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PROJETO DO LIVRO: ACARI – ACARIS

CAP. 3: TRABALHANDO COM A JUVENTUDE... MAS SÓ ISTO?

Responsáveis: Marcos, Alan, Cláudia, Daniela, Leticia e Luciana.

Desde que chegamos em Acari, uma preocupação nos norteava: a de que nosso trabalho pudesse
envolver os mais diversos atores sociais desta localidade [definir ator social – Alain Tourraine].
Acreditávamos que esta postura era a que mais condizia com nossa maneira de pensar a relação entre o
jovem e as drogas (como um fenômeno complexo) e com a nossa busca de criar coletivamente
estratégias de enfrentamento da questão.
Entretanto, por diversas vezes, pudemos nos perceber privilegiando um segmento social em
detrimento de outros. A constatação desse fato, em vez de ser encarada como falha ou descaso,
expressa uma qualidade inerente a uma metodologia que se constrói indissociada da prática.
[ATENÇÃO: TODO ESTE TRECHO ACIMA IRÁ PARA O FINAL DO CAPÍTULO!]

Nossa inserção em Acari deu-se através de contatos pessoais com integrantes da Pastoral do
Menor, entidade surgida no interior da Igreja Católica que mantém vários núcleos assistenciais em
localidades socialmente desfavorecidas em todo o país, sendo que apenas no Rio de Janeiro há
aproximadamente .... [?] destes núcleos. Considerávamos relevante definir previamente uma “via de
entrada” na localidade e que esta deveria ser bem planejada, visto que uma vinculação, mesmo que
provisória, com uma instituição rejeitada pelos moradores poderia afetar significativamente o
desenvolvimento de nossas atividades em campo.
Por ser ligada à Igreja Católica, a Pastoral do Menor, assim como as instituições evangélicas em
geral, era vista com muito bons olhos pela comunidade, sendo respeitada inclusive pelo tráfico de
drogas, já que beneficiava diretamente seus moradores sem romper com as supostas “regras” locais.
Diante disso, aos poucos fomos nos permeando em Acari, tendo, por outro lado, um cuidado
permanente de desvincular nosso trabalho de qualquer preceito religioso.
Nesta região, há uma Paróquia composta de oito núcleos - intitulados oficialmente de
Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) - sob a coordenação geral da matriz Santos Mártires
Ugandenses e Nossa Senhora Nazaré, sediada numa das principais ruas de Parque Acari desde 1970. A
maioria destes núcleos é dirigida por Irmãs Salesianas que residem na própria comunidade. De acordo
com um documento da Pastoral, “em cada área da paróquia existe uma comunidade de católicos que se
reúnem para viverem juntos sua fé e fazerem o bem no local onde moram”. Assim, estes núcleos
acoplam tanto a atividade religiosa, através do catecismo e da realização de cultos, quanto atividades
sócio-educativas e/ou profissionalizantes voltadas às crianças, adolescentes e adultos, segundo as
Irmãs, independente de credo religioso.
Por já terem um enraizamento local, além de atender muitas crianças e adolescentes da
comunidade, estes núcleos também empregam muitos moradores, em sua maioria mulheres, que
passam a ocupar funções ligadas à cozinha, limpeza e educação infantil. Nesse sentido, podemos
identificar estas instituições com o que Leeds [Verificar e ler a obra deste autor citada por Alvito!]
chama de estruturas supralocais [ citar definição].
Optamos, portanto, inserir-nos em dois destes núcleos: o Comunidade Maria Mãe da Igreja,
localizado em Parque Acari, e o Centro Educacional Comunitário Senhor do Bonfim, em Coroado.
Estes núcleos possuem características bastante distintas no que se refere a presença do discurso
religioso em seu projeto institucional, o seu funcionamento e, ainda, às interferências produzidas em
função de sua localização geográfica (e, principalmente, simbólica) na localidade.
Para que o leitor se sinta o mais próximo possível do que pretendemos relatar neste capítulo,
contextualizaremos de forma suscinta cada uma destas instituições.
Primeiramente, devemos ressaltar a importância da representação simbólica dos espaços e de
que maneira este aspecto confere uma especificidade ao modo de funcionar das instituições. Isto
porque mais do que a sua localização geográfica em Acari, é o espaço simbólico onde elas se localizam
que atua como um fator determinante. Desse modo, enquanto o Comunidade Maria Mãe da Igreja
pertence à área mais nobre, mais urbanizada e com maior concentração de serviços e comércio, sendo
inclusive chamada pelos moradores de “a zona sul de Acari”, o Centro Educacional Comunitário
Senhor do Bonfim encontra-se “mais pra dentro da favela”, entre becos e vielas de terra batida, entre o
“valão” e toda a sua mórbida simbologia, entre as casas eternamente inacabadas, enfim, onde a força da
pobreza e da violência do tráfico de drogas adquirem maior visibilidade1.

Comunidade Maria Mãe da Igreja


Este núcleo compõe-se de um pequeno prédio de dois pavimentos: no primeiro, temos a capela
Maria Mãe da Igreja, onde se realizam as atividades de culto e catequese, já no segundo, construído em

1
Veremos mais adiante de que forma este aspecto interfere nas ações e funcionamento destas instituições.
1993 [?], há um grande salão, onde é desenvolvido o projeto Escolinha do Amor. Neste salão
funcionam duas salas de aula, separadas apenas por uma divisória móvel, uma sala de aula que também
funciona como almoxarifado, uma ampla cozinha e dois lavabos. A construção foi viabilizada pelos
esforços das Irmãs Salesianas e também pela ajuda de pessoas da comunidade, através da arrecadação
de dinheiro por meio de rifas, bingos e festinhas realizadas para as crianças.
A Escolinha do Amor surgiu como fruto do trabalho desenvolvido pela Irmã Salesiana e líder
local que aqui chamaremos de Dona Lúcia [?]. Segundo seu próprio relato, ela já vinha há cerca de
quinze anos tentando “encaminhar” as crianças das ruas próximas à sua em Acari, começando a reuni-
las “no pé de uma árvore” e ensinando-lhes um pouco “sobre a vida e sobre as leis de Deus”. Conforme
seu projeto original, a Escolinha propõe-se a ser um “Espaço Informal de Educação para a Vida”
voltado às crianças e adolescentes “carentes” de Acari. A filosofia e os valores que fundam este projeto
pode ser explicitamente constatados nesta reprodução: “O grande benefício que a escolinha traz a estas
crianças é tirá-las das ruas, onde se estivessem estariam aprendendo somente coisas nocivas à sua
formação, tais como roubar, brigar, drogar-se e toda sorte de aspectos negativos”2.
O espaço físico da Escolinha é amplo, com poucos móveis e grande circulação de sons e
pessoas, não havendo qualquer ênfase em valores de intimidade ou privacidade. Tudo que ali acontece,
portanto, acaba sendo coletivizado e presenciado por todos, o que de início provocou um certo
desconforto ao nosso modo classe média.
Esta instituição possui ....[?] funcionários, em sua maioria, moradoras da comunidade. Os
critérios estipulados para aqueles que desejam lá trabalhar também se aproxima dos preceitos
religiosos, sendo o amor pelas crianças a exigência principal. Atualmente, são atendidas 130 [?]
crianças e adolescentes na faixa etária de 4 a 13 anos [??] em atividades de reforço escolar, artísticas e
culturais, através do Programa Curumim, ligada ao Governo do Estado do Rio de Janeiro 3. Ao
completarem 14 anos, há a possibilidade de alguns (poucos) adolescentes serem encaminhados para
instituições onde possam ter alguma profissionalização, como o 31º GAC (Vila Militar) e a própria
Pastoral do Menor no Rio de Janeiro, visto a escassez de oportunidades de trabalho oferecidas a estes
2
Percebemos que, seguindo os preceitos da religião católica, o projeto pedagógico desta instituição baseia-se no amor ao
próximo, buscando “formar e encaminhar as crianças para se tornarem verdadeiros cidadãos, (...) honestos e trabalhadores,
encaminhando-os ao trabalho tão logo atinjam idade para tanto”.
3
O Programa Curumim – oportunidade de ser feliz é uma iniciativa da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA), que
tem como objetivo principal “contribuir para a melhoria da qualidade de vida das crianças carentes, expostas a riscos
pessoais e sociais, atuando em aspectos fundamentais de desenvolvimento do ser humano garantidos pela Constituição
Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente” (vide projeto). Pretende ser uma ação que assegure vínculos afetivos e
culturais destas crianças com sua família, escola e comunidade, buscando o desenvolvimento pessoal e social, e
promovendo oportunidades para que sejam agentes de seu próprio futuro.
jovens. Nesse encaminhamento é feita uma seleção pela própria instituição, que escolhe os “melhores”
adolescentes, ou seja, aqueles que demonstram um comportamento e educação mais compatível com os
valores da instituição, de modo que possam representar uma boa imagem desta externamente.

Centro Educacional Comunitário Senhor do Bonfim


Embora não seja visível para quem chega a Acari pelas principais vias de acesso, o Centro
Educacional Comunitário Senhor do Bonfim (CECSB) destaca-se entre as vielas de Coroado por
ocupar uma área relativamente extensa, onde foram construídos uma igreja, um refeitório, ....[?] salas
de atividades, uma quadra de esportes e uma pequena vassouraria. Em sua entrada principal, é possível
vizualizar uma placa da Prefeitura do Rio de Janeiro, referente ao apoio nutricional fornecido, e, no
muro pintado de azul claro, uma pintura do rosto de Dom Bosco, de um menino e de uma freira. Ao
lado, os seguintes dizeres: “Não basta amar, é preciso que o educando sinta-se amado”.
Criado em 1980, o projeto institucional do CECSB baseia-se nos princípios educacionais
salesianos de Dom Bosco: [quem é? Que princípios? – em nota de rodapé] Presente em todo o espaço
físico do núcleo, lê-se no muro interno da quadra de esportes um dos princípios descritos por Dom
Bosco: “o esporte e o fazer são essenciais e indispensáveis para a educação completa dos jovens”.
Atualmente, o CECSB possui .....[?] funcionários, alguns voluntários [?] e os demais em
situação semelhante aos do Comunidade Maria Mãe da Igreja. Atende cerca de .... [?] adolescentes de
Acari, na faixa etária de ..... a ......, divididos entre o turno da manhã e da tarde e sendo este número
bastante variável ao longo do ano letivo.
Dentre as atividades oferecidas, tem-se, no momento: teatro, informática, biblioteca, pintura em
tecido, croché, artesanato, futebol, capoeira e reforço escolar. É interessante notar que há uma forte
demarcação entre os papéis de gênero nesta instituição, que reflete fielmente a distinção entre homens e
mulheres na localidade. Nesse sentido, há uma separação entre as atividades oferecidas “para as
meninas”, aquelas voltadas para o cuidar e o fazer doméstico, e as atividades “para os meninos”,
aquelas mais ligadas à exibição do corpo e da força.
Embora a vassouraria esteja hoje desativada [por quê???], esta foi, durante muito tempo, a
atividade principal do CECSB, que oferecia esta profissionalização a muitos rapazes da comunidade.
No entanto, podemos perceber o quanto que a “fábrica de vassouras”, tal como é chamada, ainda é forte
referência na localidade [desenvolver um pouco mais o que isto significa, preferencialmente
reportando falas dos moradores que o expressem].
Visando fazer face às opções oferecidas pelo tráfico de drogas, o CECSB surgiu tendo como um
dos objetivos centrais a educação pelo trabalho. Ou, nas palavras de educadores, “oferecer uma
alternativa para as crianças e adolescentes que queiram trilhar um caminho honesto”.
O terreno onde o Centro foi construído era, segundo uma das funcionárias, um “matadouro”, ou
seja, um local onde os traficantes assassinavam suas vítimas e em seguida jogavam os corpos no valão.
Além dessa marca na história da instituição, podemos notar o quanto que a proximidade de “bocas de
fumo” e do movimento dos “meninos” do tráfico interfere nas ações institucionais cotidianas. Um
exemplo bastante claro disso é a representação simbólica que o muro do CECSB adquire, demarcando
o limite entre os valores católicos da instituição e “o outro lado”, o mundo dos valores ligados à
violência e à virilidade exercidos pelos “bandidos”. Até bem pouco tempo, o muro do Centro era
repleto de inscrições relacionadas às drogas e ao tráfico, desenhos de armas potenciais, de folhas de
maconha e, sobretudo, as siglas T.C, referindo-se ao Terceiro Comando, a facção do tráfico dominante
em Acari,.
O desejo de reformar o CECSB já era antigo, mas havia um temor em relação a pintar o muro,
apagando literalmente as marcas do poder do tráfico local. Temia-se a reação “do outro lado”.
Recentemente, entretanto, após receber uma doação extra para o projeto, tomou-se coragem e ordenou-
se a pintura do muro externo, de modo que ele demarcasse o espaço a que realmente pertencia.
Obviamente isto ocorreu com algumas restrições. Além das figuras de Dom Bosco, de um menino e de
uma freira, pintaram-se diversas palavras espalhadas pelo muro, tais como “paz”, “amor”, “amizade”,
etc, enfim, palavras que representassem os valores religiosos defendidos pela instituição. No entanto,
segundo a fala de uma funcionária, palavras como “justiça” tiveram que ser cuidadosamente excluídas
para que não fosse visto como uma provocação ao tráfico. Segundo nos disse, “as palavras tiveram que
ser neutras para não agredir o outro lado”. [desenvolver esta idéia de que houve então uma “
negociação implícita”, uma interlocução CECSB-tráfico não declarada].

Um trabalho se inicia...
[ATENÇÃO: Esta parte divide-se em três assuntos, nesta ordem: 1)- apresentar e
circunscrever brevemente o trabalho com os jovens (as Oficinas da Conversa, seus objetivos e
metodologia – PARTE INCOMPLETA, A SER FEITA), 2)- falar da aceitação de nossa proposta por
parte das duas instituições (PARTE QUE CONSTA AQUI, MAS DEVE SER MELHOR
DESENVOLVIDA) e 3)- falar das temáticas principais dos grupos (PARTE INCOMPLETA, FALTA
DESENVOLVER A CONTRIBUIÇÃO DO MARCOS).
A apresentação de nossa proposta de trabalho ao CECSB foi bem recebida. Entretanto,
percebemos de início uma grande desconfiança por parte dos coordenadores, que por já almejarem ter o
controle de tudo o que ocorria na instituição, fez com que nossas atividades fossem alvo constante de
vigilância. Este clima inicial de desconfiança e um certo controle quanto ao que iria ser falado nos
grupos que coordenaríamos também surgiu na outra instituição, embora de uma maneira mais velada.
A questão do contrato de sigilo que acordávamos com os adolescentes parecia incomodar os
coordenadores, uma vez que passavam a não ter acesso ao que era dito nos grupos. De qualquer modo,
entendemos posteriormente que esse controle referia-se a um medo de que nossas atividades pudessem
estar rompendo com a já tão difundida e inquestionada “lei do silêncio” que vigora imperiosa nas
localidades onde há forte presença do narcotráfico. Ao incorporá-la involuntariamente, os moradores
tornam-se proibidos de falar a respeito de atos violentos e criminosos relacionados ao tráfico local que,
por azar, tenham presenciado na favela. É o acordo comum e implícito que estabelece que “ninguém
viu, ninguém sabe de nada”. Falar da violência exercida pelo tráfico torna-se assim um assunto
proibido.
No Comunidade Maria Mãe da Igreja nossa proposta também teve plena aceitação e incentivo
por parte de seus responsáveis. Posteriormente, percebemos, porém, não ter havido entre eles tanta
clareza quanto imaginávamos a respeito de nossa atuação, já que nos identificavam comumente como
prováveis psicoterapeutas. Mesmo após repetidos esforços de nossa equipe, continuavam a solicitar que
nosso trabalho privilegiasse a escuta clínica individualizada de crianças e adolescentes, ressaltando a
necessidade desta “grande ajuda”. Seguindo extensos relatos de “casos difíceis” entre as crianças e
adolescentes atendidos pela instituição, a coordenadora dizia-nos meio melancólica: “aqui tem muita
criança que não tem pai ou que o pai tá preso, criança que o pai e a mãe já morreram...”.
Tínhamos a ciência de que este estereótipo do psicólogo como aquele que tem um poder quase
mágico de sanar o sofrimento alheio inevitavelmente apareceria como um entrave [desenvolver].
Quanto a isso, optamos iniciar o trabalho confiantes de que aos poucos, a partir de nossas intervenções
e posicionamentos, os atores institucionais pudessem perceber e propagar a idéia do que realmente
propunhamos, distantes de qualquer propósito intimista ou individualista.
Diante disso tudo, topamos o desafio de construir junto a eles um espaço em que algo novo
pudesse ser produzido. Tínhamos ainda a ousadia de investir na idéia de que os próprios educadores e
coordenadores dos núcleos pudessem atuar como multiplicadores do que emergisse dali.
E assim começamos a realizar atividades de grupos com os adolescentes.

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