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Língua

Portuguesa
Leitura

7o ano
Caderno 4
Módulo 38
Texto 1

Luna Clara no caminho, antes da ponte


Luna Clara mirou a nuvem no céu e foi correndo pela estrada.
Que sorte a dela ter encontrado aqueles dois homens encharcados.
Agora só faltava encontrar Doravante.
Era uma mistura de medo com felicidade com chuva com anoitecer com estrada o que
Luna Clara sentia.
5
Sabia que estava correndo perigo, mas era por necessidade.
Para dizer a verdade, ela não sabia muita coisa do mundo, a não ser até a beira da
estrada.
O resto era desconhecido. Exceto pelos comentários que se ouviam e imediatamente
eram passados adiante.
Corria a lenda (pela estrada que ligava Desatino do Norte a Desatino do Sul) que era
impossível passar por ali sem perder ou ganhar alguma coisa.
“Em algumas ocasiões, ganhar é que é bom, em outras o bom é perder, depende do que
se esteja falando, que gozado”, ela ia pensando. Mas aquilo já era filosofia demais para al-
guém que está se aventurando num caminho ignorado.
10
O que se podia considerar como certo era o seguinte: todo mundo que já havia se
arriscado a andar por lá chegou diferente do outro lado, não importa em que sentido estives-
se indo.
Algo muito estranho devia ter acontecido com toda aquela gente.
Falavam que era culpa de uma velha, uma dona muito estranha que morava na casa do
Vale da Perdição, com um montão de cães ferozes e milhões de outros mistérios.
Mas esse povo fala muito.
Luna Clara não era de se impressionar com histórias esquisitas e até que ia tranquila.
(Mais ou menos.)
15
Mas quando deu de cara com uma matilha de cães imensamente enormes no cami-
nho, levou um susto miserável.
Podia acontecer coisa pior?
Podia.
Assim que viram Luna Clara, os cães rosnaram para ela.
Então latiram.
20
Depois avançaram, com suas mandíbulas ameaçadoras.
Parecia história de Chapeuzinho Vermelho, mas não era. A estrada era perigosa mesmo.
Bem que sua mãe dizia.
Foi por ali, um pouquinho mais adiante, que seu pai perdeu a sorte. Aventura perdeu
a confiança no destino, seu avô perdeu todas as histórias que tinha colecionado na vida, e
suas tias perderam a esperança, mais de treze anos antes.

[O capítulo seguinte intitula-se Mais de treze anos antes e narra o que aconteceu na ponte, antes
do nascimento de Luna Clara]

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Texto 2 (fragmento)

Luna Clara e os cães na mesma estrada, mais de treze anos depois,


sem sentido contrário
Luna Clara nunca imaginou que, se um dia tivesse que atravessar aquela ponte
que sua mãe tanto odiava, estaria sendo perseguida por uma matilha de cães imensamente
enormes (ou enormemente imensos?)
Que vida mais estranha.
Agora ela estava ali com aqueles cães latindo em volta dela e aquela ponte na
frente.
Acelerou o passo.
5
E eles chegando perto.
Acelerou mais ainda.
E eles chegando quase.
Tropeçou, caiu, levantou, e os latidos bem pertinho, atrapalhando o barulho dos
passos que queriam atrapalhar o silêncio sozinhos.
Au-au-au-au-au-au, três tempos, au-au-au-au, dois tempos, au-au, um tempo só...
10
“Ai-ai-ai, será que não vai aparecer ninguém para me salvar na última hora, como
sempre acontece nas histórias?”
[...]
Adriana Falcão. Luna Clara & Apolo Onze. São Paulo: Moderna, 2002, p. 29-30 e p. 45.

1 Explique o foco narrativo do texto. Para a explicação, utilize como exemplo os parágrafos 4 e 9 do
texto 1.

2 Releia o parágrafo 4 do texto 1.


a) Copie a frase na ordem direta e restabelecendo a pontuação que a autora omitiu.
b) Essa falta de pontuação não constitui um erro, mas um recurso expressivo. Releia as duas frases
– a do texto e a que você reescreveu na questão anterior. Considerando o substantivo “mistura”,
explique qual delas é mais expressiva.

3 O medo de Clara Luna relaciona-se sobretudo à travessia da ponte.


a) Que poder extraordinário, mágico, era atribuído à ponte?
b) Qual era a origem desse poder?

4 Segundo o narrador, Luna Clara não era de se impressionar com histórias esquisitas.
a) Que expressão sugere que a personagem sentia algum medo ao atravessar a ponte?
b) Para Luna Clara os casos extraordinários relacionados à travessia da ponte pertenciam realmente à
ordem do maravilhoso? Que hipótese ela formulava para explicá-los?

5 No final do capítulo, Luna Clara é atacada por cães ferozes. Em sua opinião esse fato confirma a hipó-
tese da personagem ou é um indício de que realmente podiam acontecer coisas maravilhosas naquela
ponte? Justifique.

6 No segundo bimestre, lendo um capítulo do livro A ilha do tesouro, você estudou alguns recursos nar-
rativos utilizados pelos autores de narrativas de aventuras.

abril educação – sistemas de ensino 3 Língua Portuguesa – Leitura – 7o ano – Caderno 4


a) Explique com que finalidade a autora interrompe o episódio da travessia da ponte, iniciando outro
capítulo e deixando para depois dele a continuação da sequência interrompida.
b) Você observou que Adriana Falcão utiliza geralmente parágrafos bem curtos, obtendo com isso
muitos efeitos expressivos. Releia os parágrafos de 3 a 8 do texto 2 e explique o recurso narra-
tivo utilizado pela autora nesse trecho, cujo resultado é acentuado pela divisão dos parágrafos.

7 Interrompemos a reprodução do texto 2 no parágrafo 10. Formule uma hipótese do que poderá ocor-
rer em seguida, encerrando o episódio da travessia da ponte.

Módulo 41
Antes de ler o texto, veja a sinopse do livro Tempo de travessia, publicado pela editora nos sites de
livrarias:
SINOPSE
O Mundo das Pedras – localizado bem abaixo dos pés humanos, no interior da Terra –
passa novamente por um grande perigo. Espinélio, que já havia escravizado seres dos países
vizinhos e explorava as formações rochosas do lugar, agora ambiciona possuir as ágatas,
pedras com o poder de ampliar a comunicação telepática. Não se sabe ao certo quantas ága-
tas existiram, porém, há quatro delas ainda em atividade – duas na América do Sul e duas
na Europa, sob a guarda do povo Ionte. Essas pedras, nas mãos do terrível vilão, podem se
tornar armas poderosas, que lhe possibilitarão controlar as mentes de todos os seres do
mundo subterrâneo. Isso seria o fim do Mundo das Pedras e do Mundo Lá Fora. Nessa trama
que envolve cientistas da Alemanha, Guatemala, Inglaterra e Brasil, o leitor é levado a fazer
expedições por lugares estranhos e terras inóspitas, além de cruzar distâncias em um piscar
de olhos, através dos portais que ligam os sete reinos.
Disponível em: <http://www.livrariacultura.com.br/p/tempo-de-travessia-2560200>. Acessado em: 10 set. 2015.

Tempo de travessia
O julgamento (Cap. 1 – fragmentos)
1
Dara estava arrumando a mochila para o dia seguinte. Era fevereiro; fazia pouco
tempo que as aulas haviam começado.
Felizmente, tanto ela como Caio haviam passado de ano. Ansiava pela volta as au-
las só para revê-lo. Mas estava difícil falar com ele a sós. O amigo parecia ignorar tudo que
haviam enfrentado juntos...
A mãe já havia chamado para o jantar. Dara ia sair do quarto quando, ao olhar para
o criado-mudo, viu sua pedra-que-brilha reluzindo.
O coração da menina bateu mais depressa. Aquele era o sinal de Rutilo. Ele a esta-
va convocando! O que teria acontecido?
5
Dara ouviu a mãe chamar mais uma vez. Apressada, foi à cozinha e disse aos pais
que não tinha fome. Estava com dor de cabeça. Preferia dormir.
– Mas Dara, nem mesmo um copo de leite? – protestou Dalva, sua mãe.
– Adolescentes... – resmungou Martius, o pai, vendo a filha correr para o quarto.
Dara trancou a porta e apagou as luzes. Pegou na mão direita a pedra que reluzia;
deitou-se e fechou os olhos. O que aconteceria? Teria outro daqueles sonhos que pareciam
reais?
abril educação – sistemas de ensino 4 Língua Portuguesa – Leitura – 7o ano – Caderno 4
Em minutos, seu corpo ressonava. Dara havia mais uma vez feito a travessia para o
misterioso mundo subterrâneo.
[...]
10
Depois do tremor de terra do ano anterior, o parque da cidade fora cercado por
cordões de isolamento. Dara e a doutora Safira haviam ido lá nas férias, e sua entrada fora
barrada pela interdição da prefeitura. Ninguém podia entrar no parque a não ser daquela
forma: num sonho!
Para Dara, o sonho parecia extremamente real. Ela andou pela aleia até chegar à
clareira. Ali estava o Portal. A pedra horizontal, apoiada nas duas verticais, estava rachada,
porém mantinha-se equilibrada.
Decidida a continuar, respirou fundo e atravessou as pedras que formavam o Últi-
mo Portal.
Luz branca intensa formou-se ao redor. Ouviu passos. Como esperava, viu-se diante
de um dos Guardiães, que apontou uma lança e perguntou:
– Quem pede passagem?
15
– Dara – respondeu, tímida.
– O mestre a espera na Assembleia – disse ele, baixando a lança.
Ela não se enganara: o chamado de Rutilo era urgente. Tomou o caminho que leva-
va à Cidade Ionte. A claridade a envolvia; ali não havia noite, um sol rosado brilhava no alto.
No centro da cidade reviu a Fonte Luminosa e a casa-pedra da Assembleia, de onde
os mestres governavam a Terra dos Iontes. Tudo parecia deserto, porém dali vinha um rumor
de vozes. Talvez o povo todo estivesse lá dentro. Mas como entrar?
Como que respondendo ao que pensara, uma voz ecoou dentro de sua cabeça:
20
– Não tenha medo, Dara. Concentre suas energias e atravesse a parede.
Ela gelou. Aterrorizava-a pensar em atravessar uma pedra, mas ... a voz dissera para
não ter medo. E estava sonhando. Nos sonhos, tudo era possível!
Reuniu coragem e andou, esperando esborrachar o nariz. Em vez disso, sentiu um
estranho formigamento, enquanto tudo desaparecia. De repente, estava do lado de dentro
da casa!
Estacou, maravilhada. Havia centenas de criaturas no enorme salão. No centro,
doze assentos de pedra dispostos em círculo eram ocupados por dez iontes; dois estavam
vazios. A menina reconheceu, em um deles, o velho mestre Zircônio. Em outro, viu Rutilo.
Passou pela multidão que havia ao redor do círculo.
25
– Parabéns por sua primeira transpetrância – disse Rutilo, tomando-lhe a mão.
– Trans o quê? – estranhou a garota. – Ah! Quer dizer que atravessei a pedra? Trans-
petrância ...
– Isso mesmo, Dara – ele confirmou, sorrindo.
– Mas ... Por que me chamou, mestre?
– Pedi que viesse para depor no julgamento de Citrino. Ele é acusado de traição e
você precisa testemunhar.
30
O tempo ali transcorria de maneira diferente do Mundo Lá Fora. Podia ter passado
muito tempo desde que tudo acontecera, mas os perigos que haviam corrido e a traição de
Citrino ainda estavam bem presentes na memória de Dara.
– E Azurita, mestre? – quis saber. – Não foi convocada para o julgamento?
– Sim, o testemunho dela também e importantíssimo. Já deve estar chegando. Foi
encarregada de buscar Citrino para a Assembleia.
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Dara engoliu em seco. Aquela experiência prometia ser perturbadora
[...]
Enquanto aguardava o julgamento, no Mundo das Pedras sob o Brasil, Dara recor-
dou o que Citrino fizera.
35
– O que foi feito dele todo esse tempo, mestre? Ficou na prisão?
– Não há prisões aqui – elucidou Rutilo. – Ele esteve comigo até a Assembleia mar-
car seu julgamento. Há muito tempo não temos uma acusação de traição. É um crime grave.
– Onde estão Flint e Ônix? Eles também virão ao julgamento? – perguntou, lem-
brando-se do clorionte e do sodionte que a tinham ensinado como entrar naquele mundo.
– Estão longe, em missão – esclareceu o mestre. – Não daria tempo de chegarem.
Mas aquiete-se, Dara, o julgamento vai ter início.
Todos no recinto se calaram. Uma mulher ionte ergueu-se de um dos bancos de
pedra.
40
– Bem-vindos – disse ela. – Sou Jade, responsável pela direção desta casa. Há muito
não nos reunimos para uma tarefa tão difícil, por isso peço absoluto silêncio. Que entre o
acusado.
No fundo do salão, Azurita e Citrino atravessaram a parede e andaram até o círculo.
– Apresente-se, minha filha – disse Jade a Azurita –, e introduza o caso ao povo
ionte.
A moça sodionte tomou fôlego. Olhou para Rutilo, viu Dara de relance e começou
a falar.
– Sou Azurita, da Terra dos Sodiontes. Fugi de lá quando Espinélio começou a ex-
plodir nossas aldeias. Ele nos forçava a beber água do rio Letes, para perdermos a memória
e virarmos escravos.
45
Um murmúrio de indignação percorreu o recinto.
Azurita prosseguiu, narrando como contatara Rutilo e ele fora em seu auxílio, na
época em que Citrino fora jogado num abismo pelos guardas de Espinélio.
– Nós o salvamos, mas depois descobrimos que ele era um espião. Levava um gel
mineral criado pelo Senhor da Torre para inibir a telepatia; por isso o mestre nunca pôde
ler sua mente. Com Citrino dando informações aos renegados, Rutilo foi capturado e quase
morreu.
– Citrino, você ouviu a acusação – disse-lhe Jade. – O que tem a dizer?
Silêncio novamente. O acusado parecia oprimido pelas centenas de olhares fixos
nele.
50
– É verdade – ele disse. – Eu era um espião a serviço do Senhor da Torre.
Eliana Martins e Rosana Rios. Tempo de travessia. São Paulo : Companhia das Letras, 2008, p. 10 ss.

Nota
Para estas atividades foram selecionados três fragmentos de um capítulo, sepa-
rados por reticências entre colchetes ([...]). Esses colchetes indicam que foram
retirados fragmentos do texto que eram desvios da sequência temporal da nar-
rativa (acontecimentos concomitantes ou do passado). Nas questões a seguir, os
fragmentos foram referidos como segmento 1, 2 e 3.

abril educação – sistemas de ensino 6 Língua Portuguesa – Leitura – 7o ano – Caderno 4


1 Tempo de travessia é o segundo volume da série O segredo das pedras. Que frase do segmento 1
sugere que a aventura que vai se iniciar é a continuação de outras já vividas pela personagem?

2 Recorde a explicação sobre o gênero ficção científica:


O que define esse gênero é a busca de verossimilhança por meio da explicação científica. Os aconte-
cimentos podem ser fantásticos, fora do comum, mas parecem normais num contexto em que a ciência
os justifica. Evidentemente, essa ciência é também ficcional e baseia-se em previsões e fantasias sobre
o progresso científico da humanidade.
a) Qual é o primeiro indício dado no segmento 1 de que se trata de uma narrativa fantástica, de ficção
científica?
b) Considerando apenas o segmento 1, podemos afirmar que os acontecimentos narrados nesse livro
serão maravilhosos? Explique.
c) Aponte um detalhe de outro segmento que confirme tratar-se de uma narrativa de ficção científica,
ou seja, que contém acontecimentos fora do comum, mas que se tornam verossímeis por serem
justificados pela ciência (ainda que uma ciência fantasiosa).

3 Na vida real nomes das pessoas são geralmente escolhidos sem motivos especiais, ou seja, sem que se
pense nos significados que eles têm. Na ficção, no entanto, muitas vezes os nomes das personagens
são motivados, ou seja, são escolhidos de acordo com seus significados. Com base no título da cole-
ção e do lugar onde a personagem habita, faça uma hipótese sobre o significado nome Rutilo. Que
outros nomes de personagens podem receber a mesma explicação hipotética?

4 No parágrafo 25, as autoras criam um neologismo.

Você já estudou

Neologismo: palavra nova, derivada ou formada de outra(s) já existente(s).

a) Identifique-o.
b) Decomponha-o, ou seja, separe as partes de que ele é formado, para explicar seu significado.

5 Escreva um resumo do texto em três parágrafos, correspondentes aos três segmentos.


Lembre-se:

Para produzir bom resumo de um texto, o leitor deve adotar alguns procedimentos:
• Selecionar os fatos mais importantes.
• Agrupar e generalizar os pequenos detalhes.
• Quando necessário, reordenar os fatos pela ordem cronológica.
• Substituir o discurso direto (falas das personagens) pelo discurso indireto.

abril educação – sistemas de ensino 7 Língua Portuguesa – Leitura – 7o ano – Caderno 4


Módulo 44
A metamorfose
Daniel Becker
“O primeiro grande salto para a vida é o nascimento.
O segundo á a adolescência.”
Eduardo Kalina
1
Então, um belo dia, a lagarta inicia a construção do seu casulo. Esse ser que vivia
em contato íntimo com a natureza e a vida exterior, se fecha dentro de uma “casca”, dentro
de si mesmo. E dá início à transformação que o levará a um outro ser, mais livre, mais bonito
e dotado de asas que lhe permitirão voar.
2
Se a lagarta pensa e sente, também o seu pensamento e o seu sentimento se trans-
formarão. Serão agora o pensar e o sentir de uma borboleta. Ela vai ter um outro corpo,
outro astral, outro tipo de relação com o mundo.
3
E então, devagar e gradativamente, a criança inicia a construção do que será a sua
adolescência, dentro e através da qual se transformará. Para isso ela muitas vezes precisa
deixar de se relacionar tanto com o mundo que a cerca para se fechar um pouco em seu ca-
sulo, e se relacionar agora mais consigo mesma, com sua própria metamorfose.
4
E ela inicia a transformação que a levará a um ser adulto, mas cuja relação com a
vida é diferente. E acrescida da capacidade de reprodução da própria vida, pois ela desenvol-
veu durante a transformação as asas necessárias para esse voo.
5
Esse ser vivo, obviamente dotado de pensamento e sentimento, terá também essas
características profundamente afetadas pela metamorfose. Um ser que pensa e sente como
criança pensará e sentirá de modo bem diverso, como adulto. Ele tem outro corpo, outro
astral. Interage com o mundo de outra maneira, passa a receber exigências diferentes do
ambiente que o cerca.
6
Mas como serão o corpo, o pensamento e o sentimento desse ser que está agora
em transformação? Não o antes ou o depois, mas durante? O que acontece com esse ado-
lescente no decorrer dessa viagem?
7
Muitas vezes ele será mais dinâmico, mutável, imprevisível. Pode ser também um
tanto confuso: as partes do corpo de hoje não são mais as de ontem; as ideias já mudaram,
as emoções não são as mesmas, o comportamento surpreende até a ele próprio.
Daniel Becker. O que é adolescência. 13ª Ed. São Paulo, Brasiliense, 1994 Col. “Primeiros Passos” nº 159.

Daniel Becker nasceu em 1958 no Rio de Janeiro. É médico, especializado


em pediatria e medicina do adolescente.

1 O texto pode ser dividido em dois segmentos. Complete o quadro abaixo:

Segmentos Parágrafos Títulos

1º Do 1º ao ________ parágrafo A lagarta

2º Do ________ ao 7º parágrafo

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2 Muitas vezes o autor de um texto dissertativo utiliza também elementos concretos para desenvolver o
tema. Mas isso é apenas um recurso expressivo, para dar maior clareza ao texto, através da exempli-
ficação e da analogia.

Analogia (comparação): recurso utilizado para tornar mais clara e compreensível


uma ideia complexa. Consiste na descrição de um fenômeno mais simples ou
mais conhecido, para facilitar a compreensão de um fenômeno semelhante, mais
complexo ou desconhecido.

Neste texto, o autor compara a adolescência com o processo de metamorfose da lagarta em borboleta.
Preencha o quadro abaixo, explicitando os elementos da analogia. Na terceira coluna, escreva frases
comparativas, utilizando esses elementos.

1º elemento 2º elemento frase

O adolescente é como uma lagarta em


• lagarta criança, adolescente
metamorfose.

• casulo, “casca”

• borboleta

• metamorfose

3 Para desenvolver a analogia entre a metamorfose da lagarta e o desenvolvimento da criança, o autor


criou um paralelismo (correspondência, simetria) entre os cinco primeiros parágrafos.
Qual parágrafo do texto mantém um paralelismo com:
a) o início do primeiro parágrafo?
b) o final do primeiro parágrafo?
c) o segundo parágrafo?

4 Indique as principais transformações que ocorrem durante a adolescência, segundo o texto.


a) Psicológicas:
b) Físicas:

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Módulo 47
A menina sem palavra
(segunda estória para Rita)
1
A menina não palavreava. Nenhuma vogal lhe saía, seus lábios se ocupavam só em
sons que não somavam dois nem quatro. Era uma língua só dela, um dialeto pessoal e in-
transmixível? Por muito que se aplicassem, os pais não conseguiam percepção da menina.
Quando lembrava as palavras ela esquecia o pensamento. Quando construía o raciocínio
perdia o idioma. Não é que fosse muda. Falava em língua que nem há nesta atual huma-
nidade. Havia quem pensasse que ela cantasse. Que se diga, sua voz era bela de encantar.
Mesmo sem entender nada as pessoas ficavam presas na entonação. E era tão tocante que
havia sempre quem chorasse.
2
Seu pai muito lhe dedicava afeição e aflição. Uma noite lhe apertou as mãozinhas e
implorou, certo que falava sozinho:
3
– Fala comigo, filha!
4
Os olhos dele deslizaram. A menina beijou a lágrima. Gostoseou aquela água sal-
gada e disse:
5
– Mar...
6
O pai espantou-se de boca e orelha. Ela falara? Deu um pulo e sacudiu os ombros
da filha. Vês, tu falas, ela fala, ela fala! Gritava para que se ouvisse. Disse mar, ela disse mar, repetia o
pai pelos aposentos. Acorreram os familiares e se debruçaram sobre ela. Mas mais nenhum
som entendível se anunciou.
7
O pai não se conformou. Pensou e repensou e elaborou um plano. Levou a filha
para onde havia mar e mar depois do mar. Se havia sido a única palavra que ela articulara
em toda a sua vida seria, então, no mar que se descortinaria a razão da inabilidade.
8
A menina chegou àquela azulação e seu peito se definhou. Sentou-se na areia,
joelhos interferindo na paisagem. E lágrimas interferindo nos joelhos. O mundo que ela pre-
tendera infinito era, afinal, pequeno? Ali ficou simulando pedra, sem som nem tom. O pai
pedia que ela voltasse, era preciso regressarem, o mar subia em ameaça.
9
– Venha, minha filha!
10
Mas a miúda estava tão imóvel que nem se dizia parada. Parecia a águia que nem
sobe nem desce: simplesmente, se perde do chão. Toda a terra entra no olho da águia. E a
retina da ave se converte no mais vasto céu. O pai se admirava, feito tonto: por que razão
minha filha me faz recordar a águia?
11
– Vamos filha! Caso senão as ondas nos vão engolir. O pai rodopiava em seu redor, se cul-
pando do estado da menina. Dançou, cantou, pulou. Tudo para a distrair. Depois, decidiu as
vias do facto: meteu mãos nas axilas dela e puxou-a. Mas peso tão toneloso jamais se viu. A
miúda ganhara raiz, afloração de rocha?
12
Desistido e cansado, se sentou ao lado dela. Quem sabe cala, quem não sabe fica
calado? O mar enchia a noite de silêncios, as ondas pareciam já se enrolar no peito assusta-
do do homem. Foi quando lhe ocorreu: sua filha só podia ser salva por uma história! E logo
ali lhe inventou uma, assim:
13
Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai
meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em
bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuida-
dos. O planeta era leve como um baloa.
abril educação – sistemas de ensino 10 Língua Portuguesa – Leitura – 7o ano – Caderno 4
14
Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamun-
do. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou,
engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina
se pôs a andar ao contrário de todas as direções, para lá e para além, recolhendo os pedaços
lunares. Olhou o horizonte e chamou:
15
– Pai!
16
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios
dessa cicatriz se derramava sangue. A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim. Essa
foi uma vez.
17
Chegado a este ponto, o pai perdeu voz e se calou. A história tinha perdido fio e
meada dentro da sua cabeça. Ou seria o frio da água já cobrindo os pés dele, as pernas de
sua filha? E ele, em desespero:
18
– Agora, é que nunca.
19
A menina, nesse repente, se ergueu e avançou por dentro das ondas. O pai a seguiu,
temedroso. Viu a filha apontar o mar. Então ele vislumbrou, em toda extensão do oceano,
uma fenda profunda. O pai se espantou com aquela inesperada fratura, espelho fantástico
da história que ele acabara de inventar. Um medo fundo lhe estranhou as entranhas. Seria
naquele abismo que eles ambos se escoariam?
20
– Filha, venha para trás. Se atrase, filha, por favor...
21
Ao invés de recuar a menina se adentrou mais no mar. Depois, parou e passou a
mão pela água. A ferida líquida se fechou, instantânea. E o mar se refez, um. A menina voltou
atrás, pegou na mão do pai e o conduziu de rumo a casa. No cimo, a lua se recompunha.
22
– Viu, pai? Eu acabei a sua história!
23
E os dois, iluaminados, se extinguiram no quarto de onde nunca haviam saído.
Mia Couto. Contos do nascer da Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 89.

Mia Couto nasceu em 1955, na Beira, Moçambique. É biólogo, jornalista,


membro correspondente da Academia Brasileira de Letras e autor de mais de
trinta livros , entre prosa e poesia. Seu romance Terra sonâmbula é considerado um
dos dez melhores livros africanos do século XX. Recebeu uma série de prêmios li-
terários e, em 2013, foi vencedor do prêmio Camões, o mais prestigioso da língua
portuguesa. (Retirado da orelha do livro Contos do nascer da Terra)

1 Você já viu, lendo um conto do escritor angolano Ondjaki, que o português falado na África tem certas
diferenças em relação ao do Brasil, principalmente no léxico. Neste texto de Mia Couto, as diferenças
não se devem tanto ao fato de ele ser africano, mas à sua inventividade vocabular. Do mesmo modo
que a menina deste conto, ele parece ter “uma língua só dele, um dialeto pessoal e intransmixível”.
Observe esta última palavra: o autor parece ter misturado a palavra intransmissível (que não se pode
transmitir) com parte da palavra mixar (misturar), cujo adjetivo correspondente seria miscível (mistu-
rável). Assim, intransmixível significa, ao mesmo tempo: uma linguagem que não se pode transmitir
nem misturar.
Procure explicar o significado dos seguintes neologismos criados pelo autor neste texto:
a) Gostoseou (§ 4)
b) azulação (§ 8)
c) toneloso (§ 11)

abril educação – sistemas de ensino 11 Língua Portuguesa – Leitura – 7o ano – Caderno 4


d) rebentamundo (§ 14)
e) cintilhaçou (§ 14)
f) estrelinhações (§ 14)
g) temedroso (§ 19)
h) iluaminados (§ 23)

2 Proponha uma divisão do texto em 4 segmentos. Dê um título a cada segmento.

Segmentos Títulos

1 do § ao §

2 do § ao §

3 do § ao §

4 do § ao §

3 Explique a frase “Os olhos dele deslizaram", do parágrafo 4.

4 Retorne aos parágrafos 13 e 14.


a) Explique a expressão pôs-se em bicos de sonhos.
b) Quais as palavras utilizadas pelo autor para referir-se à lua? comente o valor expressivo dessas
palavras..

5 Releia os parágrafos 15 e 17 e explique a quem se refere o substantivo pai em cada um deles.

6 Há duas histórias neste conto, uma sendo um “espelho fantástico da história” que a personagem
inventou para a filha.
Explique por que a menina diz ao pai que ela acabou a história dele.

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