Professional Documents
Culture Documents
RADDATZ, Vera (Org.). Comunicação, cultura e fronteiras. Ijuí: Ed. Unijuí, 2015.
Na Região Platina, quando a fronteira é tida como lugar de fim, de limite entre
Estados, as línguas espanhola, portuguesa e guarani, por serem línguas dos Estados
nacionais que a integram, também significam a divisão, a diferenciação ente povos e
territórios; já quando a fronteira é vivida como lugar de continuidade, de vizinhança entre
Estados, essas línguas, por serem línguas do Mercosul e também locais-fronteiriças,
significam o encontro entre as comunidades dos países limítrofes, as suas semelhanças
culturais, sua proximidade social.
Isso porque a fronteira platina desenvolveu relações mais intensas com os vizinhos
hispânicos do que qualquer outro ponto da fronteira brasileira, por razões como os
conflitos bélicos, a identificação com um modo de vida baseado na agropecuária de corte,
o comércio legal e ilegal, a formação das chamadas cidades-gêmeas ao longo da linha
divisória, as raízes culturais comuns (Colvero,2004).
Hibridismo linguístico
Texto: Brasil e Haiti – redesenhando fronteiras e alteridades nas interações entre mídia e
imigração Haitiana
P. 64
Autor: Denise Cogo
Mesmo lançando mão de novos recursos, no entanto, percebe-se que a mídia local
fronteiriça ainda engatinha no que diz respeito ao emprego das possibilidades que a Web
oferece. Em relação à agilidade da Internet, os meios de comunicação deixam a desejar.
As trocas entre leitor/internauta e produtores da informação são pequenas. De modo geral,
os portais, sites e blogs que analisamos são bastante estáticos. Muitos deles representam
mais um repositório de dados, composto por edições anteriores dos periódicos, do que um
canal de atualização constante que pode ser buscado pelos interessados para que tenham
informações sobre os acontecimentos em tempo real.
Outra questão observada é a falta de compromisso dessas organizações em
manterem as informações disponíveis. Sem o menor constrangimento, ou por displicência
mesmo, edições e notícias são retiradas do ar ou substituídas sem que o leitor possa
recuperar informações que estavam na versão digital do veículo. Em muitos casos, os
veículos não designam uma pessoa específica para alimentar a versão digital, chegando
várias vezes a ser uma iniciativa pessoal. Ou seja, quando o funcionário que esteja
responsável por atualizar os dados do veículo na Internet sai da empresa, as notícias
deixam de ser disponibilizadas na Web. Esta estagnação perdura até que outra pessoa
sinta-se motivadas a fazê-lo. Tal movimento demonstra o amadorismo com que as
organizações midiáticas tratam a relação com seus clientes, sejam eles leitores/internautas
ou até mesmo anunciantes.
Podemos afirmar que existe uma cultura e identidade fronteiriça plural, viva e em
constante movimento. Há elementos que são comuns às comunidades que habitam os
espaços de fronteiras nacionais. O fronteiriço tem consciência de possuir uma identidade
nacional que necessita ser reforçada a todo instante para garantir a diferença na relação
com o vizinho. Ao mesmo tempo, devido ao contato constante e intenso com esse outro,
acaba por engendrar outras características que passam a ser comuns entre ele e o outro,
reproduzidas nas expressões idiomáticas, nos gestos, nos afazeres cotidianos que, por sua
vez, são muito peculiares (quase que exclusivos) dos moradores do lugar. Como não
poderia deixar de ser, para garantir sua identidade local, este sujeito reproduz e reforça,
por meio de suas ações, características ligadas aos costumes da fronteira, ou seja, existe
uma duplicidade de pertencimento, pois simultaneamente a este exercício há a afirmação
de sua nacionalidade – brasileira, uruguaia, argentina, paraguaia ou boliviana.
Assim é a cultura fronteiriça: rica em elementos resultantes de um contato
permanente e diário entre sujeitos de nacionalidades distintas, ativa e intensa. Esta cultura
se desenvolve em regiões de bordas, com múltiplas definições – híbridas, ambíguas,
ambivalentes, mestiças, polissêmicas.
Com relação às empresas midiáticas locais, vemos estas instituições como uma
das responsáveis por reafirmar a cultura e a identidade fronteiriças. Ao posicionar-se
como sujeitos, mostrando-se como agentes do lugar, incorporadas ao contexto, auxiliam
a reforçar as práticas socioculturais como protagonistas. Incluem-se na comunidade e
participam efetivamente dos acontecimentos. Mais do que meio de divulgação, colaboram
na construção de uma imagem positiva da fronteira.
(...) As pautas confirmam a variedade de temas que podem ser explorados pelas
televisões fronteiriças. Os mais frequentes referem-se à saúde, educação, trabalho, meio
ambiente, polícia, segurança, comércio, economia, trânsito, esporte e problemas sociais.
Estes assuntos fazem parte mais constante das pautas jornalísticas porque refletem as
necessidades diárias enfrentadas pelas populações dos dois lados. Os povos da fronteira
conhecem suas deficiências e problemas. Desse modo, os temas que estão mais próximo
e relacionados com a região fronteiriça acabam sendo tratados pelas mídias locais. Já as
mídias nacionais exploram exaustivamente temas como contrabando, falsificação, tráfico
de drogas e armas. Embora estes assuntos também estejam presentes no cotidiano
fronteiriço, os outros fazem parte da rotina diária das populações e são mais importantes
do ponto de vista social e jornalístico.
Televisão e fronteira são duas palavras que parecem interagir, tal a reciprocidade
que carregam. A fronteira é uma região rica para a televisão porque congrega muitos
aspectos culturais, trocas, interações, rivalidades a serem exploradas pelo veículo. A
fronteira gera acontecimentos, a televisão os exibe. Este processo é permanente neste
ambiente porque as relações de conflito e integração estão embutidas no espaço territorial
e fazem parte do cotidiano conjunto das cidades.
Texto: Implicações (i)legais da radiodifusão na fronteira São Borja (BRA) e Santo Tomé
(ARG)
P. 161
Autor(es): Joel Felipe Guindani e Tiago Costa Martins
Numa perspectiva histórica e complexa, o rádio deve ser analisado não como um
simples instrumento de comunicação, mas como um instrumento social, político e
cultural; com linguagem e outras regras técnicas historicamente definidas, as quais
legitimam informações, constroem a credibilidade, como a própria cidadania.
Para uma reflexão ou mesmo uma possível compreensão das implicações (i)legais
da radiodifusão na fronteira também cremos ser importante um debate acerca das
transformações no tempo-espaço causados pela prática radiofônica. Observamos,
sociologicamente, que por meio do rádio, os acontecimentos e as relações sociais que os
constituem podem ser deslocados de seus contextos e reestruturados “[...] através de
extensões indefinidas de tempo-espaço” (Giddens, 1991, p.29).
Num primeiro olhar sobre a fronteira, são sempre as linhas geográficas que
aparecem como limites ou até mesmo obstáculos. Ultrapassar esses muros representa
ingressar em outra cultura e estender os laços, ampliar a visão sobre a região para poder
perceber as diferenças que separam e as afinidades que aproximam.
Para Ratzel (1993) não há Estado se não houver fronteiras Fantim (2008, p2)
sintetiza a fronteira como um cenário em que se combinam desafios e oportunidades e
onde é gerado um duplo processo cultural, caracterizado na atualidade como
transnacional: “um doble processo cultural com la permanencia de determinados
componentes tradicionales de la cultura de origen y la incorporación de elementos y
modos de vida del outro”.
Chegamos a três pontos para esclarecer o entendimento que temos sobre o que é
a fronteira, a partir dos fenômenos e movimentos que observamos no seus interior e no
seu cotidiano. São eles: uma fronteira não é igual à outra; a fronteira está em permanente
construção; a fronteira alimenta-se de si mesma e do conteúdo de quem a atravessa.
A fronteira é o resultado de todas as ações políticas, econômicas e socioculturais
que determinado espaço físico sofre no decorrer de sua história. Essas ações são fruto das
mãos dos homens – fronteiriços e não fronteiriços – e das intenções dos Estados que
influem sobre seu modo de ser e se expressar como fronteira de duas nações. Não existem
fronteiras iguais porque não há história ou cultura igual.
O principal elemento que define a fronteira é ela própria, a partir de todos os traços
que produz e dos conteúdos que a atravessam, considerando o lado de cá e o lado de lá.
Quando entram ou saem de um ou outro território, as falas, a linguagem, os ritmos e os
cantos, a música, os modos de vida, os valores, os comportamentos, os anseios, as
propostas, os contrapontos, gostos e desgostos, ritos e promessas, encantos e desencantos
vão se alojando nas fendas encontradas pelo caminho, ou seja, nas fendas humanas que
aparecem toda vez que houver algum tipo de contato entre uma cultura e outra.