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RESENHAS REVIEWS 445

H i s t ó ria e memórias da educação no Brasil – foi o recurso usado para compor o título da série.
Vo l . III – Século XX . Ma ria Stephanou e Ma ri a Assim posto, sugere-se que as histórias e me-
Helena Câmara Bastos ( o rg s. ) . Petrópolis: Voze s, mórias da educação no Brasil, contidas nos múl-
2005, 440 pp. tiplos temas abordados, partilharam de uma me s-
ma temporalidade histórica, o que não deixa de
José Luís Sanfelice contraditar as organizadoras uma vez que pro-
Universidade Estadual de Campinas puseram uma coleção que não se reduzisse a tex-
<sanfelice00@hotmail.com> tos de uma “seqüência temporal linear e pro-
gressiva” (p. 17).
Esta coletânea é a terceira da série que se iniciou O Dicionário do pensamento social do sécu-
com o mesmo título e que dedicou os vo l u me s lo XX, por exe m p l o, questiona no vocábulo ‘his-
a n t e r i o res aos séculos XVI-XVIII e XIX. Todos tória’ o que é século XX. Define: “(...) ele será
os volumes são organizados por Maria Stepha- aqui um século XX curto — os 75 anos entre
nou e Maria Helena Câmara Bastos e ap re s e n t a- 1914 e 1989, do início da Primeira Guerra Mun-
dos por António Nóvoa. dial ao múltiplo colapso do comunismo, como
O volume III, objeto de nossa resenha, enfo- realidade objetiva e como ideologia, em todo o
ca o século XX, como enunciado no título. “Por mu n d o. Nesse ‘século’ de 75 anos, a escrita da
que a História da Educação” e “para que a His- história sofreu três tipos de mudança de impor-
tória da Educação” são as duas questões postas tância capital, dife renciáveis entre si, mas tam-
na apresentação deste vo l u me e trabalhadas no bém mu t u a mente inter-re l a c i o n a d o s.Asfontes
sentido de explicitar o significado desta área de às quais os historiadores dedicaram sua atenção
conhecimento. Na introdução, assinada pelas or- profissional mudaram; o tema sobre o qual os
ga n i z a d o r a s,encontram-se questões seme l h a n- me m b ros da profissão escre veram mudou; e a
tes e a explicitação de que “a função social da estrutura na qual definiram sua disciplina mu-
História da Educação motivou, em boa medida, dou” (Outhwaite e Bottomore, 1996, p. 356).
o projeto desta coleção” (p. 16). Também é claro o No título, século é uma seqüência linear e
objetivo visado: “oferecer uma história da edu- progre s s i va do tempo e seria dispensável aí fi-
cação e do ensino no Brasil que expresse os no- gurar, embora seja possível compreender que
vos olhares que a pesquisa tem evidenciado, res- serve como orientação ao leitor. A observa ç ã o
saltando aspectos fundamentais das políticas do acima, no entanto, não se aplica a cada autor in-
passado e contribuindo para os debates atuais d i v i d u a l mente, uma vez que transitam pelos
da educação, especialmente no âmbito da fo r- seus temas com cronologias próprias e com dife-
mação de professores” (p. 16). rentes conotações acerca da temporalidade his-
O volume reúne quase três dezenas de auto- tórica, tendo em vista suas distintas posturas
res, fato que inviabiliza a abordagem individual, teórico-metodológicas.
neste pequeno espaço de uma resenha, de cada Do ponto de vista dos temas abordados, não
um dos trab a l h o s. Grosso modo, são pesquisa- se nota grande ineditismo. Pelo contrário. Os au-
dores da área da história da educação vinculados tores contribuem para a coletânea de forma com-
a instituições acadêmicas e grupos de pesquisa petente, mas em geral com temas que a pro d u-
de ex p re s s i va dive rsidade nacional. Muitos de- ção anterior deles já re g i s t rou. São retomadas
les, em decorrência do percurso já realizado e da sínteses, com acréscimos, do que, de uma forma
produção de conhecimento que disponibiliza- ou de outra, já disseram. Mas isto é admissível,
ram à História da Educação Brasileira, são re fe- pois se trata de oferecer ao leitor aquelas va r i á-
rências inevitáveis. Ambos os aspectos, portan- veis do unive rso da pesquisa histórico-educa-
to, diversidade e qualidade, são elogiáveis. cional através das quais cada pesquisador tem
O aporte que este rol de autores traz à obra buscado dar o melhor de si.
tem por unidade o século XX, ou seja, todos Na falta de um comentário individualizado
pautam seus temas essencialmente por esta tem- sobre cada trabalho, como já justificado anterior-
poralidade mecânica, com uma ou outra incur- mente, torna-se obrigatório anunciar ao leitor pe-
são ao século XIX. O tempo cro n o metrado pelo lo menos algumas temáticas por eles abordadas.
relógio nem sempre, ou quase nunca, é o me- A compilação abrange desde artigos sobre polí-
lhor tempo para a ciência da história, mas este tica e legislação educacional, escolas paroquiais,

Tra b a l h o, Ed u cação e Sa ú d e, v. 3 n. 2, p. 445-452, 2005


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educação infantil, educação rural, até ensino su- histórico, abre espaços, multiplica objetos e pro-
perior, livros didáticos, educação indígena, pas- blemas de pesquisa” (p. 418). Mas não é só isso:
sando por história da alfabetização, impressos pe- “Em tempos mais re c e n t e s, a crescente pro d u-
dagógicos, ensino médio, ensino industrial e ou- ção de uma história cultural, o interesse pela lin-
t ro s. É arrolado o que Stephanou e Bastos defi- guagem vem mostrando que as relações econô-
niram como “histórias e me m ó r i a s, dispostas micas e sociais não são anteriores às culturais,
num arranjo que a exemplo de um caleidoscó- pois são campos de prática e produção cultural.
pio está associado a uma particular (dis)posição Com efeito, intensificaram-se as relações da His-
do olhar que constituímos e elaboramos na con- tória não apenas e sobretudo com a Sociologia,
dição de organizadoras” (p. 16). Pode-se acre s- mas com a Antropologia, a Teoria Literária, a Psi-
centar: o intuito foi plenamente alcançado. canálise, a Filosofia, dentre outros âmbitos do
Lembrar o caleidoscópio foi oportuno. Não conhecimento” (p. 418).
são apenas os temas deste vo l u meque trazem à É tão convincente a visão caleidoscópica
mente a imagem daquele ap a re l h o,pois, no tra- que se adquire da produção do conhecime n t o
tamento dado por cada autor ao seu tema, ela se histórico-educacional atual, ao término da lei-
reafirma de forma contundente. Apresenta-se tura da coletânea, que algumas indagações tor-
tanto no que diz respeito aos objetos focados nam-se inevitáveis. Qual é o significado de tan-
quanto às diferentes abordagens. Mas não é só: to pluralismo nesta área de conhecimento? O
são infinitas as fontes utilizadas e nem sempre que de fato ele acrescenta?
convergentes as concepções sobre o que é conhe- A resposta mais freqüente, e que vem se con-
cimento histórico. s agr a n d o, é que a área re n ovou-se e are j o u - s e ;
Esta última constatação condiz com a postu- teria havido um alargamento do campo inve s t i-
ra adotada para organizar a coletânea: “procu- ga t i vo que se tornou interd i s c i p l i n a r, dentre
ramos pluralizar possibilidades de leitura de ex- outras justificativa s. Mas um historiador do por-
periências educativas e escolares, ancoradas em te de Hobsbawm (1998) não hesita: “Ter a novi-
uma ampla temporalidade e, ao mesmo tempo, dade como etiqueta ajuda a vender a história en-
inscritas em tempos específicos, que em seu tre os profissionais, tal como ajuda a vender deter-
conjunto não traçam uma trajetória linear, tam- gentes entre um público mais amplo. Natural-
pouco ascendente de uma única história da edu- mente minha objeção não é quanto aos historia-
c a ç ã o. Buscamos situar o leitor em mome n t o s dores tomarem de empréstimo técnicas e idéias
fundantes, embora muitas vezes descontínu o s. de outras ciências sociais e incorporarem a seu
Não pre t e n d e m o s,portanto, elaborar um com- próprio trabalho os mais recentes desenvo l-
pêndio ou uma narrativa que se assemelhe a al- vimentos nessas ciências, desde que sejam úteis
go como a epopéia da educação brasileira” (p. 17, e pertinentes. É quanto à distribuição da baga-
grifo do autor). gem histórica em uma série de vasos não comu-
Vê-se coerência entre os propósitos e o re- n i c a n t e s. Não existe uma coisa do tipo história
sultado final da obra. O leitor se beneficiará, ao econômica, social, antropológica, ou história psi-
ler, quanto a estes aspectos: múltiplas temáticas, canalítica: existe apenas história” (p. 78).
i n ú me ros objetos, infinidade de fo n t e s, plura- É com esta prudência que parece ser neces-
lidade metodológica e concepções distintas de sário posicionar-se. A coletânea em questão, à se-
p rodução do conhecimento histórico-educacio- melhança de outras, suscita inevitave l mente in-
nal. Observe-se, por exe m p l o, o próprio posi- dagações para a área como um todo. Quais seriam
cionamento que assumem Stephanou e Bastos no os vasos comunicantes do conhecimento produ-
t exto intitulado “História, memória e História zido sobre singularidades? A quem cabe estabe-
da Educação”, que encerra o vo l u me: “De uma lecer as relações? Aos autores, aos leitores ou aos
história política, de relatos e fixação nos pers o- historiógr a fos? Mais radicalmente: é possíve l
n agens/eventos políticos para uma história so- contentar-se com os estudos das particularidades,
cial, de inspiração marxista, a História também colocados lado a lado, sem relacioná-los entre si
muda a partir da escola dos Annales, quando a e com o geral? Para a obra em apreço fica então a
valorização do cotidiano, da história vinda de pergunta: qual foi a materialidade histórica subs-
b a i x o, dos operários, das mulhere s, das crian- t a n t i va de um Brasil do século XX, a partir da
ç a s, etc., amplia as fronteiras do conhecime n t o qual a educação constituiu a sua história?

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Referências

H O B S BAWM, Eric. 1998. Sobre históri a. São


Paulo: Companhia das Letras.
OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. 1996.
Dicionário do pensamento social do século XX.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Tra b a l h o, Ed u cação e Sa ú d e, v. 3 n. 2, p. 445-452, 2005

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