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Análise Musical I

Aulas 10, 11 & 12: Relações estruturais entre música e linguagem.

As relações entre música e linguagem podem ser observadas tanto no nível micro
(frases e períodos), quanto no nível macro (Seções ou mesmo pequenas peças ou
movimentos de uma obra maior).

Estrutura retórica de uma obra musical – Modelo Vulgar


Música Linguagem
Motivo ou inciso Fonema, palavra ...
Semifrase Semifrase
Frase Frase
Período Período
Seção ou parte Parte ou capítulo
Obra (Em qualquer gênero) Obra (Em qualquer gênero)
J. N. Valle

Observando-se as figuras de retórica tradicionalmente usadas (Ver Bartel, 1997),


observando-se também os aspectos da própria composição fraseológica (Guerra
Peixe – Melos), podemos inferir que os princípios fundamentais de produção e
expressão do sentido musical são: 1) contraste; 2) imitação; 3) repetição ou
reiteração; 4) variação; 5) derivação. É a aplicação desses princípios que permite a
analogia ontológica entre retórica e música. Destarte, o próprio quadro extraído do
Tratado de Johann Mattheson pode ser compreendido como uma ferramenta de
análise musical, na medida em que nos propomos a identificar na música os
elementos nele contidos.

Estrutura da obra musical – (Período Barroco)


Inventio (Invenção) - escolha do material sonoro a ser trabalhado. Combina
inspiração e razão, o que requer do compositor a distinção entre ideias claras e
confusas.
Dispositio (Disposição) – associação direta entre a oratória clássica e a música.
Elaboratio (Elaboração) – expressa a dosagem, em termos de proporção entre razão
e emoção, do material disposto.
Decoratio (ornamentação) - elemento fundamental para a caracterização dos afetos.
Estrutura do Dispositio
Oratória Música
Introdução Exordium – apresentação da ideia discursiva
Narração Narratio – relato ou desenvolvimento
Discurso Propositio – campo de significação
Corroboração Confirmatio – em alteridade com a confutatio
Confutação Confutatio – em alteridade com a confirmatio
Conclusão Peroratio – material conclusivo
Der Vollkomene Capeel-meister (Johann Mattheson – 1739) in PERSONE, P Análise Musical, 4.

Inventio ( Invenção ou Descoberta).

Fase do processo de elaboração de um discurso, incluindo os Loci Topici. O


compositor busca identificar todos os argumentos e os meios de persuasão que se
relaciona com o tema proposto. Ao escolher o tópico ou sujeito da obra, o
compositor estabelace a base e o fundamento do afeto que será evocado. A escolha
da tonalidade deve estar em sintonia com o afeto predominante da obra. Os
instrumentos, tipo de textura, o ritmo e a métrica apropriados, as figuras retórico-
musicais, levando em consideração a relevância do texto.

Dispositio (Disposição).

Os materiais descobertos e selecionados no Inventio são organizados de forma


lógica no interior do discurso musical, segundo os seguintes tópicos:

Exordium (introdução) – Parte de caráter introdutório. Geralmente, compreende


dois momentos: Captatio benevolentiae (seduzir e ganhar a confiança do ouvinte)
e Partitio (anuncio do conteúdo, organização e plano do desenvolvimento do
discurso). (CANO, 2000)

Narratio (narração) - As informações são proferidas como um relato. Parte onde o


logos argumentativo supera o ethos e o pathos. Sua eficácia depende de três
qualidades: clareza, brevidade e credibilidade. A tese já está presente, mas não está
tão óbvia.

Propositio (proposição) ou Divisio (divisão) - É o anúncio da tese fundamental que


sustenta o discurso. É o núcleo mais importante do que o Narratio por se tratar da
declaração direta da ideia central do discurso, enquanto que o Narratio é apenas
um aspecto desta construção. Sua função é apresentar resumidamente o conteúdo
da oratória musical e que pode ser simples ou composto (GOMES, 2005).

Confirmatio (confirmação) – Nesta parte o discurso é confirmado e o conjunto de


provas descritas no decorrer do Inventio é exposto. Muitas vezes, o Confirmatio é
um retorno à estabilidade da tonalidade principal, uma harmonização dos tópicos
inicialmente propostos, enquanto, simultaneamente, reexpõe o que foi descrito no
Narratio (ou Propositio). A confirmação do discurso dá-se através da melodia que é
citada através de sucessivas ideais, variadas ou ornamentadas.

Confutatio (confutação) ou Refutatio (refutação) – Material estranho ao do tema ou


tese principal. As ideias estranhas que se opõem ao tema principal, quando
confrontadas, geram tensões e instabilidades. Na prática, reforça-se o discurso
através de suspensões, cromatismos e passagens contrastantes. Geralmente, esta
fase corresponde aos momentos modulatórios e às visitas a outras regiões tonais,
normalmente acompanhadas por variações do material temático.

Peroratio ou Conclusio (conclusão) – Estrutura de caráter conclusivo. Sua função é


recapitular e fazer o apelo ao público. Momento do discurso em que a emoção
(pathos e ethos) se une à argumentação (logos), o que constitui a alma da retórica.

Elocutio ou Decoratio (Elocução ou Decoração). Duas regras norteiam esta fase: a


regra do decoro (estilo que se ajusta ao assunto e à função do discurso) e a regra da
clareza (adequação do estilo ao auditório). Aqui, o compositor pode fazer uso das
figuras de retórica para poder elaborar sua composição de maneira persuasiva.
ALGUMAS FIGURAS RETÓRICO-MUSICAIS

Figuras de Repetições Melódicas

Anaphora, Repetitio

Pode ser uma repetição da linha do baixo, uma repetição da frase ou motivo de
abertura em várias passagens subsequentes; uma repetição geral. O Repetitio
ocorre quando os inícios de várias frases subsequentes são formadas com apenas
uma mesma palavra, ou ocorre quando a mesma frase inicial é repetida em várias
cláusulas. (BARTEL, 1997, p. 184)

Climax, Gradatio

Pode ser: uma sequência de notas em uma voz repetida em altura superior ou
inferior; duas vozes se movendo em movimento paralelo de maneira ascendente ou
descendente; um aumento gradual na sonoridade e altura, criando um aumento na
intensidade (BARTEL, 1997, p. 220).

Palilogia

É uma repetição de um tema, seja em alturas diferentes, em várias vozes ou na


mesma altura com a mesma voz. Refere-se a uma repetição por demais frequente
das mesmas palavras. (BARTEL, 1997, p. 342)

Polyptoton
É uma repetição de uma passagem melódica em alturas diferentes” (. Ocorre
quando uma passagem se repete em alturas diferentes. É a repetição de uma ideia
musical em diferentes registros ou voz. (BARTEL, 1997, p. 367)

Synonymia

É a repetição alterada ou modificada em uma ideia musical. Ocorre quando um


certo número de palavras com o mesmo significado são utilizados. (BARTEL, 1997, p.
405)

Figuras de Repetições Harmônica (Figuras Fugais).

Paronomasia

É a repetição de um trecho musical, com certas adições ou alterações para produzir


uma ênfase maior. (BARTEL, 1997, p. 350)

Mimesis
Pode ser uma repetição de um noema (passagem homofônica consonante com
textura contrapontística) em uma altura diferente, uma imitação preferivelmente
aproximada, em vez de um tema estritamente em alturas diferentes. Às vezes, um
número de vozes em uma composição polifônica introduz uma noema, enquanto as
outras vozes imediatamente adjacentes são silenciosas. Elas são imitadas em
seguida, por sua vez, pelas vozes adjacentes em um ritmo maior ou menor. Ocorre
também quando alguém imita a voz do outro, por exemplo, quando vozes
masculinas imitam as vozes das mulheres. (BARTEL, 1997, p. 324)

Figuras de Representação e Descrição

Circulatio

É uma série de, geralmente, oito notas, em uma formação de onda circular ou
senoidal. É a descrição musical de um movimento circular. (BARTEL, 1997, p. 216)

Figura 8 - Circulatio (Voz: Tenor, Compassos: 10-11)

Figuras de Dissonância e Deslocamento

Prolongatio

Dissonância de passagem ou suspensão com uma duração maior do que as


consonâncias precedentes. Prolongamento considerável do valor normal de uma
dissonância. É a extensão do valor normal de uma dissonância por uma suspensão
ou notas de passagem. (BARTEL, 1997, p. 371)

3.1.4.2 Saltus Duriusculus

Salto dissonante. É um salto que forma um intervalo melódico dissonante.


(BARTEL, 1997, p. 381)

Syncopatio

Suspensão, com ou sem uma dissonância resultante. (BARTEL, 1997, p. 394)

Figuras de Interrupções e Silêncio

Abruptio

É uma interrupção repentina e inesperada na composição musical. Ocorre quando


uma cadência termina na quarta (que deveria ter sido resolvido através de uma
terça), antes do baixo terminar a cadência. (BARTEL, 1997, p. 167)

Figuras Diversificadas
Schematoides:

É uma figura que reestrutura o trecho ou a configuração anterior, seja através da


mudança subjacente do texto ou através do aumento ou diminuição da duração. É
a repetição de um fragmento em outra voz e a duração das notas são mais curtas.
(BARTEL, 1997, p. 382)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Cassiano de Almeida. A Orientação Retórica no Processo de


Composição do Classicismo Observado a Partir do Tratado Versuch einer
Anleitung zur Composition (1782-1793) de H. C. Koch. Campinas: IA-Unicamp,
mestrado, 2006.

BARTEL, Dietrich. Musica Poetica: musical-rhetorical figures in German Baroque


music. Lincoln, Nebraska: University of Nebraska Press, 1997.

CANO, Rubén López. Música y retórica en el barroco. México, D.F: Gráfica da


Universidade Nacional Autônoma de México, 2000.

GOMES, Luiz Gomes. Expressão Musical no Barroco: a Retórica e a Teoria dos


Afetos. Belo Horizonte: UEMG, 2005.

JUSTI, Katia Regina Kato. A Música Poetica e a Importância da Retórica nas Árias
das Cantatas sacras de Johann Sebastian Bach. Musica Hodie. São Paulo, v.9, n.2 p.
69-95. 2009.

PERSONE, Pedro. A Interpretação das Obras "non mesurés" Para Cravo,


Explicadas Segundo as Leis da Retórica. Dissertação de Mestrado. Campinas.
Unicamp, 1996.

PRINCIPAIS TRATADISTAS DO BARROCO (BARTEL, 1997)

TRATADISTAS OBRAS
Hypomnematum Musicae Poeticae (1599)
1. Joachim Burmeister (1564-1629) Musica Autoschediastike (1601)
Musica Poetica (1606)
2. Johannes Nucius (ca. 1556-1620) Musices Poeticae (1613)
3. Joachim Thuringus (? - ?) Opusculum Bipartitum (1624)
4. Athanasius Kircher (1601-1680) Musurgia Universalis (1650)
5. Elias Walther (? - ?) -
6. Christoph Bernhard (1628-1692) Tractatus Compositionis Augmentatus (ca.1660)
7. Wolfgang Caspar Printz (1641-1717) Phrynis Mytilenaeus (1676-79)
8. Johann Georg Ahle (1651-1706) Sommer-Gespräche (1697)
9. Tomás Baltazar Janovka (1669-1741) Clavis ad Thesaurum Magnae Artis Musicae (1701)
10. Mauritius Johann Vogt (1669-1730) Conclave Thesauri Magnae Artis Musicae (1719)
Praecepta der Musicalischen Composition (1780)
11. Johann Gottfried Walther (1684-1748) Musicalisches Lexicon (1732)
12. Johann Mattheson (1681-1764) Der Vollkommene Kapellmeister (1739)
13. Meinrad Spiess (1683-1761) Tractatus Musicus Compositorio-Practicus (1745)
14. Johann Adolf Scheibe (1708-1776) Der Critische Musikus (1745)
15. Johann Nikolaus Forkel (1749-1818) Allgemeine Litteratur der Musik (1792)

QUESTÕES PARA SEREM RESPONDIDAS COM A ANÁLISE DE HANDEL:

1) Como a emoção é produzida na peça?


2) Como a música valoriza a letra?

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