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Realismo
Não é empresa fácil historiar – e muito menos resumir – o complexo movimento chamado «Realis
Por trás dessa palavra, cifra simplista, se escondem e convivem fenómenos e atitudes estéticas d
período a ruidosa Questão Coimbrã, polémica literária que significou – na frase de Teófilo Braga –
manifestou pela primeira vez o protesto da geração nascida por meados do século contra o exage
convertido em gesto vácuo de monótona artificiosidade. Dela surgiu o Realismo. A França – e atra
a principal inspiradora dos dirigentes da rebelião coimbrã. Entre 1860 e 1865 saturaram-se de cul
os ares que vinham de fora, absorvendo de golpe o humanitarismo social francês de 48. Leram e
satanismo baudelairiano, a erudição histórica de Leconte de Lisle, o determinismo de Taine, as el
o diletantismo crítico de Renan, o revolucionarismo apostólico de Michelet, – e ainda Hegel, e He
díspares, tinham, porém, em comum o prurido de irreverência e de liberdade, o sentimento de rev
do Ultrarromantismo constitucionalista e o intuito de renovação do clima das letras e da vida portu
formação e de atitude geracional, cada um deles seguiu uma trajetória criadora e vital acentuadam
Quental, Teófilo Braga, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro – e Ramalho Ortigão e Oliveira Martins
manuais de literatura agrupados sob a epígrafe irmanadora de «Realismo». E talvez isso não seja
vista pode parecer, porquanto não é fácil acharmos uma etiqueta mais adequada e precisa para d
e artísticos que os ligavam.
A batalha efetiva da implantação do Realismo no romance começou com a publicação d' O Crime
tarde por O Primo Basílio, obras caracterizadas ambas por métodos de narração e de descrição b
análise psicofisiológicas, com a anatomia moral das personagens referida a fatores deterministas
maneira de Zola – e com evidente intuito de crítica de costumes e reforma social. O primeiro dest
com um silêncio significativo e escandalizado. O segundo provocou o escândalo aberto. A colisão
processos realistas de efabulação e os sequazes da nova tendência alcançou a sua maior virulên
«chefe da escola» começara a fugir, com a publicação d' O Mandarim, da «incommode soumissio
l'impertinente tyrannie de la réalité». Naquela data novamente Pinheiro Chagas arremete, num jor
antipatriota, pelo modo como apresenta a sociedade portuguesa. António da Silva Pinto (1848-19
intitulado Do Realismo na Arte, expusera a teoria da escola e elogiara Eça em termos calorosos,
ridiculizando os processos do novo estilo; e Camilo Castelo Branco, o mestre do romance românt
dera a lume o Eusébio Macário, paródia da técnica narrativa dos realistas, publicava em 1880 um
caricatural era ainda mais evidente. O resultado foi uma violenta polémica, esmaltada de injúrias,
tendências, Alexandre da Conceição, e na qual tomaram parte apaixonadas penas dum e doutro
inconsciente», acabou por aceitar, e empregar de boa fé, muitos dos processos do realismo, com
O atrevimento de certos passos dos romances de Eça, principalmente d' O Primo Basílio, escand
chegaram a aparecer folhetos acusando os realistas de contribuírem para a «desmoralização das
Andrade, A Escola realista. Opúsculo oferecido às Mães, 1881).
Nos outros géneros o Realismo produziu frutos muito desiguais. Não houve uma crítica normativa
malogrado Moniz Barreto, forte capacidade analítica e sintética, dotado de fina sensibilidade e mu
que, inspirado em Taine, realizou uma obra breve, é certo, mas em muitos aspetos ainda válida. O
ideias. Não houve drama que possa ser chamado realista; o palco ficou apegado anacrónicament
multiforme e teve correntes que se entrecruzaram muito complexamente. Atuaram, com efeito, no
divergentes, sujeitas a influências muito diversas. Aliás, a própria natureza do género, de carácter
contra o predomínio duma determinada doutrina. A par do revolucionarismo e do angustiado misti
a enfática poesia da Humanidade de Teófilo, o prosaísmo satírico de João Penha, o lirismo social
e de Gomes Leal, o «quotidianismo» citadino e burguês de Cesário Verde, o parnasianismo preci
satânico, caudaloso e tonitruante de Guerra Junqueiro, intentando casar Ciência e Poesia (v. Par
que não foi o Realismo português, visto no seu conjunto, tanto uma escola literária, bem definida
atitude espiritual em que couberam direções e dimensões muito divergentes, que se alçou contra
consequência mais vital e duradoura foi romper a incuriosidade do patriotismo provinciano dos ult
espírito nacional a todas as influências de fora, alargando a escolha de motivos literários e renova
Essas diferenças, postas aqui em síntese e nos seus aspetos fundamentais, não têm valor absolu
contacto entre Realismo e Naturalismo, por se orientarem pelas mesmas «verdades» científicas e
revolução cultural. Mais ainda: muito embora se classifiquem os romancistas dessa época em rea
predominância duma dessas direções estéticas, nos autores portugueses Realismo e Naturalismo
Introduzido o espírito realista em Portugal através da Questão Coimbrã (1865), das Conferências
Amaro (1875) de Eça de Queirós, iniciou-se um movimento teórico que iria conduzir ao aparecime
Júlio Lourenço Pinto (1842-1907) (Do Realismo na Arte, 1877; ensaios in Letras e Artes, 1883-18
António dos Reis Dâmaso (1850-1895) (Anjo da Caridade, romance, 1871; Cenografias, contos, 1
António José da Silva Pinto (1848-1911) (Do Realismo na Arte, 3.ª ed., in Controvérsias e Estudo
Alexandre da Conceição (1842-1889) «Realismo e Realistas» e «Realistas e Românticos», in Ens
Alberto Carlos (A Escola Realista e a Moral, 1880), Luís Cipriano Coe!ho de Magalhães («Natural
Impressões, 1890), Teixeira Bastos e outros teóricos movimentaram a questão do Naturalismo, qu
da década de 80.
A par da atividade teorizante, alguns dos teóricos e outros autores lançaram-se à concretização d
foram as rotas seguidas, representadas pelo Realismo e pelo Naturalismo. Ressalvando-se os ele
Eça de Queirós, Fialho de Almeida, até certo ponto Trindade Coelho – o contista de Os meus am
lugar à parte –, Teixeira de Queirós, Luís de Magalhães (O Brasileiro Soares, 1886) e outros, mai
da realidade física e humana, não obstante, como no caso de Eça, a tendência para o psicologism
exceção feita de Eça, e assim mesmo parcialmente, não sondam a alma e o espírito das persona
comportamento, no geral baseados no exacerbamento dos sentidos e nos apetites carnais. Esse
impulsos anormais superiores à vontade, tirânicos, patenteia-se em todos eles, exceto ainda Eça,
se observa na Luísa d' O Primo Basílio e na Amélia d' O Crime do Padre Amaro. Retratistas de ex
fisiológico e rasteiro, atêm-se mais à preocupação de surpreender coerentemente uma sociedade
à análise fria, imparcial, orientada para um mundo melhor. O naturalismo desses romancistas e co
espírito baseada no repúdio de qualquer subjetivismo e no desejar para a obra de arte uma orient
objetiva. Esse relativo apego ao naturalismo de Zola explica-se pela influência recebida do roman
flaubertiano.
Ainda sob a influência de Zola, Abel Botelho dispôs-se a criticar a sociedade do tempo na série P
(Sem remédio..., Amor Crioulo, Os Lázaros) e num livro de contos (Mulheres da Beira), mostrand
em flagrante decomposição. Sua linguagem, forte, abundante, ágil, não esconde a vista aguda do
perceber e pintar matizes e subtilidades de toda a ordem. Com altos e baixos, a Patologia Social
Naturalismo, manifestando, além das qualidades do A., reconhecíveis ao primeiro contacto, a pre
inteiramente isolado, pela luta de classes e pelas questões sociais em geral (cf. sobretudo Amanh
ortodoxia naturalista deformou em parte o alcance e o poder da sua obra, mas A. B. soube servir-
romances em que o seu talento de escritor vigoroso e fluente está presente a cada instante. Não
tipos escabrosos, mas mesmo nesse aspeto, sobretudo pelo modo como o fez, abriu caminho par
sobre as mesmas chagas sociais, numa atitude de indignado e contemplativo, a sonhar um destin
não se lhe nega valor, em que pese a superação do romance naturalista.
Com o advento do romance à Zola, o Realismo esgota o seu programa e o Naturalismo pouco du
séc. XX noutra atmosfera mental, o Naturalismo desaparece, tragado pelo neo-espiritualismo que
90. Feito o balanço, afora Eça, Fialho de Almeida e Trindade Coelho, mais realistas que naturalist
ângulo, Teixeira de Queirós, como representantes de importância da prosa de ficção do último qu
Idealismo e Realismo 1
Aqui está pois um livro que eu escrevo pela segunda vez! Habent sua fata libelli!
Considerar-se-á talvez que esta reconstrução paciente é uma puerilidade, uma lamentável dissipa
eivado originariamente de defeitos indestrutíveis, não é com adjetivos intercalados, entrelinhas e
carateres mal observados, que se dá luz e cor a paisagens mortas e que se retificam os desenvol
seguidos...
Isto creio que é exato quando se trata de um trabalho puramente imaginativo, conto de fadas ou n
Se eu criei um príncipe encantado ou um galã à Antony, e lhes dei, na minha edição original, cabe
realmente útil refazer, numa nova edição, o meu trabalho, para dar ao herói cabelos negros e pes
substituindo outra fantasia. Melhor seria escrever um livro novo, e apresentar o mesmo galã com
paixões.
É porém diferente, penso eu, tratando-se de um romance de observação e de realidade, fundado
documentos vivos. Se eu quiser apresentar o tipo de um jogador, e o improvisar com reminiscênc
mais notas do que aquelas que tenha acolhido uma noite, numa soirée honesta de praia de banho
batota doméstica a feijões – arrisco-me a fazer um jogador falso, pueril, vago e convencional.
Mas se, depois, eu frequentei a roleta bem instalada que o Estado patrocina, ou as baixas espelu
observei, colhi em flagrante a paixão, as expressões vivas em plena ação, estou habilitado talvez
humano; e se, pela graça de um Deus favorável, o meu livro tiver uma segunda edição, eu devo c
observações e os documentos que acumulei – exatamente como, num tratado de medicina, um p
últimos resultados das experiências recentes.
Quando publiquei pela primeira vez O Crime do Padre Amaro, eu tinha um conhecimento incompl
devota, dos motivos e dos modos eclesiásticos. Depois, por uma frequência demorada e metódica
simplesmente o meu livro sobre estas novas bases de análise.
Quer isto significar que O Crime do Padre Amaro, publicado agora, dá em absoluto, na sua realid
canónica, a província em Portugal nesse ano da graça de 1879? Oh! certamente que não! O quad
natureza mal estudados, recantos de alma explorados incompletamente, amplificações, exageros
de observação e de experiência que eu possuo sobre este elemento parcial da sociedade portugu
hábeis, compete recomeçar este estudo, e decerto com realidade superior.
É por meio desta laboriosa observação da realidade. Desta investigação paciente da matéria viva
documentos, que se constroem as obras duradouras e fortes. Se as minhas são fracas e efémera
verdade com suficiente penetração, e não provém decerto de que o método não seja eficaz.
O Crime do Padre Amaro recebeu no Brasil e em Portugal alguma atenção da crítica, sobretudo q
romance intitulado – O Primo Basílio. E no Brasil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se adu
do Padre Amaro era uma imitação do romance do Sr. Zola – La Faute de l'Abbé Mouret – ou que
outros magistrais estudos sociais, sugerira a ideia, os personagens, a intenção de O Crime do Pa
Eu tenho algumas razões para crer que isto não é correto. O Crime do Padre Amaro foi escrito em
publicado em 1874. O livro do Sr. Zola, La Faute de l'Abbé Mouret ( que é o quinto volume da sér
publicado em 1874.
Mas (ainda que isto pareça sobrenatural) considero esta razão apenas como subalterna e insufici
cérebro, no pensamento do Sr. Zola, e ter avistado, entre as formas ainda indecisas das suas cria
exatamente como o venerável Anquises, no vale dos Elísios, podia ver, entre as sombras das ra
luminosa do Lete, aquele que um dia devia ser Marcelo! Tais coisas são possíveis. Nem o homem
extraordinárias do que o carro de fogo que arrebatou Elias aos Céus – e do que outros prodígios
O que, segundo penso, mostra melhor que a acusação carece de exatidão, é a simples comparaç
l'Abbé Mouret é, no seu episódio central, o quadro alegórico da iniciação do primeiro homem e da
Mouret (Sérgio), tendo sido atacado de uma febre cerebral, derivada principalmente da sua exalta
solidão de um vale abrasado da Provença (primeira parte do livro), é levado para convalescer ao
que o abandono refez uma virgindade selvagem, e que é a representação alegórica do Paraíso. A
de si mesmo a ponto de se esquecer do seu sacerdócio e da existência da aldeia, e a consciência
e das árvores do Paradou como de monstros estranhos – erra durante meses, pelas profundidade
génio, a Eva desse lugar de legenda.
Albina e Sérgio, seminus como no Paraíso, procuram sem cessar, por um instinto que os impele,
cai a influência afrodisíaca da matéria procriadora; sob este símbolo da árvore da ciência se poss
tentam descobrir, na sua inocência paradisíaca, o meio físico de realizar o amor. Depois, numa m
nudez, cobrem-se de folhagens; e daí os expulsa, os arranca o padre Arcângias, que é a personif
Na última parte do livro, o abade Mouret recupera a consciência de si mesmo, subtrai-se à influên
obtém por um esforço da oração e um privilégio da graça a extinção da sua virilidade, e torna-se u
sombra caída aos pés da cruz; e é sem que lhe mude a cor do rosto que ele asperge e responsa
no Paradou, sob um montão de flores de perfumes fortes.
E dito isto, parece ficarem indicados e suficientemente lúcidos, os motivos que tenho para não su
tradução malfeita da Faute de l'Abbé Mouret. E não insisto na diferença das datas, apesar dela co
lógica, uma impossibilidade metafísica, porque sou bom cidadão, e o art. 6.º da Carta impõe impli
milagres. Somente devo dizer que os críticos inteligentes que acusaram O Crime do Padre Amaro
l'Abbé Mouret, não tinham, infelizmente, lido o romance maravilhoso do Sr. Zola, que foi, talvez, a
semelhança casual dos dois títulos induziu-os em erro.
Com conhecimento dos dois livros, só uma obtusidade córnea ou má fé cínica poderiam assemelh
misturado o patético drama de uma alma mística, a O Crime do Padre Amaro, simples intriga de c
murmurada à sombra de uma velha Sé de província portuguesa.
– Mas, dir-me-ão indignadamente pessoas bem intencionadas, como se podem produzir tais acus
Dos dois livros, a crítica decerto conheceu primeiro O Crime do Padre Amaro, e quando um dia, p
jornal francês, ou viu numa vitrina de livreiro, a Faute de l'Abbé Mouret, estabeleceu imediatamen
a Faute de l'Abbé Mouret devia estar para O Crime do Padre Amaro como a França está para Po
incógnita: PLAGIATO! Ou ainda, o que é mais provável, e mais grato ao Sr. Zola, conhecendo já a
anunciado O Crime do Padre Amaro, estabeleceu logo a mesma regra de três, com os termos inv
PLAGIATO! Sic itur ad abyssum!
Mas parece que esta Faute de l'Abbé Mouret, tem sido para mim uma vasta e rica mina de arte, d
desenterrar a minha provisão de carateres, de paisagens, de imagens e de adjetivos. Assim fui am
o Paraíso do Primo Basílio, do Paradou, da Faute de l'Abbé Mouret. O Paraíso, se por acaso lera
terceiro andar barato, para os lados da Bemposta, alugado ao mês, onde uma senhora e um cava
semana, do meio-dia às três. O Paradou, como já disse, é aquela vasta e maravilhosa floresta, on
procurando, num instinto amoroso, a árvore iniciadora da ciência!
Que isto não pareça provir de um espírito rebelde e irreverente para com a crítica. Ninguém a res
obras de observação e de realidade.
Os românticos (como confessa Sainte-Beuve) odiavam a crítica, e com razão, pelo mesmo motivo
detestavam a opinião pública. Para os românticos, a poesia ou a prosa desciam diretamente da in
diretamente de Deus. O crítico, simples raciocinador, não tinha direito a achar defeitos ou mesmo
a musa, mandavam lá de cima a um Musset ou a uma George Sand. A poesia era um presente d
avaliar pelas regras triviais do senso comum aquilo que cantava ou declamava um homem que vi
ideal. O poeta, o artista, o romancista, eram assim seres excecionais, fora da lei e da regra huma
entre o homem e o anjo! A sua vida mesmo não participava das condições humanas:
– Nós somos cristos! – exclamava Novalis. – E um Cristo suporta mal um folhetim hostil...
Nós, porém, burgueses que não vivemos em comunicação permanente com o ideal, que nunca re
forma aérea jamais disse:
nós, homens, consentimos em ser julgados por homens. Estudando a realidade humana e social,
uma prática, todas as admoestações daqueles que, vivendo na humanidade e na sociedade, têm
realidades.
E isto não é só respeito pelos críticos, pelos príncipes da crítica, pelos seus gros bonnets, os ditad
qualquer homem, o mais obscuro, ainda que nunca escrevesse uma linha, podemos aceitar indica
Quando se trata de eloquência ou de retórica, decerto só se pode admitir o crítico que conheça es
escrevemos de paixões ou de vícios, todo aquele que os sentiu, ainda que os não saiba exprimir,
um poeta sabe apreciar Graziela, obra de eloquência lírica, mas um simples carpinteiro pode disc
social.
Eu, por mim, adoro a crítica: leio-a com unção, noto as suas observações, corrijo-me quando as s
desejo fazer minha a sua experiência das coisas humanas.
Foi por ocasião do aparecimento destes meus livros, O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio,
no Realismo e numa outra instituição que me dizem chamar-se a ideia nova. Ora o meu nome tem
Brasil, associado a este realismo e a esta nova instituição. Designo-a pelo nome genérico de insti
uma nova política, uma nova religião ou uma nova filosofia; não sei mesmo se não será um novo
Não creio que tivesse nascido em França, em Inglaterra ou na Alemanha, as três grandes nações
portuguesa e inteiramente local. Ignoro os seus fins, o seu programa, os seus métodos, se já lanç
Coríntios e se nos traz alguma nova conceção do Universo!
Contudo, eu sou, nos documentos que tenho presentes, designado como «um dos seus chefes».
como diante de Tebas! Num livro de versos que recebo agora, comentado por um mestre douto e
recebeu com Hossanas os pregoeiros da ideia nova». Concluo que tivemos, como outros quaisqu
Jerusalém, e vejo daqui a nossa estimável estação dos Caminhos de Ferro, sonora de cantos e v
parece que foi breve o dia das alegrias e dos risos, porque um jornal recente me diz: «Aí estão, p
prostrados por terra e mordendo o pó, os da ideia nova!» Concluo que fomos derrotados por um m
género de Polifemo ou do amante de Ônfale, e que, dos da «ideia nova», como da ala dos cavale
Hastings, não resta mais do que um estendal de cadáveres, sobre que pairam os corvos de Usk!.
Tal foi a vida breve e morte trágica de uma ideia nacional que, segundo os jornais me afirmam, no
chefes!...
Eu sou pois associado a estes dois movimentos, e se ainda ignoro o que seja a ideia nova, sei po
a escola realista. Creio que em Portugal e no Brasil se chama realismo, termo já velho em 1840, a
em Inglaterra é conhecido por «naturalismo» ou «arte experimental». Aceitemos porém realismo,
qual o Brasil e Portugal conhecem uma certa fase na evolução da arte.
Este movimento tem encontrado em Portugal grandes hostilidades. Também no Brasil (não o digo
combatido o realismo com um talento superior e com ideias.
A opinião, porém, que os nossos inimigos fazem deste movimento literário, parece ser a seguinte
a escola realista. Que foi o Sr. Zola que a inventou, um belo dia, em Paris. Que o seu fim é pintar
finalmente, que tem uma retórica especial, abstrusa, torturada, rutilante, sem gramática e sem ver
É-me desagradável afetar um tom pedagógico e vir dar um desmentido autoritário a estas afirmaç
Mas na realidade o naturalismo nem foi inventado pelo Sr. Zola, nem consiste em descrever metic
retórica própria, nem sobretudo é uma escola!
Em Portugal sempre houve uma tendência tenaz para subdividir a arte em escolas – o que prova,
retóricos. Inventámos assim toda a sorte de escolas literárias – mais, certamente, em número, do
a ter a escola de Lisboa, a escola de Coimbra, a escola de Castilho... coisas que nos parecem ho
as façanhas do impetuoso Ájax. Ainda conservamos, porém, as grandes escolas: clássica, român
confrarias das letras, isoladas em cubículos e celas, separadas por paredes-mestras : o cubículo
cubículo de Byron, o cubículo de Petrarca... Até o subtil e fino Baudelaire tem o seu cubículo! E a
o dente, uns usando a cabeleira de Racine, outros o capacete de Percival, outros os cornos de Sa
vivem sepultados nas suas prosódias rivais, murando-se dentro delas, como o anão chinês dentro
Não – perdoem-me – não há escola realista. Escola é a imitação sistemática dos processos de um
individual, uma retórica ou uma maneira consagrada. Ora o naturalismo não nasceu da estética p
geral da arte, num certo momento da sua evolução. A sua maneira não está consagrada, porque
maneira própria: Daudet é tão diferente de Flaubert, como Zola é diferente de Dickens. Dizer «esc
«escola republicana». O naturalismo é a forma científica que toma a arte, como a república é a fo
como o positivismo é a forma experimental que toma a filosofia.
Tudo isto se prende e se reduz a esta fórmula geral: que fora da observação dos factos e da expe
pode obter nenhuma soma de verdade.
Outrora uma novela romântica, em lugar de estudar o homem, inventava-o. Hoje o romance estud
drama, no romance, concebia-se o jogo das paixões a priori; hoje, analisa-se a posteriori, por proc
fisiologia. Desde que se descobriu que a lei que rege os corpos brutos é a mesma que rege os se
uma pedra obedeceu às mesmas leis que a constituição do espírito de uma donzela, que há no m
lei que rege os movimentos dos mundos não difere da lei que rege as paixões humanas, o roman
simplesmente de observar. O verdadeiro autor do naturalismo não é pois Zola – é Claude Bernard
fenómenos vivos e não a idealização das imaginações inatas...
É fácil deduzir daqui que não foi o Sr. Zola o inventor do natutalismo. Ele é decerto uma forte e gr
movimento um grande e forte impulso. Ninguém como ele, nos seus escritos, o tem defendido e d
sejam quais forem os seus defeitos, o homem que escreveu o Assommoir ficará como um dos ma
artistas. Mas seria tão absurdo dizer que ele inventou o naturalismo, como dizer que Gambetta in
Neste século, porém, no período científico do naturalismo, o Sr. Zola teve precursores ilustres: an
Goncourts, Flaubert, Taine e Sainte-Beuve – (porque o método do crítico penetrante que estuda u
romancista que estuda um personagem) – e antes destes, havia ainda Stendhal, e ao lado dele, B
Não me obriguem a remontar até Homero!... É verdadeiramente uma genealogia ilustre!
Mas, dir-me-á o leitor – o verdadeiro leitor, o cidadão que não é letrado nem teórico, mas simples
do grande público, que é no fim de tudo quem faz a arte – em que consiste pois esse famoso natu
posso eu lucrar com essa descoberta? Em que me interessa ela? Em que me educa, me diverte,
velha novela idealista? Porque me querem forçar a comprar o Sr. Zola, em vez de levar o meu din
Ora aqui tens, meu caro concidadão: supõe que tu queres ter na tua sala a imagem de Napoleão
te permitidas: a parede é tua, e podes cobri-la de escarros ou de figuras imperiais; são coisas que
Deus severo que te há-de julgar um dia). Que fazes tu? Chamas dois pintores: um que é idealista
casaco de veludo e o seu chapéu de aba larga, e outro que é realista, e que vem, como tu, de cha
debaixo do braço. Dás-lhes o teu assunto e vais aos teus negócios.
Dir-me-ão: é falso! – Como, falso ? Este quadro foi, creio que é ainda, uma das joias do Museu do
Durante esse tempo, o pintor realista, tendo lido a história, consultado as crónicas do tempo, estu
uniformes da época, etc., deixou na tua parede o seguinte quadro: sob um céu triste, um caminho
e retesando os músculos, sobe uma mula; sobre a mula, Bonaparte, abafado em peles, com um b
da reverberação da neve, viaja, doente e derreado ...
Qual destes quadros escolhes tu, caro concidadão? O primeiro, que te inventou a história ou o se
uma falsificação, o naturalista, uma verificação. Toda a diferença entre o idealismo e o naturalism
segundo verifica.
Dir-me-ás talvez: mas isso é simples matéria de acessório, de decoração! E quando se trata de p
Suponho (tudo é permitido a uma alma como a tua, amante da arte e curiosa da vida), suponho, d
menina que mora ali defronte, num prédio da Baixa.
Apresentam-se dois novelistas – o idealista e o naturalista. Tu dás-lhes o teu assunto: uma menin
defronte.
O idealista não a quer ver nem ouvir; não quer saber mais detalhes. Toma imediatamente a sua b
momento os seus autores, e, num relance, cria-te a menina Virgínia deste modo: na figura, a graç
grandiosa de Julieta; nos movimentos, a languidez de qualquer odalisca (à escolha); na mente, a
eloquência de Santo Agostinho...
Dir-me-ão: é mentira! – Como, mentira? Vejam a criação da Morgadinha dos Canaviais, um roma
paciente de Júlio Dinis, o artista que entre nós mais importância deu à realidade. E todavia a sua
uma burguesinha da serra, vivendo na serra, educada na serra, e querendo ser a personificação d
ama com a sinceridade heroica de Cordélia; tem com os sobrinhos o tom de maternidade românti
matéria de moral, com a altivez de Bossuet; fala da natureza com o colorido místico de Lamartine
finura das duquesas de Balzac – e quando fala de amor, julgamos ouvir Rousseau declamar. Sem
de arte ou de religião, é de Chateaubriand!...
Mas voltemos à nossa Virgínia, que mora ali defronte. É agora o nosso escritor naturalista que a v
uma coisa extraordinária: vai vê-la!...
Não se riam: o simples facto de ir ver Virgínia quando se pretende descrever Virgínia, é uma revo
cartesiana: significa que só a observação dos fenómenos dá a ciência das coisas. Este homem va
modos, a voz; examina o seu passado, indaga da sua educação, estuda o meio em que ela vive,
que lê, os gestos que tem – e dá enfim uma Virgínia que não é Cordélia, nem Ofélia, nem Santo A
que é a burguesa da Baixa, em Lisboa, no ano da graça de 1879.
Caro concidadão, a qual dás tu a preferência? O primeiro mentiu-te. A Virgínia que tens diante de
tem carne nem osso, e que, portanto, não pertencendo à humanidade a que tu pertences, não te
um ser vivo. O que ela diz, pensa ou faz, não te adianta uma linha no conhecimento da paixão e d
Uma tal Virgínia não pode ficar como documento de uma certa sociedade, num determinado perío
O segundo dá-te uma lição de vida social: põe diante dos teus olhos, num resumo, o que são as V
conhecer o fundo, a natureza, o carácter da mulher com quem tens que viver. Se a Virgínia, em c
filha seja assim; podes-te acautelar desde já com a nora que te espera; é-te lição no presente, e,
histórico.
E aqui tens, caro concidadão, reduzido a fórmula familiar, ao alcance da tua compreensão e desp
idealismo e o que é o naturalismo, na pintura, no romance e no drama.
Brístol,1879.
1 - Este artigo, encontrado entre os papéis de Eça de Queiroz, esboçado a lápis, foi escrito para servir de prefácio à 2.ª edição, re
pelo seu tom irónico e ligeiro, que mal se coadunava com a índole grave do livro, o autor aproveitou contudo alguns trechos essen
atualmente antecede aquele seu romance.
Antecedentes
Na segunda metade do século XIX, a Europa vê-se sacudida de lés a lés por novos ventos polític
A Espanha proclama a república em 1868; a França imita-a pouco depois; Vítor Manuel destrói os
desfazia-se a Santa Aliança, último reduto contra a expansão do liberalismo.
Lamark insiste na evolução dos seres por influência do meio; Darwin apregoa a mesma evolução
doutrinas transformistas ao próprio homem; Mendel descobre as leis da hereditariedade. Começa
materialista, pampsiquista e monista do Cosmos ao mesmo tempo que se abre o caminho para o
psíquico e fisiológico.
A Revolução Francesa tinha conduzido ao apogeu a burguesia capitalista. Para maior desequilíbr
elétrico lançam agora no desemprego milhões de braços. O proletariado começa a ser um facto a
a solução comunista para a «questão social». Saint Simon, Proudhon, Fourier e outros preferem o
prepara-se para deixar na literatura o seu rasto de dor e sangue.
O criticismo histórico e racionalista curva-se sobre as fontes do cristianismo. Hamach, Renan, Re
cristão, desvirtuam-no e procuram explicá-lo pela fé puramente idealista.
Depois de 1850, os homens de letras constatam que a Química, a Física, a Biologia, a Zoologia, a
Matemática, numa palavra, constatam que todas as ciências procuravam alicerçar-se em compro
Arte se esforçavam por serem verídicos, objetivos.
Ora, sendo estas coisas assim, porque é que os literatos haviam de continuar presos
a um sentimentalismo doentio,
a um idealismo aéreo, divorciado da realidade,
a uma expressão hipócrita da paixão amorosa,
à idealização de um mundo irreal?
Sentindo que perdiam um comboio a correr vertiginosamente para o campo da verdade nua e cru
atividades do espírito humano, a literatura começou a buscar a realidade, não a deformada pelos
apresenta, sem artifícios, sem retoques.
Ainda por analogia com a técnica e a indústria e a ciência, que não conhecem fronteiras mas são
arte literária deixou de ser nacionalista e revestiu-se de carácter cosmopolita.
Portugal, nesta época, já não estava separado do resto da Europa. O caminho de ferro encurtara
barreira dos Pirenéus era ineficaz para suster o avanço rapidíssimo destas novas ideias. Por isso
esperar.
Agora, novas influências vão entrar em ação. De França, sobretudo, chegam a Coimbra livros ond
muito diferente da seguida nas décadas anteriores. E todas as especializações do pensamento hu
Portugal por doutrinas inovadoras nascidas no estrangeiro.
Numa conferência proferida no «Casino», disse Eça de Queirós a respeito do Realismo (reconstit
das Conferências do Casino, Lisboa, 1930J páginas 55-56):
Estas frases do autor d'Os Maias são elucidativas. Aí se encontram as principais características d
alíneas que seguem.
A carga ideológica transportada nas obras românticas não era grande, nem mesmo bem definida.
início, os realistas. O problema aparece bem enunciado na «Questão Coimbrã» por Antero, que p
Gosto : «Será possível viver sem ideias ? Esta é que é a grande questão». E tal problema foi trab
nas «Conferências do Casino», que, no entender dos seus promotores, deviam expor ao público p
contemporâneas, religiosas, literárias, políticas, sociais e científicas». Proibidas as «Conferências
de arte foi ainda a finalidade de muitos artigos d'As Farpas, da poesia de Antero, das obras de Ol
A literatura – era convencimento geral dos realistas – devia inspirar-se nas correntes filosóficas e
positivismo, socialismo) para exprimir a real problemática do homem da época. Só a expressão d
conteúdo ideológico válido.
Reage a escola realista contra o idealismo e as atitudes emocionais enfáticas e hiperbólicas dos r
exposição da realidade com verdade e com neutralidade do coração. O «eu» pensante ficará indi
recriada com exatidão, com pormenor, em retratos fidelíssimos.
Perante o bem e o mal, o vício e a virtude, o belo e o feio, o coração do escritor realista não deixa
Também não dará nomes belos ao que é imoral e baixo, nem encobrirá as reais consequências d
que tenha sido a sua execução.
Lembramos que o romance romântico é, por vezes, absolutamente verosímil e pode mesmo prop
fruto da imaginação e do sentimentalismo do autor, que, por isso, lança mão de lugares comuns a
prodigioso, o ideal e o sentimento, o monstro e o super-homem. Nisto se afasta do romance realis
a) Irreligiosismo.
Os novos de Coimbra comentam asserções de Loisy e de Renan, que no seu criticismo bíblico se
fé. Agrada-lhes sobretudo uma religião sem dogmas, de cunho panteísta. Assumem atitudes vinc
o idealismo de Hegel,
o socialismo de Proudhon,
o positivismo de Comte,
o evolucionismo de Darwin e Lamarck.
e) Materialismo otimista.
Ao mesmo tempo, todos se deixam contaminar por uma esperança firme no bem-estar material d
técnica e da máquina. E explicam o atraso do passado por os homens se terem deixado conduzir
religião. Daí o manifestarem-se contra todos os cultos revelados.
Estas doutrinas iriam fermentar depressa e ficariam na base do Realismo cujas características va
Estética Naturalista
A filosofia positivista de Comte, as doutrinas de Taine, afirmando que a «virtude e o vício são prod
teorias de Darwin e Haeckel sobre a hereditariedade, a adaptação ao meio e a luta pela vida leva
existência humana.
Por causa disso, o citado escritor entendeu que o romancista não devia limitar-se a observar os a
os realistas; teria de mostrar, com rigor próprio da ciência, que os factos psíquicos estão sujeitos
Então o romance adquirirá valor social e científico.
Assim, como ideologia fermentadora da estética naturalista deveremos ver o positivismo, um certo
XIX e ainda fortes desejos de uma modificação da sociedade inspirados nas doutrinas de Proudh
Júlio Lourenço Pinto publicou na revista Estudos Livres (dirigida por Teófilo Braga e Teixeira Bast
matéria, os quais depois reuniu em volume com o título de Estética Naturalista (1885). Alguns dos
considerar-se características da corrente naturalista, que o autor praticamente não distingue do R
Já muito antes de meados do século XIX se falava em Naturalismo. Designava então esse termo
artistas pela substância material deste mundo e pelas suas manifestações naturais e leis físicas q
consequentemente a imitação estética das formas reais da Natureza, com repúdio das imaginativ
Com o advento da Geração de 70, o Naturalismo surge para muitos críticos como o movimento es
porém, as coisas não são assim tão simples. Vêem em ambas as estéticas aspetos comuns:
1. a arte como representação mimética objetiva da realidade exterior (em contraste com a tr
subjetivismo, praticada pelos românticos);
2. a objetividade dos temas;
3. a técnica impessoal de narrar.
O Naturalismo pretende fazer-se acreditar pelo menos como séria tentativa de aplicar à obra literá
ciências do século XIX (Biologia, Positivismo filosófico, Psicopatologia sobretudo). Propõe-se entã
literária. A obra literária ficará assim a funcionar como meio de demonstração de teses científicas
O Realismo, mais estetizante, ignora a Patologia ou qualquer outra ciência: como meio de explica
profundezas de análise do Naturalismo. Limita-se a «fotografar» com isenção a realidade circunda
chafurdam nos males sociais e neles mexem com notória insensibilidade, os realistas, ao contacta
criticam, sentem profunda náusea, que nem sequer ocultam (cfr. Lilian R. Furst e Peter N. Skrine
20 e 98-100).
Cenáculo
Designação por que é geralmente conhecido o grupo formado por alguns escritores e intelectuais
1865, que se reuniam em Lisboa, passados anos dos seus estudos em Coimbra, para discutir livr
essa mocidade atenta ao movimento de ideias do seu tempo. Alguns nomes do Cenáculo: J. Bata
Quental, Germano Vieira de Meireles, Salomão Sáraga e Manuel de Arriaga. Ramalho Ortigão e G
grupo, que também mantinha relações com João de Deus. O Cenáculo, que, segundo Batalha Re
clara da sua existência como grupo constituído, tentava um pouco prolongar em Lisboa os tempo
iniciação na cultura europeia, de fervor revolucionário, de romanesca efervescência intelectual e s
A chegada de Antero veio pôr certa ordem naquela boémia de tiradas líricas, ditos de espírito e no
de Proudhon, da Sociologia e da discussão metafísica. A inquietação inconformista do grupo acho
dar forma e fim. Assim surgiu a ideia das «Conferências do Casino», realização em que, por assim
vanguarda, combativo, irreverente, que animava os homens do Cenáculo.
O nome de «Cenáculo» parece não ter sido contemporâneo das reuniões: anos mais tarde, apare
componentes para designar esse grupo que nada teve dum clube, e muito menos dum clube polít
grupo flutuante na composição e instável na localização, que foi apenas a aproximação espontân
formação semelhante, por verdadeira amizade, e por interesses e ansiedades comuns.
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