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Vanessa Neumann: O Hezbollah

pode dominar o PCC

Nascida na Venezuela e criada nos Estados Unidos, Vanessa Neumann,


consultora de risco especializada em comércio ilícito, analisa e aponta
soluções contra um dos males mais insidiosos da economia global: a
conexão entre contrabandistas de produtos falsificados e grupos
terroristas. Neumann esteve no Brasil para lançar seu livro “Lucros de
Sangue”, da editora Matrix, em que mostra como o cidadão comum
financia atentados e guerras civis ao consumir drogas e comprar bens de
procedência duvidosa. A edição brasileira de seu livro conta com um
capítulo dedicado às operações ilegais na Tríplice Fronteira, onde o grupo
terrorista Hezbollah age sem ser incomodado. O comércio ilegal na região
soma até US$ 43 bilhões ao ano, afirma Neumann. Em um hotel na
Avenida Paulista, a menos de uma quadra da banca de vendedor de
produtos falsificados mais próxima, ela falou sobre as conexões entre as
ditaduras da Venezuela e da Síria e a negligência brasileira diante do
crescimento da facção criminosa PCC.

A senhora afirma que cigarros contrabandeados e produtos falsificados


ajudam a financiar o terrorismo. Como chegou a essa conclusão?

Os grupos terroristas se especializaram em contrabando e tráfico de


drogas. Tenho estudado o Hezbollah [grupo xiita libanês] na América
Latina e suas relações com as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia] e os chavistas. Viajei ao Líbano para entender como funcionam
seus mecanismos de financiamento e suas ligações com a Venezuela.
Também me deparei com operações em outras partes da América Latina.
Outro assunto que acompanho é o contrabando de cigarros, que também
tem a participação do Hezbollah na Zona de Maicao, entre Colômbia e
Venezuela, e na Tríplice Fronteira, entre Brasil, Argentina e Paraguai.

De que maneira o cigarro financia o terrorismo?

As primeiras rotas de contrabando surgiram no Oeste da África. Uma vez


aberto o caminho, também passam por ali seres humanos, armas e drogas.
É um dinâmica que se repete e tem a ver com a logística que acaba por
financiar o terrorismo. Na Tríplice Fronteira há forte presença do
Hezbollah, que contrabandeia cigarros graças a Horacio Cartes [ex-
presidente paraguaio e magnata do tabaco investigado por lavagem de
dinheiro]. A atividade lhes dá uma fonte de financiamento operada com
competência. Daí, quando se deseja movimentar produtos ilegais, há gente
que possui casas de câmbio, esquemas de lavagem de dinheiro e transporte
não só até o porto de Santos, mas até a África, o Oriente Médio e a
Espanha. As agências de segurança apontam que eles atuam como uma
empresa internacional de entregas expressas, como Fedex e UPS.

O combate ao terrorismo foi a inspiração para o seu livro, “Lucros de


Sangue”?

O cidadão comum não se dá conta do sangue que está derramando a


financiar o terrorismo. O dinheiro do contrabando é usado para a compra
desde armas para defender o ditador Bashar Assad, na Síria, até promover
ações em outras parte do mundo por meio de um sistema corrupto que
envolve as polícias, os políticos e as aduanas.
Qual o papel da China e dos países do Oriente Médio na rede mundial de
produtos falsificados?

A China é o grande produtor de produtos falsificados. Vimos no Aeroporto


Internacional Guaraní, em Assunção, que a cada semana chegam dois
aviões, um da China e outro de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos,
trazendo itens que não passam por nenhum controle. O que chega logo é
distribuído para as lojas de Ciudad del Este. Tanto que lá os letreiros das
lojas estão em árabe e chinês, além de espanhol. Ali funciona um
miniestado para o crime organizado de todas as partes do mundo. Os
chineses trazem os produtos e levam o dinheiro. Já de Dubai não sei o que
trazem os aviões. Acredita-se que seja ouro ou dinheiro, de acordo com sua
experiência no Oriente Médio. Perto de Dubai está a Zona de Livre
Comércio de Jebel Ali, onde traficantes e grupos terroristas financiados por
entidades da Árabia Saudita e do Irã atuam, enviando recursos e produtos
para a América do Sul. A lavagem de dinheiro na Tríplice Fronteira é como
uma árvore com ramificações que servem para diferentes grupos. E a
China, que tem uma porção importante de sua economia voltada para o
tráfico de produtos, se aproveita desse ambiente. O que preocupa é que
esse sistema na Tríplice Fronteira é muito estável, funcionando
perfeitamente.

Qual o tamanho do comércio ilegal e de drogas na fronteira com o Brasil?

O tamanho do comércio de drogas não é conhecido. Os números mais


recentes do comércio ilegal apontam para 35 bilhões de dólares. Alguns
analistas falam em 43 bilhões. Ou seja, é um dinheiro que os governos e a
iniciativa privada dos três países nunca viram.

Além do Hezbbollah, a Al Qaeda e o Estado Islâmico também atuam no


Brasil?

É sabido desde os anos 1990 que a Al Qaeda se beneficiava do tráfico de


drogas e de tabaco. Naquela época eles estavam mais ativos. Não vejo por
que mudariam.
Uma investigação séria na
Venezuela faria a Lava Jato
parecer pequena. A estimativa é
que sob Chávez e Maduro foram
roubados até 400 bilhões de
dólares
A negligência dos governos brasileiros permitiu o crescimento do PCC?

Seguramente. O PCC está cada vez mais infiltrado no Paraguai, onde


mantém uma relação com o Hezbollah. Sei que o Brasil não o considera um
grupo terrorista, mas tenho razões para defender o contrário. Os
comandantes do Oriente Médio com quem eu conversei são terroristas. E o
império criminal que eles integram é uma ameaça. Hoje eles apoiam o
PCC, que começou como uma quadrilha de prisão e se tornou uma
insurgência criminal. E se alguém sabe fazer uma insurgência é o
Hezbollah. Seus integrantes ocupam territórios, obtêm armas e dinheiro
em troca de cocaína. Os brasileiros até pensam que se tornaram poderosos,
mas o Hezbollah pode dominar o PCC. Bastaria querer.

O relacionamento com o Hezbollah não coloca facções criminosas


brasileiras, como o Comando Vermelho e o PCC, em evidência diante de
órgãos internacionais?
O DEA [departamento de drogas], o FBI [polícia federal] e a CIA [serviço
de espionagem] dos Estados Unidos têm mais com o que se preocupar,
contanto que não exploda uma bomba ali. Porém, é preciso entender que
muito do financiamento dos atentados vem de lá, onde há convergências. O
irônico desses grupos é que apelam ao contrabando e ao tráfico para
financiar suas operações, porém, quando os lucros chegam, há uma troca,
com as armas sendo usadas para manter os negócios. A convergência vem
por dois pontos. As sanções contra os apoiadores ficaram mais eficientes,
tornando necessário criar negócios próprios. Outro ponto é a presença de
facilitadores, que lavam dinheiro, possuem logística de transporte e bons
advogados, fornecendo documentos e proteção. Se o celular de um
facilitador for apreendido, veremos que os contatos com terroristas
ultrapassam suas conexões com criminosos comuns.

O Brasil é um possível alvo ou apenas um local de refúgio e obtenção de


recursos?

Não haveria perigo de um atentado, pois seria catastrófico para os


negócios. Todavia, no futuro, com tanta corrupção, ilicitudes e dinheiro
envolvidos, alguma ameaça poderia provocar uma reação. Nunca
poderemos dizer que estamos seguros.

Debelar esses grupos só seria possível com cooperação internacional?

No relatório da Asymmetrica, minha empresa de consultoria, intitulado


“Hidra Dourada”, alertamos que falta troca de informações entre as nações.
Na Tríplice Fronteira, um criminoso tem três países para onde correr.
Diante das ameaças transnacionais, é preciso colaboração, como a criação
de um centro de inteligência que reunisse as polícias nacionais.

Quais são as ações do governo americano para conter os grupos terroristas


na América do Sul?

Foi aprovada uma lei, o novo Hezbollah International Financing Act, o


HIFA. O primeiro é de 2015 e permite sancionar quem financie o grupo. A
novidade é que um dos artigos inclui tráfico de cigarros.
Na Tríplice Fronteira, o
Hezbollah contrabandeia
cigarros graças ao ex-presidente
paraguaio Horacio Cartes
A desmobilização das Farc prejudicará o tráfico e trará paz à Colômbia e
para a região?

O problema é que as pessoas não param de cheirar cocaína. Enquanto


houver demanda haverá fornecedores. Antes da Colômbia, a cocaína vinha
do Peru e da Bolívia. Sem contar que as Farc ganham dinheiro com
sequestro e extorsão.

A senhora acredita que a Venezuela deve ser classificada como um país


financiador do terrorismo?

Há provas de que o apoio ao terrorismo é uma política de Estado na


Venezuela. Eles financiam diretamente grupos, forneceram milhares de
passaportes, montaram negócios para empresas que sofreram sanções
econômicas. Investigações apontam relações antigas com Saddam Hussein,
do Iraque, e Gamal Abdel Nasser, do Egito. O projeto Pan-Árabe tem
relações diretas com os bolivarianos da Venezuela. Não se trata só de
dinheiro. Há laços de sangue com os drusos do Líbano e da Síria. As Farc
também financiavam os sírios. Isso foi descoberto após a apreensão do
computador do líder Raúl Reyes, morto em 2008. Também foi descoberto
que Hugo Chávez destinava 300 milhões de dólares por ano às Farc para
desestabilizar o governo colombiano. Ele sonhava com a Grande Colômbia
unindo os países. Na fronteira, os militares venezuelanos se criminalizaram
ao conviver com as Farc. No Arco Minero, o Exército de Libertação
Nacional colombiano, o ELN, atua como força de controle territorial. Hoje
é aliado do governo, amanhã, vai saber.

Isso quer dizer que os governos do PT apoiaram o terrorismo ao fechar os


olhos para as ações de Hugo Chávez e Nicolás Maduro?

Creio que o governo brasileiro não entendeu ou não levou a sério o projeto
bolivariano. Foram ingênuos e cometeram um grave erro. Em ambos os
países a narrativa da justiça social e do socialismo tinha razões históricas, o
que deu a desculpa para o aumento da interferência dos governos, que
capacitaram verdadeiras cleptocracias. Uma investigação séria na
Venezuela faria a Lava Jato parecer pequena. A estimativa é que sob
Chávez e Maduro foram roubados até 400 bilhões de dólares. É muito mais
do que o país necessita do Fundo Monetário Internacional para ser
reconstruído. Para piorar, hoje a crise venezuelana é uma ameaça aos
vizinhos.

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