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Capítulo 6

A ORGANIZAÇÃO CIENTIFICA DO
TRABALHO: O ENFOQUE CLÁSSICO

Neste capítulo serão examinadas as concepções de Taylor, Ford e Fayol,


na medida em que suas propostas sintetizam o que há de essencial no estudo deste
enfoque conhecido como Organização Científica do Trabalho - OCT. O taylorismo-
fordismo nos Estados Unidos e o fayolismo na França desenvolvem-se a partir da
criação de condições económicas propícias a um novo tipo de gerenciamento da
produção e da realização dos excedentes: a expansão da indústria automobilística, a
ampliação do mercado para produtos manufaturados, o crescimento demográfico, o
aumento do exército industrial de reserva (especialmente nos EUA, com as imigra-
coes de força de trabalho europeia e o ingresso no mercado de trabalho da população
afro-descendente) e o nível de renda relativamente elevado nas classes média e alta
que favoreciam as transações de mercadorias industrializadas. Entre outros fatores,
estes fizeram surgir a economia de escala nos diversos setores da indústria, com a
finalidade de baratear custos e preços e ampliar o alcance do mercado de produtos. A
este desenvolvimento industrial seguiu-se um processo de concentração operando de
forma monopolista, resultado de um sistema económico em que as grandes empre-
sãs, devido à reduzida mstabilidade e à pequena concorrência, podiam planejar. A
função planejamento levou à separação entre pensadores e executores do processo
de trabalho, dando as condições para o desenvolvimento da OCT e da chamada ge-
renda científica.
Embora os fundamentos da OCT venham sendo aperfeiçoados desde
1930, com Mayo, seus pressupostos continuam praticamente inalterados. Partindo de
um estudo detalhado do trabalho em suas diversas formas, François (1982) conclui
que a OCT "provém de técnicas e de métodos próprios para conceber, executar de
maneira eficaz, regularizar e controlar a produção moderna". Na base da OCT en-
contra-se, como se pode deduzir do estudo de François, o controle sobre o trabalho,
em termos de sua fisiologia, de sua concepção, do planejamento, do domínio técnico
das normas e de sua execução e da amplitude das tarefas administrativas necessárias
à afirmação do comando do capital.
Sem embargo, referindo-se à OCT, PalewskÍ (1954. p. 30) afirma que "o
método pode ter permanecido o mesmo, porém seu campo de aplicação e seus pro-
28 José Henrique de Faria Economia Política do Poder - Vol. 2

cessas se ampUaram". Desta forma, as "novas" condições de trabalho são determi- tarefas, (vi) as medidas de aferição da capacidade profissional de cada indivídu
nadas: do grupo e (vii) os procedimentos necessários ao estabelecimento de padrões ab
(i) pelo estudo dos movimentos e das operações complementares: neste lutos e relativos de desempenho.
caso, tendo sido dado o quadro de operações, os gestores decom- A racionalização organizacional, nos moldes da OCT, impõe, desta i
põem o trabalho em operações complementares, analisam cada mo- ma, um esquema de controle, mais propriamente de controle da organização <
vimento e suprimem os que julgam supérfluos. O trabalho é regula- trabalhadores nos locais de trabalho com a finalidade de subtraí-la, e que se fí
mentado através de normas e planos rigorosos, cujo acompanha- ainda de acordo com Oliveira (1986), nos seguintes pontos: (i) na qualificação
mento indica as alterações necessárias ao seu funcionamento; trabalhador (vale acrescentar, segundo a ática do capital); (ii) em suas aptidões; (
(ii) pelo estudo de tempos elementares: a determinação dos tempos ele- na capacidade de manuseio e/ou operações de equipamentos, máquinas, ferramer
montares constitui-se em uma operação essencial no esquema da e instrumentos; (iv) na quantidade, qualidade e ritmo de trabalho (em termos de
OCT. O trabalhador deve executar um certo número de gestos, sem- brecarga ou ociosidade); (v) na distribuição dos produtos por postos de trabalho
pré mais ou menos os mesmos para o mesmo trabalho, os quais de- fases cíclicas de ociosidade: (vi) no estabelecimento de prioridades e no domínio
vem ser passíveis de serem contados e cuja rapidez pode ser avaliada relações informais.
pêlos gestores. A cada categoria de trabalho, repetitivo, livre ou No plano do arranjo físico da produção (layout), o objetivo da OCT é
misto, correspondem, segundo Palewski (1954, p. 37), condições di- mentar a eficiência do fluxo de trabalho, otimizar o uso de espaço disponível, mel
ferentes de ajustes de tempo. Assim, a determinação dos procedi- rar o controle sobre o processo de fabricação, aumentar a produtividade (diminuii
mentos da execução do trabalho é previamente fornecida; o tempo de não-trabalho através de sua intensificação) e proporcionar flexibilid;
(iii) pelo estudo do controle'. a base física do controle, na OCT, é a elimi- em caso de variações com operações relacionadas ou com modificações de proc
nação, pêlos gestores, das falhas do processo de trabalho, visando sós. Um estudo do programa de produção, incluindo a relação de materiais e com
reduzir o tempo de operação» melhorar a qualidade, aproveitar os re- nentes, as operações necessárias, as máquinas e equipamentos e o fluxo de ope
síduos de matéria-prima e de compostos excedentes. Isto é realizado coes, é realizado na área de planejamento operacional: o arranjo físico é, neste sei
através de mecanismos tais como cartões ou fichas, relatórios, bole- do, o desenho concreto das fases do processo de trabalho e de produção. A análise
tins, análises estatísticas (tabelas, gráficos etc.), entre outros. concepção original de cada um dos fundadores da OCT significa compreender 1
apenas este sistema como o que pretensamente o sucede (a administração flexível'
As consequências, do ponto de vista do trabalhador, são bastante eviden-
tes. Para a organização produtiva, o que se busca com o emprego da OCT é uma
rígida disciplina na execução do trabalho, de acordo com padrões definidos na 1 A CONCEPÇÃO DE FREDERICK W. TAYLOR
cúpula, a qual é conseguida pelo acionamento de todos os níveis hierárquicos envol-
vidos no processo produtivo. Toda a definição sobre o trabalho, todo o processo de-
O ambiente organizacional no qual Taylor vai basear seus estudos reft
cisório e todos os padrões de desempenho são definidos pela hierarquia superior, o
se a empresas de produção de peças que exigiam dos trabalhadores ritmos de
que significa que o trabalhador não cria seu trabalho, mas adapta-se a um trabalho
balho cuja execução era extenuante e nas quais o desperdício era significativo, í
determinado, concebido em outra esfera da divisão parcelar. Como sugere Fullmann
estudo mais importante, que trata dos princípios da gerência científica (TAYLC
(1975), o saber operário é menosprezado, diante do saber da cúpula.
1911), decorre em grande medida de sua experiência em uma empresa de produ
Na OCT, as tarefas são descritas em minúcias nos planos de cargos e nos de lingotes de aço, especialmente no processo de carregamento destes lingotes
manuais de organização e métodos (O&M), sendo a racionalização a palavra-chave vagões. Taylorjá havia sido empregado de outras empresas e sua dedicação aos
deste sistema, pois as tarefas, as responsabilidades, a autoridade, as cargas de traba- tudos o levou a formar-se em engenharia. Vmdo de uma família quacker, protest
Uio, o arranjo físico e as nonnas disciplinares encontram-se a ela submetidos. Com tes de rígidos conceitos acerca da importância da disciplina e do trabalho, Fredei
efeito, o estudo do trabalho, na ótica de O&M, segundo Oliveira (1986, p. 320), Winslon Taylor encarava o trabalho como uma obrigação a que todos deviam c
significa "distribuir deforma criteriosa e racional as tarefas que já vêm sendo rea- correr e a disciplina como um valor que todos os trabalhadores deviam seguir
ïizadas pela empresa" e ^fwciona como instrumento de estudo da situação existente suporte para seus estudos está baseado na ideia de que quanto mais o indivíduo
e âe mudança para a situação desejada, quando da racionalização organizacional". batha, mais o mesmo faz por merecer recompensas espirituais, de que o traba
Todas as tarefas são, neste processo de racionalização, descritas detalhadamente, a disciplinado colabora para aumentar a potência da soma dos trabalhos individua
partir de entrevistas e observações, indicando-se o tempo de execução e o volume de que alguns são possuidores da dádiva de pensar e devem fazê-lo para coman
total de trabalho executado, As tarefas individuais são agrupadas em atividades, de os que receberam a graça de executar.
onde emerge o Quadro de Distribuição do Trabalho, instrumento gerencial que pos-
Observando os trabalhadores da American Steel Company no carre
sibilita o controle sobre (i) o conjunto das operações do processo de trabalho, (ii) o mento de lingotes de aço em vagões e tendo percebido, através do controle do pa
tempo de trabalho de cada unidade, (iii) a sequência do processo, (iv) a necessidade mento que era efetuado por peça, que alguns operários produziam mais do que
de matéria-prima ou de estoques, (v) os instrumentos de análise comparativa das tros, Taylor decide aplicar e testar seu método nesta empresa. Para tanto, escol'
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um trabalhador imigrante de forte compleição física e de baixo nível de infeUgência (TRAGTENBERG, 1977, p. 76) Convém observar, no entanto, que Taylor pretende
para servir ao seu experimento, ou seja, escolheu o que deveria ser, em sua con-
negar o antagonismo entre o capital e o trabalho, tirando do trabalhador a liberdade
cepção, o trabalhador ideal, o seu padrão de operário', fisicamente forte, pouco in-
de organizar a própria atividade. Isto é possível porque o trabalhador, tendo perdido
teligente, submisso e dependente do emprego. Estando em situação irregular nos a possibilidade de agir sobre o preço do seu trabalho no momento em que o executa,
USA e tendo apenas a garantia de sua produção como forma de sobrevivência, este
não tem outro recurso para ganhar mais além do recurso, muito mecânico, de traba-
trabalhador necessitava garantir seu emprego, o que colaborou para que aceitasse üiar mais. Sendo assim, o taylorismo somente consegue aliar prosperidade, harmo-
participar do teste. Taylor dividiu o trabalho em várias operações, que correspon- nia, eficiência e maior carga de trabalho para o operário, porque se constitui na "tra-
diam aos movimentos mais económicos, e treinou o trabalhador, medindo a quantí-
âução administrativa da lógica e dos interesses da burguesia, num momento dado
dade produzida de cada peça em termos de tempo de produção, até que ele as execu- de seu desenvolvimento histórico". (TRAGTENBERG, 1977, p. 76)
tasse no limite de suas possibilidades, isto é, a máxima produção no mínimo tempo.
Tendo alcançado este limite, Taylor define o que seria a produção de um operário Nos fundamentos de sua gerência científica, Taylor vai mais além na des-
padrão tendo em vista seu padrão de operário. Este padrão deveria se estender a valorização do homem, ao traduzir a alienação do trabalhador do processo de íraba-
lho através de uma interpretação primária de seu comportamento. De fato, Taylor
toda a fábrica. Embora este seja o método pelo qual ficou conhecido, ou seja, a de-
composição do trabalho e sua cronometragem de maneira a reduzir tempo e (1911) traduz a alienação por vadiagem e, como um profeta secular assevera: como
engenheiros e administradores, nós conhecemos mais de perto esses fatos (vadia-
movimento, de imediato é conveniente esclarecer que um esboço do taylorismo deve
gem) que quaisquer outros e estamos mais bem aparelhados para dirigir um movi-
superar esta leitura banal, pois, "além dessas trivialidades reside uma teoria que
mento contra as ideias falsas, esclarecendo não só os trabalhadores, como todos os
nada mais é que a explícita verbalização do modo capitalista de produção".
cidadãos a respeito da verdade. Sua concepção acerca da natureza dos fenómenos
(BRAVERMAN, 1977, p. 83)
sociais aproxima-o de uma análise de natureza maniqueísta. Assim, o taylorismo,
De fato, Taylor iniciou seus estudos sobre a análise e a simplificação do tratado como uma ciência do trabalho, tem, na realidade, a pretensão de ser uma
trabalho a partir de um método empírico-experimental, por ele chamado de científí- ciência do trabalho dos outros, nas condições do capitalismo. "Não é a melhor ma-
co, em 1893, embora seu principal livro tenha sido publicado em 1911. Seu objetivo neira de trabalhar em geral, que Taylor busca, mas um resposta ao problema espe-
era obter a melhoria na execução do trabalho e sua intensificação através da automa- cífico de como controlar melhor o trabalho alienado - isto é, a força do trabalho
tização. Neste sentido, sugeria, como princípios: (i) definir o trabalho a ser executa- comprada e vendida". (BRAVERMAN, 1977, p, 85-6) Este controle do trabalho
do, analisando-o e determinando seu processo ótimo; (ii) adaptar o operário à técni- alienado é viabilizado na medida em que a alienação é tratada por vadiagem (indo-
ca, através da qualificação e treinamento dos executantes das tarefas; (iii) separar a lência natural e sistemática), de forma a que o esquema teórico taylorista seja facil-
concepção da execução no desenvolvimento e na realização do processo de trabalho, mente aceito.
de modo que o trabalhador conheça suas funções e empregue nelas os melhores mé-
Apoiado em tais bases, Taylor apresenta a verdadeira razão de sua gerên-
todos defmidos pela gerência; (Ív) especializar as funções de direção ou gestão, es-
cia científica: a divisão de trabaüio entre a gerência e os trabalhadores, ou seja, a
pecialmente no que se refere aos estudos para a fabricação e a coordenação das ati-
separação fundamental de cérebro e mão. Com efeito, a finalidade do estudo do tra-
vidades funcionais (TAYLOR, 1911). As consequências imediatas do sistema taylo- balho, por Taylor, não é a de fornecer ao trabalhador maior conhecimento científico,
rista foram a fadiga, a monotonia, a sujeição do trabalhador a uma tarefa predeter- tampouco fortalecer sua capacidade para o trabalho, de modo que melhorando as
minada para a qual não agregava nenhuma iniciativa, fenómenos estes que, aliás, técnicas os trabalhadores sejam com eles elevados. Antes, o objetivo é o de baratear
chamam a atenção de Elton Mayo, como se verá mais adiante.
a força de trabalho do trabalhador diminuindo o seu preparo e aumentando a sua
Adotando o discurso do capitalismo industrial, Taylor propõe o máximo produção. Para tal fim, os estudos dos processos de trabalho são reservados à gerên-
de prosperidade ao capitalista e ao assalariado. Por trás desta aparente boa intenção, cia, ao mesmo tempo em que são obstados aos trabalhadores. A estes, os resultados
no entanto, esconáe-se o aproveitamento total do homem, ou seja, a exploração ra- são comunicados apenas sob a forma de funções simplificadas, orientadas por Íns-
cional do trabalhador pela extração da mais-valia. A prosperidade generalizada trata truções precisas, as quais os trabalhadores devem apenas seguir, pois não precisam
somente de uma prosperidade unilateral, porquanto não é dada ao trabalhador senão compreender os raciocínios técnicos ou dados subjacentes. A gerência científica de
uma pequena parcela dos resultados, tendo em vista sua colaboração . Taylor Taylor, portanto, cria o monopólio do conhecimento, através do que controla cada
somente pode fazer tal proposta partindo de um pressuposto igualmente falso, qual uma das fases do processo de trabalho e os modos como o trabalho é executado.
seja, o de que existe uma identidade de interesses entre trabalhadores e capitalistas. Para Taylor (1911), mesmo o mais competente dos operários é incapaz de
Para firmar as bases ideológicas de sua pregação messiânica, Taylor parte do ponto compreender a gerência científica sem uma orientação de seus superiores, quer por
de vista segundo o qual o interesse dos trabalhadores é o da administração, desco- falta de instrução, quer por capacidade mental insuficiente. Em vista disto, cabe à
nhecendo as tensões entre a personalidade e a estrutura da organização formal . administração planejar o ofício dos operários, bem como dirigir seus atos para um
trabalho mais rápido e melhor. Assim, "a capacidade do operário tem um valor se-
O termo "colaborador" em substituição a trabalhador, tão em moda atualmente e que pretende ter um czindário, o essencial é a tarefa de planejamento. A especialização extrema do ope-
significado mais "coq?oratívo", Já aparece em Taylor com a mesma intenção: a identidade de interesses. ràrio, no esquema de Taylor, torna supérflua sua qualificação . (TRAGTENBERG,
Como se verá, adiante, H. Ford também o utilizará. 1977, p. 72) Cabe à gerência, na concepção de Taylor (1911), a função de reunir
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ïoàos os conhecimentos tradicionais que no passado possuíram os trabalhadores e trolando-o, Taylor lança os termos básicos das funções administrativas, que até hoje
então classificá-los, tabulá-los, reduzi-los a normas, leis ou fórmulas. Em conse- permanecem em essência inalteradas.
qüência, na medida em que preconiza a apropriação e formalização de todo o conhe-
Com a administração apropriando-se das funções intelectuais, Taylor
cimento possuído pêlos trabalhadores, Taylor promulga o princípio da dissociação
somente poderia requerer, para o êxito de sua gerência, trabalhadores obedientes e
do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores. Assim, o processo de
com reduzida capacidade mental. De fato, na concepção de Taylor (1911), um
trabalho irá depender não absolutamente das capacidades destes, mas inteiramente
operário classificado faz justamente o que se lhe manda e não reclama, pois sua
das políticas industriais, pois, da mesma forma como o capital possuí os meios físi-
maior virtude é a de ser tão estúpido e fleumático que mais se assemelha em sua
cos de produção (máquinas e equipamentos), também possui os meios intangíveis
constituição mental a um boi. E preciso considerar que, com a grande imigração de
(estudos, técnicas etc.), já que não apenas o capital é propriedade do capitalista, mas
o próprio trabalho tomou-se parte do capital.
estrangeiros em situação ilegal nos EUA à época, acompanhada da baixa organiza-
cão política dos mesmos, aos trabalhadores somente restava ser obedientes.
Os trabalhadores não apenas perdem o controle sobre os instrumentos de pro- Taylor, percebendo que a consciência do trabalhador de sua alienação
duçao como também devem perder o controle até de seu trabalho e do modo como provém de experiências e contatos inter-relacionaís e que sua força estaria na ação
o executam. Este controle pertence agora àqueles que podem 'arcar com o es-
coletiva, propõe como regra inflexível, falar e tratar com um trabalhador de cada
tudo dele afim de conhecê-lo melhor ao que os próprios trabaï'haàores conhecem
vez. Todas estas considerações, encobertas pêlos discursos da "eficiência" e da
sua atívidade viva. (BRAVERMAN, 1977, p. 103-6)
"amistosa cooperação da gerência", têm como fím a sistemática apropriação de valor
Apropriando-se dos conhecimentos do trabalhador e reservando-os para excedente. As contradições do sistema TayÏor não são simplesmente contradições
a gerência, o taylorismo concorre para o estabelecimento de relações sociais anta- teóricas, senão um reflexo do caráter antagônïco das relações de produção capiía-
gônicas e de trabalho alienado, na medida em que não só separa mão e cérebro, listas. Os métodos tayloristas são um aperfeiçoamento dos métodos capitalistas de
mas os divide e os toma hostis. A separação entre a concepção e a execução re- 'exploração , ao passo que a colaboração do trabalhador acaba por ser uma colabo-
sulta, entre outras, em uma desumanização do processo de trabalho, na medida em ração forçada, "durante a qual a administração toma conta de todo o componente
que os trabalhadores ficam reduzidos ao nível de trabalho em sua "forma animal". pensador da ativiâade do trabaïhaâor, enquanto que este só deve obedecer e czim-

Nesta medida, é possível entender que, para a administração da força de trabalho prir as indicações de seu 'dirigente mais capaz"'. (GVISHÍANI, 1977, p. 197-9)
comprada, a ciência do trabalho de Taylor nunca pode ser desenvolvida pelo tra- Com o trabalho dependente do capital, o "Sistema Taylor" conseguiu ob-
balhador, mas sempre pela gerência, de maneira que o capital possa impor ao tra- ter consideráveis resultados económicos para o capital, já que as vantagens salariais
balho a eficiência metodológica e o ritmo das tarefas. Fica evidenciado, também, dos trabalhadores desaparecem na medida em que o nível de produção mais elevado
que o núcleo do quadro teórico taylorista é a distinção nítida entre a concepção e a toma-se generalizado. No exemplo de seus resultados económicos, Taylor apresenta
execução. "Depois de estabelecida, essa dicotomia passa a ser a forma a priori de as vantagens ao novo sistema, deixando claro que:
todo enfoque das realidades da empresa, Torna-se prescrüiva". (MOTTEZ, 1973, (i) o número de trabalhadores é reduzido, para a mesma tarefa;
p. 13) No esquema teórico taylorista o trabalho do operário, completamente pla-
(Íi) a média da remuneração para os trabalhadores cresce em 63%;
nejado pela direção, é transmitido através de instruções escritas completas que
minudenciam não só a tarefa como os meios usados para realizá-la. Sendo assim, (ÜÍ) o custo médio diminui em 54%;
"no plano de sua Teoria da Administração, Taylor define a burocracia como (iv) a média de execução de tarefa (produção) aumenta em 269%.
emergente das condições teóricas de trabalho, predominando a organização sobre o
Não é difícil perceber que a empresa é a maior beneficiária de tal sistema,
homem, acentuando comofator motivador único, o monetário". (TRAGTENBERG,
pois o trabalhador, para aumentar sua remuneração em 63%, deve produzir mais
1977, p. 76) 269% do que o fazia. O custo da empresa decresce não só em função do menor
O apanágio imediato da apropriação, pela gerência, das atividades in- número de trabalhadores, mas principalmente tendo em vista o incremento de tra-
telectuais, é a criação de instrumentos de controle. No relato de Taylor sobre o balho não pago. A empresa, que pagava um salário total de US$ 690,00 pelo velho
manejo de ferro-gusa por tarefa, por exemplo, fica ilustrado de forma clara o eixo sistema, passou a pagar um total de US$ 263,20 no novo sistema, reduzindo suas
sobre o qual gira toda a gerência moderna: "o controle do trabalho através das àe- despesas com o pagamento da força de trabalho em 62%. Não há dúvida quanto à
cisÔes que são tornadas no curso do trabalho . (BRAVERMANN, 1977, p. 68) prosperidade para o capitalista no "Sistema Taylor", mas é insustentável a argu-
Através da história, o controle caracterizou-se como o principal aspecto da gerência. mentação de igual prosperidade ao empregado, por dois lógicos e simples motivos:
Com Taylor, no entanto, o controle adquiriu dimensões sem precedentes, na medida (í) 460 trabalhadores deixaram de trabalhar; (ií) o incremento relativo da produção é
em que para a gerência é essencial impor ao trabalhador a maneira pela qual o tra- de 4,27 vezes maior do que o incremento relativo da remuneração.
balho deve ser executado. Planejando o trabalho, organizando-o, dirigindo-o e con- Não há, como Taylor quer fazer crer em suas argumentações, uma dis-
tribuição igualitária dos resultados de um processo mais eficiente de trabalho. Antes,
Convém observar cuidadosamente esta questão, na medida em que este é o cerne não apenas do taylo- acentua-se a apropriação de valor excedente: não é sem razão que a cooperação
rismo, mas da teoria gerência!. científica de Taylor (1911) vá requerer uma transformação na atitude mental dos
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trabalhadores com relação ao seu trabalho e ao seu patrão. Embora em seu dis-
definição e nos processos de organização das atividades, não interfere na superpo-
curso Taylor busque desenvolver uma verdadeira ciência, sob o aparato de uma co-
sição complexa dos fms e dos meios e não contesta determinados objetivos, pois são
operação ínfima e cordial entre a direção e os trabalhadores, ele vai ocupar-se, de
estes fatores que possibilitam a dicotomia dirigente-dirigido. A administração cien-
fato, em desenvolver métodos e formas de organização do trabalho e não em desen- tífica apresenta uma face de implacável evidência racional, acossando todas as fon-
volver tecnologia, onde sua atuação é ínfima.
tes de incerteza e esmiuçando cada pormenor, apenas porque entende que os ob-

A gerência cientifica significa um empenho no sentido de aplicar os méíodos da


jetivos são fornecidos antecipadamente e sem ambiguidades. Como bem aponta
ciência aos problemas complexos e crescentes do controle ao trabalho nas empre- Gvishiani (1977), em nome de sua estrutura bem mais elaborada, a racionalização
sãs capitalistas em rápida expansão, Faltam-lhe as características de uma verda- restritiva taylorista não deixa, fora de si mesma, nenhum lugar para a inovação mas
deira ciência porque suas pressuposições refleíem nada mais que a perspectiva do aparece como uma existência imperativa.
capitalismo com respeito às condições da produção. Ela parte não do ponto de
A heterogestão taylorista traz em seus fundamentos a palavra reificada do
vista humano, mas do ponto de vista do capitalista, do ponto de vista da gerência
de uma força àe trabalho refratária no quadro das relações sociais antagômcas.
trabalho homogéneo, em que é invocado o génio das chefias e a ignorância dos tra-
Não procura descobrir e confrontar a causa dessa condição, mas a aceita como balhadores, reforçando a ordem capitalista e seu domínio, sob a proteção das rela-
um dado inexorável, uma condição natural. Investiga não o trabalho em geral, coes autoritárias. Ao operário, instrumento eficiente da serventia especializada, resta
mas a adaptação do trabalho às necessidades do capital. Entra na oficina não a subordinação total aos "alíruisíics managersl\ seguindo rigidamente o ritmo dos
como representante da ciência, mas como representante de uma caricatura da mestres cronometristas'\ condutores dos processos de trabalho.
gerência nas armadilhas da ciência. (BRAVERMANN, 1977, p. 82-3)

No esquema teórico de Taylor, como bem aponta Tragtenberg (1977), 2 A CONCEPÇÃO DE HENRY FORD
paralelamente à desquahficação do trabalho e à crescente alienação do sujeito di-
vidido, é dada ênfase à estrutura monocrática da organização, na qual prevalece a
Henry Ford foi ao mesmo tempo um visionário e um empresário indus-
racionalização. Taylor encara a organização social da produção como uma organiza-
trial que se assemelha ao modelo de capitalista descrito por Marx. Suas concepções
cão estritamente formal, em que é valorizada a obediência e em que são recusadas acerca da integração produtiva, do sistema em escala da produção (linha de monta-
todas as relações não prescritas no conteúdo funcional. Taylor valoriza o elitismo
gem) ou produção em massa, da redução dos tempos mortos, do gerenciamento do
intelectual da administração, a serviço do capitalismo, ao mesmo tempo em que
processo de produção (especialmente do sistema de aquisição, distribuição e em-
propõe o controle cerrado e rigoroso sobre o trabalhador. Colocando o lucro como
prego de matéria-prima, peças e componentes), da gestão do desperdício e do sis-
razão de ser da gerência, projeta a ciência da administração sobre uma base racional
tema geral da produção e da realização do valor excedente, antecede toda a atua!
e próspera. A síntese do controle sobre os trabalhadores, alienando-os do processo
formulação do chamado modelo toyotista de produção. H. Ford tem uma concepção
de escolha e tolhendo-lhes a liberdade individual, resulta do fato de que a gerência
pioneira sobre o que hoje se chama de just-in-ïime, kanban e produção integrada,
taylorisía não só exige que o trabalhador faça o que tem a fazer, como o impede de
terminologia atribuída a um novo modelo ou processo de gestão mas cuja operacio-
fazer outra coisa. A racionalidade dá à obrigação um caráter místico, legitimando-a,
nalidadejá se encontrava por ele explicitada. (FORD, 1922; 1926a; 1929) Não for-
ao mesmo tempo em que se encontra delimitada, segundo interesses autoritários.
mula prmcípios de produção flexível, talvez até porque a mesma, em qualquer cir-
A gestão taylorista domina amplamente o campo das experiências interin- cunstância, seria impossível à época. Mas, uma leitura de suas reflexões e de sua
dividuais, de forma que aos operários são impingidos todos os atos, dentro ou fora visão da indústria permitem reassegurar (FARIA, 1992), sem qualquer dúvida, que o
do âmbito do trabalho, institucionalizando a relação de submissão. Tal relação per- chamado modelo toyotista não é senão um taylorismo-fordismo de base microeÏe-
mite institucionalizar a obediência em nome da autoridade necessária. Isto implica írônica, um taylorismo-fordismo computadorizado, um taylorismo-fordismo enver-
exprimir a autoridade racional mascarando o poder, em seu aspecto coercitivo e ma-
nizado, acrescido de um modo de gestão dos empregados sustentado nas ideias de
nipulador, encobrindo a luta pelo reconhecimento, os conflitos e seu resultado mais Douglas McGregor (1960), as quais incentivam os teamwork e permitem que se
imediato: a vitória de uma categoria de chefes que se julga possuídora da organiza- operacionalize a concepção de trabalhador flexível em lugar do trabalhador espe-
cão porque define suas orientações, canalizando os esforços individuais no trabalho cializaào, típico do fordismo. E, de qualquer modo, bastante estranho que alguns
organizativo. Como as tarefas são fragmentadas e o trabalhador deixa de ser utili- pesquisadores que se debruçaram sobre esta questão não tenham considerado em
zado como ser humano, pois importam mais suas qualidades bovinas, a gerência suas análises os fundamentos da concepção de H. Ford e de McGregor e insistam
recorre à criatividade e à capacidade do operário em proporções insignificantes. em considerar o modelo japonês como sendo original (KAPLINSKY, 1988;
Com isto, a organização científica do trabalho reforça a divisão entre uma elite aâ- KENNEY ana FLORIDA, 1988; SCHONBERGER," 1982; SUG1MORÍ et alii,
ministrativa e uma massa de trabalhadores: à primeira, apta ao comando, é dada a
1977), enquanto o próprio proponente do just-in-time reconhece a influência de H.
inteligência e, quem sabe, a bondade de simplificar o trabalho; à segunda, Ínapta à Ford.(OHNO,1987)
inteligência, é oferecida a liberdade de trabalhar ou não naquelas condições.
Diferentemente do taylorismo, que se concentra nos modos de operacio-
A racionalização taylorista, com efeito, na medida em que não acarreta nalizar a produção em termos de unidades produtivas, o fordismo tem um alcance
grandes consequências, não modifica a ordem das coisas, não implica alteração na que ultrapassa a fábrica, tomando-se a expressão política da acumulação capitalista,

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