Memorial Poético
DE ALENQUER
Apresentação, pesquisa e notas por LUIZ ISMAELINO VALENTE
(II)
oscar de paula guimaraens
Médico, compositor,
jornalista, músico,
novelista, orador e
poeta, Oscar de Pau-
la Guimaraens nas-
ceu em Belém, em 30
de julho de 1884, e
faleceu em Alen-
quer, em 23 de
dezembro de 1929,
com apenas 45 anos
de idade.
Estudou as primei-
ras letras no colégio
Ateneu Paraense, do
afamado professor
Bertoldo Nunes, matriculando-se depois no Ginásio
Paes de Carvalho. Concluídos os estudos preparatórios,
iniciou o curso médico na Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro, mas logo depois transferiu-se para a
Faculdade de Medicina da Bahia, onde se formou em
1910, apresentando, nessa ocasião, uma brilhante e ino-
vadora tese de graduação, intitulada “Uma nova ideia
sobre a Vida e a Morte.”
Depois de diplomado, Oscar de Paula Guimaraens,
oriundo de família de classe média alta de Belém, exer-
ceu, por algum tempo, as clínicas obstétrica e ginecoló-
gica na Santa Casa de Misericórdia do Pará, foi inspetor
sanitário do Município de Belém e diretor do Serviço
Sanitário do Estado do Paraná, mas logo preferiu exer-
cer a medicina na pequenina Alenquer, no Baixo Ama-
zonas, onde seu irmão Edgard Guimaraens era o tabe-
lião do 1º Ofício, e onde acabou tendo o seu prematuro
encontro com a morte, devido, conforme relatos dos
antigos, à reação de medicamentos à subseqüente
ingestão de bebida alcoólica a que era dado o poeta.
Sobre Oscar de Paula Guimaraens, assim escreveu o
historiador Carlos Rocque:
“– Homem culto e dotado de ampla formação intelec-
tual, exerceu o jornalismo, foi compositor e, além de
piano, tocava violino e violoncelo. Como intelectual, foi
sobretudo poeta.”
De Paula Guimaraens (como se assinava o notável
médico e escritor) tinha o dom da oratória. Ainda aca-
dêmico de medicina, foi o orador oficial da sessão mag-
na da Faculdade de Medicina da Bahia, em 9 de outu-
bro de 1909, comemorativa do 1º Centenário do Ensino
Médico no Brasil. Registrou, depois, a sua oratória, no
volume Discursos Acadêmicos (1912, edição esgotada).
Em 1915, lançou seu livro de versos – Poemas Simples
(edição igualmente esgotada). Deixou inéditos vários
trabalhos científicos sobre pediatria e freniatria, bem
como três livros de poesias, Nimbos e Folhas, Penumbra e
Flor da Carne, além de Contos Crebos (impressões e
fatos).
Ateu e materialista convicto (para quem a religião era
“a invencionice maior do gênero humano para apascen-
tar os incautos, os tímidos e os vencidos”), De Paula
Guimaraens, que, segundo o testemunho dos que o
conheceram, era dono de uma personalidade fascinan-
te, legou-nos um precioso resumo do seu vasto conhe-
cimento científico e filosófico na obra Verdades que eu
sinto, uma compilação de suas brilhantes “oposições,
ideias e sínteses”, editada no Rio de Janeiro, em 1929,
poucos meses antes do seu falecimento em Alenquer.
Verdades que eu sinto, diz o próprio De Paula Guima-
raens no prefácio da obra, é “um livro sincero”. Nele,
continua o autor, “obedecendo a tudo que em nós é o
inatualmente, incaracterístico, impessoalizado, fugi ao
bulício da minha própria sombra, e deixei nestas pági-
nas transparecer as verdades secretas, ábsonas, des-
toantes talvez, mas para mim muito consoladoras.”
De forma realmente magistral, De Paula Guimaraens
sintetizou em Verdades que eu sinto toda a sua filosofia
de vida, que hoje talvez pareça rascante aos ouvidos
mais sensíveis aos dogmas religiosos ou menos afeitos
aos rigores do pensamento científico e filosófico.
No dístico de abertura da obra, já escrevia o autor:
“– Nihil novum. Eu creio somente naquilo que, com os
sentidos serenos, perscruto; mas, compensadoramente,
respeito tudo quanto, por negligência, ignoro. A única
novidade da vida, é criar blasfêmias, tolices e crenças.”
Esse homem extremamente racional, que deu ao seu
último livro o subtítulo de “litania de um ímpio”, foi,
paradoxalmente, além de poeta inspirado, compositor
refinado.
Dentre outras valiosas peças musicais, De Paula Gui-
maraens legou-nos a valsa “Helênica”. Em 1984, quan-
do eu ainda morava em Santarém e se contavam os cem
anos do nascimento de Oscar de Paula Guimaraens, o
poeta Antônio Aldo Arrais presenteou-me com uma
cópia da partitura de “Helênica”. Como nunca fui
músico, repassei a oferenda ao compositor santareno
Wilson Fonseca, o maestro Isoca, de cuja amizade tive a
Memorial Poético Oscar de Paula Guimaraens
honra de privar. Com a sua peculiar lhaneza, na sua
própria casa à travessa Francisco Corrêa esquina com a
rua Floriano Peixoto, tendo-me como único e privile-
giado ouvinte, a cada nota de “Helênica” que executava
ao piano, Isoca derramava-se em elogios à inspiração e
ao refinamento musicais de Oscar de Paula Guima-
raens, agradecendo seguidamente pela partitura que
até então não tinha em seu acervo.
Segundo J. Eustáquio de Azevedo, em sua obra Literatu-
ra Paraense – “Os jornais e revistas do Pará, Bahia e Rio
de Janeiro guardam farta colaboração de Oscar de Pau-
la Guimaraens, em crônicas de arte, artigos críticos e
filosóficos, poesias, etc.”
Á exceção do discurso do 1º Centenário do Ensino
Médico no Brasil e do livro Verdades que eu sinto, não
logrei localizar nos dias de hoje nenhum outro exem-
plar das obras de Paula Guimaraens.
O poeta Antônio Aldo Arrais foi depositário de várias
pastas recheadas com dezenas de recortes de artigos e
poemas de Oscar de Paula Guimaraens publicados em
jornais e revistas do Pará e de outros estados. Tive o
privilégio de ler, inúmeras vezes, essa riquíssima pro-
dução, na própria biblioteca da casa do Aldo, em Alen-
quer, no começo da década de 1970, quando lá iniciei a
minha carreira de advogado. Infelizmente, não tive
êxito em localizar tais arquivos com os herdeiros do
Aldo, hoje residentes em Brasília.
Não foi fácil coligir alguns poucos poemas de Paula
Guimaraens. Exultei quando obtive a reprodução inte-
gral, em cópia Xerox, do livro Verdades que eu sinto, cujo
exemplar foi a muito custo encontrado na biblioteca da
Unama e pertencera ao acervo do escritor Georgenor
Franco. Os poemas de Paula Guimaraens reproduzidos
neste memorial foram todos pinçados da Antologia Ama-
zônica, de J. Eustáquio de Azevedo, que, por sua vez, os
mariscou “pelos jornais e revistas onde foram publica-
dos”. Em tais poemas, no juízo crítico do renomado
antologista, vê-se que o notável médico era senhor de
um “estro brilhante, de concepção feliz e de linguagem
fidalga.”
Por outro lado, é interessante observar que na prosa
escorreita de Paula Guimaraens, direta e cortante como
um bisturi, também é possível perceber – à moda do
que fez Benedicto Monteiro em relação à prosa de Dal-
cídio Jurandir, Guimarães Rosa e Euclides da Cunha,
em A Poesia do Texto – a estupenda veia poética do
grande médico (que dedicou grande parte de sua vida à
pequenina Alenquer) bailando e brilhando como piri-
lampos nas noites de trevas nestas verdes várzeas.
Em Alenquer, a Escola Municipal do Surubiú-Açu,
construída na gestão do prefeito José Rafael Valente,
recebeu o nome de “Oscar de Paula Guimarães”, como
tributo à memória do grande médico e refinado artista e
intelectual que ele foi.
2
Luiz Ismaelino Valente
SONATA DO CIÚME
“Amo-te, burilada estrofe do meu poema!
Amo essa estranha luz dos teus olhos felinos,
A carnadura branca, e esse rosado trema
Dos bicos de coral dos seios pequeninos.
Vives nos bronzes nus, nos mármores e argilas,
Sublime inspiradora e modelo de Telas!
Ao teu corpo a estesia da grande arte destilas,
E ela ruge, em estuar frenético, em procelas.
És uma filigrana estética e confusa...
E para conhecer de todo os teus adornos,
É preciso sondar – luz altiva e difusa,
A serpiginação febril dos teus contornos.
Os teus contornos, sim, curva esgalga do peito,
O modelado tronco, as pernas modeladas
Põe essa mão, Espírito de Eleito,
Que fez os poemas de Ouro, a Noite e as Madrugadas.
És para um sonhador – um Mármore de Páros.
E eu, artista que sou de uma loucura fátua,
Firo, espanco, castigo o camartelo. E os raros
Traços do meu Ciúme esplendem numa Estátua.
O traçado acentuo. E eis que fulges perfeita
Como Vênus surgiu de entre as ondas revoltas...
O meu delírio atinge a Epopeia desfeita
De uma Rosa infeliz de pétalas já soltas.
E tudo pelo Ciúme. Embalde é que me esforço
Para contê-lo, assim, sufocada a Maldade
Que outra coisa não é que a sombra do Remorso
Na roupagem febril de um pouco de Saudade.”
LOUCO
“Quando outrora passava, era risonho e brando
No entretanto, em sua alma, intensa labareda
Como as aves trinando à sombra da alameda,
Ia aos poucos vertendo o veneno execrando.
Hoje mudo e esliado, a vida vai deixando
Porque a sorte infeliz horrores lhe segreda;
A chuva, o sol, o vento, açoitam-no na queda
Pelo rude caminho a delirar passando.
Assim como esse Louco, exânime de crenças,
Insolente na dor, e órfão de seus carinhos...
Eu vou por ti, Mulher, cumprindo estas sentenças,
Mas não chores se eu rir, meu fado não exasperes,
Memorial Poético Oscar de Paula Guimaraens Luiz Ismaelino Valente

Porque eu rezo em segredo uns crebos misereres VERDADES QUE EU

Como o Louco a britar as pedras dos caminhos.” SINTO

VOLÚPIA DA FORMA “CONFITEOR. Confes-

so-me a ti, meu soberano
“Quero-te assim linha de fumo, nua, instinto e meu incontido
em volatas, caprichosas, estertorando esforço! Creio-te, vonta-
em ânsias, em paixões, a Volúpia sonhando! de, como a dirigente
A evolar-se, a subir, como um enxame de abelhas predeterminada da vida:
ao sol, que do alto flutua és toda a integração
ricamente bordando a crista da montanha, moral ou todo o infortú-
e esses lagos azuis onde refletem os tons nio; és a fonte do bem e
das Almas puras e dos Seres bons. do mal; és a energia vita-
lizada que se transfunde
Quero-te no meu Verso: em mater ou algoz, pró-
Velho psicopata a cantar o delírio domo ou conquista, bên-
da sua Nevrose – luz, de sua Nevrose – círio, ção ou maldição de todo
iluminando esse olhar benfazejo e doente o meu ser; creio-te
da Mulher que eu prefiro e que me traz imenso suprema conjuração de
nos Espasmos da vida e nos Serões da morte! terminismos e finalidades inelidíveis que me vão arras-
Nessa rima pagã do meu alexandrino, tando mundo em fora, dando-me alento para supor-me
louco, devasso, livre, para viver ou vencer da agonia rumorosa em que
pelas alcovas lúbricas da Estrofe me debato.” (pág. 3)
insculpida e gravada em mármore divino. ....................

Nessa Mulher que eu fiz a molde de um poema
na Vida celebrado;
linhas serpiginando pelos flancos,
linhas curvas, sutis, emoldurando a forma
dos seios pulcros, latescentes, brancos...
A mais brilhante das Apoteoses
no teatro da Carne e da Volúpia,
e em cujo claro corpo eu deixo as Equimoses
do meu beijo de louco e torturado.
Ao som da orquestra, da música bizarra
do meu instinto tropical e moço
que esvoaça e se espalma,
pageando a pletórica fanfarra
de minha alma.
Tu – Forma rebelde e rústica,
de largueado triunfal de acústica
do sonho:
no Agnostério de uma vida, elevo-te,
pelo céu escampado em que me ascendo
mirra queimando pálido e tristonho,
e isto só porque me foges nas estâncias
da Vertigem, da Mágoa, das Distâncias!
Quero-te enfim sublimizada e forte,
nas Contorções tentálicas da vida –
nas Convulsões agônicas da Morte.“
“COGITO... E existo. E penso. E sofro. E prossigo de
casalejo em casalejo, de granja em granja, de casamata
em casamata, encontrando em cada tropeço um amigo
inconfundível, pois que, dele, e tão somente dele, rece-
bo a experiência e o aviso, a fé que alenta e a consciên-
cia que salva. O mundo é de maus: sejamos deles. Mas
não façamos coro. É preferível gozar o isolamento do
verme, do que sentir, triunfantemente, mas, a si mesmo
enganando, toda a grandeza em farrapos da vaidade
humana.” (pág. 4)
....................
“E uma única ventura conforta-me para viver: é sentir
bem junto à minha ingênita vaidade, a vertigem dessa
emoção que se consubstancializa em frêmito, em ânsia,
em desespero, em tormento, em bálsamo e castigo – a
mudez supre-essência de um corpo de mulher.” (pág.
5/6)
....................
“O homem só é feliz por seus destinos: porque a felici-
dade é a completa realização dos impulsos superiores
do instinto por este refreado, ampliado, transmutado
nos limites das suas aspirações, desejos ou antecipa-
ções. Para ser feliz, basta cada um realizar, isolado dos
seres e convencionalismos, a medida de sua concepção,
do seu alcance. Só isto é felicidade; só assim somos,
verdadeiramente, felizes.” (pág. 12)
....................

3
Memorial Poético Oscar de Paula Guimaraens
“No homem, só a sabedoria é uma verdade integral: a
virtude, a honestidade, o trabalho, a organização moral
finalmente, são corolários que dela dependem.” (pág.
16)
....................
“Não há sociedade organizada. Há sociedade conven-
cionada. Convenção não é organização: esta é a ordem
definitiva, natural, inata das coisas e seres; a convenção
é móvel, vertiginosa, artificial, transitória. E somente
para os animais inferiores, do infusório ao pitecantro-
pos, existe organização, modelada nos seus apetites, nas
suas preferências, no seu automatismo.” (pág. 17).
....................
“E a sociedade sou eu. Eu não a conheço nem a aceito. E
porque só procedo como penso, para não pensar
incompletamente, só obedeço ao que me praz, só sigo
aos meus instintos desdobrados nas minhas preferên-
cias e nos meus caprichos. Só assim compreendo a vida:
e como tal, aceito-a, dignifico-a.” (pág. 19).
....................
“A vida é uma síntese; a morte uma análise. Sendo o
éter a razão suprema formadora de todas as coisas, há
de nestas haver necessariamente um processo finalísti-
co. Mas, esta finalidade é realmente aparente: isto quer
dizer que a substância criadora perde a forma de reves-
timento que emprestava às coisas para tornar ao estado
essencial, genético, de origem. Assim, pois, sendo a
matéria uma função da substância e a energia uma fun-
ção da matéria, a vida é função dinâmica da natureza, e
que resulta da ação da energia sobre a matéria; a morte,
a dissolução desta função.” (pág. 19/20)
....................
“Da vida ressumbra como a maior consolação da pró-
pria vida – o belo; do belo – a arte; da arte – a música;
da música – a melopeia monótona, talvez, mas balsami-
zadora, farfalhante, do instinto. É o desejo, ardência,
volúpia, posse do mármore de Páros ou Pentélico que
se prefere, ou da cambraia alvíssima da sabedoria que
se desfruta. Só isto é sonhar, sentir, viver, vencer! Tudo
o mais, é insatisfação, mentira ou lama.” (pág. 23).
....................
“A arte vive dentro da natureza, tem-se dito e escrito
algures. Não aceito, no entretanto, essa afirmativa. A
arte não pode viver dentro da natureza porque a natu-
reza outra coisa não é senão a própria arte que se inter-
preta. Na sua amoralidade viverá em si mesma, no
silêncio de sua sombra, de onde o espraiamento das
perspectivas: o belo e o feio. E é atingindo estes dois
4
Luiz Ismaelino Valente
marcos, prefixando-os, definindo-os, que começa de ser
„a estesia do Universo‟, „a imortalidade individual da
Natureza‟.” (pág. 28).
....................
“Só a liberdade é a vida; só a consciência é a vida; só a
glória de vencer é a vida.” (pag. 37).
....................
“Um crepuscular, pôr-do-sol, ocaso – eis a alma integral
da saudade. E a saudade? É o reflexo de um sonho ou a
imagem de uma angústia que passa descorada, efême-
ra, raquítica, pela nossa retentiva mental, alucinando-a
sempre.” (pág. 50).
....................
“Nababo e gênio: que dolorosa antítese!!! Um é a glória
de um tesouro; o outro a pobreza de uma glória.” (pág.
60)
....................
“Toda dúvida é uma variante da convicção, da mesma
forma que o frio é uma modalidade do calor.” (pág. 79)
.....................
“Em toda espiritualidade existe um conceito vago do
fenômeno, da mesma sorte que, em toda fenomenologia
há um certo cunho de espiritualidade: e é justamente da
fusão destes dois elementos que surte a ânsia da pes-
quisa, da concretização, do experimentalismo, que por
si só, afinal, é a verdade que se procura.
A poesia não seria verdadeiramente arte se não englo-
basse em todo o seu estroma esses motivos, plasmando-
se, definindo-se na emoção – objeto, e na ideação – for-
ma. E só por isso que a arte do verso vive, perdura,
coexiste, coabita como um fundamento da vida; toda a
sua existência é a mesma existência do poeta no sofri-
mento que o desperta, ou no sonho que o envolve.
Já Novalis, afirmara: „é a poesia a realidade absoluta; e
quanto mais é poesia, mais será verdade‟.
Se há exclusivismo na sentença do mestre, e por isso
mesmo é pecaminosa na sua essência, há-a em todo
caso, uma verdade sincera, lídima, eficiente no seu con-
ceito geral.” (pág. 79/80).
....................
“O maior e mais belo espetáculo da vida, em todas as
grandezas, é a saúde integral do corpo e do espírito a
noivar em delíquios ou delírios com as manhãs limpís-
simas de sol e de aroma de quem recebe o primeiro
beijo e a saudação primeira.” (pág. 85).
.....................
Memorial Poético Oscar de Paula Guimaraens Luiz Ismaelino Valente

“Ó Deus! Dado que todas as angústias e martírios de
que são passíveis materialmente os homens, pudessem-
mo tornar um crente; dado que todas as amarguras e
infortúnios, quebrantamentos e mágoas, afinal, todas as
dificuldades extremas de vencer da vida fossem, no
mundo, as mais fortes e poderosas razões para uma
certeza fundamentalmente radicada de que existes, por
implorar-te, invocando-te; se finalmente, a consumpção
lenta, tarda e rumorosa de um organismo que se arrasta
em luta desigual contra os empeços e óbices de ordem
física e moral, conseguisse, mesmo pelos caminhos
abandonados, conduzir a criatura a um grau máximo
de idealismo, acreditando-te; nem mesmo assim eu, que
tanto tenho sofrido e muito mais tenho por sofrer ainda,
ao certo, nem mesmo assim, repito-o, vejo-te uma
necessidade e posso acreditar-te!
E sabes por quê? Porque um Deus que existisse, e
vivesse, e sentisse, e amasse, e mesmo sendo Deus
sofresse, absolutamente, nunca esse Deus consentiria
que fosse tão grande e fecunda, tão infinitamente imen-
surável – a tortura humana, no ideal, no sonho, na cren-
ça, na vida ingloriosa!” (pág. 89).
..................
“Vai, viandante. E não te percas na estrada, que o
caminho é agro e tortuoso. Vai, abnóxio, caminheiro
fabro, argonauta da fé em busca do teu delírio. Mas,
não volvas o olhar sonambulizado para o longe que
percorreste, já. Corres perigo. Ouve a voz lendária. Se
queres chegar avança e avança sempre; pisa, cutila,
acotovela, despedaça, esmaga, tritura, queima, incinera:
é a vida; é o sonho; é o amor; é a luta; é a conquista; é a
glória; é a redenção. Não olhes para traz, caminhante!
Olha para dentro de ti mesmo, e escuta a polifonia
sempre sábia e conselheira dos teus instintos: só isto é
redenção e bálsamo e castigo.” (pág. 91).
“E um homem tem alma? Que é a alma? Será a corpori-
zação de uma essência, ou será a fluidificação de uma
pedra?” (pág. 113)
..................
“O amor não só conjura delírios da natureza, como já
se o escreveu, mas também como fonte inspiradora de
todos os atos e paixões humanas, evita e corrige, de
certo modo, alucinações e desfalecimentos no burburi-
nho da luta. O amor, é o único freio moderador das
impulsões do instinto, sendo, ao mesmo tempo, como é,
bálsamo e castigo, culpa e redenção, tormento e felici-
dade! Eu repito sempre com Octave Mirbeau: „posso
sacrificar tudo no mundo, exceto o amor‟. Somente aos
teus pés ajoelho, bonzo ou demônio!” (pág. 147).
....................
“A vida é isto mesmo, sabe-o toda gente; mas, nem
todos têm a coragem e a dignidade bastante para dizê-
lo ou afirmá-lo: um julgamento a mais, uma imprecação
a menos, importam bem pouco ou nada no acervo da
minha intimidade, ou melhor, da minha razão, que é o
meu único julgador, a minha única sociedade, e a
minha vida única. ITA EST.” (pág. 178).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

AZEVEDO, J. Eustáquio de. Literatura Paraense, 2ª edição aumentada. Belém: Oficinas Gráficas do Instituto Lauro
Sodré, 1943.

__________. Antologia Amazônica, 3ª edição. Belém: Conselho Estadual de Cultural, 1970.

ROCQUE, Carlos. Enciclopédia da Amazônia. Belém: Editora AMEL, 1967.