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Ana Lopes
2012
Capa
Jorge Luis de Sousa Azevedo
Revisão
Rosana Rogeri
Produção
VídeoAulas ByAna
http://www.videoaulasbyana.com.br
Direitos de cópia
1 http://www.videoaulasbyana.com.br
Histórias de Aprendizagem
encorajadores.
Quando comecei a escrever as primeiras versões
dessas histórias de aprendizagem, meu objetivo era
estabelecer um relacionamento genuíno com as
pessoas que estavam prestigiando o meu então
nascente vídeo-blog. Esse relacionamento ia
sendoconstruído na medida em que as pessoas
ficavam conhecendo um pouco da minha história
pessoal. Ou pelo menos, a parte da minha história
pessoal que envolveu momentos de grande
aprendizagem.
Outra ideia que eu tinha em mente era explicar para o
público de onde vinha a minha paixão por aprender,
ou para ser mais direta “porque diabos uma Cientista
da Computação tinha resolvido blogar sobre
aprendizagem”.
Mas a grande surpresa ainda estava para vir: de
repente, algumas pessoas começaram a escrever para
me contar o quanto tinham sido inspiradas por certas
histórias e (pasmem!), para me falar sobre decisões
que elas tinham tomado ou estavam considerando
tomar por causa delas.
No início, fiquei meio assustada: “quanta
responsabilidade, mudar assim o rumo da vida de
outras pessoas”! Mas aos poucos me lembrei dos
inúmeros livros que mudaram completamente o rumo
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Eu não preciso de um
professor?!?
Quando eu estava terminando o Primeiro Grau – que
para quem é jovem demais para saber, corresponde
ao atual Ensino Fundamental 1 e 2 – achava que
queria ser médica. Aliás, tenho a impressão, que na
minha geração, todo mundo um dia já quis fazer
Medicina ou Direito. Será que é isso mesmo? Bom,
havia também os candidatos a astronautas... De toda
forma, acho que as gerações atuais são um pouco
mais originais nos seus sonhos infantis de profissão.
O fato é: eu realmente achava que queria fazer
Medicina. Muito provavelmente fui influenciada,
nessa ideia, por um tio dentista, que eu adorava, e
que para o meu profundo desespero e perplexidade
diante das injustiças da vida, morreu quando eu tinha
15 anos. Fazer medicina era uma forma meio tortuosa
de me aproximar dele, mas também me rebelar um
pouco, como seria salutar naquela idade. Eu iria para
a área de saúde, mas não iria fazer Odonto, como
tinha sido o sonho expresso daquele tio tão querido.
Deixemos a rebeldia juvenil de lado e voltemos à
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Meus professores: os livros
Na época do vestibular, eu já não pensava em fazer
Medicina, mas ainda queria ir para a Universidade.
Não deixava de ser um sonho muito ousado, porque
eu seria a primeira da família – de ambos os lados – a
realizar tal proeza.
A primeira questão era que curso fazer. Havia várias
carreiras que me interessavam, mas eu acabei
optando por Física (não me pergunte o porquê, isso
faz muitos anos e eu mal me lembro dos motivos que
me levaram a essa decisão um tantinho radical…).
Como sempre, havia uma pedra no caminho. Eu tinha
descoberto que a tal “escola de ponta”, pela qual eu
tanto havia lutado, era só um pouco “menos pior” que
a escola pública. Só que depois de quase “quebrar” os
meus pais para pagar pelo Segundo Grau em escola
particular, não tinha espaço muito menos moral para
pedir que me pagassem um cursinho.
Mas eu queria passar, e precisava passar para cursar
uma Universidade Pública. Foi aí que aquele insight
de três anos atrás (aquele da professora que falou que
eu podia estudar sozinha) entrou em cena.
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lenta de raciocínio.
Ou seja, longe de funcionar como um relógio suíço, eu
enfrentei todo tipo de obstáculo nessa que era a
minha primeira grande jornada autodidata.
Lembro-me de um dia em que meu pai chegou em
casa mais cedo e me encontrou cochilando com o
rosto enfiado em cima do livro de Química. Ele fez
uma expressão que demonstrou tanto dó, que eu
fiquei com dó do dó dele. “Ah, minha filha, vai
descansar um pouco, você está estudando demais”.
Mas eu era teimosa, e não tinha mais idade para ficar
obedecendo cegamente ao papai: levantei, lavei o
rosto, dei uma volta e sentei de novo na frente do
famigerado livro de Química.
A minha determinação em passar no vestibular era
maior que qualquer outra consideração. De qualquer
forma eu estudava num ritmo forte, mas razoável
(quatro horas por dia além das aulas na escola). À
noite eu via televisão com a família, dormia cedo e
nem me passava na cabeça estudar nos finais de
semana. Duas vezes por semana, eu fazia natação.
Ou seja, era uma vida de muito estudo sim, mas
saudável. Todo esse grande esquema foi montado na
base da intuição. Com certeza, se eu tivesse feito um
cursinho pré-vestibular a história teria sido bem
diferente.
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Vida na Universidade
Eu tinha chegado lá... a tão desejada Universidade
Federal do Rio de Janeiro era agora a “minha” escola!
Eu era agora aluna do Instituto de Física (IF), do
Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza
(CCMN). Era a minha estreia também com os nomes
pomposos e as sopas de letrinhas que povoam o
vocabulário da tribo acadêmica. Somente os
“iniciados” dominam as misteriosas siglas. Se
comunicar por meio delas é um sinal claro de status
acadêmico. Como bons adolescentes loucos para se
enturmarem, em pouco tempo, a gente já estava
falando em código uns com os outros.
Mas será que além de me enturmar, eu ia dar conta de
tudo aquilo? Eu não tinha feito cursinho, e aquele
auditório em desnível, parecendo um teatro, com
mais de 100 calouros na frente de um professor cheio
da mais pura ginga carioca, foi uma experiência
beeem assustadora!
Quando a gente está com medo, tende a buscar
proteção naquilo que é mais conhecido, né? E assim,
ao invés de usar toda a “independência cognitiva”
recém-adquirida no meu estudo para o vestibular, eu
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Recuperando o autodidatismo
perdido
Aos poucos, com os primeiros resultados positivos, eu
fui plantando os dois pés na Universidade. Na
verdade, eu me sentia cada vez mais “em casa”. Era a
primeira vez que eu estava entre outras pessoas da
minha faixa etária que valorizavam o estudo. E mais
importante (principalmente aos 18 anos!): a maioria
dos meus colegas agora me admirava pelos meus
resultados, ao invés de me tratar como uma leprosa,
uma maluca ou um ser de outro planeta.
Até hoje eu me pergunto se isso aconteceu porque o
próprio vestibular deixava de fora aqueles que eram
mais avessos ao estudo, ou se foi um resultado
natural do nosso amadurecimento como um todo.
Afinal, já tínhamos saído do colégio, estávamos
virando “gente grande”. Provavelmente, teve um
pouco dos dois ingredientes neste processo.
Enfim, depois de um primeiro ano observando o
terreno, e conseguindo não cair em nenhum buraco
negro, eu cheguei ao segundo ano mais segura de
mim. O efeito colateral disso foi eu me tornar
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Cientista da Computação em
um mês
Um dia minha amiga Marisa entrou toda animada no
meu quarto do alojamento estudantil:
− Nossa, tem um Mestrado em Informática em
Curitiba, deve ser muito bom!
− Curitiba?!?
Se ela tivesse falado “Marte”, eu teria tido a mesma
reação... Mas ela continuou:
− É, meu pai diz que é uma das melhores cidades
que ele já conheceu. Tudo organizadinho, uma
beleza.
E lá foi ela, me contando e falando do tal Mestrado
numa empolgação bonita de se ver. Enquanto ela
falava, eu comecei a pensar que talvez aquilo me
interessasse também...
Àquela altura, eu já sabia que não iria continuar na
Física. Eu tinha programado em FORTRAN durante
os três anos na minha Iniciação Científica – uma
espécie de estágio para quem quer seguir a carreira
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Mestrado: garimpo e foco
E eu fui mesmo lá, fazer o Mestrado em outro estado,
numa cidade onde eu não conhecia ninguém e mal
sabendo o básico do curso que eu tinha me proposto a
fazer.
Mas a experiência de estudar mais da metade de um
curso de Física praticamente sozinha se fez valer, pelo
menos na fase das disciplinas. Eu simplesmente
continuei fazendo mais ou menos a mesma coisa que
eu já tinha me acostumado a fazer: assistia às aulas
quando me convinha, e estudava sozinha quando
achava que esse seria um uso mais inteligente do meu
tempo.
Claro que eu comecei um pouco cautelosa, sendo mais
ortodoxa no início e assistindo todas as aulas para
“sentir o terreno”. Mas minha “ortodoxia” durou bem
menos tempo que na graduação: uns três meses, no
máximo. E de novo, lá estava eu selecionando aulas
que eu assistiria ou não. Neste ponto da vida, este já
tinham se tornado os meus hábitos “normais” de
estudo.
O desafio realmente novo veio na fase de elaboração e
execução do projeto. O meu orientador não era
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Professora? Não, malabarista!
Dizem que os ricos trabalham para aprender. Bem,
como eu não era rica, então eu trabalhava era para
pagar as contas mesmo. Mas isso não impediu que o
meu primeiro emprego fosse altamente instrutivo...
O primeiro ano como professora foi enganosamente
fácil. Quer dizer, não é que tenha sido exatamente
“fácil”, mas foi bem mais tranquilo do que
normalmente seria um início de carreira no
magistério.
Eu tinha somente uma turma e ensinava algo com que
tinha trabalhado durante o Mestrado inteiro:
programação em linguagem C.
A turma era gigante, mas foi tão marcante que eu
ainda lembro-me de alguns rostos. Principalmente da
expressão de pouco caso de um sujeito que sentava lá
no fundo da sala, cruzava os braços, escorregava na
cadeira para ficar com jeito bem folgado e parecia ter
escrito na testa: “eu vou te desmascarar”.
Volta e meia o rapaz levantava a mão de forma bem
displicente, e fazia uma pergunta que eu desconfiava
fortemente que ele já sabia a resposta. Ou seja, o
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Quer continuar no emprego?
Quando eu já estava pegando o jeito de ensinar
linguagem C – o que é MUITO diferente de
“programar” em linguagem C – o meu coordenador
me deu, candidamente, o seguinte recado: “nós
resolvemos mudar a linguagem de programação para
Java em todos os cursos iniciais. Você vai querer
continuar trabalhando conosco no ano que vem?”
Eu juro que vi alguma coisa batendo asas pela janela
naquela hora. Eu só tinha que decidir se seriam as
minhas férias de verão ou o meu emprego que iria
viajar para bem longe...
No fundo era uma decisão relativamente fácil. A
execução é que era complicada.
Era fácil decidir por dois motivos muito simples e
elementares: primeiro porque eu precisava pagar o
aluguel (e o supermercado e a gasolina). Mas também
porque Java estava começando a emergir como uma
linguagem forte no mercado e eu tinha bastante
interesse em aprendê-la (eu sei, eu sou MUITO nerd,
mas eu já admiti isso, tá?).
A complicação da história é que eu teria três meses
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Para curar gastrite, concurso
público!
No início do que seria o meu último semestre em
Curitiba e no meu primeiro emprego, eu estava
recém-casada, mas nem por isso o ritmo de trabalho
era menos enlouquecido.
Um dia, eu sentei no sofá da sala, exausta, e fiquei
olhando para a televisão desligada por alguns
instantes. De repente, comecei a me dar conta de que
eu não me lembrava de quanto tempo fazia que
aquela televisão não era usada. Eu só sabia que era
um bocado de tempo. Aliás, o sofá também, tinha
virado um mero enfeite naquela sala sem utilidade
prática. Eu passava meus dias ora na universidade,
dando aulas, ora no computador, preparando aulas,
ora na mesa do escritório, corrigindo provas e
trabalhos.
Com esses pensamentos na cabeça, virei para o meu
então “recém-marido” e soltei de supetão: “Isso não é
vida para se levar. Eu não consigo sentar no meu
próprio sofá. Há quanto tempo essa televisão não é
ligada?”.
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Professora Bombril: 1001
utilidades
Lá estava eu, feliz da vida, caída de paraquedas em
um curso de Ciência da Computação que tinha 3
professores ao todo – contando comigo – e 6 meses
de vida.
No início foi tudo bom demais para ser verdade: a
minha carga horária em sala de aula era de um terço
daquela que eu estava acostumada anteriormente, e
eu fui escalada para lecionar duas disciplinas que eu
já conhecia bem. Não foi à toa que a minha gastrite
curou sem médico.
Mas, “não a mal que perdure, nem bem que sempre
dure”…
A cada semestre, a primeira turma avançava no curso.
Isso significava que nós precisávamos oferecer mais
disciplinas, sempre diferentes das anteriores. No
semestre seguinte ao que eu entrei, nós nos tornamos
quatro professores (uau!). Ainda assim, era muito
pouco para um curso inteiro e a coisa foi ficando cada
vez mais complicada.
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Um público (radicalmente)
diferente
Como uma boa “cria” de Universidades Federais, e
estando agora no ambiente mais protegido de uma
Universidade Pública, eu rapidamente me tornei
famosa como professora “durona”.
Não havia uma maldade intrínseca naquilo, como
alguns alunos muito provavelmente acreditavam. O
fato é que eu acreditava que ser bastante severa era
parte indispensável de fazer o meu trabalho bem-
feito.
Nas Universidades Públicas mais tradicionais, e
especialmente na área de Ciências Exatas, existe uma
mitologia de que se não houver sofrimento
considerável, a disciplina não valeu a pena. Embutida
nesta mitologia, está também a crença de que, nesses
casos de “sofrimento moderado”, o professor não é
sério e “deu moleza”.
Hoje, eu estou um pouquinho mais sabida e já sei o
quanto o cérebro aprende menos quando está sob
stress, apesar de muita gente acreditar no contrário.
Ou seja, é preciso urgentemente encontrar formas
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gritavam: “pânico”.
Eu não sei o que deu em mim. Mas quando eu me
deparei com aquele monte de adultos de cabelos
grisalhos e assustados como criancinhas, eu respirei
fundo e me vi fazendo uma aula inaugural
completamente diferente do que eu normalmente
faria.
A essência da minha fala foi mais ou menos a
seguinte: eu não estava preocupada com provas e
avaliações. Tudo o que eu queria era que cada um
deles evoluísse de alguma forma. Que saíssem dali
sabendo um pouco mais sobre o uso de computadores
do que quando entraram. Não importava muito o
quanto mais, cada um iria evoluir dentro das suas
possibilidades, e eu estaria ali para ajudar e
incentivá-los nessa evolução não para atormentar a
vida deles.
Aquilo era a antítese de tudo o que eu tinha até então
praticado na minha trajetória de professora durona. E
surpreendentemente até para mim, eu fui fiel ao meu
discurso inicial até o fim do curso.
Foi uma experiência incrível. Peguei na mão de boa
parte deles nos primeiros contatos com o mouse.
Explicava e reexplicava as coisas mais elementares
dezenas de vezes. Ia de mesa em mesa, atendia cada
um, mostrava de novo, duas, três, quatro vezes.
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O currículo que foi corroído
pelas traças
Pois é, os filhos foram crescendo e a carreira, mesmo
tendo sido deixada meio no “piloto automático”,
atingiu o topo daquilo que uma pessoa com Mestrado
poderia alcançar.
Isso era bom, mas também significava que, agora, o
único jeito de continuar me desenvolvendo na
carreira acadêmica seria fazendo o Doutorado. O que
implicava em fazer alguma grande mudança, já que
não havia um Doutorado por perto para eu fazer. E
iria ser uma mudança daquelas, já que a separação da
família, mesmo que temporária, estava fora dos
nossos planos.
Tivemos várias conversas sobre aquilo e aos poucos
fomos amadurecendo a ideia de que aquela era a
hora. Mas parece que o Universo não concordou com
nossos planos, pelo menos não exatamente do jeito
que a gente imaginou...
Depois de dez anos ensinando alunos de um curso
recém-nascido e criando filhos pequenos, eu me
deparei com a dura realidade de um mundo
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membros.
Eu tinha agora a missão de reconstruir um currículo
que as traças tinham praticamente destruído ao longo
dos últimos anos (pelo menos na visão de quem iria
me avaliar).
Mais uma vez, um período de muita aprendizagem me
aguardava.
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PaD: “Pesquisa a distância”
Então agora eu estava de volta à arena. E a luta seria
grande: eu tinha que escrever e desenvolver um
projeto de pesquisa com múltiplas finalidades.
Primeiro, eu precisava conquistar o meu candidato a
futuro orientador, fazendo um bom trabalho, mesmo
trabalhando a distância. E esse “bom trabalho”
incluía necessariamente publicar em algum evento ou
revista minimamente reconhecidos pelo Qualis.
Isso se eu pretendesse de verdade que os comitês de
avaliação nas pós-graduações chegassem a considerar
o meu currículo para análise.
A área na qual eu propus o projeto era uma área que
eu conhecia pouco, então tive que fazer algo muito
semelhante àquilo que eu tinha feito no Mestrado. Ou
seja, muito garimpo, muita informação
desencontrada organizar, muito retalho para
remendar num todo coerente que eu pudesse chamar
de “projeto de pesquisa”.
Mas eu tenho que confessar: eu adorava fazer aquilo.
Aliás, adoro até hoje. Acho que é por isso que eu me
encantei recentemente com o patchwork como hobby.
Eu acho incrível a sensação de juntar pedacinhos que
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Fluente em inglês, finalmente!
Então, lá estava eu, “nos bancos da escola” de novo,
depois de vários anos do “outro lado”. O formato das
disciplinas no doutorado, como já era de se esperar,
era o mais tradicional possível. Afinal de contas, eu
estava numa escola de tradição!
Além do formato tradicional, as disciplinas eram
quase todas muito, muito pesadas. O volume de
informação despejado sobre nós em cada aula era
indecente.
Apesar de tudo isso, eu estava indo bem nesta
primeira fase do doutorado. Estava feliz por ter
voltado a estudar, achando que a vida agora ia ser
relativamente tranquila por um bom tempo. Afinal
“estudante” sempre havia sido meu status preferido!
Mas um dia, por acaso (ou por sorte mesmo), o
evento mais importante da área de pesquisa em que
eu estava trabalhando aconteceu na cidade. Foi uma
semana pra lá de interessante…
O evento era organizado por brasileiros, mas
acontecia 90% do tempo em inglês. Português
mesmo, só se ouvia nos corredores, isso se não
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Cientista da Computação ou
não?
Ter sido aceita em um doutorado de alto nível em
Ciência da Computação era tudo o que eu precisava
para acabar como todas as dúvidas sobre qual era
mesmo a minha “área” de trabalho: apesar de atuar
somente nisso há vários anos, eu ainda sentia um
certo preconceito velado de alguns colegas contra
“esse pessoal de fora que ‘acha’ que sabe
computação”.
Além disso, confesso que esse preconceito fazia eco
com um certo complexo de inferioridade também. Ou
seja, eu mesma acabava “comprando” a ideia de que
talvez eu não fosse uma Cientista da Computação “de
verdade”.
Mas enfim, eu realmente cheguei a acreditar por
algum tempo que, uma vez dentro deste doutorado,
estaria a salvo do preconceito e do meu complexo de
vira-lata. Isso, até me deparar com a famigerada
“prova de qualificação” do doutorado.
Na verdade essa “primeira qualificação”, como era
chamada, era feita de duas provas, e cada uma
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minha mãe!!
De qualquer forma, ela não iria falar uma bobagem
dessas da própria filha, né?
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Pesquisa: praticando caça a
problemas
Terminada a fase de qualificação, eu era agora uma
estudante de doutorado “de verdade”, segundo o meu
orientador. Agora sim, começava a grande diversão.
Estudantes de doutorado tem que desenvolver uma
pesquisa inédita, ou nas palavras da academia,
“produzir uma contribuição original à ciência”.
Muito bonito tudo isso, mas só tem um detalhe:
encontrar um tema inédito nesse mar de milhões de
cabeças pensantes mundo afora não é exatamente
uma tarefa trivial…
Daí que justamente neste momento do doutorado,
meu orientador conseguiu uma bolsa de pós-
doutorado no exterior e lá ficou por seis meses.
Pronto! Eu estava sozinha – só para variar! – diante
do maior desafio de aprendizagem da minha vida até
então: eu tinha que achar um tema de pesquisa
relevante e dentro desse tema, achar um problema
bacana e atual para resolver, de preferência de forma
criativa.
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Muitos artigos e nenhum
diploma
Enfim, era hora de começar a tentar publicar artigos
relatando os resultados das nossas pesquisas, que
começaram a pipocar de todos os lados. Agora sim, o
meu recém-adquirido “inglês fluente” seria posto a
prova. E também a minha capacidade de convencer
outros pesquisadores de que os nossos resultados
eram, de fato, dignos de serem tornados públicos
para a comunidade científica.
De repente, a minha vida virou um furacão. De todo o
trabalho do ano anterior brotavam os mais variados
frutos que tinham data para ser colhidos. A coisa
ficou bem doidona mesmo no laboratório, que às
vezes mais parecia um pregão da bolsa de valores.
Não era raro haver duas, três ou quatro máquinas
trabalhando para nós. E a cada resultado que saía
dessas máquinas, lá ia eu escrever um artigo para
submeter em alguma conferência da área, geralmente
com prazo final para o dia seguinte.
Aquilo era um círculo vicioso e viciante. Conforme os
artigos iam sendo aceitos – e quase todos foram
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Um diploma e um blog
Desde os 20 e poucos anos eu conhecia a psicologia
de Jung e ela já me fascinava. Mas levar Jung a sério
na vida cotidiana não é algo para os fracos de alma.
Jung exige da gente uma postura incomum diante do
inconsciente e da própria vida. Não tem muito espaço
ali para o autoengano. Por isso, apesar do grande
fascínio pelas teorias do moço, eu segui me
esquivando dele por quase duas décadas.
Às vezes eu acho que eu tenho uma atração especial
por coisas difíceis. Além da dificuldade em si da
proposta da análise Jungiana, terapeutas Jungianos
são raros, e quase sempre, mais caros que os de
outras linhas. Achar um terapeuta Jungiano ao
alcance das minhas finanças em uma cidade pequena
era quase tão provável quanto ganhar na loteria.
Mas tem sempre alguém que ganha na loteria, né?
Bom, eu consegui: tirei a sorte grande e achei uma
verdadeira agulha de ouro em um palheiro pelo qual
eu não dava muita coisa.
Logo no início, a minha terapeuta já foi me avisando
para esquecer a minha tese por um bom tempo... E
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Reflexões “finais”
Uma das coisas complicadas de se escrever um livro
autobiográfico, quando se é ainda relativamente
jovem, é que é difícil chegar a uma conclusão. Tem
ainda tanta história acontecendo e para acontecer na
minha vida!
Obviamente, esta não é uma autobiografia no sentido
estrito do termo. As histórias descritas até agora
contam só uma pequena parte da minha vida, todas
relacionadas a momentos de grande aprendizagem. A
inspiração para esse formato surgiu daquele
momento em que eu descobri que o que eu gostava
mesmo, mesmo na vida, era de aprender coisas novas.
Foi a partir dali que eu entendi uma característica
minha que até então causava enorme conflito interno:
a inacreditável variedade de assuntos que me
interessavam, desde os trabalhos manuais mais
singelos, até os temas técnicos mais cabeludos. A
partir do momento que algo me chama atenção, a
minha sede por entender e tornar aquilo uma parte de
mim parece insaciável.
Esse traço de personalidade sempre gerou em mim
uma quantidade considerável de dúvidas: “Afinal de
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