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PRIMEIROS PASSOS
RUMO À PSICANÁLISE
Primeira edição
2012
Copyright © 2012 by Renato Dias Martino
Bibliografia.
1. Psicanálise I. Título
ISBN 978-85-64166-16-5-8
5-64166-13-4
CDD-616.8917
12-07746 NLM-WM 460
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada
ou reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico,
fotocópia, gravação, etc - nem apropriada ou estocada em sistema de banco de
dados, sem a expressa autorização do Autor.
4
Dedico este livro
aos meus queridos alunos:
ele foi feito pra vocês.
5
6
Agradeço à minha família,
que foi o continente acolhedor
para que o conteúdo deste livro
se desenvolvesse e se realizasse.
7
8
Prefácio
9
tes conceitos da Psicanálise Freudiana. É aqui, nas entre-
linhas de cada capítulo, que a essência dos pressupostos
teóricos transforma, radicalmente, a percepção individual
do ser enquanto personagem de uma sociedade cada vez
mais complexa. A cada fragmento da obra percebe-se que
o cunho da Psicanálise não é o último meio para a reso-
lução de problemas e doenças, mas sim um processo de
edificação, uma demonstração para indicar o inefável, o
eterno desejo pelo incognoscível.
Assim, compreende-se que a investigação sis-
tematizada do inconsciente apresentada aqui implica num
mergulho profundo à Filosofia, à Literatura, à Biologia da
Mente, à Cultura e, fundamentalmente aos inúmeros en-
cantos do mundo dos sonhos e das inconstantes arritmias
do amor. Por isso, diante da inegável complexidade do ser
humano frente à nossa coleção de neuroses, encontramos
na sublimação da perversão a energia para nossas reali-
zações culturais onde o “eu” e o “outro” se confundem
no êxtase das “leis” da realidade. Nesta obra, o leitor terá
o privilégio de mergulhar nesse campo de conhecimento
pelos olhos de um pesquisador que ultrapassa os limites
da ciência e busca na imersão do conhecimento respostas
para aquilo que ainda não compreendemos.
Alexandre Costa
10
Sumário
Introdução 13
Breve biografia de Sigmund Freud 15
A quebra de narcisismo 17
A histeria 19
Um novo método 22
Outros pensadores 23
C. G. Jung 24
Melaine Klein 25
Psicanálise e cultura 26
Conceito de libido 27
Os processos e os princípios do funcionamento mental 29
Instâncias da mente 31
O inconsciente - Ics. 33
O reprimido 35
Os sonhos 38
O pré-consciente - Pcs. 39
Conceito de representação 42
O consciente - Cs. 44
A dinâmica da libido no aparelho mental 46
Outros vértices analíticos 51
Filosofia e Psicanálise 52
Esboço da segunda tópica do aparelho psíquico 54
O segundo vértice 54
O id 55
O ego 57
O superego ou ideal de eu 59
Fases do desenvolvimento libidinal 64
O auto erotismo e o narcisismo 64
Objeto 65
As fases 69
Fase oral 70
Identificação 72
Contribuições de Melanie Klein 75
O conceito de símbolo 78
Aspectos sádicos orais 79
Objeto transacional: a primeira possessão não-eu 81
Fase anal 82
Fase fálica 85
O complexo de Édipo 88
Fase da latência 89
Fase genital 91
Perversão 93
Os desvios do amor 95
Conclusão 101
Bibliografia 103
12
Introdução
13
A partir da ideia da Metapsicologia, trazida
pela Psicanálise, houve considerável mudança no vértice,
na percepção, no entendimento e no pensamento sobre
a Psicologia, Sociologia, Antropologia e, sobretudo, na
forma de perceber aquilo a que chamamos de aparelho
psíquico.
14
Breve Biografia de Sigmund Freud
15
apresentasse sinais somáticos. Depois de alguns estudos
frustrados sobre o uso da cocaína, Freud passa a estudar
as doenças da alma e a escrever uma coleção de obras
que hoje é um tesouro para o pensamento da psicologia
universal.
Em 14 de setembro de 1886 Freud casou-se
com Martha Bernays (1861 - 1951) e tiveram seis filhos.
Entre eles a caçula Anna Freud (1895 - 1982), também
destacada psicanalista. Freud viveu em Viena a maior par-
te de sua vida. No ano de 1923, descobriu um pequeno
tumor no seu palato direito. Esse câncer no maxilar o leva
a 33 cirurgias. Essa sequência de cirurgias o fizeram per-
der o maxilar superior, tendo de instalar aí uma prótese
para poder movimentar a boca. Nesse mesmo ano acon-
tece a primeira difusão das obras de Freud em espanhol
na América Latina.
Em março de 1938, acontece a invasão da
Áustria pelas tropas alemãs de Adolf Hitler (1889 - 1945).
Freud era judeu e Hitler, tomado por sua intensa perse-
guição a esse povo, então, mandou queimar qualquer
livro que possuísse a assinatura do pai da Psicanálise.
As forças do nazismo ainda invadiram e assaltaram a sua
residência, forçando a partida de Freud para Londres,
Inglaterra. Contando com a intervenção do diplomata
americano William Bullitt (1891 - 1967) e tendo o resgate
pago por Marie Bonaparte (1882 - 1962), sobrinha bis-
neta de Napoleão que com sua fortuna ajudou a popula-
rizar a Psicanálise, Freud pôde deixar Viena com sua fa-
mília. Em Londres, estabeleceu-se em uma bela casa em
Maresfield Gardes, onde no futuro se instalaria o Freud
Museum. Freud escreveu ali, sua última obra, “Moisés e
o monoteísmo”.
16
Depois de dois dias em coma, Sigmund Freud,
bastante idoso, faleceu em 23 de setembro de 1939, às três
horas da madrugada. Não suportando mais o sofrimento
decorrente do câncer, do qual era vítima há treze anos, ele
morreu tranquilamente por meio de injeções de morfina. A
seu pedido, e com o consentimento de Anna Freud, rece-
beu do médico e amigo, que cuidou de seus últimos dias,
Max Schur (1897 - 1969), três injeções de três centigramas
de morfina. Seu corpo foi cremado em Golders Green.
A quebra de narcisismo
17
pensava até então. E o darwinismo, que propõe a ideia da
evolução, em que o homem não está no topo da evolução
biológica, sendo um animal entre os outros.
Grande admirador de Charles Darwin (1809 -
1882), e sua teoria, Freud o tem como referência em gran-
de parte de sua obra, e o elege como participante dessa
tríade de quebra narcísica. Descrevendo as pesquisas de
Charles Robert Darwin, propõe:
18
pensamento na Arte, Ciência e Filosofia. Personalidades
como o físico Albert Einstein (1879 - 1955) e o filóso-
fo Friedrich Nietzsche (1844 - 1900) produziram grandes
obras contemporaneamente.
A Histeria
19
A técnica da clínica de Breuer e Freud era ba-
seada na sugestão, ou seja, através da hipnose o pacien-
te, em estado de transe, teria investigada sua mente em
seus resíduos e símbolos de ocorrências traumáticas. Nestes
elementos suspeitava-se originar a patologia mental. Assim,
descoberta a causa, esta era revelada ao paciente, em mo-
mento oportuno, tentando-se revivê-la. Dr. Breuer acredi-
tava no que se denominou “estados hipnóides da mente”.
Ele, então, desenvolve o método da catarse no tratamento
desta enfermidade do psiquismo.
Nas palavras de Freud:
20
a inspiração para o criptônio da primeira paciente trata-
da pela Psicanálise. Este fora o primeiro caso publicado
por Freud.
Partindo do radical “histeros” (útero), nasce
o termo histeria, que designaria um estado patológico
que, a princípio, seria descrito ocorrendo apenas em
mulheres. Nas palavras de Freud, em seu texto “Histe-
ria” (1888):
21
corpo físico. Naturalmente, certo conflito entre um medo
e um desejo. Uma ordem de conflitos que pode promover
severas perturbações no funcionamento mental. Isso pelo
fato de que o medo é filho do desejo.
Em seu “Esboço de Psicanálise”, publicado
em 1940, Freud escreve:
Um novo Método
Freud usa da hipnose e do método catártico
por mais algum tempo, mas começa a perceber que esse
método, na busca da ab-reação, não apresentava bons re-
sultados em todos os pacientes. Percebe que a Psicanálise
não poderia continuar atrelada a um método tão trabalho-
so e cheio de restrições como o da hipnose. Na realidade,
percebe que, mesmo sem ser submetido à hipnose, o pa-
ciente revelava seus conflitos psíquicos no conteúdo que
trazia em sua fala. Assim, passa a desenvolver e utilizar-se
do método que chamou de associação livre. Com isso,
inicia o rompimento com os estudos do método catártico
do velho amigo e colega de estudos, Breuer, com quem
havia publicado estudos em conjunto.
22
O novo método conta com o que Freud cha-
mou de “regra fundamental”, o que consistiria em pedir
ao paciente que falasse livremente tudo o que lhe viesse à
mente, mesmo que lhe parecesse incoerente ou sem nexo.
Através das associações de ideias, o analista desenvolveria
interpretações, a fim de revelar conteúdos reprimidos em
sua mente. No discurso do paciente, estariam dois tipos
de conteúdo:
a) manifesto: é “o que”, representado nas
questões explícitas, naquilo que o paciente verbali-
za. Elementos conscientes para o sujeito.
b) latente: é o “como”, contido nas ques-
tões localizadas no ponto cego da mente, fatos re-
lacionados a frustrações e com tendência a serem
evitados, que o paciente não verbaliza, mas ainda
assim revela indiretamente. Isso por estarem incons-
cientes para o sujeito.
Em 1891, Freud publica “Contribuições à
Concepção das Afasias”, livro que assina, definitivamente,
o rompimento das teorias sobre os “estados hipnóides” e
o método catártico de Breuer.
Outros pensadores
23
o de cada um dos divergentes, mas soma a Psicanálise
como forma nova de pensar a dinâmica da mente. No
livro “W. Bion: uma Psicanálise do Pensamento” (1995),
Antônio Muniz de Rezende (importante psicanalista brasi-
leiro) usa a fórmula dos modelos para dizer que ser fiel a
Freud não é parar em suas ideias (modelos) originais, mas
partir delas para expandi-las, o que o próprio Freud fez
em toda a sua obra.
24
Melaine Klein (1882 – 1960)
25
pensadores que trazem ideias de enormes proporções
para a Psicanálise. E assim como o próprio Freud es-
crevera, “outros virão”.
Retomaremos Jung e Klein em certa altura
deste trabalho que nos permita maior compreensão inter-
na (insight) do que é Psicanálise.
Psicanálise e cultura
26
Conceito de libido
27
atua é a pulsão de morte, Thanatos - na mitologia grega,
filho de Nyx (a Noite), irmão gêmeo de Hipnos. Enquanto
Hades reina sobre os mortos, Thanatos é a própria per-
sonificação da morte, que vive paralelamente com Eros
e cujo objetivo é conduzir a inquietação da vida para a
estabilidade do estado inorgânico. A energia que era pro-
jetada para fora do aparelho psíquico agora é direcionada
para o mundo interno. A pulsão de morte é caracterizada
por ações repetitivas que parecem retornar a um está-
gio anterior do desenvolvimento, se expressa através de
tentativas de cisão das partes do objeto (amor X ódio).
Um movimento que tende à desvinculação das partes
frente à ameaça. Freud introduz a teoria das pulsões e
em 1924, monta um esquema que traz o princípio de
nirvana como objetivo da pulsão de morte. No texto O
PROBLEMA ECONÔMICO DO MASOQUISMO (1924),
Freud descreve:
“O princípio de Nirvana expres-
sa a tendência do instinto de morte; o
princípio de prazer representa as exi-
gências da libido, e a modificação do
último princípio, o princípio de realida-
de, representa a influência do mundo
externo. Nenhum desses três princípios
é realmente colocado fora de ação por
outro. Via de regra eles podem tolerar-
se mutuamente, embora conflitos es-
tejam fadados a surgir ocasionalmente
do fato dos objetivos diferentes que são
estabelecidos para cada um...”
28
a buscar a paz (por isto Freud se refere ao conceito de
Nirvana), enquanto por outro lado, a libido (instintos de
vida), introduz no psiquismo uma dose de excitação e im-
pulsiona no sentido da busca de um objeto.
29
Agora o “eu” e o “tudo” já não se confundem mais. O
outro não é apenas reconhecido como outro, mas vem
com a realidade de que o eu depende fundamentalmente
dele. Se no processo primário a lei partia do afastamento
do desconforto independente da realidade, agora, no pro-
cesso secundário, o referencial é justamente a realidade.
Esse novo funcionamento onde o outro é fundamental é
regido pelo princípio de realidade. Essa é a introdução
da consciência, instância superior da mente que teremos
chance de estudar com mais cuidado em capítulos seguin-
tes. Sobre isso, Freud escreve em 1911:
30
desprazer e servem para adiar ou afastar desconfortos, em
nome de um bom funcionamento mental. Entretanto, a ori-
gem do pensamento, que é da ordem do processo secun-
dário, se encontra na capacidade de testar a fantasia frente à
realidade. Não é um simples contraste, mas uma derivação.
O pensamento seria uma antiga fantasia que se submeteu ao
princípio de realidade, que, por sua vez, é o princípio do
prazer modificado pela realidade.
Esta realidade interna é sempre regida por um
alto grau de onipotência, que tende a se dissolver quando
emerge para camadas mais altas do aparelho mental. As-
sim, as ideias passam por aquilo que Freud denominou de
teste de realidade, e chegam à consciência em forma de
pensamento.
Apesar de a função mais evoluída dos pro-
cessos mentais, o processo secundário, ser parte do
sistema consciente, é apenas uma parte do aparelho
psíquico que funciona assim. Na maioria do tempo, o
aparelho psíquico funciona pelo processo primário, em
que o pensamento mágico impera. Essa é justamente a
forma de pensar que está disponível a um bebê em seus
primeiros anos de vida.
Instâncias da Mente
31
onde se apresentavam sistemas ou instâncias com fun-
ções específicas que funcionavam interdependentes entre
si. Assim, Freud desenvolve a teoria da Metapsicologia,
que envolve para além do conhecimento do sujeito. Freud
descreve um modelo de psicologia denominada Psicologia
Profunda, que abarca todas as nossas percepções, ideias,
lembranças, sentimentos e atos – todos fazem parte do
que é psíquico, sendo ou não compreendido no nível da
percepção.
Buscando no radical grego “topos”, que signi-
fica ‘lugar’, Freud determina o que seria “Primeira Tópi-
ca”, na teoria freudiana: a topografia da mente. Na geo-
grafia topográfica, por exemplo, se utiliza do termo para
descrever as regiões mais profundas ou mais elevadas do
terreno. Desta mesma forma, nesse primeiro modelo, a
psicanalise se utilizou desse conceito para descrever e
mapear a mente. Dentro desse modelo, Freud dividiu a
mente em três instâncias: Inconsciente, Pré-consciente e
Consciente.
Freud descreve o aparelho mental, mas alerta
sobre a subjetividade do termo quando propõe:
32
dais em que se encontram dois ou mais fios como se fossem
um só. Este fio de informações é a linha em que o analista,
através da associação livre de ideias, se apoia para a in-
vestigação e proposta de interpretações no tratamento dos
conflitos patológicos da mente. Com o modelo topográfico,
a perspectiva passa da antiga visão horizontal para um vér-
tice vertical, revelando uma conotação de profundidade, o
que poderíamos chamar de mapeamento mental.
O inconsciente - Ics.
33
tempo e espaço, atribuída só com a introdução da experi-
ência com a realidade externa, isto é, só a partir do nível
pré-consciente, e diz:
34
Na realidade a capacidade de perceber as pro-
duções do inconsciente ainda é muito primitiva em nossa
espécie e, muitas vezes, nos vimos presos a essas produ-
ções, tomando-as como realidade.
O reprimido
35
se, no teste, for rejeitado pela censura,
não terá permissão para passar à segun-
da fase; diz-se, então, que foi ‘reprimi-
do’(...).”
36
da. Esse elemento externo passa a ser, para a percepção,
um indicativo de ameaça e propenso a ser evitado de
maneira fóbica e não mais uma ameaça que parte do
impulso interno. Dessa maneira o reprimido passa a ser
uma parte do ‘eu’ que não pode ser assumida conscien-
temente como integrante do próprio eu. Um fato psíqui-
co que não consegue encontrar lugar na consciência, um
afeto, uma necessidade ou, simplesmente, um impulso
primitivo que não teve a chance de evoluir ganhando
sentido de ideia ou status de característica consciente
no ‘eu’ do indivíduo. O reprimido está condenado, pelas
instâncias censoras do “eu”, a viver nas profundezas do
inconsciente. Mas, amiúde, tenta emergir na personali-
dade consciente provocando, assim, os sintomas da neu-
rose. Segundo Freud, o sintoma da neurose traz consigo
um enigma que, através da interpretação, pode encon-
trar a solução para o conflito.
Segundo Freud, os conteúdos que não foram
aceitos no pré-consciente e no consciente ficam retidos
no inconsciente como conteúdo recalcado e que, poste-
riormente, podem se disponibilizar como material para
a instalação de uma patologia. Mas, Freud, em 1915,
descreve o inconsciente como algo mais abrangente que
um continente de elementos não aceitos e recalcados,
quando apoia:
Continua:
37
“O inconsciente abrange, por um
lado, atos que são meramente latentes,
temporariamente inconscientes, mas
que, em nenhum outro aspecto, diferem
dos atos conscientes, e, por outro lado,
abrange processos tais como os reprimi-
dos, que, caso se tornassem conscientes,
estariam propensos a sobressair num
contraste mais grosseiro como restante
dos processos conscientes.”
Os sonhos
38
mentalmente superiores, foram reprimidos e arremessa-
dos de volta para o inconsciente. Freud conclui o texto
“Comunicação entre os dois Sistemas”, com o seguinte
adágio:
O pré-consciente - Pcs.
39
simples. Logo acima do sistema inconsciente, localiza-se
o pré-consciente. Freud escreve em 1915:
40
por meio de um ato motor ou um comportamento (não
congruente com a ocasião). De algum modo, este com-
portamento é caracterizado por uma forma repetida (re-
petição) de lidar com o conflito.
Conteúdos (ideias) do sistema pré-consciente
podem emergir e retornar ao nível profundo do incons-
ciente se necessário for, por medidas defensivas. Assim,
do ponto de vista econômico, pode ter investimentos
maiores e menores de catexias libidinais e, dependendo
do critério da censura, pode aparecer para a consciên-
cia. O conteúdo psíquico necessita passar pelo sistema
pré-consciente para atingir o topo do aparelho psíquico,
ou seja, pra que possa emergir a consciência. Antes dis-
so, esses conteúdos podem ficar abrigados no incons-
ciente, em que são mantidos como reprimidos (como
vimos anteriormente) da consciência. Freud escreve, em
1900, com propriedade, e mostra como se percebe o
Pcs.:
41
Os elementos contidos no sistema pré-cons-
ciente podem ser exemplificados, em parte, por tudo aquilo
que lembramos, mas que, de alguma forma, não conse-
guimos trazer à consciência. Isso nos sugere um tipo de
critério de seleção baseado em uma censura que barra estes
conteúdos de se tornarem conscientes. É como se pudésse-
mos dizer: “eu sei mas não sei como dizer ao outro”.
Nesse estágio do processo mental, aquilo que,
até então, se mantivera como ideias primitivas e incons-
cientes, agora ganha atributos e definições pré-conscien-
tes como a temporalidade, noção espacial e uma escolha
objetal mais adequada. Só assim pode-se emergir a um es-
tágio superior do aparelho mental e, em um novo estágio,
se desenvolver até que chegue à consciência, podendo,
assim, ser vivido na realidade. Freud coloca uma condição
para que os conteúdos emerjam para as camadas supe-
riores do aparelho psíquico quando escreve em seu texto
“Instintos e suas Vicissitudes”:
Conceito de Representação
42
ca, pânico), e, então, ele percebe alguém ou algo (objeto)
que pode trazer alívio (prazer). Talvez isto seja um protóti-
po de um modelo ulterior de relação: “Existe alguém que
cuida de mim e é confiável.” O oposto ocorre quando não
há quem cuide ou quando o período de espera é longo
demais, até que chegue o cuidador, ficando comprome-
tida então a chance de simbolizar a experiência. Daí em
diante, o caminho da libido investida pode tomar rumos
contrários, como é o caso do mecanismo de repressão
(conceito já estudado anteriormente). A libido que se bus-
cava ligar ao objeto externo é introvertida em direção ao
inconsciente. Não se construiu a representação.
Poderíamos, agora, fazer uso de um modelo
filosófico para pensarmos o conceito de símbolo. Imagi-
nemos, então, algo, alguém, algum lugar, que possamos
sentir a presença mesmo não podendo confirmar com
os órgãos dos sentidos. O símbolo se encontra exata-
mente na ausência real-sensória do objeto. O simbolizar
é a capacidade de sentir a presença mesmo na falta,
através de uma imagem internalizada. Teremos chance
de cuidarmos melhor do conceito de símbolo mais a fren-
te, nesse trabalho.
É no pré-consciente que ocorre a junção da
‘representação de coisa’ com a ‘representação de palavra’.
Freud, talvez orientado por Immanuel Kant
(coisa-em-si), propõe aquilo que chamou de “representa-
ção de coisa” (objeto). A partir desta capacidade de abs-
tração, desenvolve-se a “representação da palavra”.
43
substantivos. A própria representação
do objeto é, mais uma vez, um complexo
de associações formado por uma gran-
de variedade de representações visuais,
acústicas, táteis, sinestésicas, e outras. A
Filosofia nos diz que uma representação
do objeto consiste simplesmente nisso –
que a aparência de haver uma ‘coisa’ de
cujos vários ‘atributos’ essas impressões
dos sentidos dão testemunho, deve-se
meramente ao fato de que, ao enume-
rarmos as impressões sensoriais que re-
cebemos de um objeto, pressupomos a
possibilidade de haver grande número
de outras impressões na mesma cadeia
de associações.” (J. S. Mill) Freud. O
INCONSCIENTE (1915)
O Consciente - Cs.
44
nele, não se inscreve qualquer traço durável das excita-
ções. No vértice econômico, caracteriza-se pelo fato de se
dispor de uma energia livremente móvel. O interesse cons-
ciente muda de direção com facilidade e a energia libidinal
se desloca. Isso é muito claro no mecanismo de atenção.
Desprendemos de atenção consciente para algo que no
próximo momento já não nos desperta tanto interesse.
Quando falamos do consciente estamos nos
referindo a certa camada do aparelho psíquico que fica
em contato direto com o mundo externo, a forma externa
da personalidade. Se pensarmos num modelo de forma-
ção natural ou de estrutura da natureza, poderíamos aqui
sugerir a figura de uma cebola. Onde as cascas mais du-
ras, secas e sem vida protegem aquilo que está lá dentro,
vivo e muito frágil. Sob esse ponto de vista o consciente
é a proteção daquilo que se encontra no interior, o pré-
consciente que também guarda certa cota de propriedade
defensiva da mente e o inconsciente que necessita ser de-
fendido por não conhecer (ser reconhecido) pela realidade
e funcionar de uma forma diferente do mundo externo.
Justamente por ser superficial é que o sistema consciente
guarda características superficiais da personalidade.
Assim, o sistema consciente tem a função de
receber informações das excitações provenientes do ex-
terior e também do interior (do sistema pré-consciente)
que ficam registradas, qualitativamente, de acordo com
o prazer e/ou desprazer que elas causam. Isso sempre
com o intuito de equilibrar as emoções visando o bom
funcionamento interno. Entretanto, o consciente não re-
tém esses registros e representações como depósito ou
arquivo deles. Nas palavras de Freud, “ser consciente não
pode ser a essência do que é psíquico” e já, em 1900, ele
descreve a função do sistema consciente como:
45
“Apenas o de um órgão sensorial
para a percepção de qualidades psíqui-
cas. De acordo com as ideias subjacentes
a nosso ensaio de um quadro esquemá-
tico, só podemos encarar a percepção
consciente como a função própria de
um determinado sistema e, para este, a
abreviação Cs. parece apropriada.”
46
Assim, podemos dizer que o consciente é o
campo do pensamento.
A dinâmica da libido no aparelho mental
47
ideias. Isso por conta de sua primitiva forma, escassa de
qualidades da consciência que permitam ser comunicáveis
ao outro. Nesse estagio primitivo e profundo do aparelho
topográfico, ou seja, no nível inconsciente, os elementos
tentam por meio de ação emergir para o mundo externo
e assim aliviar o desconforto que é gerado a partir de sua
origem. São governados por um funcionamento descrito
por Freud como processo primário, onde o eu coincide
com a totalidade do mundo e a capacidade de distinção
entre o eu e o outro é impossível. Sob essa regência a
função do aparelho mental está calcada no principio do
prazer, que busca a todo custo o alívio das tensões que
partem do interior. Ao se pronunciar no mundo externo
por encontrar um possível objeto, conquista o status de
impulso, isso por se tratar agora de uma ação. Mas, para
ser chamada de impulso, é necessário que exista um obje-
to, assim como já propunha Arthur Schopenhauer (1788
- 1860) filósofo alemão do século XIX, em sua obra O Li-
vre Arbítrio: “Quando um homem quer também alguma
coisa: a sua volição sempre se refere para o qual tende,
não podendo ser pensada senão em relação àquele ob-
jeto.” (Pag. 33)
A libido que é agora projetada num objeto do
mundo externo tem as características de Eros o deus grego
do amor, do qual Freud utilizou-se para ilustrar a pulsão
de vida. Eros, que é para a Psicanálise o movimento da
libido do interior para o exterior, busca, através da libido
objetal, ligar-se ao objeto.
A partir daí é introduzido um novo funciona-
mento mental, que Freud denomina processo secundário.
Se no começo buscava-se o outro para satisfazer pulsões,
agora é justamente o outro que trará a proposta de um
novo funcionamento mental. Nesse novo modo de funcio-
48
nar, a realidade externa se mostra presente e importan-
te, assim o princípio do prazer que vinha comandando o
aparelho psíquico dá lugar para o princípio de realidade,
que usa a verdade externa como referência para funcio-
nar. Aquilo que se apresentava como libido livre agora se
acha vinculada a um objeto num novo modelo de ligação
designado catexia libidinal.
Contudo, se esse impulso que parte do inte-
rior do aparelho psíquico não encontra no objeto externo
um representante capaz de contê-lo, acolhê-lo, ele retorna
então para dentro do aparelho psíquico. Faz isso num tra-
balho de Tânatos, o deus da morte, mito grego que Freud
usou para ilustrar a pulsão de morte. A função da pulsão
de morte é recuperar a harmonia e a calma interna evi-
tando assim as tensões conflituosas entre mundo interno e
mundo externo.
Freud chamou esse estado mental ansiado
por Tânatos de principio de Nirvana. Por tender à sepa-
ração das partes, para forma inanimada, essa qualidade
de pulsão afasta a libido do objeto externo e direciona
para dentro, no inconsciente, lugar de onde partiu. As-
sim, na teoria psicanalítica essa pulsão toma o nome de
reprimido, um elemento renegado, expulso dos domínios
da consciência e retirado de volta para o inconsciente de
onde se originou. Agora esse conteúdo psíquico amiúde
tentará emergir no mundo externo. Mas a partir de ago-
ra o reprimido tentará emergir modificado por conta do
fracasso na primeira tentativa. Surge agora projetado no
outro. A partir daí não mais como parte ou características
do eu, mas como se existisse e vivesse no outro. Outro
esse, com o qual o sujeito da libido manterá certo vínculo
especial. Um vínculo cunhado por características ambi-
valentes. Amor e ódio rondarão e disputarão lugar nessa
49
ligação estabelecida com comprometimentos e repleta de
fantasias geradas através do processo de repressão.
Agora é no pré-consciente que esses ele-
mentos se encontram. Nesse nível do aparelho psíquico
apresentam-se em sua forma latente, podendo emergir
à consciência por ventura e dependendo da qualidade
do ambiente, enquanto objeto. No pré-consciente ocorre
certo processo de mistura e decantação daquilo que é
do imaginário e aquilo que é da realidade externa. Esses
elementos já puderam receber certas noções conscientes
por terem agora uma memória da experiência com o
mundo externo e passam a ser vinculados à represen-
tação verbal. Por ocasião do impulso, ganharam certas
noções como tempo e espaço. Contudo, ainda não são
totalmente conscientes, pois reservam uma cota muito
grande de conteúdos imaginários e fantasiosos sobre a
realidade.
No entanto, na experiência de contato com
o mundo externo, dependendo da prematuridade se dá
a repressão, os impulsos são arremessados como repri-
midos para o fundo do inconsciente. Isso sem ter tido a
chance de vincularem-se a características particulares do
sistema consciente. Nesse caso já não têm tanta chance
de um dia se tornarem dignos dos processos mais nobres
do aparelho psíquico como o consciente. Pois só ao atin-
gir esse estagio superior da topografia mental poderá se
manifestar como linguagem e assim tornar-se capaz de ser
comunicado ao outro (com – ciência).
Na medida em que o conteúdo psíquico
consegue encontrar um objeto continente no mundo ex-
terno, e que esse objeto o receba e sirva a ele como
representante, esse elemento evoluirá na escala do de-
50
senvolvimento mental e passará para a divisão superior
do aparelho psíquico. A camada que está diretamente
em contato com o mundo externo. Sendo um elemento
presente no consciente, pode agora desfrutar de uma
serie de experiências das quais antes não era capacitado.
Agora ele faz parte do “ser” do sujeito. Freud chamou
essa experiência de representação.
51
Melaine Klein propõe um inconsciente pri-
mitivo de um bebê, representado por objetos parciais
e descreve este momento como posição esquizo-para-
nóide, que, na medida do desenvolvimento saudável de
seu aparelho psíquico, em que predomine a satisfação
às frustrações, o bebê integra estas partes em um objeto
total, entrando no que Klein chama de posição depres-
siva.
Filosofia e Psicanálise
52
tões da Psicologia, pedindo para entrar.
A Filosofia e a Literatura quase sempre
o manipularam distraidamente, mas a
Ciência não lhe pôde achar uso. A Psica-
nálise apossou-se do conceito, levou-o a
sério e forneceu-lhe um novo conteúdo.
Por suas pesquisas, ela foi conduzida a
um conhecimento das características do
inconsciente psíquico que, até então,
não haviam sido suspeitadas, e desco-
briu algumas das leis que o governam.
Mas nada disso implica que a qualida-
de de ser consciente tenha perdido sua
importância para nós. Ela permanece a
única luz que ilumina nosso caminho e
nos conduz através das trevas da vida
mental.”
53
quico.” (Freud – O INCONSCIENTE E A
CONSCIÊNCIA- REALIDADE – 1900).
O segundo vértice
54
o estudo da segunda tópica, ou seja, o escopo desse
esboço.
A partir dessa nova perspectiva, a ideia da
segunda tópica se consolida de forma mais segura em um
dos últimos entre os grandes trabalhos teóricos de Freud,
O EGO E O ID (1923). Freud propõe um modelo que trans-
cende a visão passiva da topografia presente no primeiro
modelo e abre então uma visão estrutural do psiquismo.
Porém, para que possa haver boa e segura es-
truturação do aparelho psíquico é indispensável a inclusão
da função paterna ou, como coloca o psicanalista francês
Jacques Lacan (1901 – 1981), “o nome do pai”. O nome
do pai, que não tem necessariamente relação com a po-
sição biológica da paternidade, é o que nos estrutura en-
quanto sujeito, ou seja, “aquele que deseja”. É justamente
a introdução dessa figura que permitirá a representação
de uma parte significante dos processos psíquicos.
O Id
55
Outro pensador que na mesma época também
cogitara a ideia de um modelo parecido foi Friedrich Wi-
lhelm Nietzsche (1844 - 1900), importante filosofo alemão
contemporaneo de Freud, que se esforçou na tarefa de co-
gitar o “isso” contido na alma humana. Contudo, o vértice
de Nietzsche guarda proporções da filosofia literal, distante
da aplicabilidade psicoterapeutica proposta por Freud.
Id é a parte do aparelho psíquico estrutural
mais primitiva, de onde partem as “paixões desenfrea-
das”, a origem das pulsões. O id fica totalmente imerso no
inconsciente, logo é comandado pelo principio do prazer
e funciona pelo processo primário (já mencionados nesse
trabalho quanto à primeira tópica).
Por se tratar de um polo psicobiológico, o que
se pode perceber sobre o id são manifestações de pulsões
que dali provém. A posição topográfica do id o coloca
muito próximo do campo somático, assim as manifesta-
ções do orgânico amiúde se confundem com as manifes-
tações do próprio id.
O suíço C. Gustav Jung (1875 - 1961), um dos
discípulos mais importantes de Freud, chama a atenção
para uma substância do inconsciente que chamou de in-
consciente coletivo, o lugar dos arquétipos. Os arquétipos
estariam, segundo Jung, esperando que os preenchamos
com nossas experiências. De qualquer forma, na dimen-
são do id somos todos muito parecidos, nos distinguindo
uns dos outros apenas quando submetidos a alguns atribu-
tos conscientes, logo deslocados da própria posição de id.
A ideia de id fica, sem duvida, mais clara quando se pode
pensar em sua relação com a parte da estrutura mental do
qual Freud chamou de ego.
56
O ego
57
Contudo, se a forma abandonada de ligação
não pode evoluir para ligação objetal e manteve-se como
identificação com o objeto, então o ego não poderá con-
tar com essa experiência para nutrir-se e expandir em seu
processo de desenvolvimento. Nesse momento a quali-
dade do vínculo conta com a capacidade do objeto em
conter os conteúdos psíquicos nele projetados.
Nessa fase do processo, se o que se instalar for
um padrão de relação de cunho narcisista, isso conduzirá à
cristalização do modelo da identificação. O sujeito é proibi-
do de ser ele mesmo, se vendo obrigado a ser um espelho
do outro, sob esse modelo vincular. O ego se desenvolve
conforme a capacidade da evolução no vínculo através do
modelo da ligação objetal.
Na visão de Wilfred R. Bion (1897 - 1979),
grande psicanalista contemporâneo e discípulo de Me-
lanie Klein (1882 - 1960), do id brotam os elementos
beta, o nome que deu para as pulsões desordenadas
que tenderiam por procurar a realidade. Buscando no
mundo externo (num movimento de Eros) um objeto
que possa ser capaz, através de certa função alfa, de
transformar elementos beta em elementos alfa. Des-
sa forma, através de um modelo continente/conteúdo
agora esses elementos integram-se ao ego e a persona-
lidade consciente. A capacidade de autocontenção das
emoções está localizada no ego. É o centro do “apare-
lho pensador”.
Entretanto, apesar das tentativas de diferen-
ciação entre ego e id, em 1923 Freud alerta: “O ego não
se acha nitidamente separado do id; sua parte inferior
funde-se com ele.” (pag. 37) Existe no ego uma parte in-
consciente de onde são gerados os mecanismos de defesa
58
do ego. São recursos auto-defensivos que antes de tudo
privam por um bom funcionamento psíquico.
Para Melanie Klein, em sua obra A IMPOR-
TÂNCIA DA FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS NO DESENVOL-
VIMENTO DO EGO de 1930, a capacidade de formação
de símbolos é o que permite estar ligado a aquilo que
não está disponível ao alcance dos órgãos dos sentidos.
O símbolo é o vínculo afetivo com o real; o que integrará
e desenvolverá o ego em sua estrutura e posição topográ-
fica na mente. Na formação do ego abre-se mão de certa
urgência na confirmação dos órgãos dos sentidos. A par-
tir da estruturação egóica nos tornamos mais capazes de
tolerar faltas. Isso, por conta da capacidade de contenção
ou auto-contenção. O nome popular do ego é autoestima.
A capacidade de auto reconhecimento e autovalorização
coincide com o próprio ego.
Um ego fortalecido reflete justamente na ca-
pacidade de vincular-se às coisas do mundo de forma afe-
tuosa e verdadeira. A capacidade que se pode ter em valo-
rizar o outro, sem que isso comprometa o reconhecimento
do ego, coincide com a auto-estima. Logo, a gratidão é
sinal do bom funcionamento mental.
O superego ou ideal de eu
59
desenvolve a ideia do supereu baseando-se na ideia do im-
perativo categórico introduzida por esse importante pen-
sador, em sua obra CRITICA DA RAZÃO PURA, de 1781.
Na "primeira crítica" de Kant o imperativo
categórico coresponde à noção moral do ser humano. O
representante de certo dever que coincide com ser e se
comportar da mesma forma como se deseja que todo ser
humano o faça.
Pensar em um modelo superegoico é pro-
por certa segurança confortante das certezas, mas com
o empobrecimento gerado pela escassez gritante de pos-
sibilidades. A saber, sobre a importancia do processo, a
presença das possibilidades é a unica maneira de se de-
senvolver a fé.
O superego pega emprestado da racionalida-
de fatos isolados e condena o eu como se essas partes da
realidade fossem o todo. Por conta dessa parte que foi re-
tirada da realidade, a afirmação de um sentimento incons-
ciente de culpa fica psicologicamente incoerente, assim
como coloca Freud, em 1924, quando propõe a idéia de
necessidade de punição, já que busca na realidade exter-
na argumentos racionais como álibis condenatórios nas
imperfeições do ego. Desvalorizando o ego ele assume o
comando.
Freud atribui ao superego o título de herdeiro
do complexo de Édipo. Sob essa perspectiva, a força que
reprimiu os sentimentos incestuosos nos processos edípi-
cos hoje atuam na estrutura do eu como superego. Dessa
forma, Freud oferece um modelo em 1923, onde aquilo
que antes pertencia à escala mais baixa nos processos
psiquicos é transformado, mediante a criação do ideal de
ego, na mais alta virtude.
60
Existem dificuldades especiais no caminho
para a compreenção interna dos processos geradores as-
sim como a formação do conceito de superego enquanto
constituinte da estrutura mental. Isso porque sua localiza-
ção trancende o modelo topografico. Freud escreve em O
EGO E O ID (1923) que “seria vão, contudo, tentar loca-
lizar o ideal de ego, mesmo no sentido que localizamos
o ego, ou encaixá-lo em qualquer analogia com auxilio
das quais tentamos representar a relação entre o ego e o
id.” (pag. 49). O superego surge como um representante
do id, mas agora se utilizando de fragmentos da realidade
externa em sua tarefa de desqualificar o ego que por sua
vez, é um representante do mundo externo. Ele é o ideal
de ego, ou seja, o que o ego deveria ser e cobrará isso do
ego em cada percepção de suas falhas.
Algumas obras anteriores ao trabalho publica-
do em O EGO E O ID de 1923 são de grande importância
na pesquisa sobre a segunda tópica, pois já revelavam um
modelo de pensamento que seria gerador desse vértice da
estrutura mental. No seu texto ALÉM DO PRINCÍPIO DO
PRAZER, de 1920 e também em 1921, no célebre capitulo
de PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EGO, que
trata do conceito de identificação, o pai da Psicanálise
já havia definido muito claramente o modelo exposto em
1923, contudo, em SOBRE O NARCISISMO: UMA INTRO-
DUÇÃO, de 1914, Freud mencionara a ideia de um ide-
al de eu como um agente auto-observador, que amiúde
é projetado em figuras de autoridade como o professor,
o chefe, assim como na figura da pessoa amada. Essa
ideia evoluiu em 1917 quando Freud publicou LUTO E ME-
LANCOLIA, trazendo o a concepção melancólica de um
influente crítico que recai sobre o ego, na situação da per-
da do objeto. Já se mostra aí um esboço do pensamento
61
estrutural onde na perda do objeto do qual se mantinha
uma relação de identificação o superego obriga que o ego
“torne se” esse objeto, no intuito de satisfizer o id.
Daí por diante a segunda tópica tornou-se ins-
trumento fundamental na reflexão psicanalítica. Em 1924
no trabalho O PROBLEMA ECONOMICO DO MASOQUIS-
MO, Freud já utiliza com habilidade desse modelo e revela
aí dados importantes sobre a atividade do superego ou
ideal de ego no funcionamento mental, sua relação com
o lugar do id e assim o comprometimento disso com o
desenvolvimento do ego.
Melanie Klein publica em 1957 INVEJA E
GRATIDÃO, e nesse trabalho apresenta certo ponto de
vista que distingue do estudo de Freud quanto à estrutura-
ção do aparelho psíquico. Klein propõe um modelo mais
precoce do que o proposto por Freud. Na visão freudiana
focalizava-se a importância dos processos edípicos (logo
a formação do ideal de eu) na fase fálica do desenvolvi-
mento emocional (por volta dos três anos de idade). Nesse
período Freud chama a atenção para constituição do ideal
do ego, ou superego (identificações originalmente decor-
ridas dos contornos de autoridade dos pais), que passa
a existir como substituto dos desejos edípicos. “O ideal
do ego é, portanto, o herdeiro do complexo de Édipo
e assim constitui também a expressão dos mais podero-
sos impulsos e das mais importantes vicissitudes libidinais
do id.” (Pag. 48), Freud escreve em A DISSOLUÇÃO DO
COMPLEXO DE ÉDIPO (1924).
Dispõe essa teoria que indica um avanço no
pensamento psicanalítico de onde Klein parte e expande,
propondo os processos do complexo de Édipo ocorrendo
numa época mais primitiva da vida do bebê.
62
Existe um vínculo direto entre a
inveja que se experimenta para com o
seio da mãe e o desenvolvimento do
ciúme. O ciúme se baseia na suspeita
do pai e na rivalidade com esse, que
é acusado de ter se apossado do seio
materno e da mãe. Esta rivalidade assi-
nala os primeiros estágios do complexo
edipiano direto e invertido, que normal-
mente surge concomitantemente à posi-
ção depressiva no segundo trimestre do
primeiro ano de idade. (Pag. 63)
63
sa, tão forte, tão poderosa, que a coisa dentro não pode
se desenvolver”. Nessa mesma perspectiva Freud, já em
1923, postulava a dificuldade do tratamento psicológico
para aquele que se encontra encapsulado por um modelo
de superego rígido e cruel.
Aquele que não é capaz de amar pode usar a
culpa para não ser abandonado.
64
a desenvolver o que chamaríamos de amor narcísico. Na
realidade só admitirá o outro se o outro for para ele um
espelho. No narcisismo primário, ele se vê no outro (mãe).
Nesse modelo, ele é (deve ser) o desejo da mãe. “Ela vive
para e por mim”.
Em 1914 no texto SOBRE O NARCISISMO:
UMA INTRODUÇÃO, Freud distinguiu duas formas da
libido: libido do ego ou libido narcísica; e a libido do
objeto, que é dirigida ao um mundo externo onde se
encontra o objeto, fixando-se, abandonando-o ou pas-
sando de um objeto para outro (modelo anaclítico de
ligação). A segunda permite maior observação e estudo,
enquanto a primeira se faz oculta, por se tratar de um
processo interno.
Objeto
65
Na busca pelo objeto, se dá o desenvolvimen-
to da libido. A personalidade se organiza em torno de
zonas erógenas, com vivências e sensações muito especí-
ficas. Uma área do corpo físico que fica especificamente
disposta para o contato com o outro. As zonas erógenas
concentram um elevado grau de excitação. Cada fase des-
te desenvolvimento é acompanhada de uma orientação
libidinal, que se desloca pelas zonas do corpo, até que
se desenvolva e concentrem-se predominantemente nos
órgãos genitais, para assim se encontrar sob a influência
da função reprodutora.
A predominância das zonas erógenas se mo-
difica ao longo do desenvolvimento caracterizando fases.
São tentativas de ligação com os pais, inicialmente com a
mãe (objeto), de quem se desligou fisicamente há pouco
tempo. Desde o nascimento até o segundo terço do pri-
meiro ano de vida, o interesse (libido) da criança se cen-
traliza quase que exclusivamente na mãe, é ela o objeto
inicial na vida emocional do bebê, mas as consequências
da ausência do vínculo paterno são tão graves quanto. A
presença do pai, a princípio, se faz importante enquan-
to ideia no interior da mãe, entretanto essa experiência
simbólica carece do encontro com o “outro real”. Não se
pode criar uma imagem interna sem um representante no
mundo externo.
É de extrema importância que, ao se arris-
car nesse abismo chamado bebê, a mãe conte com um
alguém (marido/pai) que mantenha a mão seguramente
dada. De outra forma existirá sempre um grande risco de
se perder nesse abismo. A mãe e o bebê se confundem,
e essa importante experiência de discriminação entre um
e outro só pode ocorrer com a entrada de mais alguém
(o pai) na relação. É daí que ela buscará a resposta para
66
o viver, ou a confirmação da existência: “Sou amada”, já
que o bebê não pode fazê-lo. Assim, a presença da figura
paterna é justamente aquilo que trará a qualidade de vín-
culo com o objeto (a mãe).
Um modelo muito interessante é o da for-
mação da natureza, onde a fêmea prenha busca um lo-
cal seguro para se aninhar e receber seu filhote. Nes-
se momento contará com o resguardo do macho que a
protegerá das ameaças externas e proverá recursos para
que ela se ocupe em assegurar as melhores condições
possíveis para o desenvolvimento deste que nasce. Uma
fêmea sem esse resguardo nunca poderá cuidar do que
precisa ser cuidado.
O nascimento de um bebê mexe profunda-
mente na estrutura, no funcionamento emocional do su-
jeito, assim como do casal e da família. O bebê traz angús-
tias das quais, a mãe, mesmo abalada pela situação, deve
velá-lo. O pai suficientemente bom, por sua vez, sente e
participa da mesma dor, que inunda esse complexo pro-
cesso, tentando elaborar sentimentos invejosos gerados
pela atenção da companheira, que se desloca dele para
a criança.
Essas relações são carregadas de erotismo e
afeto (amor e ódio). Freud 1940 escreve:
67
em sugar dá prova, em estágio preco-
ce, de uma necessidade de satisfação
que, embora se origine da ingestão da
nutrição e seja por ela instigada, esfor-
ça-se todavia por obter prazer inde-
pendentemente da nutrição e, por essa
razão, pode e deve ser denominada de
sexual.”
68
As fases
69
pensador”, ou seja, o pensamento já existia e o pensador
nasce para sê-lo. A relação entre continente e conteúdo:
enquanto as paredes do continente são formadas por in-
variâncias, o conteúdo pode ser pura transformação.
Aqui cabe uma analogia interessante com o
mito de Narciso, que é fruto de um estupro. Diz o conto
do mito que, a ninfa Liríope, mãe de Narciso, é violentada
pelo rio Cefiso e assim concebendo a bela criança. Quan-
do Liríope consulta Tirésias, o oráculo de Delfos, tem a
notícia de que Narciso seria muito feliz e viveria muitos
anos, porém com a condição de nunca olhar pra si mes-
mo, ou se conhecer. Um dia ele olha para sua imagem na
margem do rio e se apaixona por si mesmo. Ficando ali,
definha ate a morte. Onde seu corpo ficou nasceu uma
flor bela, porém estéril. A origem da palavra “narcótico”
parte do nome de Narciso: “Narkissos” ou “narkes”, en-
torpecido, topor.
Logo, grande parte do que os pais imaginam
e desejam a respeito do filho, virá de alguma forma recla-
mar lugar na realidade psíquica deste que chega.
Não sendo o objetivo deste trabalho nos ater
na vida psíquica fetal, passemos então, em Freud, a pensar
sobre um modelo de psiquismo que pôde ter a chance de
experimentar um desenvolvimento psíquico fetal satisfatório.
Fase oral
70
instinto de auto-preservação com o instinto sexual. Grada-
tivamente o bebê vai percebendo e vê-se obrigado a criar
recursos para enfrentar a realidade do desprendimento da
mãe. Nessa fase, denominada por Freud de organização
sexual pré-genital canibal, a boca é a primeira via de con-
tato com o mundo externo, que neste momento se reduz
ao seio. É na região bucal que está localizada a área eró-
gena, nessa fase. A cada contato com o real compreende
uma tentativa de comê-lo, incorporá-lo pela boca. Freud
descreve essa fase em 1905 da seguinte forma:
71
orientação do prazer/desprazer, ou seja, o “principio do
prazer”. Esse modo de funcionamento mental é regido pelo
pensamento mágico, é repleto de fantasias. Por se tratar de
um período regido pelo processo primário, a condensa-
ção e o deslocamento são mecanismos básicos desta fase.
Os primeiros objetos são chamados objetos parciais, sendo
que a criança percebe cada aspecto de um objeto como
objetos diferentes e separados. Só depois de algum tempo
consegue percebê-los como um único objeto, a integração
(base da teoria kleiniana – mais bem estudada à frente).
Identificação
72
Essa tendência à identificação com objetos
com grande investimento de libido permanece inconscien-
temente por toda vida, apesar de não ocupar papel cons-
ciente nas relações de objeto em fases posteriores da vida.
Se a identificação persistir como dominante nas relações
de objeto, na vida adulta, é uma evidência de um desen-
volvimento deficitário do ego, sugerindo talvez um quadro
patológico (podendo caracterizar-se em psicose). Nesses
casos, a personalidade do indivíduo varia, de acordo com
suas relações de objeto. “O outro me indica o desejo, o
que sinto e o que sou”. A partir desta ideia, original de
Freud, Melanie Klein (1882 - 1960) desenvolverá o con-
ceito de identificação projetiva.
Quando surgem as primeiras experiências de
desprazer (fome, frio, cólica, pânico) e surge alguém que
gera prazer ou alívio, cria-se a catexia do objeto, o que
Freud chamou de representação de coisa – “há alguém
que cuida de mim e é confiável”. O oposto, quando não
há quem cuide, ou o bebê é submetido a um longo perío-
do de espera, e não há chance de simbolizar a experiência
como boa, gera, posteriormente, personalidades menos
estáveis, onde o nível de tolerância à frustração é mínimo.
Isso por que a falta da maternagem foi registrada como
experiência de desamparo. O medo do abandono é vivido
pelo bebê como sensação de destruição iminente, já que
o bebê só sobrevive através da mãe. Falhas nesse perío-
do podem servir como protótipos de relações que serão
vividas sempre com uma carga enorme de desconfiança.
Como pudemos ver anteriormente, a dependência da mãe
é correspondida por uma forma especial de amor; o amor
narcísico, já que o bebê se vê na mãe.
Esta fase é delicada, já que é o inicio do desen-
volvimento do ego. Sua formação depende fundamental-
73
mente da capacidade de formação de símbolos. O processo
de formação simbólica é um modelo de estruturação mental
que percorre todas as fases e não é exclusivo da fase oral.
Quando Freud desenvolveu a teoria do apare-
lho funcional, denominou o ego como uma modificação do
id pelo teste da realidade, e assim a formação da persona-
lidade do sujeito. O pensamento foi desenvolvido a serviço
do teste de realidade e tem como precedente a fantasia.
Freud escreve que o sujeito faz uso da ação quando não
houve a possibilidade do pensamento. Poderíamos criar um
quadro esquemático onde há o impulso, que, num contato
com o real, cria certa fantasia, que por sua vez pode ser
transformada em ação ou, submetida ao teste de realidade,
transformada em pensamento.
Freud escreve em FORMULAÇÕES SOBRE OS
DOIS PRINCÍPIOS DO FUNCIONAMENTO MENTAL (1911-
1913)
74
Contribuições de Melanie Klein
A Teoria das Posições
75
em sua integração, depende da mãe para proporcionar
noções de contenção, como as de amparo, constância e
equilíbrio. Em sua formação inicial, varia quanto ao grau
de integração e deflexão. Esse processo de disputa entre
Eros (pulsão de vida) e Tânatos (pulsão de morte) é a par-
tir de então projetado no mundo externo. Parte da pulsão
de morte é projetada e outra cota permanece direcionada
para o interior do aparelho psíquico. A projeção da pul-
são de morte se faz numa tentativa de evitar a ansiedade
gerada ao conter essa espécie de pulsão. Já a projeção da
pulsão de vida vem como tentativa de criar um objeto que
irá satisfazer suas necessidades. Assim, o seio se divide
em seio ideal e seio persecutório.
Isso acontece com as fantasias do seio bom ou
idealizado, fundindo-se com a experiência gratificante do
amor da mãe e a satisfação da alimentação; já a fantasia
de seio mal e perseguidor funde-se com a privação dessas
satisfações. Na imaturidade emocional a impossibilidade
de perceber a mãe como ‘outro’, ou seja, como alguém to-
tal, faz com que o bebê, em seus estágios iniciais da vida,
entenda a mãe como objetos parciais. Isso quer dizer que
cada aspecto dela é separado do todo. Assim, também as-
pectos desprazerosos são isolados dos aspectos prazero-
sos. Essa maneira de funcionar é descrita por Klein como
posição esquizoparanoide (esquizo = dividido, paranoide
= perseguidor). O objetivo desse funcionamento mental é
separar o bom do ruim, assim como manter um afasta-
do do outro. Contudo, cada movimento projeção dessa
espécie carrega também uma consequência interna. Ao
projetar o ruim como se estivesse no outro, implica em
que o outro seja o inimigo perseguidor, entretanto, manter
o ruim dentro de si, acarreta a sensação de abandono e
definhamento. A partir das idéias kleinianas, o ponto de
76
fixação das psicoses se encontra nessa posição, vivida na
tenra infância. Assim, percebemos que o ego se desintegra
para se defender e dessa mesma forma podemos sugerir a
manifestação de certo instinto de auto-preservação.
Na mesma medida em que as projeções pe-
culiares dessa posição puderem ser recebidas pelo objeto
e subsequentemente de volta introjetadas de maneira tran-
quila, o bebê vai se tornando mais capaz de reconhecer o
objeto externo (mãe). Wilfred Bion (1897 – 1979) chamou
essa função materna, de receber projeções do bebê e de-
volver a ele de uma forma emocionalmente inteligível, de
rêveri. A partir desse processo, conforme a integração do
ego, num ego total, também os objetos parciais podem ser
integrados, tomando a forma de objeto total. A essa posi-
ção Klein deu o nome de depressiva. É quando se é capaz
de suportar a culpa de ter odiado aquele que ama tanto.
A capacidade de reconhecer que o seio mal, odiado por
privar da satisfação, é o mesmo seio bom, nutridor e que
traz conforto. No entanto, reconhecer objeto total inclui
que o bebê seja capaz de admitir a existência de alguém
além dele e, também, que ele depende desse alguém para
viver.
Poder experimentar da posição depressiva é
ter a capacidade de recordar da satisfação durante a pri-
vação, contudo também ser consciente da privação du-
rante a satisfação. Nessa posição, a principal ansiedade
parte da fantasia de que os impulsos em forma de idéias
destrutivas e hostis tenham danificado o objeto amado.
Ao descobrir que o objeto não é uma criação sua, o bebê
então quer possuir esse objeto. É como se, por não ‘ser’
o objeto, o bebê quer, então, ‘ter’ o objeto. O impulso é
de manter o objeto dentro de si e, em última instância,
protegê-lo de sua própria hostilidade.
77
Na realidade estamos refletindo sobre a forma
como o bebê se manifesta emocionalmente na ausência da
mãe e como o adulto, em algum grau, tende a se manifes-
tar na iminência das perdas da vida adulta. Esse modelo
de transição das posições na vida adulta ainda acontece,
ou seja, quando Melanie Klein propõe esse modelo de
funcionamento mental, ela fala de algo que está presente,
em alguma medida, na vida emocional. Isso independente
da época da vida ou do grau de maturidade emocional. Na
realidade nossa vida é feita desse constante exercício em
eleger o que é bom ou ruim pra nós, assim como na ne-
cessidade da integração desses dois aspectos na tentativa
de certo equilíbrio mental.
O conceito de símbolo
78
Símbolo, no grego clássico, symbállen (syn
= junto e bállein = lançar), que significa juntar, ou lançar
pra junto. Isso vem de encontro com a cópula propria-
mente dita. O sim-bólico está em contra ponto com o
dia-bólico do grego diabállein (dia = longe). Onde um
tem a função de unir o outro separa ou lança longe. O
símbolo é a única via segura de confirmação do que é
real, pois é uma ligação afetiva com a realidade. Uma
experiência emocional (interna) que encontrou no real
(no outro) um representante que se transforma em sím-
bolo. Tratamos aqui de certa experiência amorosa com
a verdade. O amor à verdade. A verdade que não se co-
nhece, mas, mesmo assim se persegue. Sem a promessa
do prazer que nos traz as certezas. A propósito, o dito
popular é coerente, “a verdade dói”. Assim, Immanuel
Kant (1724 - 1804), filósofo alemão nos orienta no uso
dela: “verdade sem amor é crueldade”.
O exercício do simbolizar é algo dinâmico, que
se transforma constantemente e dessa forma é invariavel-
mente mutável enquanto símbolo. O ‘eu’ é construído e
constituído através de símbolos e por eles faz sua manu-
tenção. Assim, somos feitos de símbolos. Importante seria
ressaltar o risco presente na incapacidade de simbolização
quando relacionada à concepção de uma vida é especial-
mente delicada.
79
pode manifestar-se na ação de morder, mastigar, cuspir
ou chorar está vinculada aos desejos e fantasias primiti-
vas. Esses fatores implicam em fantasias de hostilidade,
destruição do seio e assim como o espoliar do objeto.
Segundo Klein isso faz com que o objeto seja dividido
em seio bom e seio mal. O mundo é percebido pela
boca. Quando existe uma falha na capacidade da mãe
em receber (conter) estes impulsos sádicos e de certa
forma desorganizados (originários do interior do bebê) e
transformá-los em algo compreensível para ele, o bebê
recebe de volta todo sua insatisfação e desespero, com
o agravante da ausência de esperança. O que em um
adulto pode ser uma simples indisposição talvez causada
pela fome, em um bebê pode surgir como a iminência da
destruição.
Uma ação de maternagem suficientemente
boa proporciona a essa nova vida que surge, um ambiente
seguro para desenvolver-se a capacidade de pensamento
que permite ao bebê que simbolize cada impulso origi-
nado de dentro (vontade ou necessidade) com uma força
externa acolhedora, protetora e nutridora (a mãe, primeira
pessoa que ele conhecerá nesse mundo). É como se a
mãe dissesse: “pode sonhar, que do que está a sua volta
eu cuido”.
O êxito na resolução da fase oral proporciona
uma base na estrutura do caráter para a capacidade de
dar e receber sem excessiva dependência ou inveja; uma
capacidade de confiar no outro, com um sentimento de
segurança, confiança em si mesmo.
80
Objetos Transicionais:
Primeira possessão não-eu
81
intervenção da mãe. Quando fala da mãe-ambiente pro-
põem um lugar seguro para cultivar a ilusão e uma forma
tranquila de se desiludir. O bebê imagina um seio e a mãe
coloca o seio real exatamente onde (e quando) o bebê está
pronto para criá-lo. Registra-se a ideia que existe um cor-
respondente externo (na realidade) para sua capacidade
de criar (fantasias – interno).
Fase anal
82
de esfíncter, sem controle excessivo (retenção fecal) ou
perda de controle (sujando-se), está unido às tentativas
de autonomia e independência da criança sem medo ou
vergonha da perda de controle.
Revela-se um valor simbólico das produções
anais. A criança descobre objetos que saem de seu inte-
rior e que de certa forma são parte dela. Assim como em
todas as fases, ocorrem sentimentos básicos nessa fase
que perdurarão nas etapas posteriores da vida, aqui, em
relação à adequação ou inadequação. A aprovação ou não
do mundo (pais) quanto a estas produções é o que definirá
o sentimento de ajustamento no mundo.
Nesta fase é que se instalam, através da fi-
xação, patologias como é o caso das neuroses obsessi-
vo-compulsivas. São neuroses que apresentam sintomas
ligados à compulsão da limpeza e organização, assim
como a avareza - já que reter ou soltar é algo que define
a aceitação, aprovação e amor dos pais. A criança ama
e ao mesmo tempo teme as substâncias que saem de seu
corpo. Uma vez que elas estão condenadas a desapare-
cerem devido às proibições dos adultos. A criança busca
na água, terra e areia os substitutos permitidos das fezes e
urina, simbologia utilizada por Klein no desenvolvimento
da ludo-terapia, técnica de analisar o brincar da criança.
Freud batizou esta fase de sádico-anal, já que
se estabelece desde a fase precursora (no surgimento dos
dentes) o desvio da pulsão de morte para o exterior a pul-
são de destruição, e ligada à função sexual se apresenta
como sadismo. O ato de evacuar organicamente coincide
com a experiência emocional de evacuar sentimentos des-
confortáveis ou desprazerosos. A projeção do ódio com-
bina com a projeção das fezes. O prazer está ligado ao
83
controle e o domínio de si mesmo e simultaneamente do
outro. Estabelecem-se padrões de funcionamento mental:
1 – Submeter-se a um tirano.
2 – Tiranizar a um submetido.
3 – Ser respeitado e respeitar como um ser
autônomo – porém educável para adaptar-se as
normas sociais.
Freud, em 1905, relata o estágio do psiquis-
mo desta fase:
84
A perda do controle uretral, como na enure-
se, pode frequentemente ter um significado regressivo que
reativa os conflitos anais.
Fase fálica
85
semelhanças. Nisto somos obrigados a
reconhecer que a menininha é um ho-
menzinho.”
86
cebem a diferença e, deve-se admiti-lo,
também a sua importância. Sentem-se
injustiçadas, muitas vezes declaram que
querem ‘ter uma coisa assim, também’,
e se tornam vítimas da ‘inveja do pênis’;
esta deixará marcas indeléveis em seu
desenvolvimento e na formação de seu
caráter, não sendo superada, sequer nos
casos mais favoráveis, sem um extremo
dispêndio de energia psíquica.”
87
peculiar desta fase, e contribuem com o retraimento da
fase posterior (período da latência).
O complexo de Édipo
88
ninas têm histórias diferentes. Ambos
começaram a colocar sua atividade in-
telectual a serviço de pesquisas sexuais;
ambos partem da premissa da presença
universal do pênis. Mas agora os cami-
nhos dos sexos divergem.”
Fase da latência
89
conflitados pelas normas e regras sociais (realidade), ou
seja, com a repressão das idéias incestuosas componen-
tes do complexo de Édipo e a posterior maturação das
funções do ego. A energia da libido fica temporariamente
deslocada de seus objetivos sexuais. A criança é inunda-
da por sentimentos como asco, vergonha. As exigências
dos ideais estéticos e morais, são fatores que contribuem
com o afastamento do mundo externo quanto ao aspecto
sexual.
A partir da consolidação do superego e a
maturidade egóica, o caminho aponta para vivências
posteriores, deslocando-se dos pais para professores,
treinadores e outros adultos, representantes de autori-
dade. A criança tende a juntar-se em grupos do mes-
mo sexo. Faz piadas a respeito dos problemas sexuais.
Ocorrem as primeiras histórias de amor entre os meni-
nos e meninas.
Na latência são criadas forças psíquicas que
têm a função de dar conta de bloquear o curso do instin-
to sexual. Essas forças irão, então, buscar recursos para
assistir a demanda que tem um fluxo continuo. Como a
energia libidinal é permanentemente gerada, não pode
ser simplesmente eliminada, tão pouco suportam eficien-
temente a repressão. Boa parte dela é canalizada para
outras finalidades. Assim, ela é direcionada ao que Freud
denominou sublimação para o desenvolvimento intelectu-
al e social da criança.
90
merece o nome de sublimação, adqui-
rem-se poderosos componentes para
todas as realizações culturais. Acrescen-
taríamos, portanto, que o mesmo pro-
cesso entra em jogo no desenvolvimen-
to de cada indivíduo, e situaríamos seu
início no período de latência sexual da
infância.” Freud (1905)
Fase genital
91
dos impulsos, podendo amiúde provocar uma regressão
na organização da personalidade. Reaparecem conflitos
de estágios anteriores, oferecendo a oportunidade de re-
solver esses conflitos no contexto de alcançar maturidade
sexual e identidade adulta.
Com a libido voltada para a função reproduto-
ra, o desenvolvimento é norteado pela separação final da
dependência e do vínculo parental e pelo estabelecimento
de relações de objeto heterossexuais, não-incestuosas e
amadurecidas. Consolida-se a identidade individual que
resultará na integração adaptativa dentro das expectativas
sociais e dos valores culturais.
Os desvios patológicos devidos ao fracasso
em resolver exitosamente esse estágio do desenvolvimen-
to, são múltiplos e complexos. As falhas podem proceder
de todo o espectro dos resíduos psicossexuais, já que a
tarefa evolutiva do período adolescente se faz num senti-
do de reabertura, revivendo e reintegrando todos esses as-
pectos do desenvolvimento. As resoluções anteriores que
não puderam ser bem sucedidas e as fixações nas várias
fases ou aspectos do desenvolvimento psicossexual pro-
duzem imperfeições patológicas na personalidade adulta
que surge ou a criação de estruturas comprometidas. Ao
descrever esta fase e os progressos dos processos obtidos
até aqui, Freud escreve:
92
é independente do objetivo sexual nor-
mal, é descrito como perversão.” Freud
(1940 - 1938)
Perversão
93
verso, e essa universalidade basta, por
si só, para mostrar quão imprópria é a
utilização reprobatória da palavra per-
versão.”
94
Os desvios no amor
95
ção decompunha a personalidade do médico, que assim
se tornava alguém dividido. Um recurso criado por ele,
antes de tudo, para conseguir continuar vivendo. Justifica-
se com o argumento de que, amiúde era tomado por cer-
tos desejos estranhos que ameaçavam o desenvolvimento
e até a existência do médico bem sucedido. O preparado
farmacológico não criava alguém novo, mas revelava uma
parte escondida no interior do gentleman. Ao beber da
poção, o médico era arremessado para a extremidade
avessa do médico, ocupando sua alma da irracionalidade
do monstro. O uso da substância química criava um fenô-
meno onde era evitada assim a experiência do conflito, já
que delegava a cada parte do eu uma escolha. Enquanto
Dr. Jekyll (que carrega a morte em seu nome; kill), abriria
mão do desejo proibido e assim revelava um homem amá-
vel e preocupado com o outro; Mr. Hyde (escondido em
inglês), de forma inversa, abre mão da realidade e satisfaz
o impulso perversamente, atacando pessoas num ódio
mortal pelo ser humano. Entretanto, o maior oprimido e
grande sacrificado pelos atos perversos de Mr. Hyde seria
exatamente Dr. Jekyll.
O que poderia nos permitir cogitar, com pro-
priedade, sobre o que é perversão, que tipo de argumento
poderia nos autorizar diagnosticar ou designar algo como
sendo perverso?
A palavra "perversão", se entendida por um
vértice onde é utilizada a linguagem coloquial, ganha
logo um formato malévolo, um representante venenoso
da crueldade. No dicionário (Michaelis 2003), encontra-
remos a palavra como sinônimo de expressões que apa-
recem desde contaminação, infecção, até corrupção, ou
mesmo depravação. Se estivermos utilizando um estilo
em que se usa vocabulário e sintaxe bem aproximados
96
da linguagem do dia-a-dia, ou seja, coloquialmente, en-
contraremos a palavra perversão como significado de
algo que se encontre, quem sabe, no avesso do que é
humano. Na medicina (quiçá a primeira ciência a estudar
o termo), a palavra perversão aparece como classifica-
ção de uma enfermidade, ou descrição de algum tipo de
degeneração.
Contudo, se procurarmos a origem da pala-
vra, encontraremos no latim, per vertio, por sua vez deri-
vado de per vertere, que remete à noção de "por de lado",
ou "por-se à parte".
A partir dos estudos da Psicanálise, sobre
tudo na obra de Sigmund Freud publicada em 1905, TRÊS
ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE, a conota-
ção ganha alguns importantes ponderadores, apontando
para a mesma direção semântica do radical determinador
da palavra. Através de um exame mais polido, podemos
apreciar maduramente a palavra em seu significado e as-
sim perceberemos certos pontos de vista que permitem
deslocar o conceito da posição fixa, no extremo oposto
do bom, do bem, do humano e perceber um significado
mais amplo que poderia abarcar o termo. Na Psicanálise,
o termo foi e é (esse trabalho é um exemplo disso) de
essencial importância no escopo dos pensadores, sendo
cuidadosamente estudado e debatido desde o início dos
estudos de Freud.
No segundo tópico do primeiro capítulo da
obra freudiana de 1905, o termo é descrito como uma es-
pécie de desvio. Mas é importante percebermos que esse
desvio ocorre no caminho em direção ao encontro sexual,
ou a cópula em si. Como que um adiamento temporário
no objetivo da cópula, assim como um desvio no caminho
97
do desenvolvimento sexual, descritos como sadismo, ma-
soquismo, pedofilia, exibicionismo,voyeurismo, etc. Um
atalho que desvia do outro, ou do objeto, e se direciona à
satisfação narcísica. Como se em certo momento o desejo
de buscar o objeto externo convertesse simplesmente em
desejo de satisfação do impulso. A parte da libido que
ficou presa à satisfação nos objetos primitivos apresenta-
se na vida adulta como perversão. São pulsões que não
conseguem encontrar satisfação nos objetos.
Em UMA CRIANÇA É ESPANCADA - UMA
CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA ORIGEM DAS PERVER-
SÕES SEXUAIS, de 1919, Freud propõe que:
98
de reprovação. A ideia é que a perversão se apresenta
como componente até mesmo da vida sexual sadia, sen-
do considerada pelo sujeito como qualquer outro pensa-
mento secreto. Freud dá um passo imenso na direção da
necessidade de desfazer a fronteira insolúvel entre saúde
e doença, pelo menos no âmbito psicológico, ou seja,
quando se estuda a mente humana.
99
pelo sintoma. A partir deste ponto de vista, com auxilio
da Psicanálise, pudemos reconhecer que todos nós temos
uma coleção de neuroses e, da mesma forma, passamos
assim a perceber a perversão como certa característica
que pode ser descoberta até mesmo no sujeito dito nor-
mal ou saudável. Mesmo no adulto que, pelo menos a
priori, conquistara o status de maturidade, conserva-se em
sua personalidade (em um lugar secreto) partes infantiliza-
das que amiúde se revelam em situação de hiperexcitação,
ou mesmo no prenúncio da perda do objeto amado.
Através de um exercício de subjetividade po-
deríamos pensar em algo que se manifesta através do
desejo, vem sempre acompanhado de certa ânsia. Desse
modo, gradualmente suscita-se um processo gerador de
um modelo de estrutura, algo que possa sustentar a viabi-
lização desse desejo, mesmo que apenas imaginativamen-
te. A partir daí produzir-se-ia uma qualidade especial de
vínculo com aquilo que é da realidade, exatamente onde
está o outro, o objeto externo. Antes de tudo, no caso
aqui estudado, uma espécie de dificuldade de reconhecer,
integrar-se e interagir com o real. Isso se pensarmos o ato
sexual como um modelo de encontro entre duas partes di-
versas da realidade onde existe a possibilidade de criação
de uma terceira.
Verificamos por esse caminho que, através de
uma escala de evolução, a perversão estaria para o amor
como um primeiro tipo, um modelo menos desenvolvido,
entretanto em desenvolvimento. Um protótipo do amor
que tenta bravamente seguir em frente na tentativa de
desenvolver-se.
Longo é o caminho que percorre o bebê até
que aprenda a amar. Até que possa ser capaz de retribuir
100
aquilo que recebeu de seus dedicados cuidadores e criar
assim um modelo que possa servir a cada nova aproxima-
ção amorosa em sua vida. Tento propor que talvez quem
hoje ame um dia desejou perversamente. Eros (deus do
amor) é filho de Afrodite (deusa da beleza, sedução) a ge-
radora do afrodisíaco.
Mas voltando ao belíssimo romance proposto
no inicio do texto, se o médico tivesse sido capaz de su-
portar a imperfeição de seus pensamentos perversos teria
a chance de integração das partes de sua personalidade,
abrindo assim a oportunidade de viver algo real, logo im-
perfeito. Talvez custasse a ele momentos de “monstros”,
contudo sob sua responsabilidade, em detrimento da per-
feição do gentil médico bem sucedido. Seguindo o mesmo
caminho, percebemos que, a despeito da formulação po-
pular, onde o título de perverso é atribuído à descrição do
vilão, malvado e agressor, também o papel de vítima se
encaixaria na descrição perversa, quando cada agressor
carrega uma vítima dentro de si, pronta a ser projetada
naquele que possa oferecer um modelo adequado para
receber essa função.
Conclusão
101
de receber continência do ambiente que a acolhe. Isso na
fase de sua vida onde ela é só transformação e a colocan-
do na posição de conteúdo ansiando ser contido.
A esse conjunto de qualidades do ambiente,
Bion, aprimorando o pensamento de Melanie Klein, bati-
za de rêverie, que é em si, a capacidade de acolher, conter
e transformar, para somente então devolver ao outro, em
condições tais que este último acabe crescendo com a
colaboração do ambiente (analista-mãe).
Em cada fase desse desenvolvimento a crian-
ça contará com esse acolhimento para que possa assim
expandir-se na capacidade emocional e enfrentar os desa-
fios das próximas fases de processo.
O continente suficientemente bom servirá de
condição básica para que os impulsos conduzidos por Eros
na perspectiva da pulsão de vida sejam bem elaborados, e
que assim haja a qualificação emocional. Isso permitirá a
passagem do processo primário unidimensional, distante
do vínculo do outro e regido pelas leis do prazer/despra-
zer para o processo secundário dependente do vínculo
afetivo com o outro, no mundo externo, e que funciona
fundamentalmente pelas leis da realidade. Experiências
dessa ordem qualificam o sujeito na tarefa de abrir mão do
modelo de ligação calcado na identificação, onde o eu e
o outro se confundem e trazem a possibilidade da ligação
objetal com o outro, que agora não é mais uma “parte do
eu”, mas realmente o “outro”.
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Referência Bibliográfica
103
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104
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105
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