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Michelle Belatto
Resumo: A retórica ganha uma nova abordagem no Fedro, de Platão. Ela passa a ser
entendida como psicagogia: a condução da alma por palavras, efetivadas num percurso
dialético. A retórica como psicagogia pode ser constatada em todo o Fedro, pois, o
Diálogo movimenta-se de uma demonstração da pseudorretórica a uma revelação da
verdadeira retórica. Neste artigo, temos a finalidade de indicar uma relação entre retórica,
psicagogia e dialética, uma vez que os três fundamentos permeiam o Diálogo como um
todo.
Introdução
Além de ser a arte da palavra, a retórica recebe uma nova abordagem no Fedro, de
Platão. Ela passa a ser compreendida como psicagogia: a condução da alma por palavras
(PLATÃO, Fedro, 2009, 261a-b), edificadas num caminho dialético. Em seu artigo
“Psicagogia no Fedro de Platão”, Elizabeth Asmis sugere que este é o tema subjacente,
o qual conecta todo o Diálogo. Ao ponderarmos que é uma constituição com suas partes
vinculadas, notamos que o processo de psicagogia, pelo qual Sócrates conduz a alma do
menino Fedro à verdade, passa por vários estágios, segundo divide Asmis: a celebração
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Sócrates conhece bem Fedro: sabe que o garoto alegrar-se-ia ao vê-lo, já que os
dois são fascinados por ouvir discursos, e incitá-lo-ia a acompanhá-lo no passeio.
Instigado a falar por um apaixonado por ouvir discursos, far-se-ia de difícil, como se não
fosse isso que desejasse. Em último caso, estaria disposto a fazer o proferimento à força,
se ninguém o quisesse escutar de livre vontade. Fedro persiste dizendo que é incapaz de
pronunciar o discurso de cor, mas que consegue enumerar seus principais argumentos. O
menino quer alguém para testar sua habilidade oratória, porém, Sócrates percebe que ele
tem algo escondido debaixo do manto. Desconfia de que é o próprio discurso e lhe pede
que retire de cima deste a veste que o recobre, impedindo-o de vê-lo. Assim, Sócrates
acaba com a esperança que Fedro alimenta de exercitar sua oratória às custas dele (Ibid,
228c-e).
Com o objetivo de alcançar o arvoredo, eles precisam cruzar o rio. Esse rio serve
de limite entre a cidade e o campo, como o corpo de água fora do Hades, que separa as
1.
O laço amoroso que unia Bóreas à Orítia o fez raptá-la e levá-la para junto dele. Na ocasião em que foi
raptada, Orítia brincava nas margens do rio com a ninfa Farmaceia. Orítia foi jogada ao abismo contra
rochas e morreu. A lenda de seu rapto por Bóreas nasceu das circunstâncias de sua morte (PLATÃO,
Fedro, 2009, 229a-e).
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almas dos vivos das almas dos mortos. É como se suas almas fossem transportadas a um
reino do qual eles normalmente são excluídos: esse local é um despertar à filosofia. (Ibid,
p. 59).
Fedro age como líder nessa jornada. Maravilhado pelo discurso de Lísias, ele
seduz Sócrates a um lugar de estranhamento. No entanto, agir como líder não significa
que lidera de fato. Guiado por um comando divino, é Sócrates quem leva Fedro a um
lugar de purificação, pois deve libertá-lo do encantamento maligno ocasionado pelo
escrito do famoso orador: o estrangeiro conhece o território melhor que seu guia.
O garoto lê, para Sócrates, o escrito de Lísias, o qual defende que o amado deve
ceder ao amante não apaixonado, em vez de ao amante apaixonado. O filósofo diz
sentir-se atordoado com a leitura e atribui tal estado a Fedro, convencido de que o
menino entende aquelas coisas melhor que ele. Fedro questiona a atribuição de Sócrates,
desconfiado de que seu amigo não fala sério. Pergunta ao filósofo se ele acha que algum
outro grego é capaz de proclamar um discurso mais elevado, pois acredita que Lísias
esgota o assunto em seu texto e que ninguém está apto a fazer um discurso melhor.
Indignado, Sócrates responde perguntando se deve louvar o manuscrito por seu autor
escrever aquilo de que tem obrigação. Ele sensibiliza-se com a retórica de Lísias, fora
isso, parece-lhe que o escritor usa várias vezes os mesmos argumentos, feito um jovem
que deseja causar boa impressão, mas não tem mais nada a declarar sobre o tema ou,
simplesmente, não quer aprofundá-lo (PLATÃO, Fedro, 2009, 231a-235b).
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Paralelamente às ideias expostas por Fedro, diz que pode citar outras nem um pouco
inferiores, apesar de não as ter descoberto por si mesmo, uma vez que é consciente de
sua ignorância. Fedro aceita o esquecimento de Sócrates a respeito de suas fontes,
contanto que o filósofo cumpra sua promessa: dizer de maneira diferente argumentos
mais belos e nada inferiores aos contidos no escrito de Lísias, preservando a tese de que
o amante apaixonado encontra-se mais doente que aquele que não ama. (Ibid, 235b-d).
O Discurso Rival
Sócrates entra no jogo proposto por Fedro, porque sabe que não pode derrotar o
discurso de Lísias em abstrato. Ele assume o papel de amante do jovem a fim de
desfazer sua admiração por Lísias, posicionando-se como orador rival do escritor. Sua
estratégia é competir com Fedro, reivindicando que antigos sábios trataram mais
amplamente do mesmo tema abordado por Lísias e que pode fazer melhor que o autor de
renome. O filósofo é cauteloso em conferir sua própria invenção a alguma fonte que não
tem condições de nomear no momento. Não nos interessa, aqui, discutir qual seria a
fonte do primeiro discurso socrático. Interessa-nos o movimento psicagógico, o qual
Sócrates promove com esse discurso, livrando Fedro do encantamento por Lísias,
oferecendo-lhe as primeiras direções para conduzi-lo à verdadeira filosofia, mesmo que
discorde do tipo de retórica que usa: uma retórica fundada na opinião e não na verdade.
Os retóricos, de modo geral, utilizam artifícios baseados na opinião da maioria, pois
acreditam ser esta a maneira mais fácil de chegarem a seu objetivo de convencer o
auditório, por estarem mais preocupados com a satisfação de seus próprios interesses
que com um compromisso com aquilo que é verdadeiro.
Ao esconder o discurso de Lísias, Fedro protesta que não pode recitá-lo. Os papeis
se revertem e Sócrates toma o lugar do entusiasta estudante de retórica: depois de se
vangloriar de sua capacidade discursiva, ele reluta, dizendo que só está provocando
Fedro e que não sabe pronunciar um discurso mais refinado que o de Lísias. Por sua vez,
Fedro usa as mesmas palavras de seu amigo: “Se eu não conheço Sócrates, então, perdi
também a consciência de mim mesmo” (Ibid, 236c). Ele acusa Sócrates de se fazer de
tímido e avisa que não sairá de onde estão sem que o filósofo fale o que guarda no peito
nem que tenha que dizê-lo à força (Ibid, 236b-d).
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Sócrates faz seu pronunciamento com o rosto velado de vergonha, pois suas
palavras são ofensas ao Amor. De início, avisa que o discurso é direcionado a um
menino muito belo por um de seus muitos amantes, que finge não estar apaixonado por
ele (Ibid, 237a-b). Com essa estratégia, ele se preserva da acusação de enganar seu
ouvinte, diferentemente de Lísias, que faz do engano instrumento retórico. Sócrates
denuncia a retórica como ilusão – um tipo de psicagogia incorreta - na discussão
dialética, posterior a seu segundo discurso, ao alegar que alguns retóricos acatam que
não há necessidade de conhecer a verdade, uma vez que argumentos a partir da
verossimilhança são mais convincentes ao auditório (Ibid, 272c-273e).
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Então, Sócrates fala a Fedro da admiração que sente por ele: compreende que,
dos discursos surgidos na vida do adolescente, a maioria nasce por causa dele – Fedro –
pronunciados por ele mesmo ou obrigando outros a fazê-lo, certo de que o menino é o
motivo do proferimento que entoará a seguir. Prevenido por sua voz divina de que não
deve cruzar o rio, sem antes se purificar, Sócrates se conscientiza de que precisa de uma
retratação da falta que cometeu contra a divindade. Enquanto declamava seu primeiro
discurso, ele sentiu um receio que atribuiu ao poder mântico da alma, o qual prenunciava
seu pecado contra o Amor. Tanto o manuscrito que Fedro trouxe, quanto o discurso que
Sócrates recitou, envenenado pelo garoto, difamaram o deus (Ibid, 242a-e).
A Retratação Mítica
Sócrates convence Fedro da imprudência que cometeram e, feito isso, está pronto
a proclamar, com a cabeça desvelada, o elogio ao Amor. Desse modo, livrar-se-á da
vergonha que sente por caluniar a divindade (Ibid, 243b-d). O novo discurso não apenas
subverte, mas também, complementa o anterior, oferecendo um louvor ao amante
verdadeiro para equilibrar a condenação do amante pervertido. A retratação revela o
amor da alma e da verdade, oposto ao falso amor dirigido ao corpo do outro. Os
discursos socráticos formam uma continuidade, na qual o primeiro é um fragmento
completado e ao qual é dado um novo sentido pelo segundo (ASMIS, 1986, p. 64).
Ao censurar alguns erros dos dois primeiros discursos, que ele e Lísias cometeram,
Sócrates antecede sua fala de elogio ao amor com uma pergunta: “Onde está o jovem a
quem eu me dirigia? Que ele escute também este discurso e se não apresse, por o não ter
ouvido, a conceder os favores a alguém que não ama”. “Está junto de ti: muito perto,
mesmo, sempre a teu lado, logo que tu o desejes”, Fedro responde (PLATÃO, Fedro,
2009, 243e). Esse detalhe nos chama atenção, porque explicita a quem o
pronunciamento se direciona, ao contrário do de Lísias, que não se endereça a ninguém
especificamente.
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retratar-se da ofensa cometida contra Eros antes que seja castigado, operando um novo
discurso que modifique o sentido dado ao amor, desvinculando-o da doença entendida
como loucura. Se ela é compreendida como a origem dos males que atingem o amado,
no discurso de Lísias e em seu primeiro, a partir do Elogio ao Amor, ela passa a
conectar-se à manifestação do divino no âmbito humano (Ibid, 242a-243e).
No mito, o amor estabelece uma relação entre mundos opostos, visto que o Eros
filosófico consiste no movimento que liga a vida à morte, a morte à imortalidade. Como
a alma humana, da qual é função própria, o amor une a natureza sensível à intelectual,
sendo um meio de adquirir e de comunicar o conhecimento. Com isso, notamos que a
eficácia do método filosófico depende de sua relação fundamental com o delírio
amoroso. O princípio do método é ter o Eros como esforço de ultrapassar o múltiplo em
direção ao uno, num exercício dialético, por meio da reminiscência: atividade
característica da alma que lhe permite lembrar-se do que presenciou no Inteligível, por
meio de um objeto sensível que lhe sirva de imagem (Ibid, 249b-c).
Ao término de sua palinódia, Sócrates leva Fedro a uma nova retórica que
repudia as dos proferimentos anteriores. O garoto deve abandonar sua retórica e devotar-
se à filosofia inspirada pelo amor. Mas, conforme diz na própria retratação, o amado não
compreende, de imediato, o sentimento, o qual o toma (PLATÃO, Fedro, 2009, 255d). O
filósofo precisa desenvolver a nova retórica, com uma discussão dialética posterior a seu
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discurso, para que Fedro entenda as implicações do novo amor. O mito é um passo à
compreensão, que necessita da completude de um exame dialético, a fim de ser parte da
busca filosófica.
A psicagogia errada
A atitude de Lísias se assemelha à de tais políticos, pois, assim como eles parecem
mais preocupados em agradar ao público que com o conteúdo o qual transmitem, o
orador está mais atento ao efeito que seu pronunciamento pode causar em Fedro, que à
construção acerca do amor propriamente dita, já que sua intenção é ser amado pelo
menino. Empenhados em persuadir os ouvintes, Lísias e, ao que nos parece, os políticos
da época deixam de lado a verdade do assunto de que pretendem tratar, usando artifícios
retóricos para realizarem sua apresentação.
O modelo serve de pano de fundo para ilustrar o que ocorre nas cidades onde a
população não distingue o bem do mal quando um orador, que também não os diferencia,
tenta convencê-la, exaltando o mal como sendo o bem (Ibid, 260c). Nos tribunais, por
exemplo, a verdade nada interessa, pois o persuasivo está no provável: na opinião da
maioria. Devem-se preferir as verossimilhanças aos fatos sucedidos se estes parecerem
improváveis, sendo que a probabilidade abre caminho à arte – dizem os que se
consideram peritos na oratória (Ibid, 272d-273a). Ao agirem de tal maneira:
negligenciando a verdade, desonram a arte da palavra. E a arte da palavra diz-lhes:
A verdadeira psicagogia
No entanto, não é isso que Fedro ouviu falar: mas que é sobretudo nos processos
judiciais e na assembleia popular que se escreve e fala com arte. Então, Sócrates o
conduz por meio de um jogo dialético, no qual os papeis de interrogante e interrogado
invertem-se. O filósofo lhe explica que, com técnicas retóricas, os oradores fazem a
mesma coisa parecer, às mesmas pessoas, ora justa, ora injusta; umas vezes boa, outras,
o oposto – algo que se constata não apenas nos eventos públicos, mas em todo o gênero
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oratório. Assim, a arte da psicagogia leva a alma à ilusão, que acontece por conta da
semelhança entre um discurso verdadeiro e um que se baseia numa opinião, numa crença,
ou no que satisfaz o auditório. Além disso, é mais fácil enganar e deixar enganar-se a
respeito de algo sobre o que se entra em desacordo com os outros e, até, consigo mesmo,
como a justiça, o bem e o amor (PLATÃO, Fedro, 2009, 261c-262a).
Por esse motivo, Sócrates ressalta que apenas quem conhece, realmente, a verdade
pode falar melhor a respeito das semelhanças e das diferenças das coisas sem, com isso,
iludir e permitir iludir-se. Ao passo que quem a ignora, na tentativa de dizer com o que
algo se parece, pode acabar por convencer o auditório da falsidade que profere e, mais
ainda: convencer a si próprio. Conhecendo a verdade sobre o que pretende discorrer, o
autor do discurso se resguarda de não compreender, ilusoriamente, a realidade bem
como, a partir desta, pode persuadir seu ouvinte de modo mais efetivo. Dessa maneira,
Sócrates evidencia que a persuasão pretendida pela retórica não deve estar desvinculada
da verdade, transformando a compreensão que Fedro tinha de tal prática (Ibid, 261c-
262c).
Sócrates e Fedro passam à análise dos três discursos proferidos, que lidam com
questões íntimas da relação entre amante e amado, a fim de examinar se são, ou não,
dotados de arte – lembrando que o amor participa dos assuntos de ordem privada. Em
primeiro lugar, Sócrates ensina a Fedro que quem deseja seguir a arte retórica,
inicialmente, deve fazer a distinção entre dois caminhos: aquele em que a opinião da
multidão é flutuante e aquele em que não o é. Depois, deve-se compreender se a matéria
a ser tratada é, ou não, controversa. Exemplo disso é o amor, caso contrário, os dois
discursos socráticos – um expondo suas calamidades e outro, seus benefícios – não
seriam possíveis, entende Fedro (Ibid, 262c-263d).
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Com isso, numa explicação da dialética, o filósofo diz que se deve aprender como
passar da censura ao louvor num discurso. A unidade é o primeiro aspecto de uma boa
elaboração, pois reduz as várias realidades dispersas a uma ideia única - o que possibilita
uma percepção de conjunto - para que cada tema que se pretenda expor fique evidente
pela definição, propiciando que a exposição seja clara e coerente: é o que faz, bem ou
mal, quando define o amor em seu primeiro discurso. O segundo aspecto é a capacidade
de separar essa ideia comum em partes, conforme suas articulações naturais, sem causar
cortes, aos moldes de um açougueiro inexperiente (Ibid, 265d-e).
Sócrates concentra a ideia geral do amor como loucura e a divide, em sua primeira
fala, numa loucura esquerda, atacando-o, e em sua segunda, numa loucura direita,
proclamando suas graças (Ibid, 266a-b). Conforme a prática retórica que condenam, ele
move-se de uma posição à oposta. Porém, diferentemente dos retóricos que se guiam
pelas conveniências, subvertendo a arte da psicagogia ao engano, o filósofo conduz o
ouvinte da falsidade à verdade: do falso amor fundado no desejo carnal ao verdadeiro
amor inspirado pelo delírio divino, que tem como fonte a alma.
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O suposto médico é tratado como louco por seus colegas de profissão, enquanto o
suposto autor de tragédias recebe apenas uma leve crítica. Quanto a grandes oradores,
como Péricles, Sócrates pergunta a Fedro se seriam rudes, como os dois, com quem
escreve algumas técnicas e ensina-as como sendo retórica ou diriam que, em vez de
censurar, devem desculpar os que, por desconhecimento da dialética, não estão em
condições de definir a retórica. Por encontrarem, casualmente, uns poucos
conhecimentos, pensam que descobriram a retórica e por transmitirem a outras pessoas
essas mesmas noções, convencem-se de que lhes ensinam a arte da palavra (Ibid, 269a-
c).
Se tais técnicas das quais falaram não são a verdadeira arte da eloquência e da
persuasão, Fedro deseja saber como transmiti-la. Sócrates lhe explica que a
possibilidade de se tornar um perfeito orador é natural: se estiver na sua natureza, será
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Com isso em mente, Sócrates adverte Fedro de que os autores da arte retórica,
sobre os quais o menino ouviu falar, são astutos e, apesar de possuírem um
conhecimento perfeito do que respeita à alma, dissimulam-no. Sabendo desse
encobrimento, os dois – Sócrates e Fedro – não se devem iludir de que tais retóricos
falam e escrevem com arte, pois a função do discurso é psycagogia (Ibid, 271c-d) – esta
é a segunda e última vez que o termo aparece no Diálogo. Entendemos, assim, que falar
e escrever com arte só será possível se a alma do ouvinte ou leitor for conduzida à
verdade – o que não fazem os autores criticados na discussão, ao mascararem o
conhecimento sobre as almas.
Quando for capaz de declarar por quais discursos determinada pessoa se deixa
convencer e, diante desta, reconhecê-la; quando adquirir o sentido da oportunidade do
que, em dada altura, deve ser dito ou calado e quando souber usar as técnicas retóricas
de maneira apropriada a cada uma, então, o orador cultiva a arte da palavra com beleza e
perfeição. Se lhe faltar o menor desses requisitos, ao ensinar, discursar ou escrever, por
mais que presuma fazê-lo de acordo com a arte, não terá força persuasiva: não afetará a
alma (Ibid, 271e-272b).
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PLATÃO. Fedro. Trad. José Ribeiro Ferreira. 1. Ed. Lisboa: Edições 70, 2009. p. 135
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