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Acho que já ouvi pelo menos uma centena de vezes o seguinte comentário: "Quando
me dirijo à tribuna só Deus sabe o que vou falar e quando chego lá e encaro a platéia nem
Ele sabe mais".
Mas, esse número parece pequeno se comparado com as incontáveis vezes em que
ouvi pessoas dizendo: "O cérebro é um órgão maravilhoso que começa a funcionar quando
nascemos e só pára quando precisamos usar a palavra diante de uma platéia".
Há também uma outra com participação mais discreta, mas que vira e mexe põe a
cabecinha de fora e marca sua presença. Logo após mencionarem que o maior medo do
homem é o de falar em público, maior até do que o medo da morte, lá vem a pérola: "Deduz-
se, então, que é mais fácil ficar dentro do caixão do que fazer um discurso fúnebre".
Nos três casos, tirando o exagero do uso e da brincadeira, a mensagem que fica é a
dificuldade que, de maneira geral, as pessoas têm de raciocinar e manter o controle do
pensamento quando estão diante de uma platéia.
Por esse motivo, quando perguntei a um aluno do nosso curso de expressão verbal,
que estava muito tenso e preocupado porque precisaria ir à tribuna fazer seu exercício
prático, o que poderia ocorrer de pior com ele quando estivesse falando diante do grupo, a
resposta foi que desse um branco e se esquecesse de tudo. E a resposta normalmente é
essa porque a descarga de adrenalina é tão forte nos momentos que antecedem a
apresentação que temos a impressão de que lá na frente o nervosismo será incontrolável e
as idéias desaparecerão. Depois de garantir que essa possibilidade era muito remota e que,
se de qualquer forma ocorresse a desgraça, eu faria algumas perguntas simples para que ele
pudesse dar seqüência à exposição, o aluno ficou mais calmo e se tranqüilizou.
Como, entretanto, o objetivo do curso é preparar os alunos para que aprendam a se
comunicar bem em todas as circunstâncias, não deixei passar a oportunidade, aproveitei o
momento e perguntei ao grupo o que poderia ocorrer de pior com eles em uma apresentação
real, fora da escola. Pelo fato de eles terem condições de se preparar de maneira
conveniente para essa eventualidade, inclusive com o apoio de um roteiro escrito, a história
mudou um pouco de figura e a resposta, como também normalmente acontece, foi diferente -
disseram que o pior que poderia ocorrer seria preparar uma apresentação, planejando com
bastante critério as diversas etapas da palestra e um outro palestrante, ou vários deles, que
se apresentassem antes usassem as mesmas informações, isto é, roubassem suas idéias.
Pensando bem, essa parece ser mesmo uma terrível tragédia (se é que existem
boas!): você com o coração na mão, aguardando a hora de falar, naquele momento mais
angustiante para o palestrante, pois, enfatizo, quase sempre, o instante de maior nervosismo
é o que antecede o início da apresentação, e, um após o outro, os palestrantes que o
precedem passam a tirar nacos do conteúdo da sua mensagem que estava prontinha para
ser usada. Será que daria tempo de mudar tudo e montar outra apresentação diferente?
Como rebolar nessa saia justíssima e sobreviver com dignidade?
O objetivo deste texto é mostrar como você poderá contornar situações delicadas
como essa e ampliar as chances de conquistar sucesso com sua comunicação.
São muitas as vantagens do uso das circunstâncias. Além de nos ajudar a sair de
sinucas como as do roubo das idéias, de jogar luz quando a coisa escurece, literalmente,
como em situações difíceis como essa descrita por José Vasconcelos, possibilita também
estabelecer rápida identidade com os ouvintes e reforça nossa autoridade sobre o assunto. É
como se disséssemos, sem cabotinismo, nas entrelinhas à platéia: "Turma, estamos no
mesmo barco e eu sou do ramo".
Quintiliano, nas Instituições oratórias, ressalta os benefícios das circunstâncias
quando usadas no início da apresentação, mas que, evidentemente, podem ser ampliados
para qualquer momento da exposição: "Por isso que não sendo tais exórdios (introduções)
compostos em casa, mas ali mesmo e nascidos das circunstâncias que ocorrem, aumentarão
a reputação do orador que os faz, à vista da felicidade com que os inventa; e fazem-se mais
acreditáveis, por parecerem simples e formados naturalmente daquilo que primeiro se
oferece: chegando até o ponto de fazer crer que todo o discurso, não obstante ser meditado
e escrito em casa, é feito de repente, por se ver claramente que o exórdio nada teve de
preparado".
É natural essa dedução, pois, ao nos valermos de uma informação do ambiente, ou do
próprio contexto do assunto tratado, ali diante dos ouvintes, faremos com que a platéia julgue
que toda a apresentação também esteja sendo criada naquele momento. Ora, se alguém
consegue criar a mensagem e ordená-la no momento em que se apresenta é porque tem
mesmo autoridade para falar sobre aquela matéria. Por isso, sugiro que principalmente a
introdução, embora deva ser planejada de maneira muito criteriosa e com antecedência por
ser, como já vimos, o momento mais difícil da apresentação, em virtude de significar o
primeiro contato com a platéia, sempre que possível seja substituída por informações que
pertençam ao próprio ambiente da exposição. Isto é, você prepara com antecedência de
forma cuidadosa a introdução e deixa na manga. Ao chegar ao local da apresentação liga as
antenas para verificar se há chance de aproveitar alguma informação do ambiente e usá-la
no lugar do que havia preparado.
Assim, conforme observamos na análise de Quintiliano, dará a impressão de que
estará construindo toda a seqüência do raciocínio e formando a mensagem no momento em
que está falando. Além de todos esses benefícios, se você puder ainda usar sua presença de
espírito e exagerar a informação que nasce no ambiente, transformando-a num fato bem-
humorado, terá a vantagem adicional de conquistar a atenção dos ouvintes. É um recurso
muito útil, especialmente quando no início da apresentação a platéia se mostra apática ou
desinteressada. Os principais tipos de circunstâncias são: de pessoa, de lugar e de tempo.
Mencione o lugar
Mencione um fato
"Polito, e o roubo das idéias? Como é que o aproveitamento das circunstâncias pode
me ajudar?"
A história do José Vasconcelos, sugerida pelo Max Gehringer, serve como excelente
exemplo para que possamos refletir sobre como estar preparados para essas
eventualidades.
Quando participo de encontros em que vários palestrantes tratam de temas
semelhantes, sempre que posso, procuro assistir às outras palestras para me certificar de
que alguns dos meus tópicos não estão sendo antecipados. Não foram poucas as ocasiões
em que tive de suprimir ou alterar algumas informações. O caso mais grave ocorreu em um
encontro de fonoaudiólogos, em que uma das palestrantes fez sua palestra utilizando
praticamente a mesma seqüência que eu tinha planejado. Embora eu pudesse fazer uma
outra palestra diferente, optei por inverter o raciocínio. Ela falou o tempo todo sobre as regras
que deveriam ser usadas para falar em público. Eu fiz minha palestra modificando a proposta
e falando sobre os cuidados que devemos ter na aplicação das regras. Não a contrariei, mas
ampliei a reflexão sobre o tema, mostrando as circunstâncias em que essas regras poderiam
ser desconsideradas. O resultado foi bom, o suficiente para sair vivo do local.
Mas, nem sempre temos uma outra palestra no bolsinho do colete, ou estamos
preparados suficientemente para abordar o tema por ângulos distintos. Nessas
circunstâncias a melhor atitude é primeiro não nos desesperarmos e em seguida usarmos as
próprias informações dos palestrantes que acabaram de se apresentar, para montar a
seqüência da exposição.
Por exemplo: "Gostaria de refletir com os senhores sobre os conceitos que foram
tratados pelo professor Pasquale Cipro Neto. Na sua palestra, o renomado professor se
referiu aos cuidados que devemos ter com a gramática para que nossa imagem não seja
prejudicada. Esse é um ponto extremamente relevante no aprendizado da nossa língua, pois
se cometermos erros primários de gramática estaremos demonstrando nossa falta de
preparo e as lacunas que deixamos na nossa formação educacional. E como bem disse o
professor, dependendo da função que exercemos, essa falha poderá ser fatal para nossas
pretensões profissionais".
Trata-se apenas de um exemplo hipotético, mas que demonstra bem como é possível
contornar situações semelhantes a essa fazendo uso das próprias informações transmitidas
pelos outros palestrantes. Dificilmente também as pessoas irão usar todas as informações
que planejamos para nossa palestra, o que nos possibilitará intercalar informações novas,
ainda não mencionadas ao público, com comentários críticos ou complementares sobre os
tópicos já revelados. Dependendo da maneira como a apresentação for conduzida, produzirá
excelente impressão na platéia, que entenderá a espontaneidade dos comentários sobre as
informações já mencionadas pelos outros palestrantes como indicação de conhecimento e
autoridade, pois deduzirão que apenas aquele que conhece o assunto com profundidade
teria condições de aproveitar as circunstâncias nascidas ali, no momento da apresentação.
Se você participar de eventos em que outros palestrantes sejam convidados para falar
do mesmo tema, tome as seguintes precauções:
• Dê um jeitinho de assistir às outras palestras para se certificar de que não estarão
antecipando assuntos que estavam incluídos na sua apresentação.
• Se você não puder assistir a essas palestras por qualquer motivo, peça a alguém
de sua confiança que assista e o inteire do que foi tratado antes da sua
apresentação.
• Por mais difícil que seja, e tenho consciência de que não é fácil, monte uma
segunda palestra diferente para o caso de anteciparem tudo o que pretendia dizer.
Mesmo que a qualidade da segunda palestra não seja a mesma, pelo menos você
terá uma tábua de salvação. Essa é uma questão muito séria, pois mesmo os
grandes palestrantes, acostumados há muitos anos a enfrentar todo tipo de platéia,
têm dificuldade para preparar uma palestra de reserva. Em todo o caso vale a pena
tentar.
• Procure diversificar sua palestra com exemplos visuais diferentes, especialmente
vídeos ilustrativos, pois ao mudar a ilustração será possível alterar mais facilmente
os comentários, além de passar a impressão de que se trata de temas novos.
• Colecione histórias para entreter a platéia e ilustrar sua mensagem. Se alguém que
falou antes de você, por coincidência ou não, usou informações que normalmente
usa nas suas palestras, a nova história poderá fazer toda a diferença. Entretanto,
não tenha a esperança de que essas boas histórias surjam no momento em que
estiver falando, colecione e prepare-as com antecedência e deixe-as na regra três,
esperando o melhor momento para colocá-las em jogo.
• Prepare exercícios para estimular a participação dos ouvintes. Assim, se outros
palestrantes fizerem uso do que pretendia dizer, transforme a apresentação que
seria teórica em uma exposição prática e interativa.
• Vá para os eventos desarmado e preparado ao mesmo tempo. Desarmado de
preocupações, sabendo que sempre encontrará uma maneira de contornar as
situações que surgirem; e preparado para não deixar que essas soluções sejam
apenas obra do acaso. Lembre-se sempre da história do José Vasconcelos
sugerida pelo Max Gehringer - ele estava completamente preparado para aquela
eventualidade. Quando a chance surgiu foi só acender a vela e depois simular a
dificuldade de apagá-la de acordo com o tempo que necessitou.
Reinaldo Polito
Revista Vencer nº 45