama”. “Está junto de ti: muito perto,
mesmo, sempre a teu lado, logo que tu o desejes”, Fedro responde (PLATÃO, Fedro,
2009, 243e). Esse detalhe nos chama atenção, porque explicita a quem o
pronunciamento se direciona, ao contrário do de Lísias, que não se endereça a ninguém
especificamente.

O filósofo enfatiza que seu primeiro proferimento pertence a Fedro e o seguinte é


de Estesícoro, pois, a quem peca, em matéria de mitologia, há uma purificação da qual o
poeta tem consciência. Estesícoro é um poeta que fica cego, como castigo por caluniar
Helena de Troia. Ele compreende que a causa da cegueira é a calúnia e escreve uma
retratação – palinódia - que lhe traz a visão de volta. Sabendo disso, Sócrates precisa

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retratar-se da ofensa cometida contra Eros antes que seja castigado, operando um novo
discurso que modifique o sentido dado ao amor, desvinculando-o da doença entendida
como loucura. Se ela é compreendida como a origem dos males que atingem o amado,
no discurso de Lísias e em seu primeiro, a partir do Elogio ao Amor, ela passa a
conectar-se à manifestação do divino no âmbito humano (Ibid, 242a-243e).

Primeiramente, Sócrates discorre sobre as loucuras divinas, a erótica entre elas,


explicando a Fedro que não devem temê-las, já que o amor é um dom divino que os faz
preferir o amante apaixonado àquele detentor do autodomínio (Ibid, 244a-245b). Em
seguida, para ajustar o conteúdo à alma de Fedro e reconduzi-la da falsidade à verdade,
usa um mito como estratégia retórico-psicagógica. Esse ajuste é confirmado ao fim do
discurso, quando Sócrates se dirige ao deus Amor, dizendo que foi proferido com um
certo tom poético, ao qual Fedro o forçou (Ibid, 257a).

No mito, o amor estabelece uma relação entre mundos opostos, visto que o Eros
filosófico consiste no movimento que liga a vida à morte, a morte à imortalidade. Como
a alma humana, da qual é função própria, o amor une a natureza sensível à intelectual,
sendo um meio de adquirir e de comunicar o conhecimento. Com isso, notamos que a
eficácia do método filosófico depende de sua relação fundamental com o delírio
amoroso. O princípio do método é ter o Eros como esforço de ultrapassar o múltiplo em
direção ao uno, num exercício dialético, por meio da reminiscência: atividade
característica da alma que lhe permite lembrar-se do que presenciou no Inteligível, por
meio de um objeto sensível que lhe sirva de imagem (Ibid, 249b-c).

Nesse elogio do amor, que também é um elogio do amor à sabedoria, Sócrates


mostra a verdadeira relação retórico-dialético-psicagógica e faz da psicagogia o assunto
de sua retratação. Ele guia a alma de Fedro à anterior condição divina e, assim, encontra
sua própria alma no deslocamento reminiscente que a beleza do menino lhe provoca. O
filósofo tem o mesmo objetivo como retórico e como amante: conduzir a alma de Fedro
à verdade, tornando a retórica e o amor um só (ASMIS, 1986, p. 64).

Ao término de sua palinódia, Sócrates leva Fedro a uma nova retórica que
repudia as dos proferimentos anteriores. O garoto deve abandonar sua retórica e devotar-
se à filosofia inspirada pelo amor. Mas, conforme diz na própria retratação, o amado não
compreende, de imediato, o sentimento, o qual o toma (PLATÃO, Fedro, 2009, 255d). O
filósofo precisa desenvolver a nova retórica, com uma discussão dialética posterior a seu

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discurso, para que Fedro entenda as implicações do novo amor. O mito é um passo à
compreensão, que necessita da completude de um exame dialético, a fim de ser parte da
busca filosófica.

A busca dialética pela verdade

A psicagogia errada

Para Asmis, a retórica de Lísias é um tipo errado de psicagogia. Por que o


discurso do renomado orador seria um jeito incorreto de guiar a alma? Iniciemos a
explicação no ponto, logo depois da inspirada retratação socrática, em que o manuscrito
de Lísias já não possui mais elevação para Fedro. Ele lembra que Lísias foi insultado de
logógrafo por um político que reprovou seus escritos, justamente por considerá-los
desprovidos de louvor. O garoto acredita que, por amor próprio, o orador não escreveria
outro discurso contra Sócrates e ele, pensando que os mais influentes da cidade não se
dedicam a escrever por temerem ser confundidos com sofistas pelas gerações futuras
(PLATÃO, Fedro, 2009, 257c-d).

Sócrates se opõe, afirmando que os políticos mais vaidosos gostam tanto de


escrever que, quando algum de seus escritos é admirado por alguém, eles fazem questão
de acrescentar no começo do texto o nome de seus aduladores e retiram-se alegres do
auditório, se tiverem sua proposta aceita. No entanto, se for rejeitada, privando-os da
dignidade de escrever, ficam a lamentar-se junto a seus amigos (Ibid, 257d-258a).

A atitude de Lísias se assemelha à de tais políticos, pois, assim como eles parecem
mais preocupados em agradar ao público que com o conteúdo o qual transmitem, o
orador está mais atento ao efeito que seu pronunciamento pode causar em Fedro, que à
construção acerca do amor propriamente dita, já que sua intenção é ser amado pelo
menino. Empenhados em persuadir os ouvintes, Lísias e, ao que nos parece, os políticos
da época deixam de lado a verdade do assunto de que pretendem tratar, usando artifícios
retóricos para realizarem sua apresentação.

Sócrates pergunta a Fedro se há necessidade de se estabelecer uma relação entre o


conhecimento da verdade do tema a ser exposto e um bom discurso. A resposta do
garoto representa o senso comum daquele tempo: a multidão julga o discurso e, para ela,
basta que este tenha a aparência de belo e bom, sem ser preciso de que seja verdadeiro a
fim de convencer quem quer que seja. Mediante a resposta de Fedro, Sócrates questiona
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a capacidade de julgamento da multidão e usa um exemplo de um discurso que procura


vender um asno como se fosse um cavalo, supondo que nem ele nem Fedro soubessem,
realmente, o que seria um cavalo (Ibid, 259e-260c).

O modelo serve de pano de fundo para ilustrar o que ocorre nas cidades onde a
população não distingue o bem do mal quando um orador, que também não os diferencia,
tenta convencê-la, exaltando o mal como sendo o bem (Ibid, 260c). Nos tribunais, por
exemplo, a verdade nada interessa, pois o persuasivo está no provável: na opinião da
maioria. Devem-se preferir as verossimilhanças aos fatos sucedidos se estes parecerem
improváveis, sendo que a probabilidade abre caminho à arte – dizem os que se
consideram peritos na oratória (Ibid, 272d-273a). Ao agirem de tal maneira:
negligenciando a verdade, desonram a arte da palavra. E a arte da palavra diz-lhes:

Ó homens estranhos, porque dizeis tais absurdos?! Ora eu não obrigo


ninguém que desconheça a verdade a aprender a falar; mas se o meu conselho
tem algum valor, então devem pegar em mim só depois de adquirir aquela. No
entanto, proclamo solenemente que quem conhecer a realidade, mas não
dispuser do meu auxílio, não irá muito longe na arte de persuadir (Ibid, 260d).

A verdadeira psicagogia

Em prelúdio à primeira aparição do termo psycagogia no Diálogo, Sócrates evoca


certas criaturas nobres – argumentos - para persuadirem Fedro de que, a não ser que
filosofe adequadamente, nunca será um falante apropriado sobre coisa alguma. Na sua
referência a Fedro, o filósofo evidencia que a discussão a seguir, conforme os dois
discursos precedentes, direciona-se diretamente ao menino. Pergunta a Fedro se não é
verdade que a arte da palavra é uma espécie de psicagogia: uma arte de conduzir as
almas por meio de palavras, tanto nas cortes jurídicas e em outros eventos públicos,
quanto em encontros privados, voltando-se às grandes questões, sem esquecer-se das
pequenas (Ibid, 261a-b).

No entanto, não é isso que Fedro ouviu falar: mas que é sobretudo nos processos
judiciais e na assembleia popular que se escreve e fala com arte. Então, Sócrates o
conduz por meio de um jogo dialético, no qual os papeis de interrogante e interrogado
invertem-se. O filósofo lhe explica que, com técnicas retóricas, os oradores fazem a
mesma coisa parecer, às mesmas pessoas, ora justa, ora injusta; umas vezes boa, outras,
o oposto – algo que se constata não apenas nos eventos públicos, mas em todo o gênero

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oratório. Assim, a arte da psicagogia leva a alma à ilusão, que acontece por conta da
semelhança entre um discurso verdadeiro e um que se baseia numa opinião, numa crença,
ou no que satisfaz o auditório. Além disso, é mais fácil enganar e deixar enganar-se a
respeito de algo sobre o que se entra em desacordo com os outros e, até, consigo mesmo,
como a justiça, o bem e o amor (PLATÃO, Fedro, 2009, 261c-262a).

Por esse motivo, Sócrates ressalta que apenas quem conhece, realmente, a verdade
pode falar melhor a respeito das semelhanças e das diferenças das coisas sem, com isso,
iludir e permitir iludir-se. Ao passo que quem a ignora, na tentativa de dizer com o que
algo se parece, pode acabar por convencer o auditório da falsidade que profere e, mais
ainda: convencer a si próprio. Conhecendo a verdade sobre o que pretende discorrer, o
autor do discurso se resguarda de não compreender, ilusoriamente, a realidade bem
como, a partir desta, pode persuadir seu ouvinte de modo mais efetivo. Dessa maneira,
Sócrates evidencia que a persuasão pretendida pela retórica não deve estar desvinculada
da verdade, transformando a compreensão que Fedro tinha de tal prática (Ibid, 261c-
262c).

Sócrates e Fedro passam à análise dos três discursos proferidos, que lidam com
questões íntimas da relação entre amante e amado, a fim de examinar se são, ou não,
dotados de arte – lembrando que o amor participa dos assuntos de ordem privada. Em
primeiro lugar, Sócrates ensina a Fedro que quem deseja seguir a arte retórica,
inicialmente, deve fazer a distinção entre dois caminhos: aquele em que a opinião da
multidão é flutuante e aquele em que não o é. Depois, deve-se compreender se a matéria
a ser tratada é, ou não, controversa. Exemplo disso é o amor, caso contrário, os dois
discursos socráticos – um expondo suas calamidades e outro, seus benefícios – não
seriam possíveis, entende Fedro (Ibid, 262c-263d).

A concepção que Lísias faz do amor é equivocada, porque desconsidera sua


natureza e seus efeitos. Ele o concebe de acordo com a realidade que quer impor a seu
ouvinte. O orador inicia seu discurso pelo fim, em sentido contrário, dizendo as coisas
que o amante falaria para o amado ao concluí-lo, Sócrates analisa. Os argumentos são
jogados a esmo, sem nexo causal entre eles, podendo ser encaixados em qualquer parte
do texto sem qualquer prejuízo. Mas um discurso deve ser construído como um
organismo vivo: com cabeça, pés, tronco e membros convenientes entre si e com relação
ao todo, sem permitir que suas partes sejam cortadas e coladas em qualquer lugar do seu
corpo (Ibid, 263d-264c).

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Com a finalidade de exemplificar essa construção, Sócrates toma a análise da arte


da eloquência, usando seus dois discursos sobre o amor como loucura: um ressaltando
que o amado deve ceder a quem não o ama e o outro, que deve ceder a quem ama. O
filósofo retoma a concepção das manias divinas, em especial, a erótica. As exposições
socráticas reúnem a loucura a uma ideia comum, criando uma unidade da qual saem
membros duplos: o discurso sobre o amor como loucura humana e o sobre o amor como
loucura divina. Ele faz seu primeiro discurso para competir com o de Lísias, mas confia
a capacidade de compor seu segundo discurso à inspiração amorosa, a qual, conforme
ele acredita, possibilita que seja proferido com alguma verdade (Ibid, 265a-c).

Com isso, numa explicação da dialética, o filósofo diz que se deve aprender como
passar da censura ao louvor num discurso. A unidade é o primeiro aspecto de uma boa
elaboração, pois reduz as várias realidades dispersas a uma ideia única - o que possibilita
uma percepção de conjunto - para que cada tema que se pretenda expor fique evidente
pela definição, propiciando que a exposição seja clara e coerente: é o que faz, bem ou
mal, quando define o amor em seu primeiro discurso. O segundo aspecto é a capacidade
de separar essa ideia comum em partes, conforme suas articulações naturais, sem causar
cortes, aos moldes de um açougueiro inexperiente (Ibid, 265d-e).

Sócrates concentra a ideia geral do amor como loucura e a divide, em sua primeira
fala, numa loucura esquerda, atacando-o, e em sua segunda, numa loucura direita,
proclamando suas graças (Ibid, 266a-b). Conforme a prática retórica que condenam, ele
move-se de uma posição à oposta. Porém, diferentemente dos retóricos que se guiam
pelas conveniências, subvertendo a arte da psicagogia ao engano, o filósofo conduz o
ouvinte da falsidade à verdade: do falso amor fundado no desejo carnal ao verdadeiro
amor inspirado pelo delírio divino, que tem como fonte a alma.

O filósofo se declara apaixonado pelo processo que engloba as divisões e as


sínteses: a arte do pensar e do falar. Chama aqueles capazes de desenvolvê-lo de
“dialéticos”. Fedro reconhece que Lísias e tantos outros oradores não detêm os
conhecimentos, aos quais Sócrates se refere, para conceber um discurso. Entretanto,
insiste que algo sobre a retórica lhes escapa. Então, Sócrates pergunta a Fedro se pode
existir algo belo que, fora da dialética, seja passível de aquisição por meio de uma
técnica ou arte e que devem dizer no que consiste a parte que, porventura, ignoram.
Fedro responde que se trata do conjunto de técnicas retóricas estudadas e registradas nos
livros e nos manuais (Ibid, 266b-d).

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Na época de Platão, já havia uma técnica elaborada de constituição de discursos,


adotada por mestres que procuravam ensiná-la a outros para uso no campo público. De
acordo com essa técnica, o discurso seria composto pelo exórdio (a parte inicial); a
exposição do tema e os testemunhos que lhe diziam respeito; os indícios; as
probabilidades; a prova; a contraprova e, por fim, a peroração (o resumo). Sócrates a
exemplifica com adendos feitos por grandes sofistas da antiguidade, como Tísias e
Górgias, representantes da escola retórica siciliana; Hípias, Trasímaco e Pródico, entre
outros, e com o que cada um contribui à arte da palavra (Ibid, 266d-267e).

Posteriormente, o filósofo propõe que esqueçam as normas e observem o poder da


oratória e quando ele é exercido. Fedro cita as reuniões do povo como o lugar e o
momento em que esse poder se manifesta. Sócrates demonstra a Fedro o quanto os
proferimentos lá realizados não são, necessariamente, bons discursos, apesar da técnica.
Ele menciona arquétipos de ostentadores de conhecimentos preliminares: um na área da
medicina e outro na da composição de tragédias (Ibid, 268-d).

Como verdadeiros médicos tratam alguém que conhece o efeito de alguns


medicamentos e se julga capaz de, com isso, ensinar a medicina, sem saber quantidades,
para quem ou quando medicar? Do mesmo modo, como renomados autores de tragédias
tratam alguém que sabe compor discursos grandes sobre coisas pequenas e discursos
pequenos sobre coisas grandiosas, acreditando ter a capacidade de transmitir a técnica de
composição de tragédias? (Ibid, 268a-d).

O suposto médico é tratado como louco por seus colegas de profissão, enquanto o
suposto autor de tragédias recebe apenas uma leve crítica. Quanto a grandes oradores,
como Péricles, Sócrates pergunta a Fedro se seriam rudes, como os dois, com quem
escreve algumas técnicas e ensina-as como sendo retórica ou diriam que, em vez de
censurar, devem desculpar os que, por desconhecimento da dialética, não estão em
condições de definir a retórica. Por encontrarem, casualmente, uns poucos
conhecimentos, pensam que descobriram a retórica e por transmitirem a outras pessoas
essas mesmas noções, convencem-se de que lhes ensinam a arte da palavra (Ibid, 269a-
c).

Se tais técnicas das quais falaram não são a verdadeira arte da eloquência e da
persuasão, Fedro deseja saber como transmiti-la. Sócrates lhe explica que a
possibilidade de se tornar um perfeito orador é natural: se estiver na sua natureza, será

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um orador célebre quando adquirir conhecimento e prática, mas se descuidar de algum


desses pontos, será imperfeito (Ibid, 269d). No entanto, como isso efetivar-se-ia?

Sócrates responde a questão, dizendo que a medicina e a retórica compartilham a


mesma maneira de proceder. Em ambas, é necessário dividir a natureza: numa a do
corpo, noutra, a da alma. Se a pretensão é, por um lado, fornecer remédios e alimentos
para a saúde e para a força e, por outro, discursos e estudos prescritos à persuasão
desejada e à virtude, isso não só aconteceria por rotina e experiência, mas por arte.
Ensinar a arte da palavra com rigor requer mostrar, com exatidão, a natureza do objeto
ao qual se fala: a alma (Ibid, 270b-e).

O conhecimento exato da alma possibilita ordenar os tipos de discursos e de almas,


bem como todas as causas que as afetem. Além disso, esse conhecimento possibilita,
também, a adaptação de cada discurso à alma correspondente e o ensino dos motivos
pelos quais umas almas se deixam persuadir por certos discursos e outras não. Daí a
possibilidade de algumas almas, sob a ação de determinados discursos, tornarem-se
obedientes a certas convicções e outras, com natureza diferente, não se deixarem
persuadir pelas mesmas razões (Ibid, 271b-d).

Com isso em mente, Sócrates adverte Fedro de que os autores da arte retórica,
sobre os quais o menino ouviu falar, são astutos e, apesar de possuírem um
conhecimento perfeito do que respeita à alma, dissimulam-no. Sabendo desse
encobrimento, os dois – Sócrates e Fedro – não se devem iludir de que tais retóricos
falam e escrevem com arte, pois a função do discurso é psycagogia (Ibid, 271c-d) – esta
é a segunda e última vez que o termo aparece no Diálogo. Entendemos, assim, que falar
e escrever com arte só será possível se a alma do ouvinte ou leitor for conduzida à
verdade – o que não fazem os autores criticados na discussão, ao mascararem o
conhecimento sobre as almas.

Quando for capaz de declarar por quais discursos determinada pessoa se deixa
convencer e, diante desta, reconhecê-la; quando adquirir o sentido da oportunidade do
que, em dada altura, deve ser dito ou calado e quando souber usar as técnicas retóricas
de maneira apropriada a cada uma, então, o orador cultiva a arte da palavra com beleza e
perfeição. Se lhe faltar o menor desses requisitos, ao ensinar, discursar ou escrever, por
mais que presuma fazê-lo de acordo com a arte, não terá força persuasiva: não afetará a
alma (Ibid, 271e-272b).

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Percebemos que, se o perfeito orador necessita do conhecimento técnico a fim de


adaptar o discurso a cada alma, a retórica não pode ser interpretada como um aspecto
que mereça ser diminuído ou desprezado. Confirmamos isso na retratação socrática na
qual o filósofo ajusta o conteúdo à alma de Fedro, usando um mito como elemento
retórico de persuasão. Assim, os recursos retóricos devem participar da elaboração de
um discurso, embora precisem estar a serviço da dialética. Acompanhada da linguagem
mítica, a dialética socrática permite ao filósofo construir um discurso como um
organismo vivo, em que a disposição e a ordem de seus elementos são imprescindíveis à
manutenção do sentido do todo, em um local e momento oportunos: o cenário do Fedro.

Constatamos, desse modo, que a arte da palavra aliada à dialética, ao


conhecimento da alma, à qual o proferimento se destina, e à oportunidade de discursar
são os componentes fundamentais à psicagogia. A interdependência desses fundamentos
integra uma relação retórico-dialético-psicagógica que pode ser obtida com muita
aplicação e sensatez, não apenas para falar e conviver com as pessoas, mas,
principalmente para adotar uma conduta e uma linguagem do agrado dos deuses (Ibid,
273e).

Referências

ASMIS, E. “Psychagogia” in Plato’s Phaedrus. Illinois Classical Estudies. Estados


Unidos, v. 11, n. ½, 1986, p. 53-72.

Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/23064075> Acesso em 12 de maio de 2013.

PLATÃO. Fedro. Trad. José Ribeiro Ferreira. 1. Ed. Lisboa: Edições 70, 2009. p. 135

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