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Dulce Moura
O subtítulo do livro apresenta-o desde logo salesianos que usavam a destruição da organiza-
como um material introdutório, um desafio di- ção espacial das aldeias dos Índios, enquanto
dáctico. Percorrendo a definição de espaço como método pragmático de perda de identidade, de
conceito, método e etnografia, a obra vai atraves- desestruturação das tradições e dos seus sistemas
sando o património que legado pelos autores social e religioso.
nesse domínio, dos clássicos aos contemporâneos, Simmel e Benjamin desenvolvem a explici-
de campos diversos – filosofia, geografia, sociolo- tação de factores de organização da cultura e do
gia, literatura – e que vão configurando a espaço das cidades, de um certo “estilo de vida”,
disciplina da antropologia do espaço. associado à mobilidade (desenvolvimento de fi-
Síntese de uma disciplina afirmativa no guras como o “estrangeiro ou o “passeante” numa
pensamento científico – a antropologia do espaço posição de síntese entre proximidade/distância),
– a obra desenvolve-se em três partes fundamen- e ao “carácter transitório, efémero e movente das
tais, que atravessam períodos históricos e de práticas sociais”.
reflexão sobre o espaço, numa perspectiva de Ainda na primeira parte do livro, a Escola
desenvolvimento cronológico e de configuração de Chicago surge referida através dos seus per-
da disciplina. cursores – Park e With – numa leitura do espaço
A primeira parte do livro situa-se na análise da cidade que retoma a figura do “estrangeiro”,
do património clássico da antropologia do espaço, definindo a mobilidade, a heterogeneidade ou a
e apresenta textos de clássicos da sociologia excentricidade, como um tipo de sociabilidade e
(escola durkheimiana), da antropologia (Mauss e mentalidade urbanas. Estes conceitos cruzam-se
Lévi-Strauss), ou ainda autores como Simmel, no desenvolvimento de um trabalho dos autores
Park e Wirth. No seu conjunto estas reflexões sobre os guetos, suportes de “relações raciais”,
conceptuais e metodológicas abordam o espaço, onde a mobilidade, a posição e a distância desen-
embora não o autonomizem ainda como conceito volvem formas de relação específicas.
de central ou autónomo. O trabalho de Evans-Pritchard sobre os
Desde logo a reflexão apresenta algumas nuer permite apresentar dois temas fundamentais
referências fundamentais na conceptualização do ao desenvolvimento do pensamento antropológico
conceito de espaço pela “escola sociológica sobre o espaço: a distância ecológica e estrutural
francesa”, pensado como representação material e a organização espacial relacionada com a rela-
e como representação (social). Ainda na visão tividade da pertença. Nesta segunda relação o
durkheimiana, algumas dimensões do espaço são autor relativiza o “ser de” (pertença ou não
desenvolvidas, como a dimensão material, a sua pertença), segundo a escala em que se coloca o
realidade dinâmica, e enquanto suporte de indivíduo numa determinada interacção social,
memórias colectivas, apreendendo o espaço como
segundo o contexto do sujeito ou grupo.
uma representação social relacionada com pro-
A segunda parte do livro, parte do período
cessos de identidade e de memória simbólica e
posterior a 1960, quando o conceito de espaço se
afectiva de um grupo. Trata-se de abordar o
autonomiza enquanto objecto das ciências so-
espaço na sua relação intrínseca com a
ciais, e são apresentados autores dominantes no
sociedade, relacionando conceitos como: estru-
tura espacial, estrutura social, memória e pensamento sociológico como Lefebvre, Ledrut,
significação simbólica do espaço. Rémy e Voyé, apresentando ainda num último
Ainda nesta perspectiva de leitura do momento uma obra essencial na constituição do
espaço nos autores clássicos, Lévi-Strauss é campo disciplinar da antropologia do espaço da
referido, pela associação que desenvolve entre a autoria de Paul-Lévy e Segaud.
estrutura do espaço e a organização social dos Partindo da complexidade do pensamento de
grupos, as suas identidades colectivas. Alguns Henri Lefebvre, a autora coloca algumas questões
exemplos do autor são referidos para sublinhar a fundamentais, num esforço de rigor sintético já
relação entre a organização empírica do espaço e assinalável noutros momentos do livro, e refere a
a organização social ou as identidades colectivas discussão do conceito de produção do espaço.
que aí se desenvolvem, como os missionários Lefebvre situa-se assim, na observação das práti-
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CIDADES Comunidades e Territórios
O autor começa por contextualizar temporal- desestruturou uma parte do tecido residencial
mente o livro: “Ele encontra-se conjugado no degradado.
presente. Como se tivesse sido escrito há algumas Mas a própria constatação das mudanças no
horas atrás. Este é, e permanecerá, portanto, o Casal Ventoso, é um desafio para quem lê o livro,
Casal Ventoso de 1996.” Esta referência é tornando-se um retrato dinâmico, de vivências
importante, pois o trabalho do autor no Casal que entretanto foram urbanística e socialmente
Ventoso começou em 1992, num projecto de reconstituídas num território contíguo, e o “Casal
“Intervenção Comunitária”, onde desenvolveu Ventoso de 1996”, serve de referencial de estudo
actividades culturais com “jovens em risco”, e para quem quer conhecer o Bairro hoje.
desenvolveu-se até à dissertação de mestrado em Uma das principais preocupações do autor,
1996. Mas se o livro é o resultado de um per- foi a criação de um quadro analítico capaz de
curso, o autor não pode deixar de referir, que os colocar as principais questões que estão em jogo
anos que passaram desde 1996 até à data da pre- no Casal Ventoso, e para o seu desenvolvimento,
sente publicação, trouxeram ao Casal Ventoso associando e integrando dois tipos de paradigmas
profundas alterações, com base no “plano inte- capazes de compreender a “pobreza” e o
grado de reconversão” apoiado pelo Urban, da “desvio”. O primeiro corresponde à “tese de
Comunidade Europeia, e com o realojamento que transmissão cultural” que valoriza o processo de
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Recensões
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