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FERRAMENTA

PRÁTICA
PARA A SINALIZAÇÃO DE VÍTIMAS
DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS

PARA FINS DE
EXPLORAÇÃO
LABORAL

OBSERVATÓRIO DO TRÁFICO DE SERES


HUMANOS
OBSERVATORY ON TRAFFICKING IN
HUMAN BEINGS
Esta publicação é parte integrante de: Sistema de Referenciação Nacional de Vítimas
de Tráfico de Seres Humanos: orientações para a sinalização de vítimas de tráfico de
seres humanos em Portugal
No exercício da sua atividade profissional, poderá entrar
em contacto com vítimas de tráfico de seres humanos
para fins de exploração laboral. Se tal acontecer, terá
a oportunidade de reconhecer alguns dos indícios de
tráfico de seres humanos e de referenciar a pessoa em
questão para as autoridades competentes, para a devida
identificação e assistência. O tráfico de seres humanos
constitui uma grave violação dos Direitos Humanos,
pelo que é necessário fazer tudo o que for possível para
detetar presumíveis vítimas e protegê-las. As definições,
indicadores e procedimentos aqui apresentados visam
fornecer-lhe orientações básicas sobre como se deverá
relacionar com uma presumível vítima e o que fazer para
a apoiar.

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
O QUE É O TRÁFICO DE SERES
HUMANOS?

De acordo com a DIRETIVA 2011/36/UE do Parlamento e do Conselho Europeu, o tráfico de


seres humanos significa o “Recrutamento, transporte, transferência, guarida ou acolhimento
de pessoas, incluindo a troca ou a transferência do controlo sobre elas exercido, através do
recurso a ameaças ou à força ou a outras formas de coação, rapto, fraude, ardil, abuso de
autoridade ou de uma posição de vulnerabilidade, ou da oferta ou obtenção de pagamentos
ou benefícios a fim de conseguir o consentimento de uma pessoa que tenha controlo sobre
outra para efeitos de exploração. A exploração inclui, no mínimo, a exploração da prosti-
tuição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
incluindo a mendicidade, a escravatura ou práticas equiparáveis à escravatura, servidão,
exploração de atividades criminosas, bem como a remoção de órgãos.”
O QUE É O TRÁFICO DE SERES HUMANOS?

A definição de tráfico de seres humanos assenta em três elementos: uma AÇÃO executada
utilizando alguns MEIOS para o FIM de exploração. A AÇÃO, os MEIOS e o FIM podem ser
resumidos da seguinte forma:

AÇÃO MEIOS FIM

–  Recrutamento –  Ameaças – Exploração da prostituição de


–  Transporte –  Uso da força outrem ou outras formas de
exploração sexual
–  Transferência –  Outras formas de coação
– Trabalho ou serviços forçados,
–  Guarida –  Rapto incluindo mendicidade
–  Acolhimento –  Fraude – Escravatura ou práticas
– Troca ou transferência do controlo –  Ardil equiparáveis à escravatura
exercido sobre as pessoas – Abuso de autoridade ou de uma – Servidão
posição de vulnerabilidade – Exploração de atividades
– Oferta ou obtenção de criminosas
pagamentos ou benefícios –  Remoção de órgãos

Isto significa que, se reconhecer indícios de que uma pessoa pode ter sido sujeita a uma das
ações apresentadas, por um dos meios descritos, com um dos fins indicados, poderá estar
perante uma potencial vítima de tráfico de seres humanos.

Nota: Tratando-se de uma criança, não é necessário verificar se foi utilizado um dos MEIOS
acima apresentados. A combinação de uma ação para um fim de qualquer tipo de explora-
ção é suficiente para preencher o tipo legal de tráfico de seres humanos.

Em Portugal, o crime de tráfico de seres humanos está definido no art.o 160 do Código Penal.

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
O QUE É O TRABALHO
FORÇADO?

Entende-se por trabalho forçado, escravatura ou práticas equiparáveis, o trabalho ou os


serviços relativamente aos quais a pessoa não se ofereceu voluntariamente, sendo
obrigada a trabalhar sob a ameaça de sanções (C29, Artigo 2, n.o 1). O facto de um/a
trabalhador/a, vítima de exploração, ter sido enganado/a sobre a natureza da sua atividade
laboral ou das suas condições de trabalho significa que se trata de trabalho forçado.

O trabalho forçado, as práticas equiparáveis à escravatura e a servidão podem ocorrer em


todos os sectores de atividade e em todas as profissões. As pessoas vítimas de trabalho
forçado podem, por exemplo, trabalhar em serviços domésticos, na agricultura, em hotéis,
em estaleiros ou noutros sectores, que se caracterizam por serem insalubres, degradados
e perigosos.

O QUE É O TRABALHO FORÇADO?


QUALQUER PESSOA PODE SER VÍTIMA DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS
PARA FINS DE EXPLORAÇÃO LABORAL?

Sim, qualquer pessoa pode ser vítima de tráfico de seres humanos para fins de exploração
laboral: homens e mulheres, adultos e crianças. Podem ser vítimas trabalhadores/as nacio-
nais e migrantes (especialmente se pagarem taxas excessivas de recrutamento ou trans-
porte), trabalhadores/as na economia informal, no serviço doméstico, trabalhadores/as que
desconhecem os seus direitos, pessoas provenientes de grupos vulneráveis que trabalham
para empregadores/as da sua comunidade, crianças oriundas de comunidades e famílias
desfavorecidas, crianças sem abrigo, órfãs ou sem tutores.

QUALQUER PESSOA PODE SER TRAFICANTE DE SERES HUMANOS


PARA EXPLORAÇÃO LABORAL?

Sim, qualquer pessoa pode praticar um crime de tráfico de seres humanos: homens e mulhe-
res, trabalhadores/as nacionais e migrantes. Os traficantes podem ser da mesma família
ou da mesma nacionalidade que as suas vítimas, podendo mesmo viver e trabalhar com
elas. Podem ser trabalhadores/as que tenham sido vítimas de tráfico de seres humanos
no passado e que agora se tornaram traficantes para obtenção de benefícios económicos.
Alguns/algumas podem estar envolvidos/as no recrutamento de trabalhadores/as, outros/
/as podem ser responsáveis pelo seu transporte e transferência, enquanto outros/as po-
dem intervir apenas na sua guarida e acolhimento, colocando-os/as numa situação de
exploração.

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
QUAL É A DIFERENÇA ENTRE TRÁFICO DE SERES HUMANOS PARA FINS
DE EXPLORAÇÃO LABORAL E MÁS CONDIÇÕES DE TRABALHO?

Os/as trabalhadores/as podem estar a trabalhar em más condições de trabalho, a troco de


salários baixos ou em ambientes insalubres, sem serem, contudo, considerados/as vítimas
de tráfico para exploração laboral. Se uma pessoa aceita livremente um emprego, sabendo
previamente quais são as condições, e se puder rescindir livremente o contrato (mediante
pré-aviso, com uma antecedência razoável, à entidade empregadora), sem medo de repre-
sálias, esta pessoa não pode ser considerada como vítima de tráfico de seres humanos
para fins de exploração laboral. Do mesmo modo, os/as trabalhadores/as que suportam más
condições de trabalho (ou seja, horas extraordinárias não remuneradas, salário baixo, etc.)
por carências económicas e devido à falta de opções não podem ser automaticamente sina-
lizados/as como vítimas de tráfico de seres humanos.

QUAL É A DIFERENÇA ENTRE TRÁFICO DE SERES HUMANOS PARA FINS


DE EXPLORAÇÃO LABORAL E TRABALHO NÃO DECLARADO?
O QUE É O TRABALHO FORÇADO?

Entende-se por trabalho não declarado “uma atividade remunerada que é legal por natu-
reza, mas que não é notificada às autoridades públicas”1. Esta definição exclui atividades
criminosas e trabalhos que não têm de ser declarados. Na realidade, a maioria dos casos
de tráfico de seres humanos para fins de exploração laboral está relacionada com traba-
lhos não declarados. Mas, na teoria, as pessoas podem ser vítimas de tráfico de seres
humanos e exploradas no âmbito de atividades laborais declaradas. Do mesmo modo,
nem todas as atividades laborais não declaradas resultam de tráfico de seres humanos: o
trabalho não declarado deve-se muitas vezes a razões financeiras, sendo que ambas as
partes evitam assim o pagamento de encargos sociais.

QUAL É A DIFERENÇA ENTRE TRÁFICO DE SERES HUMANOS PARA FINS DE


EXPLORAÇÃO LABORAL E TRABALHO CLANDESTINO?

O trabalho clandestino realizado por trabalhadores/as migrantes não implica necessariamen-


te que haja tráfico de seres humanos. Entende-se por trabalho clandestino “a contratação de
um/a cidadão/ã de um país terceiro que se encontra em situação irregular no país”2. Muitas
das vítimas de tráfico de seres humanos para fins de exploração laboral na União Europeia
são cidadãos/ãs europeus/eias, que não necessitam de autorização de residência ou de
trabalho. Isto demonstra que qualquer pessoa pode ser vítima de tráfico de seres humanos
sem ser, contudo, um/a “migrante em situação irregular”. Existem também migrantes vindos
de países que não pertencem à União Europeia e que atravessam a fronteira na posse dos
documentos apropriados, tendo-lhes estes sido fornecidos pelo/a traficante que os/as enca-
minha posteriormente para um/a empregador/a, para exploração.

1.  Comissão de 7 de abril de 1998 sobre o trabalho não declarado [COM(98) 219 final].
2.  Diretiva 2009/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, Artigo 2.o.

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
A PESSOA JÁ PAGOU MUITO DINHEIRO PARA ATRAVESSAR A FRONTEIRA
ILEGALMENTE. ISTO FAZ DELA UMA VÍTIMA DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS?

Não necessariamente. O facto de alguém ter sido pago para organizar a travessia ilegal de
uma fronteira não é equivalente ao tráfico de seres humanos. Neste caso chama-se auxílio
à imigração ilegal.

O tráfico de seres humanos é diferente do auxílio à imigração ilegal. Este último é um crime
dedicado a obter benefícios materiais através da entrada ilícita de uma pessoa num Es-
tado do qual essa pessoa não é cidadão/ã ou residente.

Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes, Artigo 3(a) – Por “introdução clan-
destina de migrantes” entende-se o facilitar da entrada ilegal de uma pessoa num
Estado Parte do qual essa pessoa não é nacional ou residente permanente, com o
objetivo de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício
material.

O QUE É O TRABALHO FORÇADO?


Em casos de auxílio à imigração ilegal, o/a migrante paga a alguém para organizar e/ou
facilitar a sua entrada ilegal num Estado do qual não é nacional ou residente.

A pessoa que promove o auxílio à imigração ilegal não está preocupada com o que acon-
tecerá ao/à migrante após a travessia da fronteira. O objetivo não é explorar o/a migrante
quando este/a chegar ao seu destino, mas apenas obter um ganho financeiro. O auxílio à
imigração ilegal é um crime contra o Estado (entrada clandestina), não contra o/a migrante
(que pagou pelo serviço).

As quatro principais diferenças entre o auxílio à imigração ilegal e o tráfico de seres


humanos podem ser resumidas da seguinte forma:

TRÁFICO DE SERES HUMANOS AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL

Fim Exploração Para benefícios financeiros


ou materiais

Consentimento Inválido Válido

Transnacionalidade Não necessária Necessária

Crime Contra a pessoa Contra o Estado

Uma das diferenças reside no elemento de consentimento. No caso do auxílio à imigração


ilegal, a pessoa deu o seu consentimento para transpor a fronteira ilicitamente. A pessoa é
um “cliente” que paga pelo serviço a fim de entrar ilegalmente.

No entanto, os processos de tráfico de seres humanos e auxílio à imigração ilegal podem


estar interligados e as diferenças entre os dois crimes podem ser difíceis de identificar. Um/a

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
migrante que consinta atravessar uma fronteira ilegalmente pode, em trânsito ou no seu
destino final, acabar numa situação de tráfico de seres humanos.

A Lei n.o 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída
e afastamento de estrangeiros do território nacional, define, no art.o 183, n.o 2, o auxílio à imi-
gração ilegal como “favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o
trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com ou sem intenção lucrativa”.

POR QUE MOTIVO É IMPORTANTE IDENTIFICAR A PESSOA COMO UMA


VÍTIMA DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS?

A sinalização é apenas o primeiro passo de um enquadramento abrangente


criado para oferecer às vítimas proteção a curto e a longo prazo. Os/as pro-
fissionais de primeira linha podem não ser os/as responsáveis pelas etapas
seguintes do processo descrito neste parágrafo, mas é importante que todos/
/as os/as intervenientes possam ter uma ampla visão dos mecanismos exis-
tentes criados para proteger as vítimas. Em muitos casos, a pessoa não se
O QUE É O TRABALHO FORÇADO?

revê nos termos utilizados. Porém, a sinalização de presumíveis vítimas de


tráfico de seres humanos é importante porque é provável que essas pessoas
estejam a correr perigo e os/as profissionais têm o dever de protegê-las. Para
além disso, ao sinalizar e apoiar presumíveis vítimas, estarão a participar na
luta contra o crime organizado. As principais razões pelas quais é importante
fazê-lo encontram-se na lista abaixo:

• A pessoa deve ser protegida contra aqueles/as que a exploram, prejudicam ou
ameaçam.

• Um/a estrangeiro/a que resida num país de destino sem os devidos documentos
legais pode ser colocado/a num centro de detenção, mesmo que tenha sido vítima
de tráfico de seres humanos, se a sua situação não for adequadamente identifica-
da. As presumíveis vítimas de tráfico de seres humanos devem ser tratadas como
tal e não como criminosas.

• Uma vez identificada como presumível vítima, a pessoa será referenciada para as
autoridades competentes, que deverão dar proteção e assistência às necessida-
des mais imediatas e a curto prazo da presumível vítima.

• A deteção de presumíveis vítimas pode ajudar a libertar outros homens, mulheres
ou crianças que também sejam vítimas de exploração de forma igual ou similar,
dado que, na maior parte das vezes, os traficantes têm sob o seu controlo várias
vítimas.

• A sinalização e a identificação podem ajudar a construir um caso e levar à deten-


ção e acusação de quem abusou da vítima.

• É possível haver compensação e indemnização legal à vítima de tráfico de seres


humanos.

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
O QUE DEVE FAZER
E COMO?

O seu papel é o de reconhecer os indícios que podem indicar que uma pessoa é vítima de
qualquer tipo de tráfico de seres humanos; se for este o caso, deverá informar as autorida-
des competentes e disponibilizar, assim, à pessoa a possível referenciação para a sua
identificação formal e obtenção de apoio.

1 GARANTIR A SEGURANÇA E A SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES BÁSICAS

•  Certifique-se de que a situação é segura para a pessoa e para si. Se não for esse o
caso (se, por exemplo, estiver presente outra pessoa que constitua qualquer tipo de
ameaça/constrangimento para si ou para a presumível vítima), deverá pedir ajuda
às autoridades policiais.
• Disponibilize à pessoa abrigo, alimentação, descanso, ou proporcione-lhe acesso à

O QUE DEVE FAZER E COMO?


satisfação de outras necessidades básicas, se necessário.

2 AVALIAR SE A PESSOA É UMA CRIANÇA

•  Avalie se a pessoa é uma criança (menor de 18 anos de idade), visto que, neste caso,
os procedimentos a seguir são específicos. Lembre-se que alguns jovens com idades
inferiores a 18 anos de idade podem fazer falsas alegações sobre serem adultos.
•  Se houver qualquer dúvida sobre se a pessoa é, ou não, uma criança deverá presu-
mir que se trata de uma criança e proceder em conformidade. A idade correta será
formalmente determinada mais tarde, no decorrer do processo desencadeado pelas
autoridades competentes.
•  Tratando-se de uma criança, quando tiver razões suficientes para acreditar que esta
foi, de alguma maneira, explorada, deverá, antes de mais, informar os serviços res-
ponsáveis (competentes) pela proteção de menores. Geralmente, essas entidades
utilizam uma abordagem multidisciplinar, cabendo-lhes averiguar, de forma mais
aprofundada, a identificação do tráfico de seres humanos. Entretanto, é importante
fazer com que a criança se sinta segura e protegida. Estes serviços especializados
decidirão se e quando os pais/tutores devem ser informados.

3 CERTIFICAR-SE DE QUE SE CONSEGUEM ENTENDER

Utilizando sinais ou linguagem básica poderá conseguir comunicar o suficiente para oferecer
proteção e avaliar se se trata de uma criança. É fundamental certificar-se de que a criança

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de seres humanos para fins de exploração laboral
compreende a linguagem que está a ser utilizada. Se não compreender, deverá chamar um/a
intérprete. Não permita a utilização de conhecidos/as, amigos/as, familiares ou alguém
do mesmo grupo da presumível vítima no processo de tradução, dado que poderão
estar relacionados com os/as traficantes.

4 CRIAR UM AMBIENTE DE CONFIANÇA, EXPLICAR QUEM É

•  Ofereça informações básicas à presumível vítima, incluindo informações sobre si,


sobre a organização para a qual trabalha, e qual o objetivo da conversa.
•  Peça o seu consentimento para iniciar a conversa, diga-lhe que pode interromper
ou pedir mais informações sempre que quiser. Informe-a de que a sua identidade
será divulgada, somente com o seu consentimento, a entidades que prestem apoio
e assistência.
•  Peça o seu consentimento para tomar notas durante a conversa, se precisar de o
fazer, e explique a razão pela qual é necessário fazê-lo.
•  Enquanto estiver a falar e a ouvir a presumível vítima, lembre-se sempre de que
O QUE DEVE FAZER E COMO?

deve seguir uma abordagem baseada nos direitos humanos e que as vítimas de
tráfico de seres humanos são detentoras destes mesmos direitos.

5 OUVIR, OBSERVAR E FAZER PERGUNTAS

O seu papel consiste em observar a situação e ouvir a pessoa a fim de obter informa-
ções suficientes para poder decidir se sinalizou uma presumível vítima de tráfico de seres
humanos.

A fim de facilitar a sinalização, as páginas 14-15 contêm uma lista de indicadores que podem
ajudar a revelar se a pessoa é uma vítima de tráfico de seres humanos.

Leia as listas de indicadores (p. 14 -15). Alguns podem ser observados enquanto olha para
a pessoa, outros podem ser detetados ao ouvi-la. Use o Anexo 1. Este formulário irá ajudá-
-lo/a a decidir se deverá ou não sinalizar a pessoa à entidade competente.

No final da conversa, se chegar à conclusão de que a pessoa pode ser vítima de tráfico de
seres humanos, deverá disponibilizar-se para referenciá-la para um organismo especializado.

SE NECESSÁRIO, EXPLICAR QUAIS SÃO AS DIFERENTES ETAPAS


6 NA IDENTIFICAÇÃO DAS VÍTIMAS DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS

A presumível vítima poderá perguntar o que vai acontecer depois de ser referenciada para o
órgão de polícia criminal responsável pela identificação de vítimas de tráfico de seres humanos.

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de seres humanos para fins de exploração laboral
As informações abaixo apresentadas ajudam-no/a a preparar-se para responder a tais perguntas,
caso se sinta capaz de o fazer.

Se a pessoa concordar em ser referenciada para as entidades competentes (SEF, PJ, MP),
será então entrevistada por responsáveis pela identificação de vítimas de tráfico de seres hu-
manos. Uma vez identificada como tal, deverá beneficiar da assistência prevista na legislação
nacional para as vítimas de tráfico de seres humanos.

Os/as adultos/as, uma vez identificados/as como vítimas, devem:

•  Ter direito a um período de recuperação e reflexão mínimo de 30 dias (segundo


a Convenção do Conselho da Europa Relativa à Luta contra o Tráfico de Seres
Humanos), permitindo à vítima, sem residência legal, o direito de permanecer no
país, a recuperar e a tomar uma decisão informada sobre se deseja cooperar com
as autoridades competentes para processar o traficante. Em Portugal, segundo o
Art.o 111, n.o 2, da Lei n.o 23/2007, de 4 de julho, o prazo de reflexão tem uma dura-
ção mínima de 30 dias e máxima de 60 dias, contados a partir do momento em que
as autoridades competentes solicitam a colaboração, do momento em que a pessoa

O QUE DEVE FAZER E COMO?


interessada manifesta a sua vontade de colaborar com as autoridades encarrega-
das da investigação ou do momento em que a pessoa em causa é sinalizada como
vítima de tráfico de pessoas.
•  Ser protegidos/as contra exploradores/as por medidas de segurança decididas em
conjunto com a vítima após uma avaliação de risco.
•  Ter proteção para a sua integridade física e bem-estar, incluindo soluções de aloja-
mento seguro, caso seja necessário.
•  Ter direito a serviços de intérprete.
•  Ter assistência judiciária gratuita.
•  Receber assistência médica e farmacêutica, caso seja necessário.
•  Receber oferta de cuidados e serviços psicossociais (Art. 112. da Lei n.
o o o
23/2007,
de 4 de julho).

O estatuto de vítima de tráfico de seres humanos poderá implicar:

•  A concessão de uma autorização de residência/trabalho de longo prazo para as


vítimas de países terceiros que não possuam nenhuma autorização legal de resi-
dência.
•  A concessão de uma indemnização.
•  A prestação de algumas ofertas de formação/educação para os mais novos.
•  Cuidados médico-farmacêuticos regulares.
•  O retorno assistido ao seu país de origem ou, às vezes, para um país terceiro, se for
esse o desejo da vítima.

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
Se a presumível vítima for uma criança, esta beneficiará de medidas específicas
logo que seja identificada como possível vítima. Estas incluem:

•  Medidas especiais tomadas pelas autoridades competentes para determinar a iden-


tidade e a nacionalidade da criança e se esta estava acompanhada.
•  Garantir a sua representação legal.
•  A necessidade de as autoridades competentes envidarem todos os esforços possí-
veis para localizar a família da criança.
•  Acesso ao sistema educativo.
•  A possibilidade de regresso assistido, se o/a menor assim o desejar, e na sequência
de uma determinação de melhor interesse pelas competentes autoridades de pro-
teção de menores.

7 INTERVIR
O QUE DEVE FAZER E COMO?

No final da conversa com a pessoa, existem várias possibilidades de acompa-


nhamento.

A A pessoa é uma criança: a primeira medida a tomar é articular com a entidade
competente para a proteção de menores. Em Portugal, a entidade responsável
é a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens com competência geográfica,
e, eventualmente, tendo em conta a situação de perigo a que a criança esteja
exposta, o Ministério Público.

A pessoa é um adulto:

B Se considera a pessoa uma presumível vítima e esta concorda em ser referenciada
para a autoridade competente: é necessário a articulação com a mesma.

C Se considera a pessoa como presumível vítima e esta, no momento, não quer
ser referenciada para autoridade competente, deverá aceitar a sua decisão, mas,
mesmo assim, disponibilizar toda a informação (nomeadamente contactos de ins-
tituições) e, se necessário, trabalhar mitos e (pre)conceitos que possam estar a
impedir uma tomada de decisão consciente e informada. Nalguns países, como é
o caso de Portugal, deve-se informar as autoridades quando se tem conheci-
mento de um crime desta natureza, independentemente do consentimento da
vítima (crime público).

D  Se não considera a pessoa como uma presumível vítima de tráfico de seres


humanos, mas perceciona que ela precisa de algum tipo de apoio, forneça-lhe infor-
mações sobre as organizações de apoio específico para a sua situação.

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
LISTA DE CONTACTOS PARA
APOIO E ASSISTÊNCIA

LINHA NACIONAL DE EMERGÊNCIA SOCIAL: 144

LINHA SOS IMIGRANTE: 808 257 257

EQUIPAS MULTIDISCIPLINARES NACIONAIS: 964 608 288

EQUIPAS REGIONAIS DE APOIO:

LISTA DE CONTACTOS PARA APOIO E ASSISTÊNCIA


TSH NORTE: 918 654 101
TSH CENTRO: 918 654 104
TSH LISBOA: 913 858 556
TSH ALENTEJO: 918 654 106

CAP – CENTRO DE ACOLHIMENTO E PROTEÇÃO PARA MULHERES E SEUS FILHOS


MENORES VÍTIMAS DE TSH: 964 608 288 | 961 039 169

CAP – CENTRO DE ACOLHIMENTO E PROTEÇÃO PARA HOMENS VÍTIMAS DE TSH:


961 674 745

Linha Europeia para Crianças desaparecidas: 116 000

Linha de Apoio à Criança: 116 111

COMISSÃO NACIONAL DE PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO


Avenida dos EUA, n.º 39, 3.º andar
1749-062 Lisboa
Fax: (+351) 218 420 785
E-mail: cnpcjr@seg-social.pt

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
QUAIS SÃO OS INDICADORES DE TRÁFICO DE SERES
HUMANOS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO LABORAL?
QUAIS SÃO OS INDICADORES DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO LABORAL?

Esta secção foi elaborada para ajudá-lo/a a detetar situações de tráfico de seres huma-
nos, identificando alguns indícios de AÇÃO, MEIOS E FIM (EXPLORAÇÃO LABORAL). Nem
todos os elementos estarão presentes no caso com que está a lidar. Lembre-se de que pode-
rá obter mais pormenores sobre estes indicadores, sobre os métodos que podem ser usados
para procurar informações relacionadas com estes, e sobre as provas que poderá encontrar
e recolher, nas orientações de referência. Esta lista não é exaustiva, uma vez que existem
indícios que poderão ser acrescentados ou alterados de modo a refletir as alterações no
modus operandi dos/as traficantes.

Após a fase de observação e de conversa com a pessoa, poderá preencher alguns elemen-
tos, ou toda a tabela apresentada no Anexo 1.

• A pessoa mostra sinais de medo do homem ou


FIM: ENCONTRA ALGUNS DOS SEGUINTES mulher que o/a acompanha.
INDÍCIOS DE QUE A PESSOA É VÍTIMA DE EX- • Um terceiro entrega o passaporte à pessoa ape-
PLORAÇÃO LABORAL? nas antes de atravessar a fronteira.

• As condições de trabalho violam as leis do traba- • Os diferentes elementos do grupo de viagem
lho e as convenções coletivas. não se conhecem.

• São negadas pausas, dias de folga e tempo livre GUARIDA, ACOLHIMENTO


ao/à trabalhador/a, ou tem de trabalhar sempre
que for solicitado. • A pessoa vive e dorme no local onde trabalha.
• O/a empregador/a não consegue apresentar • O local onde dorme está superlotado, as condi-
contrato de trabalho, seguro ou registos relati- ções são insalubres e não existem instalações
vos à pessoa. básicas de higiene, e a privacidade está limitada
ou é nula.
• O/a trabalhador/a não sabe quanto ganha.
• A pessoa tem liberdade limitada para mover-se
no seu espaço.

AÇÃO: DETETOU ALGUNS DOS SEGUINTES


INDÍCIOS? MEIOS: DETETOU ALGUNS DOS SEGUINTES
RECRUTAMENTO INDÍCIOS?

• A pessoa não tinha conhecimento do lugar para AMEAÇAS


onde iria trabalhar.
• A pessoa mostra sinais de medo e ansiedade,
• A pessoa pagou taxas de recrutamento eleva- especialmente na presença do/a supervisor/a,
díssimas. gerente ou homens ou mulheres que a acom-
• A pessoa não tem contrato de trabalho, os termos panham durante o transporte, transferência ou
e condições estão mal definidos ou o contrato de travessia da fronteira.
trabalho está escrito numa língua que a pessoa • A pessoa faz declarações que são incoerentes
não conhece. ou demonstram ideias previamente incutidas.

TRANSPORTE, TRANSFERÊNCIA
• Os/as supervisores, gerentes ou os homens ou
mulheres que acompanham a pessoa durante
• A pessoa não organizou o seu próprio transporte, o transporte, transferência ou passagem da
ou não sabe qual o itinerário percorrido do local fronteira mostram agressividade para com a
de origem ao destino. pessoa.

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Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
USO DA FORÇA • Os pagamentos são irregulares e/ou são fre-
• A pessoa tem lesões visíveis (por exemplo, he- quentemente feitos com atraso.
matomas, cicatrizes, cortes, ferimentos na boca • A pessoa não entende como os salários ou as
e nos dentes, queimaduras de cigarro, etc.). deduções são calculados ou não sabe quanto
• A pessoa mostra sinais de ansiedade ou medo ganha.

QUAIS SÃO OS INDICADORES DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO LABORAL?
(por exemplo, transpiração, tremores, dificulda-
de em responder diretamente a perguntas, evita ARDIL
contato olhos nos olhos por razões não relacio- • Os termos e condições de trabalho reais diferem
nadas com a cultura, etc.). daqueles que foram verbalmente acordados.
• A pessoa assinou um contrato novo quando che-
RESTRIÇÃO DE MOVIMENTOS gou ao local de trabalho.
• A pessoa vive e trabalha no mesmo local.
• Existem mecanismos de controlo no local de ABUSO DE VULNERABILIDADE
trabalho, tais como sistemas de videovigilância, • A pessoa encontra-se numa situação irregular e
sinais de aviso para não abandonar as instala- não possui nenhuma autorização de residência
ções, janelas inacessíveis ou com grades, por- ou de trabalho.
tas trancadas, etc. • A pessoa pertence a um grupo que tem sido
discriminado ou que na prática não usufrui de
ISOLAMENTO direitos iguais na sociedade (por exemplo, com
• A pessoa não sabe a localização ou o endereço base no sexo, estatuto de refugiado/asilo, etnia,
do local onde vive. deficiências, estatuto de órfão, ou por fazer parte
• O espaço de trabalho fica situado num local remo- de um grupo religioso ou cultural minoritário).
to, de difícil acesso para os transportes públicos • A pessoa tem conhecimentos limitados e/ou é
ou particulares. analfabeta ou não conhece o idioma local.
• A pessoa tem acesso limitado ou inexistente a • A pessoa encontra-se numa situação de de-
meios de comunicação (por exemplo, telefone, pendência de várias formas (por exemplo, está
correio, internet). dependente do/a empregador/a em termos de
• O/a empregador/a controla todos os contactos alojamento, alimentação e de emprego para fa-
com terceiros ou insiste em responder às per- miliares ou outros benefícios).
guntas em nome da pessoa e/ou em traduzir
toda a conversa.
• A pessoa refere-se a crenças religiosas ou cul-
turais com medo.

RETENÇÃO DE DOCUMENTOS
ESCRAVIDÃO POR DÍVIDA
• A pessoa não possui ou não tem acesso aos • A pessoa tem de pagar taxas elevadíssimas
seus documentos de identificação (passaporte,
para recrutamento, transporte, alojamento, ali-
bilhete de identidade, visto, autorização de traba-
mentação, ferramentas ou equipamentos de
lho ou residência) ou a outros pertences pessoais
proteção pessoal para o trabalho, as quais são
de valor (bilhete de regresso), e continua a não
deduzidas diretamente do seu salário.
ter acesso mesmo depois de pedir que estes lhe
sejam entregues. • Os termos do reembolso de adiantamentos de
salário são pouco claros ou manipulados.
• Outros/as trabalhadores/as estão na mesma • As taxas de juro para adiantamentos de salários
situação, sem acesso aos seus documentos de
não são razoáveis e podem ultrapassar os limi-
identificação.
tes legais.
• Os documentos de identificação parecem ser • O pai e a mãe venderam o/a filho/a aos/às tra-
falsificados.
ficantes.
RETENÇÃO DE SALÁRIOS
• O/a empregador/a não consegue mostrar um
contrato de trabalho ou prova de que os salá-
rios foram pagos à pessoa, ou os documentos
de trabalho e registos de pagamento de salários
foram alterados.

15
Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral
ANEXO 1:
A PREENCHER DURANTE A FASE DE DETEÇÃO

0 1 2 3
Ausência Presença Provas Inconclusivo
de indícios de indícios

AÇÃO Recrutamento
ANEXO 1: A PREENCHER DURANTE A FASE DE DETEÇÃO

ANEXO 1: A PREENCHER DURANTE A FASE DE DETEÇÃO


Transporte/transferência

Guarida/acolhimento

MEIOS Ameaças

Uso da força

Restrição de movimentos

Isolamento

Retenção de documentos

Retenção de salários

Fraude/ardil

Abuso de poder / vulnerabilidade

Oferecer ou receber pagamentos

FIM Exploração laboral

Exploração sexual

Atividades ilícitas

16 17
Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico Ferramenta prática para a sinalização de vítimas de tráfico
de seres humanos para fins de exploração laboral de seres humanos para fins de exploração laboral
Esta ferramenta prática foi desenvolvida
no âmbito do projeto:
«Desenvolvimento de Orientações e Procedimentos
Comuns na Sinalização de Vítimas de Tráfico
de Seres Humanos»

Euro TrafGuID

This practical tool has been


developed in the context of the project:
«Development of common guidelines
and procedures on identification of victims
of human trafficking»

Euro TrafGuID

UNIÃO EUROPEIA
Fundo Social Europeu

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