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Doutoranda em História, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora do
Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH/UFSC).Agência financiadora:Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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ANOTAÇÃO PESSOAL. S/d Belo Horizonte [de] GRECO, Helena, Belo Horizonte, 1 f. Disponível no
Instituto Helena Greco.
musical e o domínio de outras línguas como o francês, inglês e o italiano, línguas que
falaria fluentemente. Durante o internato no colégio Santa Maria, segundo relata em
entrevistas, sua leitura era feita a luz de lanterna às escondidas no dormitório,
incentivadas por seu professor Veloso. Tais obras a afastaram do padrão tradicional de
leituras e comportamentos das “moças de família”. Uma vez que, ainda estava em vigor
o Index Librorum Prohibitorum, ou seja, a lista de livros proibidos, que viria a ser
abolida pela Igreja Católica apenas em 1966. Segundo Helena em sua entrevista
concedida á Neves e Lanna:
De acordo, com Helena este foi o seu primeiro canal de participação política. E
tudo começou de acordo com Helena com sua preocupação com o bem estar da filha
Heloisa Greco. Em suas entrevistas pontua que sua casa sempre estava cheia de jovens
que se reuniam e ela sempre escutava os debates e opiniões sobre a situação do Brasil
naquele período. Existiam também as macarronadas de sexta-feira, e em um destes
encontros no início em junho de 1977, ela escutou sobre a manifestação no Campus da
UFMG na Faculdade de Medicina e decidiu ver com os próprios olhos o que estava
acontecendo. Segundo relata, foi este o primeiro e decisivo passo para adentrar a vida
política e a implantação definitiva do Movimento Feminino pela Anistia em Minas
Gerais (MFPA):
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Karl Mannheim nos leva a refletir sobre o conceito de geração. A partir das ideias de Pinder que dizem
respeito ao problema da “enteléquia de uma mesma geração”. Ou seja, de seus objetivos internos ou suas
metas íntimas que estão relacionadas ao “espírito do tempo” de uma determinada época ou ainda a
desconstrução, uma vez que várias gerações estão trabalhando simultaneamente na formação do “espírito
do tempo” (YNCERA,1993, p. 245-253). Portanto, é preciso levar em conta que o ritmo biológico reage
no elemento do acontecer social. Helena se reconhece no que Mannheim denomina “conexão geracional”
generatioszusammenhang em uma alusão a Heidegger. Ao instrumentalizarmos o conceito de conexão
geracional compreendemos que é preciso estabelecer um vínculo de participação em uma prática coletiva
com a partilha de experiências comuns.
(...) promover a elevação social, cultural e cívica da mulher através
de cursos, palestras e atuação no desenvolvimento de sua consciência
social e cívica e orientando-a para a sua compreensão de suas
responsabilidades perante a sociedade e a integração da família na
comunhão social sempre dentro dos ideais democráticos. (ARQUIVO
PARTICULAR- INSTITUTO HELENA GRECO)
Este viés pacificador não fazia parte dos planos de Helena, que desejava que a mulher
repensasse seu papel, colocando-se como mulher trabalhadora e arrimo de família em
muitos casos. Porém, dentro do MFPA havia distintas correntes de pensamento e
Terezinha Zerbini e Helena possuíam uma relação conflituosa. Em meados de 1994 em
entrevista a Revista Teoria & Debate ao ser indagada sobre como era sua relação com a
Terezinha Zerbini, respondeu: “É até difícil falar. Quando me perguntavam se eu
conseguia trabalhar com a Terezinha, eu respondia: "Não, não consigo". Tínhamos
modus operandis completamente diferentes”.4
Sobre a questão de gênero ambas, mais uma vez possuíam posturas divergentes.
Segundo Helena Greco a posição de Zerbine era burguesa visando somente na questão
da Anistia, principalmente, por ter seu marido perseguido, e na integração da mulher na
sociedade a partir de uma ideia de papel pacificador, que as mulheres deveriam
desempenhar. E conforme mencionamos Greco revela em entrevistas que almejava
extinguir este papel pacificador, convocando mulheres para a luta não só pela Anistia,
mas de resistência à Ditadura. Em recente publicação de Amelinha Teles um
depoimento de Zerbine confirma que esta não se considerava e não queria ser uma
feminista (TELLES, 2013). Neste sentido Helena parece estar voltada para questões
mais amplas como: os direitos humanos, as relações de gênero, questionando o que era
ser feminista, o feminino e o objetivo pelo qual estavam lutando dentro do MFPA.
Segundo Helena:
No começo eu queria fazer do Movimento Feminino pela Anistia um
meio de combater a ditadura. Que era isto... Quer dizer, a gente estava
defendendo os presos e os exilados dentro de uma luta sem trégua
pelos direitos humanos. E também pelos direitos da mulher (...) é
muito difícil uma pessoa pertencer ao feminismo que não seja
feminista também. Mas como eu falei com você, havia uma certa
pecha na palavra feminista.
Eu achava errado, inclusive, a gente devia empregar isto o menor
número de vezes possível. Porque nós temos que nos afirmar como
feministas mesmo. Afirmando que as mulheres tinham uma
problemática específica e porque além de todo o horror social que o
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GRECO, Helena. Entrevista. História & Debate. 1994. Disponível em:
http://www.teoriaedebate.org.br/materias/nacional/helena-greco?page=full. Acesso em 10 de maio de
2015.
brasileiro sentia, ainda tinha a parte específica da mulher, que para
muitos era considerada uma coisa que nem existe, que é cidadania de
segunda categoria. Não existe. Ou você é cidadã ou não é. Ou você
está grávida ou não está. Então nós lutamos muito por isto aí e o grupo
nosso ficou muito bom mesmo. (DELGADO, Lucília de Almeida
Neves; LANNA, Anna Flávia Arruda Lanna, 1995, p. 131)
É preciso notar que muitas reivindicações feministas não tinham muito espaço
dentro das discussões e mobilizações dos grupos contrários a Ditadura, uma vez que
muitas pessoas dentro desses grupos entendiam que tais questões prejudicariam a luta
maior, contra a própria Ditadura, colocando as reivindicações em segundo plano.
Apesar do MFPA ter sido o primeiro canal de participação política de Helena
concluímos que havia uma certa frustração em relação ao mesmo, por não ter
conseguido colocar todos os seus ideais na ordem do dia para o movimento. Tal fato
desencadeou em sua decisão de assumir a vice-presidência do Comitê Brasileiro pela
Anistia (CBA) em 1978, sendo eleita presidente em 1980. O CBA possuía uma
plataforma de ação mais ampla o que dava margem para Helena efetivar seus planos
feministas.
Observamos que resistir a Ditadura, resistir ao papel destinado as mulheres, manter-se
em pleno exercício de perplexidade, foram cruciais na trajetória política de Helena
Greco. Se a nossa cidadania depende diretamente da nossa capacidade de indignação,
Helena demonstrou sua cidadania em diversos momentos ao longo de sua biografia,
entretanto, foi reconhecida por esta capacidade aos 61 anos quando deixou o lar e foi
para as ruas, prisões, delegacias, cultos e congressos. Sua frase se coloca atual quando
analisamos o momento no qual o país atravessa e quiçá desperte no leitor esta
capacidade de indignar-se e de exercer plenamente sua cidadania nestes tempos de
debates e divergências.
ENTREVISTAS
ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. São Paulo, Companhia das Letras.
1987.
LANNA, Ana Flávia Arruda, O Movimento Feminino pela Anistia: a esperança pelo
retorno à Democracia. Editora CRV, Curitiba, 2011.
LEITE, Rosalina de Santa Cruz. Elas se revelam na cena pública e privada: as mulheres
na luta pela anistia. In: SILVA, Haike R. Kleber da. (Org.) A luta pela anistia. São
Paulo: Editora Unesp: Arquivo Público do Estado de São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2009.p.111-123.