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Pesquisa Pós-Moderna: A Fragmentação e o Devir no Campo Organizacional

Autoria: Eloisio Moulin de Souza, Mônica de Fátima Bianco, Agnaldo Garcia

Resumo

Este artigo objetiva trazer a perspectiva pós-moderna de análise como uma alternativa de
pesquisa dentro dos estudos organizacionais, problematizando as principais diferenças entre
uma pesquisa que segue os padrões da modernidade e contemplando aspectos da pós-
modernidade. Assim, efetuou-se uma pesquisa bibliográfica privilegiando pesquisadores
considerados pós-modernos por alguns estudiosos organizacionais, dentre eles: Andrade,
Baudrillard, Deleuze, Guattarri, Foucault, Kirst, Nietzsche, Rolnik e Willmott. Defende-se a
idéia que, enquanto a modernidade institui o método como forma de universalização, criação
de leis, ordenação das coisas e única forma de se trazer a verdade sobre os fenômenos
estudados, acreditando no progresso e emancipação do homem por meio da ciência; o pós-
modernismo não deposita sua fé na utilização do método como forma de se entender um
fenômeno, bem como abandona as noções de progresso, a neutralidade científica e a
concepção de verdade defendida pela modernidade. Desta forma, será apresentada a
cartografia como uma abordagem de pesquisa inserida nos princípios da pós-modernidade.

1 Introdução

O artigo pretende analisar a perspectiva pós-moderna de pesquisa como uma alternativa


analítica nos estudos organizacionais. Contudo, não se pode dizer que a abordagem pós-
moderna seja um método científico, pois a mesma pretende questionar e criticar a utilização
de métodos positivistas, ou seja, assumir uma postura crítica frente ao método científico e ao
conceito de ciência que emergiu com a modernidade.

As abordagens pós-modernas evitam cair na “armadilha” de classificar suas perspectivas de


análise como se fossem um método, exatamente para não serem comparadas e igualadas ao
conceito de ciência embutido na modernidade. O método é uma invenção do Iluminismo e do
Humanismo do século XVIII, onde a razão deveria prevalecer sobre outras formas de análise,
para, assim, criar uma idéia de neutralidade científica sobre os fenômenos estudados. De
forma contrária, o pós-modernismo não acredita em neutralidade científica.

Como será discutido mais adiante, não se tem uma conceituação e nem um consenso do que
seria pós-modernismo nos estudos organizacionais. Diversos autores organizacionais
classificam de forma divergente o que seria pós-modernismo (PARKER, 1995; WILLMOTT,
1992, 1994; ALVESSON; DEETZ, 1998). Contudo, esses autores concordam que a
perspectiva de pesquisa pós-moderna não está baseada na noção de progresso e verdade.

Desta forma, o pós-modernismo é formado por um conjunto de idéias fragmentadas,


ocorrendo perda das fundamentações e das narrativas-mestre. Para os autores pós-modernos a
sociedade é algo plural e as narrativas sociais mais amplas ou gerais sobre um fenômeno
social devem ser abandonadas. O papel de uma abordagem de pesquisa pós-moderna é
diferente daquele exercido por uma pesquisa moderna. O pós-modernismo “serve
primeiramente para tentar abrir a indeterminação que a ciência social moderna, as concepções
cotidianas, as rotinas e as práticas têm fechado” (ALVESSON, DEETZ, 1998, p. 256).

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A proposta deste artigo é realizar uma pesquisa qualitativa por meio de uma análise
bibliográfica das obras de estudiosos que trabalham com uma perspectiva considerada, por
alguns pesquisadores, como uma forma pós-moderna de análise dos fenômenos sociais, onde
se destacam Andrade (1999), Baudrillard (1975), Deleuze (1988, 1992a, 1992b, 1994, 1995a,
1995b, 1999), Foucault (1979, 1984, 1985, 1987, 1988, 1997, 1999a, 1999b, 2000a, 2000b,
2001a, 2001b, 2002a, 2002b, 2003a, 2003b, 2003c, 2004a, 2004b), Guattarri (1992, 1992b,
1995a, 1995b, 1999), Kirst (2003), Nietzsche (1998, 2001, 2004), Rolnik (1989, 1999) e
Willmott (1992, 1994).

Para tal finalidade, o artigo foi estruturado da seguinte forma: primeiramente se abordará o
que é considerado pesquisa para a modernidade e qual a sua concepção de ciência. Em
seguida, serão analisados os princípios de uma pesquisa pós-moderna, fazendo-se uma
análise dos pontos divergentes entre a pesquisa moderna e a pós-moderna. Posteriormente,
apresentar-se-á a cartografia com uma forma de abordagem analítica pós-moderna dos
fenômenos sociais e a sua relação com a análise do discurso. Por fim, abordar-se-á como
alguns autores organizacionais distinguem o pós-modernismo dos estudos críticos em
administração.

2 Ciência e Modernidade

Os gregos antigos ligaram-se a metafísica para justificar o saber. Desta forma, as regras
lógico-matemáticas ou geométricas recebiam um status privilegiado, sendo consideradas o
fundamento da verdade, verdade esta considerada universal, imutável e transcendental
(KIRST et al, 2003).

Assim, utilizando-se da filosofia grega, a teologia cristã aloca as formas universais e


verdadeiras como sendo parte de Deus, considerado a forma pura de inteligência infinita. A
concepção de corpo durante este período é desenvolvida no sentido de negligenciá-lo, pois o
corpo é visto como uma armadura que não nos deixa entrar em contato com o infinito,
impedindo o acesso imediato das verdades. Portanto, o corpo é considerado algo impuro,
devendo-se fugir das sensações corporais, constituindo-se a iluminação divina a única fonte
segura de conhecimento (KIRST et al, 2003).

Com o Renascimento o homem tenta se libertar dos dogmas da Igreja, buscando uma
liberdade de criação que não estivesse baseada em sistemas teológicos. Assim, aparecem
diversos caminhos para se chegar à verdade sobre algo. Contudo, esta diversidade trouxe uma
instabilidade e insegurança na busca da certeza sobre as coisas (KIRST et al, 2003).

A partir do século XVII, principalmente com a influência do Iluminismo, ocorre a clássica


divisão entre sujeito/objeto e um modelo de ciência que privilegia o objeto em detrimento do
sujeito. Dentro desta concepção, os fenômenos naturais passam a ser vistos como sendo
ordenados e que, conseqüentemente, seguem a leis universais de funcionamento. Emerge,
assim, o conceito e o modelo de ciência que dará um traço a concepção da ciência na
modernidade (ANDRADE, 1999).

Dentro deste contexto, o pesquisador passa a ter o papel de encontrar estas leis universais,
para, desta forma, melhor conhecer e conseguir controlar os fenômenos pesquisados. Assim, a
ciência passa a ter um
pensamento formalizador quantificador que trabalha com as categorias de
estabilidade, de constância, de regularidade de repetição. Estas categorias

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estão na base das teorias estruturalistas e funcionalistas que vêm dominando
as ciências e, tudo que escapa à regularidade, é considerado um erro ou desvio
particular e, como tal, deve ser ignorado (ANDRADE, 1999, p. 73).

Portanto, a modernidade prega que para qualquer ramo do conhecimento obter o status e título
de ciência, o mesmo teria que estar sustentado na ordenação da natureza. Desta forma, os
saberes que se dedicam ao estudo do homem, influenciados pela concepção de ciência na
modernidade e preocupados em conseguir uma legitimação junto a comunidade científica ,
passam a adotar a mesma concepção de ciência utilizada para se analisar fenômenos da
natureza no estudo do homem, ou seja, o homem é equiparado a fenômenos naturais e seu
estudo deve seguir os mesmos procedimentos aplicados no estudo da natureza para que
tenham validade científica.

Assim, para consolidar a ordenação, a criação de leis e a universalização nas pesquisas


“científicas” , institui-se o método. O método resolveria a preocupação com a maneira de se
trazer a verdade sobre algo. Para se combater o dogma religioso e as incertezas do
Renascimento, emerge algo que não é a Verdade, mas a forma de se obtê-la. “O método como
dura disciplina do experienciar, transmutador das fugidias contingencialidades sensíveis em
números e leis, tem na matemática o emblema da certeza dos experimentos de medição e da
‘pureza’ de raciocínio” (KIRST et al, 2003, p. 93). Assim, a modernidade coloca que a razão,
representada pelo método científico, é o instrumento para se obter o conhecimento verdadeiro
sobre um fenômeno.

O que o método reforça é que a capacidade de experienciar um fenômeno não está no


pesquisador, pois, suas paixões, seu corpo e sua sensibilidade, ou seja, o seu subjetivo, teria
sido excluído na produção da verdade, da ciência e da pesquisa pelo método que deverá
atribuir autoridade a razão em detrimento do subjetivo.

Desta forma, qualquer indivíduo poderia utilizar o método para se chegar a verdade sobre
algo. O pesquisador ao utilizar o método torna-se igual a todos, pois o método ao excluir o
homem/pesquisador do centro da condução de uma pesquisa, atribuindo este papel ao próprio
método científico, quer na realidade retirar de uma pesquisa toda forma de diferença,
imprevisão e contingência, atributos humanos que trariam imperfeição a uma pesquisa,
dificultando a descoberta e mascarando a verdade. Para Kirst et al (2003, p. 93) este “é o
indivíduo neutro da modernidade, que esterilizado pelo método, adquire a assepsia e a pureza
necessárias para investigar o real sem infectá-lo”.

Esta forma cartesiana de se conceber a ciência traça um limite entre o mundo exterior e o
mundo interior, fundamentando, desta forma, a neutralidade científica. Assim, pelas “regras
tradicionais do método científico, o sujeito-pesquisador e objeto-pesquisado ocupam lugares
fixos, pressupondo-se ainda a sua neutralidade e seu deslocamento da história, do ambiente
social, de seu inconsciente e do próprio corpo” (KIRST et al, 2003, p. 96).

Assim, uma vez apresentado os principais traços da pesquisa para a modernidade, quais
seriam as críticas do pós-modernismo presente nos estudos organizacionais sobre a
perspectiva moderna de ciência? Qual a sua posição frente à concepção de ciência
desenvolvida na modernidade? Assim, o próximo tópico abordará o que seria ciência para os
autores pós-modernos, bem como suas diferenças com relação ao pensamento da
modernidade.

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3 Pós-modernismo

A crítica ao projeto da modernidade emerge antes da concepção do momento histórico atual


vivido pelo homem ser caracterizado como pós-moderno. Nietzsche (1998, 2001, 2004) já
fazia no século XIX uma crítica a concepção de ciência concebida pela modernidade. Dois
pontos de sua análise são cruciais para o entendimento deste artigo: noção de verdade e
progresso.

Para Nietzsche (2001) a razão humana, ou melhor, a “origem” do lógico surge do ilógico
presente no homem. Assim, o filósofo faz uma crítica a idéia de que a razão é o instrumento
que permite se chegar a verdade sobre algo, pois “o curso do pensamento e inferências
lógicas, em nosso cérebro atual, corresponde a um processo e uma luta entre impulsos que,
tomados separadamente, são todos muito ilógicos e injustos [...] (NIETZSCHE, 2001, p. 139).

Assim, para Nietsche (2001, 2004) a noção de verdade tem um sentido completamente
diferente daquele empregado pela modernidade, pois para o autor não existe verdade. Desta
forma, conceber que existe algo pronto, acabado, fixo e nato denominado de verdade é um
equívoco para a filosofia nietzschiana. Portanto, para Nietzsche (1998) não existe essência nas
coisas, ou seja, não há verdade alguma a ser buscada no mundo. Tudo em qualquer sociedade,
seja qual for o momento histórico analisado, é visto como resultado de uma luta, de um
processo contínuo de transformação.

Portanto, o filósofo acredita que a concepção de verdade defendida pela modernidade,


concepção esta baseada na idéia de que o método é um instrumento neutro e sendo assim,
capaz de descobrir as verdades que o homem não pode enxergar com seus próprios olhos; é
uma concepção equivocada, principalmente pelo fato de que o que é considerado verdade ou
não em um determinado período histórico é o resultado das lutas entre diversas forças, ou
seja, das relações de poder de uma época (NIETZSCHE 1998, 2001, 2004).

Outra crítica que Nietzsche (1998) faz a ciência moderna está baseada na noção de progresso
defendida pela modernidade. A modernidade acredita que o homem somente pode ser
emancipado por meio do conhecimento obtido por meio do método científico (ALVESSON;
DEETZ, 1998). Assim, para a modernidade o método científico traria progresso para o
homem e o tornaria um ser autônomo. A vida para a modernidade é vista como algo linear,
em que o futuro sempre será melhor do que o presente, ou seja, a modernidade prega o
progresso da humanidade. O homem de hoje, segundo o pensamento da modernidade,
encontra-se em um estágio de evolução superior ao homem do século XIX, sendo que esta
evolução se deu principalmente pelas descobertas da ciência.

Nietzsche (1998) argumenta que não existe progresso humano, pois não se pode comparar
condições de vida em épocas históricas completamente diferentes para se fazer tal análise.
Além disto, a genealogia nietzschiana acredita que não existe uma relação causa/efeito nas
coisas, sendo assim, a história não é uma seqüência de fatos interelacionados e que, desta
forma, estariam seguindo em direção ao progresso humano.

Assim, o filósofo argumenta que o mundo é composto por forças heterogêneas e múltiplas,
cabendo ao pesquisador demonstrar toda esta heterogeneidade e multiplicidade em suas
pesquisas, ao invés de buscar um reducionismo por meio da criação de leis e generalizações
sobre um fenômeno. Portanto, Nietzsche (1998, 2001, 2004) acredita que a perspectiva

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moderna de análise é extremamente reducionista, não analisando as multiplicidades que
compõem os fenômenos estudados.

Influenciados pelo legado nietzschiano, alguns filósofos e pesquisadores da atualidade


analisam os fenômenos sociais atuais salientando e reforçando a perspectiva da
multiplicidade contida na obra de Nietzsche. Dentre eles pode-se citar: Deleuze (1992a,
1992b, 1994, 1995a, 1995b, 1998), Guattari (1992, 1999), Baudrillard (1975), Rolnik (1989) e
Foucault (1979, 1984, 1985, 1987, 1988, 1997, 1999a, 1999b, 2000a, 2000b, 2001a, 2001b,
2002a, 2002b, 2003a, 2003b, 2003c, 2004a, 2004b) como os principais filósofos que utilizam
a perspectiva nietzschiana de análise em suas obras.

Contudo, já que a pós-modernidade abandona de vez o projeto da modernidade, buscando


analisar os fenômenos excluindo da pesquisa o transcendentalismo, o reducionismo, o
generalismo, a valorização da razão em detrimento da experiência e do corpo, a busca da
verdade e a idéia de progresso contida no método científico forjado na modernidade; qual
seria a alternativa e a forma de se fazer uma pesquisa segundo a concepção pós-moderna?
Assim, o próximo tópico trará um exemplo de perspectiva de análise considerada como pós-
moderna para esclarecer possíveis caminhos a serem seguidos sob essa ótica pós-modernista
de pesquisa nas organizações. Desta forma, escolheu-se apresentar o que seria um estudo
cartográfico.

4 Cartografia: uma abordagem inserida na pós-modernidade

Enquanto a modernidade torna-se a ciência do objeto, pois, conforme dito anteriormente,


distingue o mundo exterior do mundo interior para fundamentar a neutralidade científica, a
cartografia, de forma oposta, acredita que o objeto pode instaurar-se no sujeito, possibilitando
ao pesquisador vivenciar novos espaços e formas de existência. Assim, o ”sujeito pode se
entendido como uma multiplicidade à espera de recursos para sair do conhecido e (re)fazer
sua forma através de devires do mundo; traduzir é duplicar-se não em outro idêntico, mas em
um outro efêmero” (KIRST et al, 2003, p. 96).

Foucault foi um dos maiores cartógrafos. Ele utilizou a genealogia nietzschiana para
cartografar as mudanças sociais ocorridas no mundo ocidental. Desta forma, qual é a
correlação entre a genealogia nietzschiana e a cartografia. Para explicar isto, deve-se entender
o que é a genealogia e sua influência no pensamento de Foucault, para posteriormente se
apresentar a cartografia. Desta forma, é em Nietzsche (1998) que se encontra o conceito de
genealogia utilizado por Foucault (1979, 1987a, 1988, 1999b, 2003a, 2003c). Para entender o
que é genealogia do poder em Foucault (1979), faz-se necessário compreender o pensamento
genealógico de Nietzsche. Conforme frisou-se anteriormente, a genealogia nietzschiana prega
a descontinuidade da história. Para Nietzsche (1998) a história não é formada por cadeias de
signos, que se sucedem e se substituem ininterruptamente de uma forma meramente casual.
A genealogia exige, portanto, a minúcia do saber, um grande número de
materiais acumulados, exige paciência. Ela deve construir seus
‘monumentos ciclópicos’ não a golpes de ‘grandes erros benfazejos’ mas de
‘pequenas verdades inaparentes estabelecidas por um método severo’. Em
suma, uma certa obstinação na erudição. A genealogia não se opõe à
história como a visão altiva e profunda do filósofo ao olhar de toupeira do
cientista: ela se opõe, ao contrário, ao desdobramento meta-histórico das
significações ideais e das indefinidas teleologias. Ela se opõe à pesquisa da
‘origem’. (FOUCAULT, 1979, p. 15-16)

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Conforme dito, a genealogia nietzschiana não busca a origem histórica, pois a busca de uma
origem pressupõe a existência de uma “essência”, uma “verdade” que esteja esperando para
ser encontrada, constituindo-se como algo estático que se deu em determinado momento. Essa
busca captura o jogo de forças e a processualidade em um referencial fixo inicial
(ANDRADE, 1999). Contrariamente, genealogia é a busca da proveniência, onde “não se
busca um acúmulo evolutivo e ordenado de fatos, mas um conjunto de acidentes, de
acontecimentos [...] a pesquisa da proveniência não funda, muito pelo contrário, ela agita o
que se percebia imóvel, ela fragmenta o se pensava unido” (ANDRADE, 1999, p. 77).

Genealogia para Nietzsche é o oposto da filosofia socrático-platônica, que se baseia na


metafísica, na busca de uma verdade, fazendo com que a verdade seja um ideal ascético a ser
seguido. Em Genealogia da moral, Nietzsche (1998) crítica a busca da verdade pelo homem,
entendendo que, a verdade (conhecimento) é algo historicamente constituída. Sendo assim
não existe verdade e valores para serem seguidos ou buscados por meio do conhecimento.

A verdade é fruto de uma relação de forças, de um embate, de uma guerra, de uma construção
histórica, algo que está em constante metamorfose. Conceber a vida como embate é, pois,
concebê-la como uma relação de forças sempre em busca de dominar e sobrepujar umas às
outras. “O fundamental da genealogia é avaliar que conjunto de forças produz um certo tipo
de valor e qual direção este valor imprime à vida” (ANDRADE, 1999, p. 77). Qualquer força
tende a querer aumentar sua influência, seu domínio. Entretanto, neste choque entre diversas
forças, a força dominante não elimina as outras forças, mesmo que estas sejam contrárias a
dominante, mas afirma uma diferença. Mas o que seriam estas forças? Como se relacionam?

Na medida em que a avaliação de qualquer configuração implica a avaliação das forças aí


presentes, faz-se necessário uma compreensão dessas forças no pensamento nietzschiano. A
força só existe no plural; ela efetiva-se no confronto com outras forças. Não se trata de algo
que é impulsionado ou que haja objetivos a serem atingidos pela efetivação da força. Trata-se
de vontade de potência, de um estender-se até o limite, manifestação de um ‘querer-vir-a-ser-
mais-forte’, que se efetiva continuamente no embate com outras forças. (ANDRADE, 1999, p.
81, grifos nossos)

Como o estudo genealógico não busca a origem, não quer encontrá-la, mesmo porque para o
genealogista ela não existe; não há algo dado, oculto, esperando que alguém a descubra.
Exatamente por isso Nietzsche (1998) evita utilizar em sua obra a palavra essência ou origem
(Ursprung). Mas quais palavras são utilizadas pelo genealogista quando este percebe a
imanência de uma força? O que poderia representar o domínio de uma força sobre outras,
marcando assim o início de um novo período histórico?

A genealogia procura analisar a proveniência (Herkunft) das forças. Isto significa que a
proveniência busca entender a complexa rede formada por marcas sutis, singulares e
subindividuais, que juntas formam uma rede. Contudo o estudo genealógico não recua no
tempo para procurar uma continuidade, não quer mostrar que o presente é fruto de um
passado contínuo e progressivo, mas sim demonstrar que o passado é algo disperso, e que
deve ser mantido nesta dispersão. “É descobrir que na raiz daquilo que nós conhecemos e
daquilo que nós somos – não existem a verdade e o ser, mas a exterioridade do acidente”
(FOUCAULT, 1979, p. 21). A pesquisa da proveniência não quer fundar, mas sim agitar,
sacudir o que parece imóvel, fragmentar o que se pensa unido, afirmar a heterogeneidade.
Herkunft designa-se a demonstrar como as forças lutam entre si, o combate de forças frente a
adversidade, sua luta pela sobrevivência (FOUCAULT, 1979).

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Como a pesquisa genealógica não busca uma origem, a palavra utilizada pelo genealogista
que mais se opõe a idéia de que existe uma origem a ser procurada é emergência
(Entestehung). Assim, Entestehung traz consigo a idéia de emergência, é o ponto de
surgimento. “A emergência é portanto a entrada em cena das forças; é sua interrupção, o salto
pelo qual elas passam dos bastidores para o teatro, cada uma com seu vigor e sua própria
juventude” (FOUCAULT, 1979, p. 24).
As diferentes emergências que se podem demarcar não são figuras
sucessivas de uma mesma significação; são efeitos de substituição,
reposição e deslocamento, conquistas disfarçadas, inversões sistemáticas.
Se interpretar era colocar lentamente em foco uma significação oculta na
origem, apenas a metafísica poderia interpretar o devir da humanidade. Mas
se interpretar é se apoderar por violência ou sub-repção, de um sistema de
regras que não tem em si significação essencial, e lhe impor uma direção,
dobrá-lo a uma nova vontade, fazê-lo entrar em um outro jogo e submetê-lo
a novas regras, então o devir da humanidade é uma série de interpretações.
E a genealogia deve ser a sua história: história das morais, dos ideais, dos
conceitos metafísicos, história do conceito de liberdade ou da vida ascética,
como emergências de interpretações diferentes. Trata-se de fazê-las
aparecer como acontecimentos no teatro dos procedimentos (FOUCAULT,
1979, p. 26).

Diante do que foi exposto, pode-se indagar: quais as relações existentes entre a genealogia e a
cartografia? O que seria o estudo cartográfico? Quais as ferramentas utilizadas pela
cartografia? Como se fazer um estudo cartográfico?

A cartografia baseia-se nos princípios genealógicos para se efetuar uma análise de um


determinado fenômeno social (GUATARRI; ROLNIK, 1999). A cartografia, diferentemente
do mapa, procura analisar as mutações sociais, ou seja, a processualidade destas
transformações. Desta forma, o cartógrafo não quer desenhar um mapa, não quer tirar uma
fotografia estática e fixa de um fenômeno social. O cartógrafo quer estudar a vida em
movimento, quer analisar o processo de constituição de novas realidades, pois paisagens
sociais são cartografáveis. Assim, o estudo cartográfico “acompanha e se faz ao mesmo tempo
em que o desmanchamento de certos mundos – sua perda de sentido – e a formação de
outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os
universos vigentes tornaram-se obsoletos” (ROLNIK, 1989, p. 15).

Neste contexto, torna-se necessário entender-se o que seria macropolítica e micropolítica. A


macropolítica é o plano dos territórios constituídos, dos territórios formados, fixos e
cristalizados. Estes territórios formam um mapa, onde pode delinear-se um contorno dos
mesmos. Assim, o mapa cobre apenas o visível, algo que tem forma definida. Entretanto, a
micropolítica marca processos, devires, matérias não formadas. Nada no nível micropolítico é
“fixo, nada mais é origem, nada mais é centro, nada mais é periferia” (ROLNIK, 1989, p. 62).
O micropolítico é formado por uma multiplicidade substantiva, por devires imprevisíveis e
incontroláveis. Desta forma, a “cartografia, diferentemente do mapa, é a inteligibilidade da
paisagem em seus acidentes, suas mutações: ela acompanha os movimentos invisíveis e
imprevisíveis da terra – aqui, movimentos de desejo -, que vão transfigurando,
imperceptivelmente, a paisagem vigente” (ROLNIK, 1989, p. 62).

Portanto, macropolítica e micropolítica não têm nenhuma relação com a idéia de grande
(sociedade, estado, corpo social, etc.) e pequeno (o individual, a unidade, a parte, etc.). A
diferença entre macro e micropolítico não é uma diferença de grau, mas de natureza, ou seja,
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não é uma diferença de tamanho, dimensão ou escala, mas de duas espécies completamente
diferentes de lógicas (ROLNIK, 1989).

O “entendimento” de um fenômeno social em mutação é o objetivo da cartografia.


Entretanto, “entender” para a cartografia não tem nada a ver com revelar e muito menos com
explicar (ROLNIK, 1989). Para o estudo cartográfico não existe nada transcendental a ser
buscado, nem nenhuma essência a ser encontrada em um fenômeno social. Para o cartógrafo a
linguagem é algo extremamente importante para entender-se a constituição de novas
paisagens sociais. A linguagem para a cartografia “não é um veículo de mensagens-e-
salvação. Ela é, em si mesma, criação de mundos. Tapete voador ... Veículo que promove a
transição para novos mundos; novas formas de história“ (ROLNIK, 1989. p. 67). Desta forma,
a análise do discurso foucaultiana é uma das ferramentas utilizadas pela cartografia neste
processo de entender a constituição de novos valores sociais. Entretanto, o que seria a análise
de discurso para Foucault? Qual a sua relação com a cartografia?

5 Cartografia e Discurso

Como a análise do discurso em um estudo cartográfico refere-se ao estudo do sujeito social,


ou seja, o homem produzido por um meio social; a mesma não considera o discurso como
algo particular e individual de cada sujeito. Desta forma, a cartografia analisa o sujeito social
e não o sujeito individual, procurando entender a produção de significados sociais dentro de
um contexto histórico. Portanto, a cartografia utiliza a análise foucaultiana do discurso, pois,
em conformidade com a cartografia, para Foucault (1999a, 2003b, 2004b) o sujeito não é um
sujeito psicológico que detém a verdade, pois o sujeito não se manifesta como sendo
identidade, mas como dispersão, ou seja, o discurso é produzido pelo meio social.

Desta forma, não se deve confundir a análise de discurso realizada em um estudo cartográfico
com a análise de conteúdo desenvolvida por Bardin (1977). Enquanto a análise de conteúdo
trabalha com blocos ou categorias de idéias, não levando em consideração o meio social que
produz este discurso; a análise de discurso foucaultiana não trabalha com a criação de blocos
e categorias de idéias, mas leva em consideração o meio social que produz um determinado
discurso.

Portanto, na análise de discurso adotada pela cartografia cada sujeito deve ser estudado
individualmente, não misturando os discursos de sujeitos diferentes para criar-se categorias de
idéias e generalizações, pois, conforme anteriormente exposto, se faz necessário entender
como o social produz o discurso de uma pessoa em particular, não se possibilitando juntar
discursos de diferentes sujeitos em uma mesma categoria devido à existência de diferentes
realidades sociais que produzem um determinado discurso.

Contudo, a cartografia não procura problematizar o estudo da linguagem na procura do que


seria falso ou verdadeiro, teórico ou empírico, mas sim procura enxergar o que é vitalizante
ou destrutivo, ativo ou reativo. A cartografia quer participar e embarcar na constituição de
territórios existenciais, ou seja, na constituição da realidade. Ela quer analisar o movimento, o
processo de constituição de novos territórios existenciais (ROLNIK, 1989).

Entretanto, quais seriam os procedimentos necessários para se realizar uma pesquisa


cartográfica? Os procedimentos de uma pesquisa cartográfica devem ser “inventados” em
função daquilo que o contexto analisado exige e pede, ou seja, não há nenhum protocolo
normalizado para um estudo cartográfico.

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Para que isso seja possível, ele se utiliza de um ‘composto híbrido’, feito do
seu olho, é claro, mas também, e simultaneamente, de seu corpo vibrátil,
pois o que quer é apreender o movimento que surge da tensão fecunda entre
fluxo e representação: fluxo de intensidades escapando do plano de
organização de territórios, desorientando suas cartografias, desestabilizando
suas representações e, por sua vez, representações estancando o fluxo,
canalizando as intensidades, dando-lhes sentido. É que o cartógrafo sabe
que não tem jeito: esse desafio permanente é o próprio motor de criação de
sentido. Desafio necessário – e, de qualquer modo, insuperável – da
coexistência vigilante entre macro e micropolítica, complementares e
indissociáveis na produção de realidade psicossocial. Ele sabe que inúmeras
são as estratégias dessa coexistência – pacífica apenas em momentos breves
e fugazes de criação de sentido -; assim como inúmeros são os mundos que
cada uma engendra. É basicamente isso o que lhe interessa (ROLNIK,
1989, p. 68-69).

O princípio norteador de uma cartografia é extramoral. É a expansão da vida o parâmetro


básico de uma cartografia, ou seja, os critérios e os princípios de um estudo cartográfico são
vitais e não morais. Não cabe em um estudo cartográfico julgamento de valores tendo-se
como referência princípios morais estabelecidos pela sociedade. A cartografia atua em nome
da vida e sabe que é pela sua defesa que se inventam estratégias. Assim, a cartografia sempre
está avaliando o quanto as defesas que são usadas nas relações de poder estabelecidas servem
ou não para proteger a vida (ROLNIK, 1989).

Cartografar é desenhar, observar movimentações em acoplamentos constituindo


multiplicidades e diferenças. O estudo cartográfico é considerado contemporaneamente como
um movimento de resgate da dimensão subjetiva da criação e de produção de conhecimento
por filósofos e pesquisadores sociais como Michel Foucault, Gilles Deleuze, Michel Serres,
Félix Guattari, Sueli Rolnik e Pierre Lévy. Tal movimento tem sido denominado de
pensamento da diferença ou filosofia da multiplicidade Todos estes autores, conforme
demonstrado, foram inegavelmente influenciados pela obra de Nietzsche (KIRST, 2003).
Na cartografia não se busca a firmeza de um equilíbrio estático ou avanços em
direção à verdade enquanto experiência de eternidade. O cartógrafo é um
experimentador das perdas que o conhecimento impõe. Ele também quer perder-
se, pois é o único modo de ganhar: ganhar a experiência de se rever e de manter
um certo grau de desprendimento perante a pesquisa e conhecimento produzido. O
cartógrafo se alimenta de uma espécie de intimidade com o ‘morrer’, o perdido, a
finitude e a precariedade de sua perspectiva (KIRST, 2003, p. 97).

Contudo, para que possa ter alguma estabilidade na pesquisa cartográfica deve-se observar
certos cuidados a serem tomados na realização da mesma, dentre eles pode-se citar: a
coerência conceitual, a força argumentativa, a percepção de utilidade dentro da comunidade
científica e a produção de diferença, ou seja, a pesquisa cartográfica deve levar em
consideração o rigor científico (KIRST, 2003).

A cartografia acredita que o homem é um ser histórico, constituído por múltiplas forças
sociais e conseqüentemente pelas diversas relações de poder que o envolvem em seu meio
social. Portanto, a cartografia não acredita que o homem, seja ele o próprio pesquisador ou o
sujeito da pesquisa, esteja livre da influência do ambiente social. Assim, “o cartógrafo não se
quer neutro, quer-se justamente desimpedido e tencionado pelo encontro com o mundo

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através da pesquisa. O cartógrafo procura afirmar-se através do encontro com o objeto e não
no distanciamento dele” (KIRST, 2003, p. 96).

Na cartografia o tempo pulsa no sentido em que evidencia as formas pelas quais os sujeitos
percebem, narram e experimentam a passagem do tempo em suas vidas. Exatamente por este
motivo é que o conhecimento e o discurso de cada sujeito pesquisado não pode ser
considerado como algo generalizante, permitindo, assim, a sua classificação em categorias.
Entretanto, cada discurso é considerado como algo singular e único.
Portanto, aquilo que na pesquisa cartesiana pôde se chamar de descrição,
narrativa ou discurso, a partir do ponto de vista cartográfico será chamado
de produção existencial, ontológica ou cartográfica do tempo. Assim, os
movimentos de pesquisa serão movimentos do viver. Deste modo, a
cartografia ativa linhas de fuga do objeto, porque o que está em jogo nos
processos do conhecer são os devires oriundos do mundo vistos a partir da
singularidade do sujeito e na abertura de lugares que possam romper com os
sentidos conhecidos (KIRST, 2003, p. 100).

Portanto, a cartografia objetiva capturar no tempo o instante em que ocorre o encontro dos
movimentos do pesquisador com os movimentos do território da própria pesquisa. O que se
registra aqui são os encontros ocorridos (afetos) e não os seus objetos, pois o cartógrafo sabe
que é impossível congelar um determinado objeto (sujeito da pesquisa) para se analisar sua
natureza. Cartografar é seguir o movimento e a processualidade da própria vida, que produz
desvios ao invés de regras, gerando a partir daí novos movimentos (KIRST, 2003).

Baseando-se também na análise que Deleuze (1988) faz da obra de Foucault, observa-se que a
análise do discurso foucaultiana leva em consideração duas manifestações do discurso: o
enunciável e o visível. O enunciável é composto pela palavra, pela língua e pela escrita. Já o
visível é constituído pelas práticas sociais e pelos objetos criados para conduzir o
comportamento do homem, como, por exemplo, a arquitetura de um prédio.

Assim, o que a análise foucaultiana de discurso pretende analisar são as condições de


produção do discurso, ou seja, a produção de significados sociais dentro de um determinado
contexto. Contudo, deve-se distinguir discurso de fala. A análise do discurso tem como
proposta básica considerar como fundamental a relação da linguagem com a exterioridade.
Discurso “são as combinações de elementos lingüísticos usados pelos falantes com o
propósito de exprimir seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo interior,
de agir sobre o mundo” (FIORIN, 1999, p. 11). Enquanto fala “é a exteriorização psico-físico-
fisiológica do discurso. Ela é rigorosamente individual, pois é sempre um eu quem toma a
palavra e realiza o ato de exteriorizar o discurso” (FIORIN, 1999, p. 11).

Portanto, similarmente a Fiorin (1999), Foucault (1999a, 2002a, 2003b) enxerga que o
discurso não tem o mesmo significado da fala. Para o filósofo existem práticas que não se
referem à linguagem dos sujeitos, mas que também fazem parte do discurso e devem ser
levadas em consideração na análise. Portanto, o discurso é algo heterogêneo para Foucault e
inclui a linguagem dos agentes pesquisados, a arquitetura das construções, os regulamentos de
uma empresa, as práticas administrativas de uma organização, as práticas culturais de uma
região, o silêncio entre falas, as expressões faciais, a forma de organização do trabalho, os
gestos dos atores sociais etc.
[...] gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de
contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento
entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos

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precisos, que, analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os laços
aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um
conjunto de regras, próprias da prática discursiva. Essas regras definem não a
existência muda de uma realidade, não o uso canônico de um vocabulário,
mas o regime dos objetos. ‘As palavras e as coisas’ é o título – sério – de um
problema; é o título – irônico – do trabalho que lhe modifica a forma, lhe
desloca os dados e revela, afinal de contas, uma tarefa inteiramente diferente,
que consiste em não mais tratar os discursos como conjuntos de signos
(elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas
como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam.
Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que
utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis
à língua e ao ato da fala. É esse ‘mais’ que é preciso fazer aparecer e que é
preciso descrever (FOUCAULT, 2002a, p. 56).

Assim, para que se possa realizar um estudo em conformidade com os princípios


estabelecidos pela cartografia, torna-se necessário entender melhor a constituição histórica e
as práticas sociais relacionadas com os sujeitos da pesquisa. Tendo-se abordado a cartografia
como um exemplo de análise pós-moderna, resta agora analisar o impacto da perspectiva pós-
moderna de análise nos estudos organizacionais.

5 Considerações Finais

Como se pôde observar, os estudos pós-modernos baseiam sua pesquisa em uma perspectiva
imanente ao invés do transcendente, ou seja, o que está em jogo para o pós-modernismo é o
mundo real e o devir, abstraindo de sua análise qualquer idéia transcendental de mundo.
Dentro do pós-modernismo não existe sujeito ou objeto, mas sim sujeito e objeto. Desta
forma, sujeito e objeto se constituem mutuamente, pois o sujeito é afetado pelo objeto, bem
como o objeto é afetado pelo sujeito; não se trabalhando com uma concepção dual de mundo
e não acreditando na preexistência do sujeito ou do objeto.

Parker (1995) defende a idéia de que o pós-modernismo é um perigo nos estudos


organizacionais, sendo que o autor considera muito arriscado um teórico crítico da
organização adotar tal abordagem de pesquisa. Para Parker (1995) qualquer projeto
emancipatório não terá sucesso quando o mesmo abandona as noções de verdade e progresso.

Contudo, observa-se que Parker (1995, p. 554, tradução nossa) tem como alvo de suas críticas
o pós-modernismo de “Lyotard, Baudrillard e [outros autores] auto-denominados pós-
modernistas e não escritores pós-estruturalistas como Derrida e Foucault”. Assim, verifica-se
que Parker faz uma distinção em sua obra entre os trabalhos de Lyuotard e Baudrillard,
denominando estes de pós-modernistas, dos trabalhos desenvolvidos por Derrida e Foucault,
denominando-os de pós-estruturalistas. Desta forma, Parker (1995) considera importante a
aplicação da análise desenvolvida por Foucault e Derrida nos estudos organizacionais,
destinando toda a sua crítica principalmente a utilização de Lyotard e Baudrillard nas
pesquisas organizacionais.

Parker (1995) é apenas um exemplo da falta de consenso sobre como decidir qual é a
abordagem de determinados autores considerados críticos ou pós-modernos dentro da teoria
organizacional. Por exemplo, Watson (apud Parker, 1995) utiliza o termo “pós-modernismo
leve” para caracterizar todos autores que fazem uma crítica a modernidade, incluindo como
“pós-modernismo leve” os estudos críticos em administração. Diferentemente, Willmott

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(1992, 1994) denomina o trabalho de Baudrillard de hipermodernismo, chamando os demais
autores, como Foucault e Derrida, de pós-modernos. Já Alvesson e Deetz (1998) consideram
Foucault, Deleuze, Guattarri, Baudrillard, Mouffe, Derrida e Laclau como pós-modernos;
classificando os trabalhos de autores provenientes da Escola de Frankfurt como estudos
críticos.

Contudo, apesar de toda discussão em torno da busca de um consenso em se classificar tais


abordagens dentro do campo organizacional, tal discussão não se apresenta como o cerne da
questão, sendo apenas uma questão secundária. O que importa é como uma pesquisa
organizacional se porta frente ao projeto emancipatório da modernidade.

Tanto os estudos críticos como os pós-modernos acreditam que o projeto de emancipação do


homem por meio do conhecimento científico e da razão instrumental, projeto este da
modernidade, não conseguiu atingir o seu intento e se apresenta como doente. Entretanto, para
os estudos críticos algumas partes deste projeto são “boas”, devendo-se consertar as partes
“ruins”. De forma divergente, os pós-modernistas consideram que o projeto da modernidade
está todo errado, devendo ser abandonado por inteiro, evitando-se, assim, utilizar em suas
pesquisas os fundamentos da modernidade que dentre eles se pode destacar o método
científico e a superioridade da razão em detrimento do corpo (ALVESSON; DEETZ, 1998).

Enquanto que em uma pesquisa pós-moderna o pesquisador é apenas um homem comum, nas
pesquisas que envolvem a teoria crítica, na busca de se criticar os grupos “de elite no sentido
de criar uma sociedade mais eqüitativa, eles [os pesquisadores] tendem a privilegiar as
concepções de grupos desprivilegiados ou ideais intelectuais e, conseqüentemente, produzem
o próprio, normalmente temporário, elitismo” (ALVESSON; DEETZ, 1998, p. 235). Os pós-
modernistas enxergam que todos agrupamentos sociais são construções, onde o poder e a
dominação são elementos fragmentados e dispersos, considerando que as práticas de pesquisa
também são “dominadoras” (ALVESSON; DEETZ, 1998).

Desta forma, conforme salientado por Alvesson e Deetz (1998), o pós-modernismo tem um
papel importante dentro da pesquisa organizacional. Não porque é algo novo ou diferente,
mas devido proporcionar caminhos únicos e importantes na busca pela compreensão das
organizações e dos fenômenos sociais que as cercam. Assim, em um mundo cada vez mais
dinâmico, em que conceitos fixos e generalizantes das coisas não servem mais para se
entender fenômenos organizacionais, a análise pós-moderna emerge como uma possibilidade
de entendimento destes fenômenos.

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Referências

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