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PRISÕES PROVISÓRIAS E A MANUTENÇÃO DO SISTEMA

PUNITIVISTA: UM PANORAMA ACERCA DO PERFIL DOS PRESOS


SEM CONDENAÇÃO NO ESTADO DE ALAGOAS

Pedro Ivo Moraes de Souza1


Emerson Oliveira do Nascimento2

RESUMO

Este trabalho se dispõe a construir um panorama acerca da problemática dos presos sem
condenação no sistema carcerário alagoano, tendo como ponto de partida os dados que
comprovam um crescimento vertiginoso dessa modalidade de aprisionamento a partir de 2011
no Estado de Alagoas e, para isso, utiliza-se de informações que foram obtidas junto da
Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social de Alagoas.

1
Graduando em Ciências Sociais. Membro do Laboratório de Estudos de Segurança Pública. Bolsista da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em
Segurança Pública e Violência Urbana, atuando principalmente nos seguintes temas: polícia, violência urbana,
criminalidade e segurança pública.
2
Cientista político. Doutor (2011) em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor
Adjunto do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas. Professor do Programa de Pós-
Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de Alagoas. Coordenador do Laboratório de Estudos de Segurança Pública. Tem experiência na área de
Ciência Política, com ênfase em Criminologia e Sociologia Política, atuando principalmente nos seguintes temas:
violência urbana, políticas públicas de segurança, periferias urbanas e homicídios.
1. INTRODUÇÃO

Analisando o que nos é apresentado pela Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social de


Alagoas em relação ao número de presos provisórios no Estado e somando-se ao fato de que
esse tipo de aprisionamento teve um crescimento de 146% em todo o país entre 2011 e 2017,
salta aos olhos a necessidade de que dediquemos uma maior atenção no esforço de elucidar
alguns fatos relacionados a esse fenômeno. A partir daí comecemos a conjecturar alguns
aspectos que são chaves para tornar possível tamanha expansão na quantidade de presos não
condenados, como por exemplo a constante dilatação dentro da interpretação das necessidades
para que um acusado seja mantido preso de forma provisória no sistema carcerário (BOVINO,
1997), além de se ser uma tipificação de prisão com justificativas tão subjetivas para a o
embasamento da execução do encarceramento (ZACKSESKI, 2010) elevando ainda mais a
urgência na problematização dessas motivações, sempre com o objetivo de convirjamos para
alguns pontos que indiquem o que pode estar contribuindo para um aumento tão vertiginoso na
quantidade de prisões provisórias.

A replicação da lógica encontrada em todo território nacional aqui em Alagoas nos instigou
a construir os seguintes questionamentos acerca das características institucionais acerca dos
presos provisórios no estado: qual o perfil socioeconômico dos presos provisórios no sistema
carcerário alagoano? Qual o prazo que esses indivíduos estão sob tal condição? Quais são os
crimes pelos quais estão sendo acusados? Quais são os argumentos utilizados para a
sustentação da prisão? Existe um controle judiciário acerca dessa detenção? Os limites
temporais para a prisão provisória são atendidos?

Devido a uma grande resistência da secretaria responsável por abrigar tais dados, muitos
desses questionamentos necessitaram ser postergados, sobretudo os que se relacionam entre a
execução da prisão provisória propriamente dita, como por exemplo o tempo em que os detentos
provisórios se encontram nessa situação, o controle judiciário acerca da detenção e os
argumentos que foram utilizados como justificativa. Para desenharmos esse quadro de forma
mais eficiente, precisaremos nos debruçar acerca dos processos, fator que nos demandará um
maior esforço de tempo para execução, impossibilitando de que esses dados sejam trazidos já
nesse primeiro momento de construção desse perfil.

Em relação aos dados mais gerais acerca do preso, foi possível obter informações
importantes, como por exemplo o grau de escolaridade, cor da pele, crime pelo qual os
indivíduos estão sendo acusados, as respectivas idades, sexos e se são presos primários ou
reincidentes. Com esse material foi possível construir um banco de dados, organizando-os e
também realizando uma categorização mais específica, tendo em vista que havia uma
variabilidade muito grande entre os presídios na maneira em que os dados eram inseridos, como
por exemplo, alguns que traziam o crime a partir do artigo do código penal e outros que já
descreviam a acusação com o nome da tipificação criminal.

A partir daí, precisamos fazer uma análise mais teórica na concepção de como a prisão se
consolida diante da opinião pública, compreendendo que os sistemas penal e penitenciário
podem transpor objetivos de controle social por parte do Estado (WACQUANT, 2003) e que o
argumento mais utilizado para essas prisões é o de Manutenção da Ordem Pública (ITTC,
2016), categoria muito ampla e de interpretação subjetiva, faz-se com que seja necessário um
maior cuidado ao analisarmos os dados que alertam para a expansão dessa categoria de
aprisionamento no país. O rompimento com a ideia de que o sistema prisional é utilizado
simplesmente para contribuir com a regulamentação da violência e da criminalidade, servindo
como espécie de castigo para os que cometem delito, é um requisito para que consigamos
enxergar de forma mais lúcida o tema, tendo em vista que, se não realizado, não conseguiremos
ter uma compreensão mais aprofundada acerca do caráter extrapenal da prisão (WACQUANT,
2008).

A naturalização de que pessoas aguardem muito tempo presas sem um julgamento faz com
que a presunção de inocência seja posta em conflito, já que ao contrário do que se propõe, o
sistema de justiça criminal mantém pessoas presas sob a prerrogativa de que elas são
inicialmente culpadas e precisam demonstrar que não participaram dos crimes que foram
acusados, mas não o contrário como se põe no ordenamento jurídico nacional. Levando também
em consideração que a expansão dos dados de encarceramento no Brasil aponta para a
constituição de uma lógica de encarceramento em massa, se faz necessária uma discussão em
relação à efetividade do crescimento no número de presidiários, bem como acerca do foco das
prisões, avaliando a tipificação dos crimes cometidos pelos acusados admitidos de forma
provisória no sistema prisional.

Falando agora sobre a metodologia que foi empregada no trabalho propriamente dita, nós
colhemos dados com a Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social de Alagoas (SERIS-
AL), bem como os dados referentes ao número de homicídios no estado que é fornecido pela
Secretaria de Segurança Pública de Alagoas (SSP-AL), além de que problematizamos esses
dados com alguns pontos levantados pelo relatório especial do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública que foi recém lançado, no segundo semestre de 2018 cujo o conteúdo dialoga muito
com a pauta a ser tratada.
O espaço temporal analisado (2011 – 2017) se limitou devido à indisponibilidade de dados
que nos possibilitassem realizar um recorte temporal maior. Tendo em vista que foi a partir de
2011 que o Estado de Alagoas passou a digitalizar informações referentes à segurança pública,
foi possível garantir a confiabilidade dos dados, tanto os que foram fornecidos pela SERIS,
quanto os da SSP. Também é preciso ressaltar que para a construção do perfil dos presos,
utilizamos os dados referentes a todos as pessoas encarceradas em Alagoas no mês de dezembro
de 2017, que nos foi enviado pela Secretaria de Ressocialização mediante a solicitação via a
Lei de Acesso A Informação. Além disso, para a obtenção do número de presos condenados e
provisórios consideramos o último mapa carcerário disponível do mês de dezembro de cada
ano a partir de 2011.

Para a construção do banco de dados principal a partir das variáveis que nos foram
disponibilizadas pela SERIS, utilizamos o software R a partir da interface RStudio®, com o
objetivo de extrairmos apenas as informações que desejávamos, já organizadas e recodificadas.
Para as análises de estatísticas de frequência e descritivas utilizamos o IBM SPSS 25®, tendo
em vista que a visualização e extração dos dados se torna mais prático e objetivo por conta de
sua interface mais limpa, além nos dar a possibilidade de extrairmos esse material de uma
maneira graficamente mais visível.

2. A EVOLUÇÃO DA TAXA DE ENCARCERAMENTO EM ALAGOAS E OS


PRESOS SEM CONDENAÇÃO

É preciso que fique evidente desde o início da exposição o fato de que o sistema carcerário
brasileiro se constitui como um sistema de clivagens sociais, tendo em vista o seu perfil
segregador e a forma em que ele se consolida no aprisionamento de uma camada muito
especifica da sociedade brasileira, conforme é demonstrado em diversos estudos apresentados,
sobretudo na região sudeste, nos quais fica explicitado a reprodução da segregação social de
nossas cidades dentro do sistema como um todo.

A alta taxa de crescimento de pessoas encarceradas se demonstrou como uma das linhas
que mais se mantinham em ascensão durante a atual década. Desde o ano de 2011 estamos
observando uma elevação contínua no número de pessoas presas no Estado de Alagoas,
superlotando as penitenciárias3 e não necessariamente reverberando resultados positivos no

3
Segundo o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é recomendado a manutenção da proporção
de 1 agente penitenciário para cada 5 pessoas aprisionadas. No Estado de Alagoas a realidade é de 1 agente
penitenciário para cada 10 pessoas presas, o dobro da recomendação.
combate à violência. Como podemos observar logo abaixo, o número de detentos mais que
dobrou em um espaço de aproximadamente 7 anos, saltando dos 2108 detidos para 4390.

Gráfico 1 – Número Total De Pessoas Presas Em Presídios De Alagoas


(2011 – 2017)45

4390
4062
3750

3217
2508 2850
2108

TOTAL DE PRESOS
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Se a situação já se apresenta como desmedida na situação geral dos presos, ela piora
significativamente ao analisarmos separadamente o crescimento específico dos presos sem
condenação, partindo de uma análise em que, embasado na literatura nacional, afirmamos que
existe uma desproporção em relação a manutenção dos presos mesmo sem uma condenação
final. Além do aumento mais acentuado entre os presos que não foram condenados, não existem
sinais que demonstrem uma modificação nessa lógica de encarceramento provisório, como fica
evidente no ano de 2017, que apresentou uma queda no número de detentos condenados, mas
deu continuidade na ascensão daqueles que não possuem uma sentença condenatória, como
pode ser visto mais detalhadamente no gráfico a seguir.

O quadro que se estabelece é muito evidente: a efetuação das prisões sem condenação vem
servindo como uma válvula de escape para sanar uma lógica punitiva como sanador dos
problemas de segurança pública estaduais. Não é possível evidenciar essa afirmação, como
veremos adiante, já que não é possível observarmos uma redução significativa nos crimes para
afirmarmos que a elevação do encarceramento provisório elevada vem surtindo efeito na

4
SERIS-AL
5
Existem 4 indígenas que estão constando nos registros da SERIS-AL como presos provisórios, porém eles não
foram adicionados no gráfico para a facilitação da visualização.
redução dos crimes em Alagoas, além de que nem os crimes imputados aos acusados são,
necessariamente, alvos da ação das políticas públicas estaduais, trataremos mais
detalhadamente sobre isso na continuidade do trabalho.

Gráfico 2 – Número Total De Pessoas Presas Em Presídios De Alagoas Separadas Entre


Condenados E Sem Condenação (2011 – 2017)6

2731

2329 2323
1953
1684
1379
1128 1739 1659
1421
1166 1264
980 1129

PRESOS CONDENADOS PRESOS SEM CONDENAÇÃO


2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Como fica claramente demonstrado nos dois dados que foram trazidos acima, Alagoas vem
sofrendo com um encarceramento em massa, sobretudo daqueles que não possuem uma
condenação justificando a sua manutenção dentro do sistema penitenciário. A naturalização
dessa prática vem fazendo com que o estado seja um dos líderes nacionais em relação a
quantidade proporcional de presos provisórios comparados com aqueles que foram condenados.
Enquanto, segundo o Levantamento de Presos Provisórios do Conselho Nacional de Justiça, a
média nacional se encontra em 34% de presos condenados, a Secretaria de Ressocialização e
Inclusão Social do Estado de Alagoas nos oferecem dados em que o número de presos
provisórios chega aos 62% do total de pessoas encarceradas.

Esses dados, mais uma vez, demonstram como existe uma desproporcionalidade entre o
que é pautado na média nacional – que já se encontra muito elevada – e a realidade encontrada
em Alagoas. A visualização desse comparativo pode ser feita de forma mais clara a partir dos
gráficos a seguir.

6
SERIS-AL
Gráfico 3 – Proporção Entre Presos Condenados E Presos Sem Condenação Em
Alagoas E No Brasil7

38% 34%

ALAGOAS BRASIL
62%
66%

Como ficou claro, desde o ano de 2011 é possível diagnosticarmos um crescimento muito
contundente das taxas de encarceramento no Estado de Alagoas. Mesmo falando do total das
pessoas presas, sem realizarmos nenhuma distinção por modalidade de encarceramento, já
encontramos um número alarmante, mas além disso, uma continuidade dessa lógica, que se
torna muito mais preocupante quando começamos a destrinchar esses dados. Dessa forma, se
constata, além da existência, uma manutenção da lógica do encarceramento em massa em
Alagoas, que se consolida, principalmente, na forma das prisões provisórias que não precisam
de muito trâmite para serem decretadas e são de um caráter subjetivo muito grande, facilitando
a permanência desse preso por longos períodos de tempo8.

3. O PERFIL DO PRESO SEM CONDENAÇÃO NO ESTADO DE ALAGOAS

A distinção social entre os detentos se consolida como uma problemática a ser analisada
com muito cuidado, já que existe a aparição de um quadro muito nítido da segregação dentro
do sistema penitenciário alagoano. A concentração de encarcerados provisoriamente em perfis
sociais específicos se dá de forma tão desproporcional que não nos permite admitir que exista
uma possível forma de que seja naturalizado o fato de que, por exemplo, em Alagoas 83% dos
presos provisórios sejam pretos ou pardos , enquanto apenas 14% do total dos que se mantém
sem condenação sejam brancos, como pode ser visto no gráfico a seguir.:

7
Dados da SERIS-AL e do Levantamento Nacional de Presos Provisórios - CNJ
8
Segundo número da Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social do Estado de Alagoas, 91% das pessoas
presas sem condenação em Alagoas estão detidas há mais de 90 dias.
Gráfico 4 – Distribuição De Frequência Dos Presos Sem Condenação No Estado De
Alagoas Por Cor Da Pele

52%

31%

14%

2%

PRETOS PARDOS BRANCOS N.A.

A concentração do número de presos sem condenação em segmentos específicos da


caracterização do perfil dos detentos nos dá uma noção de como se constituem as clivagens
sociais que foram inicialmente abordadas aqui nesse texto. Como o nosso objetivo é o de traçar
um panorama acerca de qual é o perfil majoritário do preso provisório alagoano, faz-se
necessário apresentarmos mais variáveis socioeconômicas dos detentos, como por exemplo o
fato de que 92% deles são homens ao passo que 8% são mulheres.

Esse dado pode parecer inicialmente pouco significante, mas caso tracemos a linha
temporal das mulheres encarceradas provisoriamente será detectado um crescimento muito
mais vertiginoso do que em relação aos homens. Não temos fôlego para tratar de tantas frentes
nessa mesma pesquisa, mas vale a pena ressaltar que, apesar de representarem apenas 8% no
total do encarcerados sem condenação no Estado de Alagoas, as mulheres vêm sendo uma das
maiores vítimas da expansão dessa modalidade de aprisionamento, valendo ressaltar que houve
um aumento de aproximados 170% no número de mulheres encarceradas em Alagoas entre os
anos de 2012 e 2018, segundo levantamento a partir dos mapas carcerários anuais
disponibilizados pela Secretaria Estadual de Ressocialização e Inclusão Social.

Dando seguimento à exposição, também podemos reparar a partir dos dados obtidos que
existe uma concentração muito grande de presos não condenados até os 34 anos de idade. A
soma de todos os que estão presos e que possuem até os 34 anos chega aos 68% de todos os
detentos provisórios no sistema carcerário alagoano, reverberando uma lógica que podemos
visualizar, por exemplo, no perfil das vítimas de homicídio no estado. A replicação desse perfil
- preto/pardo, jovem e de baixa escolaridade – tanto nos índices de homicídio quanto nas taxas
de encarceramento é um ponto que merece uma reflexão mais crítica por parte dos
pesquisadores e do governo em si.

Por falar em escolaridade, 87% dos presos sem condenação estudaram apenas até no
máximo ensino fundamental, valendo ressaltar que 10% desse total são de analfabetos. Apenas
1% dos encarcerados provisoriamente no estado possuem diploma de curso superior e 10%
chegaram ao menos no ensino médio. Fica explícito como existe um desamparo do setor público
com esses indivíduos, bem como o reforço da lógica de quem são as reais pessoas afetadas pela
lógica punitivista que o estado vem adotando.

Por fim, vale ressaltar que 60% dos presos provisórios do Estado são solteiros, 25% são
amasiados, 10% casados e 5% se dividem entre os divorciados e os viúvos. Além disso, também
existe a distribuição dos mesmos dentro dos presídios do estado e foi elaborado o gráfico abaixo
para facilitar na visualização de tais números.

Gráfico 5 – Total De Presos Provisórios Em Cada Unidade Do Sistema Prisional


Alagoano

757

637 622

376

225

98

BALDOMERO CCC CYRIDIÃO N.R. PSM AGRESTE SANTA LUZIA

Como pode ser observado, existe uma grande concentração de presos sem condenação
entre os presídios Baldomero Cavalcante, Cyridião Durval e do Agreste. O volume de presos
sem condenação que estão no Presídio do Agreste nos chama atenção para o fato de que ele foi
inaugurado no final do ano de 2013 e já desponta como o terceiro que mais agrega pessoas em
situação de encarceramento provisório. Por fim, também é importante deixar registrado o fato
de que o Presídio Santa Luzia é responsável exclusivamente pela manutenção do
encarceramento de mulheres.

4. AS TÍPIFICAÇÕES CRIMINAIS DOS PRESOS SEM CONDENAÇÃO NO


ESTADO DE ALAGOAS

Falando agora especificamente sobre tipificações criminais, também utilizamos algumas


variáveis que nos permitem identificar padrões acerca do perfil criminal desse preso não
condenado presente no sistema carcerário alagoano. Fizemos isso com o objetivo de constatar
alguns pontos passiveis de problematização e que fossem de encontro com possíveis
argumentos utilizados, tanto pelo senso comum, quanto pelo poder público como forma de
justificar a maneira em que se dá as prisões provisórias em Alagoas.

De forma inicial é possível observar que o sistema carcerário alagoano está repleto de
presos provisórios que estão em sua primeira estadia dentro dos presídios do estado. Como
podemos observar no gráfico logo abaixo, 60% dos que estão encarcerados sem condenação
em Alagoas são réus primários, um fator que chama atenção dado que um dos principais pontos
que podem sustentar a manutenção de uma prisão mesmo sem uma condenação final é o fato
de que o acusado é reincidente, argumento que não se demonstra muito sólido na realidade
prisional alagoana.

Gráfico 6 – Distribuição De Frequência Dos Presos Sem Condenação No Estado


De Alagoas Entre Reincidentes E Primários

60%

40%

REINCIDENTE PRIMÁRIO

Caso analisemos apenas esse dado já nos dá uma sensação de inconformidade entre aquilo
que é escutado como justificativa para as prisões provisórias e a realidade encontrada nos
presídios de Alagoas. Não apenas pelo fato de que a manutenção do encarceramento sem
condenação é por si só uma problemática, mas também por ele ser um dos principais
fomentadores para uma série de problemas que encontramos nas penitenciárias brasileiras,
sobretudo a superlotação.

Partindo para a análise dos crimes imputados aos acusados nós os separamos por
categorias:

Tabela 1 – Categorias De Crimes Imputados Na Acusação Dos Presos Sem


Condenação No Estado De Alagoas

SIGLA CATEGORIA

CNVP Crime Não Violento Contra o Patrimônio

CVNLI Crime Não Letal Violento Intencional

MANDADO Mandado de Prisão

CVP Crime Violento Contra o Patrimônio

CVLI Crime Violento Letal Intencional

TRÁFICO Tráfico de Drogas

N.A. Não Há Registros

A partir dessas categorias traçamos uma distribuição de frequência para identificarmos


quais são as que mais agregam presos em situação de prisão provisória em Alagoas. A tabela
abaixo nos permite uma melhor visualização dos resultados encontrados:

Tabela 2 – Distribuição Dos Presos Sem Condenação No Estado De Alagoas Pela


Categoria Do Crime Acusado

CNVP CVNLI MANDADO N.A. CVP CVLI TRÁFICO


Número de
174 199 67 48 520 764 947
Presos
Porcentagem 6,4% 7,3% 2,5% 1,8% 19,1% 28,1% 35,0%

Como fica evidenciado, o tráfico de drogas desponta como categoria criminal


responsável pelo maior número de encarceramentos provisórios no Estado de Alagoas, nos
alertando, sobretudo, à necessidade de que o poder público reviste a Lei de Drogas e a forma
em que está sendo empregado o combate à venda de drogas. Da maneira em que se encontra,
existirá logo mais, um cenário ainda mais aterrorizante não apenas na quantidade de pessoas
presas sem ao menos serem condenas, mas, principalmente, no número de prisões
superlotadas, que resultam em gastos verdadeiramente expressivos e na continuidade de uma
lógica repressiva que não vem demonstrando ser eficiente. Além disso, nos é necessário
refletir acerca da subjetividade que circunda a imputação do crime de tráfico de drogas,
apesar desse tema ser abrangido na revisitação da lei responsável por organizar a repressão
à essa prática, não pode ser deixado passar por despercebido o fato de que não existe uma
padronização na separação entre quem é vendedor e usuário, ficando a cargo do responsável
pelo julgamento – ou até do delegado – tal distinção.

Seguindo na análise, vale a pena chamar atenção para o fato de que os CVLI (Crimes
Violentos Letais Intencionais) agregam apenas 28% daqueles que estão presos
provisoriamente, restando outros 72% de pessoas presas por crimes de menor potencial
ofensivo. Aqui se faz necessário pensarmos acerca de alguns argumentos constantemente
utilizados pelo poder público para justificar a manutenção dessa lógica de encarceramento
em massa.

É comumente ouvido que o sistema de justiça criminal precisa trabalhar como um


auxiliar das forças policias na manutenção da segurança pública, impondo para ele a
responsabilidade de punir os responsáveis pelos crimes que são apurados pelos demais
órgãos. Em Alagoas especificamente o maior ponto de combate à violência é a questão dos
homicídios, sendo então a redução da taxa de pessoas assassinadas o maior objetivo a ser
alcançado pelo governo estadual.

Estando isso explicitado, como que é possível afirmar que existe eficiência por parte do
sistema carcerário alagoano no auxilio às políticas públicas de combate à violência se o
maior enfoque dessas ações é no combate aos homicídios ao passo em que os presos
provisórios acusados de tal crime representam apenas 28% do total? Se torna muito ambíguo
imaginar que existe uma mínima relação de eficiência ou de simbiose entre a segurança
pública e a ressocialização/inclusão social no Estado de Alagoas.

Além disso, outro ponto que chama atenção na análise dos dados apresentados acima é
o fato de que apenas 2,5% das pessoas presas de forma provisória no estado foram presas a
partir de um mandado de prisão, nos levando a concluir que 97,5% do total de encarcerados
sem condenação estão nessa condição por conta do flagrante, com isso, a força policial
aparece como principal responsável para a manutenção de uma taxa tão alta de presos sem
condenação, tendo em vista que é por conta de uma retroalimentação constante nessa lógica
de encarceramento massivo de pessoas não condenadas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível constatar de forma contundente a modificação da lógica de encarceramento no


Estado de Alagoas com o passar dos anos. Mesmo com as modificações nos quadros técnicos
e da mudança na gestão do executivo estadual houve uma modificação na construção de um
cenário onde mais pessoas são presas sem uma sentença condenatória, seguindo, na verdade,
um caminho diamentralmente oposto à redução desses números.

O agravamento desse quadro não demonstra efetividade em nenhuma das proposições


sociais que são utilizadas para a justificativa dessa forma de atuação – redução da criminalidade,
auxilio na segurança pública ou punitividade como forma de garantir a ordem pública –
funcionando muito pelo contrário, como agravadores das estatísticas criminais no estado ou, no
melhor dos casos, sem realizar a menor influência em tais.

Como é demonstrado a partir das literaturas citadas na introdução, a manutenção das


prisões provisórias como um auxiliador nas políticas públicas de segurança não se demonstra
como eficiente, fator que, como dito acima, é comprovado a partir dos números aqui
apresentados. Além disso, se levarmos em consideração a afirmação - que não necessariamente
se demonstra verídica - em relação ao agravamento da presença das facções criminosas – se é
que podemos as chamar como tal - no estado, um adensamento da população prisional tenderá
a aumentar o contato dos acusados com tais organizações criminosas.

Em suma: Alagoas dá continuidade a lógica nacional de encarceramento em massa, se


desenvolvimento de forma ainda mais acentuada do que no país, além de que não são medidas
as consequências negativas que isso pode ocasionar e acrescendo o risco de uma maior
propagação de lógicas criminais e organizações que se consolidam no cerne das prisões. Como
já dito anteriormente, também é importante ressaltar que não existe uma efetividade observável
através dos números que pudemos ter contato em relação ao sistema de justiça criminal
alagoano servir como um braço auxiliar da segurança pública.

Em continuidade, o trabalho também demonstra o quanto que o sistema carcerário se


desenvolve como um grande gerador de clivagens sociais internas e vai ainda mais um pouco
além disso, encarcerando àqueles que são mais vulneráveis e criando uma segmentação muito
especifica dentre os que são mantidos encarcerados ou não, mantendo fora das prisões os que
pertencem aos quadrantes sociais mais favorecidos e sem liberdade os indivíduos que não são
de interesse para o funcionamento da sociedade (WACQUANT, 2007).

Um dado que nos salta aos olhos é a proximidade entre o perfil dos presos provisórios em
Alagoas com o daqueles que são vítimas de homicídio. As similitudes chamam atenção imediata
concentrando os números naqueles que são mais jovens, pretos ou pardos, moradores dos
bairros periféricos da cidade, pouco escolarizados e de baixa renda. Vale acrescentar nesse
ponto que pesquisas realizadas pelo Laboratório de Estudos de Segurança Pública também
apresentam que essas são as segmentações sociais mais presentes dentre as vítimas dos
homicídios cometidos por policiais em serviço no estado.

Falando especificamente sobre a condição acusatória dos presos provisórios é importante


lembrar o fato de que a maioria deles são réus primários, demonstrando que não
necessariamente o cárcere vem sendo aplicado aos criminosos recorrentes. Além de que não é
possível caracterizarmos os crimes imputados aos encarcerados como de grande potencial
ofensivo, tendo em vista que a suma maioria dos que ali estão, sem condenação, estão sendo
acusados de crimes que não envolvam morte, em outras palavras, não são homicidas.

Em consoante ao apresentado acima, é necessário que se reforce que apenas 28% dos
presos não condenados no Estado de Alagoas estão sendo acusados por CVLI (crime violento
letal intencional) que, por sinal, o combate é o principal enfoque das políticas públicas
apresentadas pelo poder executivo estadual, o que descaracteriza mais uma vez o argumento de
que o Sistema de Justiça Criminal de Alagoas atua como um braço não oficial da Secretaria de
Segurança Pública.

Além disso, é importante ressaltar que 35% dos encarcerados provisoriamente estão sendo
acusados por tráfico de drogas e as experiências de análise de inquérito que podemos ter contato
na literatura nacional demonstra o quão frágil são essas acusações, tendo em vista que a Lei de
Drogas como um todo é pautada em um alto grau de subjetividade, cabendo muitas vezes ao
delegado de polícia a distinção entre usuário e traficante e na maioria dos casos a sentença das
audiências de custódia, se é que elas existem nos casos, são apenas replicando o que está
presente nos boletins de ocorrência ou inquéritos policiais.

Para fecharmos as considerações acerca das imputações criminais e somando-se aos dados
que foram trabalhados nos dois parágrafos anteriores, o flagrante é o principal artífice para
justificativa das prisões provisórias, tendo em vista que 97,5% de todos os indivíduos
encarcerados sem condenação no Estado de Alagoas possuem como indicador de culpabilidade
a prisão em flagrante. Mesmo quando existe a audiência de custódia, como foi inicialmente
citado anteriormente, as decisões não passam da replicação daquilo que é trazido pela polícia
através dos boletins de ocorrência ou inquéritos policiais.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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