You are on page 1of 53

A Igreja de Deus:

Origem, Característica e Missão

INTRODUÇÃO:

“Não existe uma Eclesiologia desligada


da Cristologia, no sentido de uma mística
de Cristo ou da Igreja, pois em Cristo o
Deus da Antiga Aliança, o qual fundou a
Nova Aliança, fala, e a assembléia
neotestamentária de Deus em Cristo
nada mais é do que o cumprimento
perfeito da assembléia vétero-
testamentária de Deus. O mesmo Deus
falou e fala a Israel com a palavra da
promessa e aos cristãos com a palavra do
cumprimento desta promessa.” – Karl L.
Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja
no Novo Testamento, São Paulo, ASTE, 1965,
p. 30.

1) Cristologia & Eclesiologia:

A Cristologia consiste na compreensão da Igreja a respeito da Pessoa e Obra de


Cristo. Na Eclesiologia, deparamo-nos com o estudo concernente ao Corpo de Cristo,
do qual somos parte integrante. Na Teologia Reformada, esta compreensão –
Cristológica e Eclesiológica – é buscada na Palavra de Deus, em submissão ao
Espírito, considerando também, as contribuições formuladas pela igreja através da
história. Nesta consideração histórica, devemos ter em mente que: a) somente as
Escrituras são infalíveis, não as interpretações das Escrituras, quer pretéritas, quer
presentes;1 b) o Espírito age na igreja e através dela, na interpretação da Verdade
revelada, conduzindo-a à verdade (Jo 14.26; 16.13-15/2Pe 1.3-15). Por isso, de

1
O que Tillich (1886-1965) diz a respeito da “Teologia” também se aplica à Cristologia e à Eclesiologia:
"A tarefa da teologia é mediação, mediação entre o critério eterno da verdade manifesto na
figura de Jesus, o Cristo, e as experiências mutáveis dos indivíduos e dos grupos, suas
variadas questões e suas categorias de percepção da realidade. Quando se rejeita a tarefa
mediadora da teologia, rejeita-se a própria teologia; pois o termo 'teo-logia' pressupõe, em
si, uma mediação, a saber, entre o mistério, que é theos, e a compreensão, que é logos."
(Paul Tillich, A Era Protestante, São Paulo, Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da
Religião, 1992, p. 15). (Vd. Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma
Perspectiva Reformada, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1998).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 2

nenhum modo podemos desconsiderar gratuitamente as contribuições históricas, sem


corrermos o risco de anular o que o Espírito tem feito através dos Seus servos. 2
Portanto, c) A fé nunca pode estar dissociada desta pesquisa.3

Em outro lugar4 tratamos da questão da evangelização, abordando uma definição


comumente usada, que consiste em dizer que “Evangelizar é pregar a Cristo”.
Dissemos então, que acreditamos que nenhum evangélico discordaria desta
proposição. A questão, que ainda nos parece fundamental, é saber, de que Cristo
estamos falando: do Cristo revelado nas Escrituras, Divino, Eterno, Senhor, Soberano,
igual em poder, honra e glória, ao Pai e ao Espírito Santo?, ou um Cristo, criado pela
“fantasia” dos cristãos primitivos, destituído de Sua Glória, sendo o “produto da fé” dos
discípulos? Se queremos pregar a Cristo, devemos “definir” quem é o Cristo que
anunciamos ou, em nossa perspectiva, aceitar a definição bíblica de Cristo. A questão
de quem é o Cristo que cremos e pregamos permanece; esta tem sido ao longo da
História uma das indagações mais relevantes para a nossa fé.

A concepção Reformada não consiste num esforço para atribuir a Cristo valores que
julgamos serem próprios Dele; antes ela se ampara no reconhecimento e na aceitação
incondicional de Suas reivindicações. Assim, aquilo que dizemos de Cristo,
permanecerá ou não, conforme seja fiel à proclamação do Verbo de Deus. Por isso, a
vivacidade da Cristologia Reformada e, por que não, da sua proclamação, estará
sempre em sua fidelidade à Cristologia do Cristo.

Cristo por Ele mesmo; este é o anelo de toda Cristologia Reformada, e portanto, o
fundamento de toda a nossa proclamação. Deste modo, devemos indagar sempre a
respeito de nossas convicções e testemunho, avaliando-os através dAquele que
verdadeira e compreensivelmente diz Quem é.

Neste afã, devemos estar atentos ao fato de que Cristo por Ele mesmo, envolve o
limite do que foi revelado e o desafio do que nos foi concedido. Não podemos
ultrapassar o revelado, contudo, não podemos nos contentar com menos do que nos
foi dado.5 Procurar a Cristologia do Cristo eqüivale a buscar compreender em
submissão ao Espírito tudo o que foi revelado para nós (Dt 29.29b/Rm 15.4). Por certo,
este conhecimento não estará restrito ao Cristo Salvador, mas além disto nos fala do
Cristo Deus-Homem; do Cristo Eterno e Glorioso. Aliás só podemos falar do Cristo
Salvador, se Ele de fato for – como é –, o Deus encarnado, visto que a nossa redenção
não foi levada a efeito pelo Logos divino, nem pelo “Jesus humano”, mas por Jesus
Cristo: Deus-Homem.6

2
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Igreja Presbiteriana e os Símbolos de Fé, São Paulo, 2000.
3
Como bem observou Carl E. Braaten, “A Cristologia não é uma disciplina científica que possa
ser perseguida apropriadamente à parte do discipulado da fé. (...) Ninguém pode chamar
Jesus de o Cristo puramente como resultado de pesquisa científica histórica.” (C.E. Braaten, A
Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten & Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã, São Leopoldo,
RS. Sinodal, 1990, Vol. I, p. 462).
4
Hermisten M.P. Costa, Teologia da Evangelização, São Paulo, PES., 1996.
5
Calvino colocou esta questão nestes termos: "As cousas que o Senhor deixou recônditas em
secreto não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não
sejamos condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de
outra". (As Institutas, III.21.4). Em outro lugar: “Tudo o mais que pesa sobre nós e que devemos
buscar é nada sabermos senão o que o Senhor quis revelar à Sua igreja. Eis o limite de
nosso conhecimento.” [João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo, Edições Paracletos,
1995, (2Co 12.4), p. 242.243].
6
Vd. J. Calvino, As Institutas, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1985, II.14.3.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 3

A Cristologia se constitui no cerne de toda Teologia Cristã.7 Ela é o eixo da Teologia


Bíblica: uma visão defeituosa da Pessoa e Obra de Cristo, determina a existência de
uma "teologia" divorciada da plenitude da Revelação bíblica. A consciência deste fato
deve nortear o nosso labor Cristológico e também servir como referência e ponto de
partida teológico... Não podemos falar do corpo em detrimento ou à revelia de Sua
cabeça.8 Fazer esta separação significa dilacerar o Corpo de Cristo e,
consequentemente a Cabeça. A visão correta a respeito da Igreja passa,
necessariamente, pela correta compreensão de Quem é o Cristo, o Filho de Deus.

2) Qual Igreja?:

Quando tratamos da Igreja, é natural que alguém pergunte: de qual Igreja


estamos falando? De fato, com a variedade de denominações e seitas supostamente
cristãs, que amiúde se dizem detentoras da verdade, torna-se difícil identificar a
“verdadeira Igreja de Deus”, distinguir o joio do trigo. Quando isto acontece, há a
tendência de se generalizar, repudiando-se todas as igrejas ou, passar a olhá-las com
ceticismo e ironia.

Nessas breves anotações, pretendemos apresentar algumas evidências bíblicas,


teológicas e históricas que revelam a identidade da Igreja Cristã.

1. A IGREJA DE DEUS:

1.1. Considerações Gramaticais:

A nossa palavra "Igreja", é uma tradução do grego e)kklhsi/a, que no grego


antigo, significava uma assembléia de cidadãos convocados pelo pregoeiro; a
assembléia legislativa. (At 19.32,39,40). A palavra e)kklhsi/a, é formada por duas
outras: e)k ("fora de") & kale/w ("chamar", "convocar"), significando: "Chamar para
fora". e)kklhsi/a ocorre cerca de 114 vezes no Novo Testamento.

Tomando o sentido etimológico de e)kklhsi/a, podemos dizer que "Deus em Cristo


chama os homens 'para fora' do mundo".9 A Igreja é constituída por aqueles que

7
Vd. Wolfhart Pannenberg, Fundamentos de Cristologia, Barcelona, Ediciones Sígueme, 1973, p. 27-
28; Donald M. Baillie, Deus Estava em Cristo, São Paulo, ASTE., 1964, p. 51. Após redigir estas linhas,
li o conhecido teólogo luterano Braaten, que diz: “Cristologia é a doutrina da Igreja acerca da
pessoa de Jesus como o Cristo. Ela sempre ocupa lugar central num sistema dogmático que
reivindica ser cristão. Toda tentativa de remover a cristologia de seu lugar central ameaça o
cerne da fé cristã. O princípio cristocêntrico da teologia não rivaliza com um ponto de vista
teocêntrico. Quem quer que olhe para Jesus, o Cristo, a partir da perspectiva do Novo
Testamento, estará inevitavelmente situado dentro de um quadro de referência teocêntrico.
Quanto mais profundamente a teologia sonda o significado de Jesus como o Cristo de Deus,
tanto mais diretamente é levada ao próprio Deus de Cristo....
“A dogmática cristã é cristocêntrica na medida em que nenhuma doutrina pode ser
chamada de cristã se não contém uma conexão significativa com a revelação definitiva de
Deus na pessoa de Jesus, o Cristo.” (Carl E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten
& Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã, São Leopoldo, RS. Sinodal, 1990, Vol. I, p. 459). Do
mesmo modo, Erickson: “Quando passamos a estudar a pessoa e a obra de Cristo, estamos
bem no centro da teologia cristã.” (Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática, São
Paulo, Vida Nova, 1997, p. 275).
8
Vd. as pertinentes observações de Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, São Paulo, ASTE.
1970, p. 330-331.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 4

estavam mortos, mas que receberam vida – regeneração –, pelo Espírito. 10 Portanto, o
ponto em comum entre todos os cristãos, é o fato de termos sido chamados por Deus:
a Igreja se reúne porque Deus a convocou; e ela também o faz, para ouvir a voz do
Seu Senhor.11(Vd. At 10.33).

De modo geral, e)kklhsi/a apresenta diversas significações subordinadas no Novo


Testamento:

1) O círculo dos crentes reunidos num lugar específico para cultuar a Deus:
uma comunidade local: (At 5.11; 8.1; 11.22,26;12.1,5; 1Co 11.18; 14.19.28,35;
Rm 16.4; Gl 1.2; Cl 4.16 1Ts 2.14). Denotando em alguns casos uma “Igreja
doméstica”, que se reunia na casa de algum irmão (Rm 16.5, 23; 1Co 16.19; Cl
4.15; Fm 2).

2) Um conjunto de Igrejas locais: (At 9.31/At 14.23; 15.41; 16.4-5; 1Co 16.1/Gl
1.2; Ap 1.4,11). Algumas vezes mesmo a palavra Igreja não sendo empregada no
plural, subentende-se que faz alusão a diversas pequenas comunidades, já que
havia centenas ou mesmo milhares de membros, como o caso da Igreja de
Jerusalém (At 8.1; 11.22).

3) O corpo daqueles que através do mundo professam sua fé em Cristo e que


constituem a Sua Igreja: 1Co 10.32; 11.22; 12.28; Ef 1.22; 3.10,21; 5.23-25,27,
32; Cl 1.18,24; Hb 12.23).

1.2. Definição de Igreja:

Podemos definir a Igreja como sendo a comunidade de pecadores


regenerados, que pelo dom da fé, concedido pelo Espírito Santo, foram justificados,
respondendo positivamente ao chamado divino, o qual fora decretado na eternidade e
efetuado no tempo, e agora vivem em santificação, proclamando, quer com sua vida,
quer com suas palavras, o Evangelho da Graça de Deus, até que Cristo venha.

2. O ESPÍRITO E A IGREJA:
“A comunidade de Jesus vive sob a
inspiração do Espírito Santo; este é o
segredo de sua vida, de sua comunhão e
12
de seu poder” – Emil Brunner.

O Espírito está tão essencialmente ligado à igreja que, na linguagem de Pedro,


mentir à igreja é o mesmo que mentir ao Espírito (At 5.3,9). Dentro de outra
perspectiva, declara Bavinck (1854-1921): “Assim como Cristo em Sua concepção
assumiu a natureza humana e nunca colocou-a de lado, assim também o
Espírito Santo no dia de Pentecostes passou a usar a Igreja como Sua

9
Karl L. Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, São Paulo, ASTE, 1965,
p. 31.
10
Vd. Archibald. A. Hodge, Comentario de la Confesion de Fé de Westminster, Terrassa, Barcelona,
CLIE., [1987], p. 288.
11
Vd. William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1988
(reimpressão), p. 46.
12
H. Emil Brunner, O Equívoco da Igreja, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 53.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 5

morada e como Seu santuário e nunca se separará dela.” 13 Vejamos como o


Espírito age na igreja.

2.1. Estabelece a Igreja:

Sem o Espírito não haveria Igreja; isto, porque não haveria crente em Cristo. A
Igreja é composta por pessoas que confessam o Senhorio de Cristo e, isto só é
possível pela ação poderosa do Espírito (Cf. 1Co 12.3/Rm 10.9-10).

A Igreja é uma comunidade de pecadores regenerados. A regeneração é efetuada


pelo Espírito (Cf. Jo 3.3,5; Tt 3.5). Logo, sem a ação regeneradora do Espírito, não
existiria cristãos nem Igreja.

O Espírito é a alma da Igreja, Quem lhe dá ânimo e vitalidade. É o Espírito Quem


dirige os homens à porta de salvação que é Cristo (Jo 10.9). Através da História o
Espírito tem estabelecido a Igreja, chamando através da Palavra os homens para
constituírem a Igreja de Deus. “Do mesmo modo que o Espírito Santo formou o
corpo físico de Jesus Cristo na encarnação, assim também forma o corpo
místico de Jesus Cristo, ou seja, a igreja.”14

A Igreja é a comunidade daqueles que foram chamados do mundo para Deus pela
operação do Espírito, daqueles “que tem a mesma fonte genética, o sangue de
Cristo, o novo nascimento.”15

2.2. Unifica a Igreja:

Todos os crentes estão unidos pela fé comum em Jesus Cristo, tendo sido
selados pelo mesmo Espírito que atua em nós, tornando-nos em Seu Templo (1Co
3.16; 6.19; Ef 1.13). Participar da Igreja é participar da unidade e da comunhão do
Espírito (2Co 13.13; Fp 2.1), no qual todos nós temos acesso ao Pai (Ef 2.18). Esta
comunidade tem como lema de vida o amor, que caracteriza a Igreja de Cristo. 16
A harmonia multifacetada da Igreja está no fato de que toda a diversidade cumpre o
seu papel específico dentro do Corpo vivo de Cristo. Esta é uma das facetas da Obra
do Espírito na Igreja (1Co 12.4,12,13,14,25/Ef 4.3). Na Igreja há a igualdade e a
diferença convivendo conjuntamente. Todos estamos unidos pela fé comum e
obediência ao cabeça, que é Cristo Jesus.

No capítulo 17 do Evangelho de João, versos 20-23, encontramos Jesus orando


para que o Seu povo permanecesse unido. F.F. Bruce (1910-1990) comenta que, “a
unidade pela qual Ele ora é uma unidade de amor, na verdade trata-se da
participação deles na unidade de amor que existe eternamente entre o Pai e
o Filho.”17

13
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, 4ª ed. Grand Rapids, Michigan, Baker Book House, 1984, p.
386.
14
Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Edinburgh, El Estandarte de la Verdade, (s.d.), Edição Revista,
p. 198.
15
Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, São Paulo, O Semeador, 1989, p. 46.
16
Vd. H. Emil Brunner, O Equívoco da Igreja, p. 59.
17
F.F. Bruce, João: Introdução e Comentário, São Paulo, Vida Nova/Mundo Cristão, 1987, p. 285.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 6

Analisemos agora, alguns aspectos desta unidade:

2.2.1. A NATUREZA DA UNIDADE:

1) O Que a Unidade não é:

a) Unidade não é Simplesmente Companheirismo Social:

A Igreja não é um grupo social que se reúne para lazer, diversão


ou preservação da vida.18 Na realidade, na relação cristã há um elemento vital que
transcende a todas as outras relações humanas comuns. (1Co 1.9).

b) Unidade não é Uniformidade de Organização:

A Igreja não precisa necessariamente manter em todos os tempos


e lugares a mesma forma de organização. Sem dúvida a organização é muito
importante, todavia, ela deve estar a serviço do Evangelho com vistas ao
estabelecimento da comunhão cristã (Vd. At 6.1-7).

c) Unidade não é Uniformidade de Vida:

A experiência comum dos crentes, é a transformação de sua vida


pelo Espírito; contudo, isto não implica que tenhamos uma vida “uniformizada”; Deus
transforma a nossa personalidade,19 todavia não nos coloca dentro de uma forma.
Deus transformou Jacó em Israel, Simão em Pedro, Saulo em Paulo, mas não
converteu Pedro em Paulo, nem Jacó em Pedro. Nós somos livres em Cristo para fazer
a Sua vontade, dentro das características próprias que Ele mesmo nos concedeu.

d) Unidade não existe em detrimento da Verdade:

Podemos estar tão desejosos de que haja unidade – o que sem


dúvida é um nobre desejo –, que nos esquecemos da verdade. Na realidade não
podemos fazer concessões com aquilo que não nos pertence. Muitas vezes fechamos
os nossos olhos à verdade a fim de criar uma unidade artificial, erguida sobre o frágil
fundamento da mentira e do engano. A “unidade” que se “consegue” em detrimento da
verdade não é produzida pelo Espírito, portanto, não é unidade – pelo menos não a do
Espírito –, é apenas um ajuntamento circunstancial, formado de partes desconexas
sem um elemento central que os preserve ali.20

Calvino (1509-1564) entende que a divergência em questões secundárias não deve


servir de pretexto para a divisão da Igreja; afinal, todos, sem exceção, estão envoltos
18
Quanto ao conceito de que a organização social visa preservar o indivíduo dele mesmo, Vejam-se: T.
Hobbes, Leviatã, São Paulo, Abril Cultural (Os Pensadores, XIV), 1974, I.13; p. 79; J. Locke, Segundo
Tratado Sobre o Governo, São Paulo, Abril Cultural, (Os Pensadores, XVIII), 1973, III.16ss. p. 46ss; IX.
124ss., p. 88ss. e J.J. Rousseau, O Contrato Social, 3ª ed. São Paulo, Cultrix, 1975, III.9. p. 88.
Quanto a um sumário comparativo entre estes três autores, Vd. Hermisten M.P. Costa, Liberdade e
Poder – Nas Idéias Filosóficas de Hobbes, Locke e Rousseau –, São Paulo, 1992, 16 p.
19
Vd. Jay A. Adams, Conselheiro Capaz, São Paulo, Fiel, 1977, p. 37ss; 84ss. C.S. Lewis, observou
que: "Só ganharemos a nossa verdadeira personalidade quando consentirmos em que Deus
nos coloque no lugar que nos compete. Somos mármore esperando ser esculpido, metal
esperando ser vertido no molde." (C.S. Lewis, Peso de Glória, 2ª ed. São Paulo, Vida Nova, 1993,
p. 46).
20
Vd. D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo, PES., 1994, p. 209-220.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 7

de “alguma nuvenzinha de ignorância”...

“.... São palavras do Apóstolo: ‘Todos quantos somos perfeitos sintamos


o mesmo; se algo entendeis de maneira diferente, também isto vos
haverá de revelar o Senhor’ [Fp 3.15]. Não está ele, porventura, a
suficientemente indicar que o dissentimento acerca destas cousas não
assim necessárias não deve ser matéria de separação entre cristãos? Por
certo que estará em primeira plana que em todas as cousas estejamos em
acordo; mas, uma vez que ninguém há que não esteja envolto de alguma
nuvenzinha de ignorância, impõe-se que ou nenhuma igreja deixemos, ou
perdoemos o engano nessas cousas que possam ser ignoradas não
somente inviolada a suma da religião, mas também aquém da perda da
salvação.
“Mas, aqui, não quereria eu patrocinar a erros, sequer os mais
diminutos, de sorte que julgue devam ser fomentados, com agir com
complacência e ser-lhes conivente. Digo, porém, que não devemos por
causa de quaisquer dissentimentozinhos abandonar irrefletidamente a
Igreja, em que somente se retenha salva e ilibada essa doutrina, mercê da
qual se mantém firme a incolumidade da piedade e conservado é o uso
dos sacramentos instituído pelo Senhor.”21
“Não vejo, porém, nenhuma razão por que uma igreja, por mais
universalmente corrompida, desde que contenha uns poucos membros
santos, não deva ser denominada, em honra desse remanescente, de
santo povo de Deus.”22
“Todavia, ainda quando a Igreja seja remissa em seu dever, não por isso
será direito de cada um em particular a si pessoalmente assumir a decisão
de separar-se.”23

Calvino entende que Satanás muitas vezes se vale de nossos bons sentimentos
para fazer com que quebremos a unidade da Igreja, supostamente, em busca de uma
Igreja ideal. Para este mister, somos capazes até de reunir textos que falam da
santidade da Igreja como pretexto para a nossa atitude. 24

Após argumentar contra aqueles que chamavam os reformados de hereges, ressalta


que a unidade cristã deve ser na Palavra:

“Com efeito, também isto é de notar-se: que esta conjunção de amor


assim depende da unidade de fé que lhe deva ser esta o início, o fim, a
regra única, afinal. Lembremo-nos, portanto, quantas vezes se nos
recomenda a unidade eclesiástica, isto ser requerido: que, enquanto
nossas mentes têm o mesmo sentir em Cristo, também entre si
conjungidas nos hajam sido as vontades em mútua benevolência em
Cristo. E, assim, Paulo, quando para com ela nos exorta, por fundamento
assume haver um só Deus, uma só fé e um só batismo [Ef 4.5]. De fato,
21
J. Calvino, As Institutas, IV.1.12.
22
João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo, Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 50.4), p. 401.
23
J. Calvino, As Institutas, IV.1.15. Em outro lugar Calvino diz: “Deus só é corretamente servido
quando sua lei for obedecida. Não se deixa a cada um a liberdade de codificar um sistema
de religião ao sabor de sua própria inclinação, senão que o padrão de piedade deve ser
tomado da Palavra de Deus.” [João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo, Paracletos, 1999, Vol.
1, (Sl 1.1), p. 53].
24
Cf. John Calvin, Calvin's Commentaries, Grand Rapids, Michigan, Baker Book House Company,
1996, (Reprinted), Vol. XV, (Ag 2.1-5), p. 351.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 8

onde quer que nos ensina o Apóstolo a sentir o mesmo e a querer o


mesmo, acrescenta imediatamente: em Cristo [Fp 2.1,5] ou: segundo
Cristo [Rm 15.5], significando ser conluio de ímpios, não acordo de fiéis a
unidade que se processa à parte da Palavra do Senhor.”25

Em outro lugar, instrui: “A melhor forma de promover a unidade é congregar


[o povo] para o ensino comunitário....”.26

Para os irmãos refugiados em Wezel (Alemanha), que sofriam diversas pressões de


luteranos e sobreviviam numa pequena Igreja Reformada, Calvino, em 1554, os
consola mostrando que apesar dos grandes problemas pelos quais passava o mundo,
Deus lhes havia concedido um lugar onde poderiam adorar a Deus em liberdade.
Também os desafia a não abandonarem a Igreja por pequenas divergências nas
práticas cerimoniais, sendo tolerantes a fim de preservar a unidade. Contudo, os exorta
a jamais fazerem acordos em pontos doutrinários. 27

Portanto, mesmo desejando a paz e a concórdia, Calvino entendia que essa paz
nunca poderia ser em detrimento da verdade pois, se assim fosse, essa dita paz seria
maldita:

“Naturalmente, há uma condição para entendermos a natureza desta


paz, ou seja, a paz da qual a verdade de Deus é o vínculo. Pois se temos
de lutar contra os ensinamentos da impiedade, mesmo se for necessário
mover céu e terra, devemos, não obstante, perseverar na luta. Devemos,
certamente, fazer que a nossa preocupação primária cuide para que a
verdade de Deus seja mantida em qualquer controvérsia; porém, se os
incrédulos resistirem, devemos terçar armas contra eles, e não devemos
temer sermos responsabilizados pelos distúrbios. Pois a paz, da qual a
rebelião contra Deus é o emblema, é algo maldito; enquanto que as lutas,
indispensáveis à defesa do reino de Cristo, são benditas.”28

Em 20 de março de 1552, Thomas Cranmer (1489-1556) 29 escreveu a Calvino –


bem como a Melanchthon (1479-1560) 30 e a Bullinger (1504-1575)31 –, convidando-o
para uma reunião no Palácio de Lambeth com o objetivo de preparar um credo que
25
J. Calvino, As Institutas, IV.2.5. Calvino entendia que “onde os homens amam a disputa,
estejamos plenamente certos de que Deus não está reinando ali.” [J. Calvino, Exposição de 1
Coríntios, São Paulo, Edições Paracletos, 1996, (1Co 14.33), p. 436]. T. George comenta com acerto,
que “Calvino não estava disposto a comprometer pontos essenciais em favor de uma paz
falsa, mas ele tentou chamar a igreja de volta à verdadeira base de sua unidade em Jesus
Cristo.” (T. George, Teologia dos Reformadores, p. 182-183).
26
João Calvino, Efésios, São Paulo, Paracletos, 1998, (Ef 4.12), p. 125.
27
John Calvin, To the Brethren of Wezel, “Letter,” John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR:
Ages Software, 1998), nº 346, p. 32-34.
28
J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.33), p. 437.
29
Arcebispo de Canterbury, que em 1549 havia elaborado o Livro de Oração Comum, no qual dava
ênfase ao culto em inglês, à leitura da Palavra de Deus e, ao aspecto congregacional da adoração cristã.
30
Melanchton mesmo sendo luterano, e amigo pessoal de Lutero, desfrutou também de boa amizade
com Calvino, mantendo com este ampla correspondência. Nos dizeres de Schaff, Melanchton
“permaneceu como um homem de paz entre dois homens de guerra.” (Philip Schaff, History of
the Christian Church, Peabody, Massachusetts, Hendrickson Publishers, 1996, Vol.. VIII, p. 260). O seu
principal trabalho teológico foi Loci Communes (abril de 1521). Este tratado foi a primeira obra de
teologia sistemática protestante do período da Reforma, marcando época portanto, na história da
teologia. Nele Melanchton segue a ordem da Epístola aos Romanos. (Ver: Philip Schaff, History of the
Christian Church, Vol. VII, 368-370).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 9

fosse consensual para as Igrejas Reformadas. 32 Cranmer tinha em vista também, a


realização do Concílio de Trento 33 que estava em andamento, estando preocupado de
modo especial com a questão da Ceia do Senhor.

Calvino então responde (abril de 1552), encorajando a Cranmer no seu objetivo. A


certa altura diz:

“...Estando os membros da Igreja divididos, o corpo sangra. Isso me


preocupa tanto que, se pudesse fazer algo, eu não me recusaria a cruzar
até dez mares, se necessário fosse, por essa causa.”34

31
Bullinger foi amigo, discípulo e sucessor de Zuínglio (1484-1531), tendo escrito cerca de 150 obras,
entre elas, A Segunda Confissão Helvética (1562-1566).
32
Cranmer, na carta a Calvino diz: "Como nada mais tende a separar as Igrejas de Deus que as
heresias e diferenças sobre as doutrinas de religião, assim nada mais eficazmente os une, e
fortalece a obra de Cristo mais poderosamente, que a doutrina incorrupta do evangelho, e
união em opiniões reconhecidas. Eu tenho freqüentemente desejado, e agora desejo que
esses homens instruídos e piedosos que superam outros em erudição e julgamento,
constituissem uma assembléia em um lugar conveniente, onde se realizasse uma consulta
mútua, e comparando as suas opiniões, eles poderiam discutir todas as principais doutrinas
da igreja.... Nossos adversários estão agora organizando o seu concílio em Trento, no qual
eles podem estabelecer os seus erros. E devemos nós negligenciar convocar um sínodo
piedoso que nos possibilite refutar os erros deles, e purificar e propagar a verdadeira
doutrina?" [Thomas Cranmer to Calvin, “Letter,” John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR:
Ages Software, 1998), 16].
33
Cranmer era um teólogo e estadista; a sua preocupação com Trento era pertinente e a história já
demonstrou amplamente esse fato.
Os jesuítas foram a força motriz do Concílio de Trento, sendo de fato os teólogos do Papa.
Como os bispos geralmente não dispunham de grande conhecimento teológico, mesmo titulados em
Direito Canônico, eles se valiam de teólogos – em geral pertencentes às ordens religiosas –, que os
assessoravam, sendo alguns teólogos enviados diretamente pelo Papa. É nessa condição, de modo
especial, que destacam-se os jesuítas, entre eles, Tiago Lainez, Cláudio [Afonso?] Salmeron – estes dois
sugeridos por Loyola –, Claude Le Jay, Pedro Canísio e Oto von Truchsess, que passaram, alguns deles,
a desempenhar no Concílio um “papel teológico de primeira linha.” (Marc Venard, O Concílio
Lateranense V e o Tridentino. In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, São
Paulo, Paulus, 1995, p. 332).
Este Concílio teve vários percalços, a começar das suas convocações, visto que antes de ser
realizado, ele foi convocado em 04/6/1536 para Mântua em 07/05/1537; Vicência 01/05/1538; e, em
21/05/1539 ficou adiado indefinidamente. Neste período de incertezas, houve tentativas de diálogo entre
católicos e protestantes: No colóquio de Ratisbona (1541), onde participaram pelo lado protestante,
Bucer e Melanchton e, pelo lado católico, Contarini e Gropper, mesmo conseguindo um consenso quanto
à justificação, os “representantes” de cada lado não avançaram quando se depararam com a questão da
Ceia. Além disso, essas atitudes conciliatórias não desfrutavam de apoio total das igrejas: Lutero e Roma
desaprovariam em breve esse Colóquio. “Em Roma, aliás, vivia-se na expectativa do concílio,
que devia ser um concílio de condenação e de refutação das teses protestantes.” (Marc
Venard, O Concílio Lateranense V e o Tridentino. In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios
Ecumênicos, São Paulo, Paulus, 1995, p. 331).
Em 1542, uma bula papal convoca o Concílio para Trento, cidade vertente dos Alpes italianos.
Compareceram alguns poucos bispos que, depois de sete meses de espera, dispersaram-se.
Finalmente, Paulo III (1468-1549), sendo pressionado por Carlos V (1500-1558), redigiu uma nova
bula (19/11/1544) convocando o concílio para o dia 15/03/1545, em Trento. Dia 13 começaram a
chegar os prelados, contudo, o Concílio só teve o seu início em 13/12/1545, com a presença de 4
cardeais, 4 arcebispos, 21 bispos e cinco gerais de ordens, número este que foi aumentado para 60 e
70 posteriormente. Contudo, a média de presença nas reuniões era abaixo de 50; só no final o número
de votantes elevou-se a 250, conforme Eduardo Carlos Pereira, não ultrapassando o número de 213
prelados presentes; em suma: “pouco mais de duzentos padres”, isso, em seu período áureo: 1563.
Venard, diz que no cômputo geral, “participaram do concílio, sob Pio V (1562-1563), sem
estarem presentes ao mesmo tempo, 9 cardeais, 39 patriarcas e arcebispos, 236 bispos e 17
abades ou gerais de ordens. Esses números devem ser postos em relação com o episcopado
católico da época, que devia girar em torno de 700 membros.” (Marc Venard, O Concílio
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 10

2) O Fundamento da Unidade:

A unidade da Trindade é a base e o fundamento da unidade cristã; em


outras palavras, a unidade da Igreja existe porque Deus a tornou possível (Jo 17.22-
24). A unidade da Igreja existe porque a Igreja é o Corpo de Cristo; portanto, ela está
fundamentada em Cristo que a criou, a alimenta e dirige (Rm 12.5; Ef 1.23; Cl 1.24). 35

Portanto, a unidade cristã passa necessariamente pela união mística: estamos


unidos definitivamente a Cristo. Calvino (1509-1564) talvez tenha sido o teólogo que
mais deu ênfase a este fato. Para ele, toda a vida cristã inicia-se com a nossa união
com Cristo: "Em primeiro lugar devemo-nos lembrar que a obra da redenção
de Cristo de nada nos aproveita enquanto não estivermos unidos a Ele,
enquanto Ele não estiver em nós."36 A meta de toda vida cristã é a nossa total
união com Cristo:37 “Nossa verdadeira plenitude e perfeição consiste em
estarmos unidos no Corpo de Cristo.”38

Lateranense V e o Tridentino. In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, São
Paulo, Paulus, 1995, p. 331). E, além disso, aqueles que participaram de Trento, não eram de fato os
mais representativos do catolicismo.
Ao longo de seus 18 anos de funcionamento, o Concílio reuniu-se por 50 meses, realizou 25 sessões,
sendo algumas delas meramente formais. O Concílio de Trento pode ser dividido historicamente em três
fases:
1) Sessões 1-10 (13/12/1545 a 02/06/1547, no pontificado de Paulo III (1534-1549).
2) Sessões 11-16 (01/05/1551 a 28/04/1552), no pontificado de Júlio III (1550-1555).
3) Sessões 17-25 (17-18/01/1562 a 04/12/1563), no pontificado de Pio IV (1559-1565).
O Concílio deliberou em nível de decretos de definições doutrinárias e de ordem disciplinar. Os
primeiros consistiram na rejeição dos postulados protestantes, considerando o fato de que este
Concílio estava grandemente preocupado com a situação de expansão do protestantismo. Os sete
sacramentos são confirmados à maneira medieval. A Escritura e a tradição são igualmente fontes de
verdade. A Vulgata foi elevada à condição de igualdade com os Originais Hebraicos e Gregos.
Os jesuítas que foram fomentadores do Concílio de Trento saíram por toda parte levando tais
resoluções, enfatizando sempre a supremacia papal, assunto que até então era muito disputado (se o
papa ou o concílio tinha a palavra final). Sobre o serviço dos jesuítas, duas palavras: de um regalista e
de um tridentino: "Inspirando o concílio de Trento: em toda a parte, em todos os tempos, de
todo o modo, nunca foram os jesuítas outra cousa que uma representação fiel, tenaz,
inteligente do espírito romano, o ultramontanismo em atividade." [Rui Barbosa, Versão e
Introdução de O Papa e o Concílio, 3ª ed. Rio de Janeiro, Elos, (s.d.), Vol. I, p. 43]. "Sem a
participação da Companhia de Jesus, a Contra-Reforma não teria passado talvez de uma
solenidade de resoluções religiosas." (Philip Hughes, História da Igreja Católica, São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1954, p. 212).
34
Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, Edinburgh, The Banner of Truth Trust,
1980, p. 132-133. Schaff comenta: “A Igreja de Deus era a sua casa, e aquela Igreja não conhece
nenhum limite de nacionalidade e idioma. O mundo era a sua paróquia. Tendo rompido com
o papado, ele ainda permaneceu um católico na melhor acepção da palavra, e orou e
trabalhou para a unidade de todos os crentes.” (Philip Schaff, History of the Christian Church,
Vol. VIII, p. 799).
35
Vd. Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 397.
36
J. Calvino, As Institutas da Religião Cristã, São Paulo, PES., 1984, III.1. p. 205. (Edição abreviada
por J.P. Wiles). “Por meio da fé, Cristo nos é comunicado, através de quem chegamos a Deus,
e através de quem usufruímos os benefícios da adoção.” (João Calvino, Efésios, (Ef 1.8), p. 30].
“Aos olhos de Deus só somos verdadeiramente gerados quando somos enxertados em
Cristo, fora de quem nada é encontrado senão morte.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,
(1Co 4.15), p. 143].
37
“O genuíno descanso dos fiéis, o qual dura por toda a eternidade, é segundo o descanso
de Deus. Como a mais sublime bem-aventurança humana é estar o homem unido com Deus,
assim deve ser também o seu propóstio último, ao qual todos os seus planos e ações devem
ser dirigidos.” [João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo, Paracletos, 1997, (Hb 4.3), p. 103].
38
João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 11

Jesus disse: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que
me ama; aquele que me ama, será amado por meu Pai, e eu também o amarei e
me manifestarei a ele. (...) Se alguém me ama guardará a minha palavra; e meu
Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo 14.21,23). Observem a
relação estabelecida: Quem ama o Filho é amado pelo Pai e pelo Filho e, este amor de
Deus se manifestará na vinda do Pai e do Filho para habitarem em nós pelo Espírito
(Cf. Jo 14.26).

3) O Que a Unidade é:

a) Produzida pelo Espírito:

A unidade só é possível em Cristo. “Assim também nós,


conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros”
(Rm 12.5). O Espírito de Cristo produz esta unidade: “Esforçando-vos
diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef 4.3).
Por mais que tentemos produzir esta unidade, não conseguiremos; daí isto não ser
requerido de nós, mas sim, a sua preservação já que ela é obra do Espírito. “Onde
reina o Espírito, ali há unidade.”39 E é em Cristo que temos o “vínculo” dessa
união.40

b) É uma Unidade Essencial:

É uma unidade entre aqueles que nasceram de novo, que


receberam a Palavra e a guardam (Jo 17.6-8).

Herman Bavinck (1854-1921), comenta:

“A unidade entre Cristo e os crentes é como a da pedra angular e o


templo, entre o homem e a mulher, entre a cabeça e o corpo, entre a
videira e os ramos. Os crentes estão em Cristo da mesma forma que todas
as coisas, em virtude da criação e da providência, estão em Deus. Eles
vivem em Cristo como os peixes vivem na água, os pássaros vivem nos
ares, o homem em sua vocação, o erudito em seu estudo. Juntamente com
Cristo os crentes foram crucificados, mortos e sepultados, e juntamente
com Ele eles ressuscitaram e estão assentados à mão direita de Deus e
glorificados.41 Os crentes assumem a forma de Cristo e mostram em seu
corpo tanto o sofrimento quanto a vida de Cristo e são aperfeiçoados
(completados) nele. Em resumo, Cristo é tudo em todos. 42”.43

c) É uma Unidade de Propósito:

O Espírito constitui a Igreja com o propósito de glorificar a Deus,


proclamando os Seus atos heróicos e salvadores (1Pe 2.9-10). A Igreja por sua vez
glorifica a Deus sendo-Lhe obediente (Jo 14.21/Jo 17.4).
39
D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, p. 36.
40
J. Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo, Paracletos, 1997, (Rm 12.4-5), p. 429.
41
Rm 6.4 ss.; Gl 2.20; 6.14; Ef 2.6; Cl 2.12,20; 3.3.
42
Rm 13.14; 2Co 4.11; Gl 4.19; Cl 1.24; 2.10; 3.11.
43
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 398.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 12

Mesmo que não consigamos uma unidade organizacional devido a métodos e estilos
diferentes, devemos, no entanto, estar comprometidos com a glória de Deus, que é a
nossa vocação incondicional e suprema (1Co 10.31).

2.2.2. A UNIDADE E A NOSSA RESPONSABILIDADE:

A unidade da Igreja é uma realidade em Cristo; entretanto, cabe à Igreja


preserva-la mediante um comportamento fundamentado nos princípios bíblicos.
Leiamos mais uma vez o que Paulo escreveu aos efésios: “Esforçando-vos
diligentemente (Spouda/zw)44 por preservar a unidade do Espírito no vínculo
(Su/ndesmoj)45 da paz” (Ef 4.3). Não devemos permitir que a “unidade do Espírito”
seja abalada em nosso relacionamento. A unidade é obra do Espírito, mas cabe a nós
viver a sua plenitude no vínculo da paz (Rm 12.18) e no amor de Cristo (Jo 13.34-35;
15.12,17). O próprio tempo verbal de “esforçando-vos”, (Spouda/zw) (particípio
presente), apresenta o conceito de um esforço contínuo, sem esmorecimento. 46

Comentando sobre o egoísmo humano que gera divisões na Igreja e, ao mesmo


tempo, a falta de tolerância, Calvino escreve, exortando-nos à amar os nossos irmãos:

“Há tanta rabugice em quase todos esses indivíduos que, estando em


seu poder, de bom grado fariam para si suas próprias igrejas, porquanto
se torna difícil acomodarem-se aos modos das demais pessoas. Os ricos
invejam uns aos outros, e raramente se encontra um entre cem que
acredite que os pobres são também dignos de ser chamados e incluídos
entre seus irmãos. A menos que haja similaridade em nossos hábitos, ou
alguns atrativos pessoais, ou vantagens que nos unam, será muitíssimo
difícil manter uma perene comunhão entre nós. Essa advertência, pois, se
torna mais que necessária a todos nós, a fim de sermos encorajados a
amar, antes que odiar, e não nos separarmos daqueles a quem Deus nos
uniu. Torna-se urgente que abracemos com fraternal benevolência àqueles
que nos são ligados por uma fé incomum. É indubitável que a nós
compete cultivar a unidade da forma a mais séria, porque Satanás está
bem alerta, seja para arrebatar-nos da Igreja, ou para desacostumar-nos
dela de maneira furtiva.”47

A unidade da Igreja, revela ao mundo o fato de que Deus nos ama como ama ao
Seu Filho unigênito e, que este amor, se revelou de forma insofismável, na vinda do
44
Spouda/zw, que é bem traduzido por “esforçando-vos diligentemente” (ARA), tem a sua ênfase
enfraquecida em ACR, ARC e BJ, que o traduzem por “procurando”. Spouda/zw ocorre 11 vezes no NT
(* Gl 2.10; Ef 4.3; 1Ts 2.17; 2Tm 2.15; 4.9,21; Tt 3.12; Hb 4.11; 2Pe 1.10,15; 3.14), tendo o sentido de
“correr”, “apressar-se”, “fazer todo o esforço e empenho possível”, “urgenciar”, “ser zeloso, diligente”,
“esforço”, “aplicação”. Spouda/zw denota uma diligência que se esforça por fazer todo o possível para
alcançar o seu objetivo.
45
Su/ndesmoj, “aquilo que une, vincula, mantém as coisas ligadas”, “ligaduras”, “elos”. (* At
8.23; Ef 4.3; Cl 2.19; 3.14).
46
Lloyd-Jones interpretando o emprego de Spouda/zw no texto, diz: “Devemos apressar-nos a
fazer alguma coisa, a mostrar grande interesse, a expressar solicitude - ‘esforçando-vos
para guardar’. Acima de tudo mais, diz o apóstolo, como cristãos nesta vocação para a qual
vocês foram chamados, apressem-se a fazer isto, sejam diligentes quanto a isto, nunca o
esqueçam, seja esta a coisa principal da sua vida; acima de todas as outras coisas, mostrem
grande interesse e solicitude com respeito a unidade que existe entre vocês.” (D.M. Lloyd-
Jones, A Unidade Cristã, p. 36-37).
47
João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 10.25), p. 272-273.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 13

Seu Filho amado para morrer pelos pecadores (Jo 3.16/Jo 17.21-23). Desta forma, a
Igreja é o testemunho histórico do amor de Deus.

Francis Schaeffer (1912-1984), comentando sobre a nossa responsabilidade, diz:

“Não podemos esperar que o mundo creia que o Pai mandou o Filho,
que as reivindicações de Jesus sejam verdadeiras, e que o cristianismo
seja verdadeiro, a não ser que o mundo veja alguma realidade na unidade
de cristãos verdadeiros”.48

2.2.3. A UNIDADE VIVENCIADA:

A comunhão com o Espírito é ao mesmo tempo uma comunhão com os


nossos irmãos. A comunhão do Espírito não é individualista (eu e o Espírito) ou
mesmo de “elites sociais”. O Espírito, pela Palavra “quer arrancar-nos da nossa
solidão e colocar-nos em comunhão recíproca”.49 A comunhão proporcionada
pelo Espírito é socializante, porque revela que todos nós, sem exceção, somos inteira e
absolutamente dependentes da graça de Deus. Somos todos em Cristo, conduzidos ao
Pai pelo mesmo Espírito (Ef 2.18).

2.2.4. UM ESTUDO DE CASO:

Lucas descrevendo a cotidianidade da Igreja Primitiva, diz: “E


perseveravam na doutrina dos apóstolos...” (At 2.42). Observemos primariamente
que a Igreja estava fundamentada não em qualquer doutrina (Mt 15.9); mas, sim, na
doutrina dos apóstolos, que fora recebida de Cristo (At 1.21,22; Gl 1.10-12; 1Co
11.23ss; 15.1-3; 2Pe 1.16-21; 1Jo 1.1-4). Os apóstolos estavam alicerçados no próprio
Cristo: “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo Ele
mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular” (Ef 2.20).

A Igreja Primitiva desfrutava de uma comunhão íntima, não artificial, gerada pelo
Espírito Santo (At 2.42; 4.32/Ef 4.3). Jesus orou para que houvesse esta comunhão, a
qual aponta de forma indicativa para a unidade amorosa do Pai com o Filho, e o amor
divino manifesto em Cristo pelo Seu povo (Jo 17.20-23). Vejamos agora, algumas
manifestações desta comunhão.

1) Na Vida Devocional:

a) No Partir do Pão:

Cremos que a expressão “partir do pão” (At 2.42) refere-se à Ceia


do Senhor (Cf. At 20.7,11). A Igreja participava deste Sacramento lembrando a morte e
ressurreição de Cristo, atestando publicamente a sua fé no regresso glorioso e
triunfante de Cristo, “... até que Ele venha” (1Co 11.26).

b) Nas Orações:

48
F.A. Schaeffer, O Sinal do Cristão, Goiânia, GO., ABUB/APLIC., 1975, p. 24. Vd. também, A.
Richardson, Introdução à Teologia do Novo Testamento, São Paulo, ASTE., 1966, p. 286-287.
49
Emil Brunner, Nossa Fé, 2ª ed. São Leopoldo, RS., Sinodal, 1970, p. 105.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 14

A Igreja sentia prazer espiritual em participar do privilégio de poder


falar com Deus em companhia dos irmãos; não havia reuniões seccionadas. A Igreja
era um todo que perseverava unanimemente no templo e nas casas. (At 1.14; 2.42,46;
3.1; 12.5,12).

c) Louvando a Deus:

O mesmo pode ser dito com respeito à adoração pública: “E


estavam sempre no templo, louvando a Deus (Lc 24.53). A Igreja expressava a sua
fé e gratidão louvando a Deus (At 2.47; Ef 5.18-20; Cl 3.16).

2) Na Vida Comunitária:

a) Sensibilidade para com as Necessidades dos Irmãos:

Os irmãos mais abastados, sensibilizados com as necessidades


dos mais pobres, “vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto
entre todos, à medida que alguém tinha necessidade” (At 2.45. Leia também: At
4.32,36,37). O resultado imediato disto foi que “nenhum necessitado havia entre
eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os
valores correspondentes, e depositavam aos pés dos apóstolos; então se
distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade” (At 4.34,35).
Esta ação refletia o profundo vínculo de comunhão e amor existente na comunidade
primitiva.

Quando as viúvas dos helenistas (judeus de fala grega, provenientes da Dispersão),


estavam sendo “... esquecidas na distribuição diária” (At 6.1), os apóstolos
reconhecendo o problema e, ao mesmo tempo, não podendo absorver todas as
atividades da Igreja, encaminharam à comunidade de forma direta, a eleição de “...
sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais
encarregaremos deste serviço” (At 6.3). Surgiu assim, o ofício de diácono na Igreja
cristã, resolvendo o problema decorrente de uma injustiça involuntária. 50

Alguns anos mais tarde, por volta de 46-48 AD., quando houve uma fome, causando
como sempre, uma grande inflação, 51 “os discípulos, cada um conforme as suas
posses, resolveram enviar socorro aos irmãos que moravam na Judéia; o que
eles, com efeito, fizeram enviando-o aos presbíteros, por intermédio de Barnabé
e de Saulo” (At 11.29,30). Posteriormente, Paulo levantou uma coleta entre os também
pobres da Macedônia (2Co 8.1-4) e de Corinto, para os cristãos da Judéia (2Co 8 e 9;
Rm 15.25,26).

A Igreja de Filipos, sensibilizando-se com a pobreza de Paulo, sem que ele nada
pedisse, enviou-lhe ajuda pelo menos em três ocasiões (Fp 2.25; 4.14-20).

Quando Pedro estava preso, a Igreja orava incessantemente em favor dele (At 12.2).

50
Vd. Hermisten M. P. Costa, Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo, São
Paulo, 1999.
51
Vd. Joaquim Jeremias, Jerusalém nos Tempos de Jesus, São Paulo, Paulinas, 1983, p. 184ss.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 15

Estes são apenas alguns dos exemplos que refletem a comunhão espiritual da Igreja
Primitiva. O curioso, é que em muitos casos, os irmãos nem sequer se conheciam;
entretanto, entendiam de modo correto, que todos eles faziam parte do mesmo corpo
de Cristo (1Co 12.13).

b) Tratamento Sério dos Problemas Doutrinários:

Deve um gentio, para tornar-se cristão, circuncidar-se? Esta foi a


questão debatida na reunião de Jerusalém (c. 48 AD). Com o rápido crescimento da
Igreja, era natural que surgissem questões novas. Alguns fariseus que foram
convertidos, faziam da pergunta acima, uma afirmação: “Se não vos circuncidardes
segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos” (At 15.1); e mais: “... É
necessário circuncidá-los e determinar-lhes que observem a lei de Moisés” (At
15.5). Entretanto, Paulo e Barnabé criam de forma diferente (At 15.2). A questão foi
encaminhada aos apóstolos e presbíteros de Jerusalém, que se reuniram em Concílio
para estudar o problema (At 15.6). Após o debate (At 15.7), o Concílio pronunciou-se
sobre a questão de forma unânime, com autoridade e simpatia (At 15.22-25), enviando
para as Igrejas de Antioquia, Síria e Cilicia, a sua resolução, sendo Barnabé, Paulo,
Judas e Silas os emissários (At 15.23,25,27).

Neste episódio, vemos a preocupação dos apóstolos e presbíteros em resolver as


questões doutrinárias, a fim de que o corpo de Cristo continuasse são doutrinariamente
e harmonioso. O resultado disso foi que as Igrejas se alegraram no Senhor e “... eram
fortalecidas na fé e aumentavam em número dia a dia” (At 16.5. Leia também: At
15.30-33; 16.4).

Herman Bavinck (1854-1921), falando sobre a unidade da Igreja, aponta de forma


exultante para a unidade escatológica:

“A unidade sobre a qual Cristo tinha falado [Jo 17.21] foi realizada na
igreja de Jerusalém. Quando o entusiasmo do primeiro amor deu lugar à
quietude do coração e da mente, quando as igrejas foram estabelecidas
em outros lugares e entre outros povos, quando, mais tarde, todos os tipos
de cisma e de separação começaram a ocorrer na Igreja cristã, a unidade
que une todos os crentes assumiu uma forma diferente, tornou-se menos
vital e menos profunda, e algumas vezes é tão fraca que nem mesmo
pode ser sentida por todos. Mas nós não podemos nos esquecer que no
meio de tantas diferenças a Igreja permanece unida até os nossos dias. No
futuro essa unidade se tornará ainda mais claramente manifesta do que
na igreja de Jerusalém.”52

2.3. Dirige a Igreja:

2.3.1. NA EVANGELIZAÇÃO:53

1) EM JERUSALÉM:

52
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 397.
53
Sobre este assunto, vd. Hermisten M.P. Costa, Breve Teologia da Evangelização, PES., São Paulo,
1996.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 16

O resultado da pregação eficiente e de uma vida cristã autêntica, além


de outras coisas secundárias, redunda na Glória de Deus (Mt 5.14-16; 2Co 9.12-15),
resultando naturalmente, conforme o exemplo bíblico, no crescimento espiritual e
numérico da Igreja. O Livro de Atos registra que enquanto a Igreja testemunhava e
vivia o Evangelho, “acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo
salvos” (At 2.47); e mais: “Crescia a palavra de Deus e, em Jerusalém, se
multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes
obedeciam à fé” (At 6.7. Leia também: At 2.41; 4.4; 9.31; 12.24; 14.1).

2) “ATÉ AOS CONFINS DA TERRA”

Após o eloqüente e desafiante sermão de Estevão e, a sua


conseqüente morte por apedrejamento (At 7.1-60) – a forma judaica de executar os
culpados de blasfêmia (Lv 24.16; Jo 10.33) – o grupo inquisidor estimulado por esta
atitude assassina, promoveu “... grande perseguição contra a igreja de Jerusalém”
(At 8.1), com a permissão do sumo sacerdote (At 8.3; 9.1,2).

O termo usado em At 8.1 para descrever a “perseguição” apresenta a idéia de uma


caça violenta e sem trégua. Lucas, inspirado por Deus, pinta este quadro de forma
mais forte, adjetivando “grande”, indicando assim, a severidade da perseguição. Saulo
foi o grande líder desta ação contra os cristãos (At 8.2; 9.1,2; 22.4,5; 26.9-12).

Nesta primeira grande perseguição, vemos claramente a direção divina:

1) Os apóstolos não foram dispersos, permanecendo em Jerusalém (At 8.1),


podendo assim, sedimentar a mensagem do Evangelho em Jerusalém.

2) Até agora a Igreja não havia cumprido a totalidade da ordem divina, que dizia:
“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os
confins da terra” (At 1.8). Os apóstolos, ao que parece, não haviam saído dos limites
da Judéia com o objetivo de proclamar o Evangelho.

O verbo usado para descrever a “dispersão” (At 8.1,4), está ligado à sementeira e
semeadura, sendo empregado unicamente por Lucas no Novo Testamento e somente
para descrever este episódio (* At 8.1,4; 11.19). Assim, através da perseguição, os
discípulos saíram de Jerusalém levando as Boas Novas do Evangelho (At 8.4),
semeando a semente do Evangelho de Cristo (1Pe 1.23).

Filipe, um dos diáconos eleitos (At 6.5), pregou em Samaria e muitos se


converteram (At 8.5-8), posteriormente ele evangelizou, mediante a direção de Deus
(At 8.26), um judeu etíope, que era tesoureiro da rainha Candace – título esse
semelhante ao de “Faraó”, não indicando o nome próprio de uma pessoa –, que se
converteu, sendo então batizado (At 8.38). Após o batismo do etíope, “... Filipe veio a
achar-se em Azôto; e, passando além, evangelizava todas as cidades até chegar
a Cesaréia” (At 8.40).

Outro fato que evidencia a ação providencial de Deus na perseguição de Jerusalém,


está registrado em At 11.19-21, onde lemos no verso 19: “... Os que foram dispersos,
por causa da tribulação que sobreveio a Estevão, se espalharam até à Fenícia,
Chipre e Antioquia...”. Nos versos 20 e 21 temos ainda a proclamação expandindo-
se: “Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene, e que foram até
Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 17

Jesus. A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram ao


Senhor”. Vemos, desta forma, que o Evangelho estava sendo disseminado, tendo
como elemento gerador uma perseguição que parecia ser fatal para a Igreja de Cristo;
entretanto Deus a redundou em bênçãos para o Seu povo (Gn 50.20/Rm 8.28).

A difusão do Evangelho é demonstrada mais tarde, ainda no período


neotestamentário, através das Epístolas de Tiago e Pedro, sendo a de Tiago destinada
“... às doze tribos que se encontram na Dispersão” (Tg 1.1) e a de Pedro, “... aos
eleitos, que são forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia, e
Bitínia” (1Pe 1.1. Leia também, At 17.6).

3) Através do zelo cego de Saulo, em perseguir os cristãos, Deus o chamou


eficazmente (At 9.1-5), regenerando-o, porque para Deus, Saulo era “... um
instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem
como perante os filhos de Israel” (At 9.15). Mais tarde, Paulo, o antigo Saulo,
escreveu aos gálatas: “Quando, porém ao que me separou antes de eu nascer e
me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu
pregasse entre os gentios...” (Gl 1.14,15). Saulo, o grande perseguidor, agora era
Paulo, o apóstolo de Cristo levando a mensagem salvadora do Evangelho a todos os
povos, chegando à capital gentílica (Roma) e, desejando prosseguir em sua missão, se
possível, atingir a Espanha (At 28.16ss; Rm 15.22-29).

Através do trabalho de Filipe, Pedro, Paulo, Barnabé, Silas, Timóteo, Tito e de


milhares de irmãos anônimos, o Evangelho proliferou em todos os continentes. Nós
hoje somos herdeiros desta proclamação. O crescimento da Igreja impulsionado pelo
Espírito, era operado através de todos os irmãos; todos estavam comprometidos com a
obra missionária quer em suas cidades quer em outras regiões. 54

O mesmo Espírito que forma a Igreja, também a comanda na Evangelização. Deus


escolhe, envia e dirige os Seus servos na proclamação do Evangelho (At 8.39-40; 13.1-
4). Isto o Espírito faz ordinariamente através da Igreja como instituição, ainda que não
exclusivamente.55 Seja como for, o meio usado pelo Espírito para dirigir a Sua obra
missionária é a Palavra de Deus; por isso que, “sem o poder do Espírito Santo a
evangelização é impossível.”56

Quando o rei Frederico IV da Dinamarca, precisou de missionários para enviar aos


seus súditos, na colônia dinamarquesa de Tranquebar, não encontrando em seu reino
quem se dispusesse a fazê-lo, recorreu ao pietista alemão August H. Francke (1663-
1727), que lecionava na Universidade de Halle, o qual enviou Bartholomew
Ziegenbalg (1683-1719) e Henry Plütschau (1677-1747), os quais partiram da Europa
no fim de 1705, chegando em Tranquebar no dia 9 de julho de 1706, sendo os
primeiros missionários não católicos a chegarem na Índia, provenientes da Europa. 57

Apesar de não serem bem recebidos pelos colonos dinamarqueses, Ziegenbalg e


Plütschau não se intimidaram, iniciando os seus estudos do idioma nativo, tendo
Ziegenbalg se destacado pela facilidade em aprender outras línguas. Eles traduziram
54
Vd. Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel,
nº 6, 2000, p. 19ss.
55
Vejam-se: R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan, Subcomision
Literatura Cristiana de la Iglesia Christiana Reformada, 1985, p. 220ss.; Idem., Evangelização
Teocêntrica, São Paulo, PES. 1976, p. 100, 151-152.
56
John R.W. Stott, Crer é também Pensar, São Paulo, ABU., 1984 (2ª impressão), p. 49.
57
Cf. Stephen Neill, História das Missões, São Paulo, Vida Nova, 1989, p. 233-234.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 18

para o tamil o Catecismo de Lutero, orações e hinos luteranos. Em 1711, por questões
de saúde, Plütschau regressou definitivamente para a Europa. Ziegenbalg continuou o
seu trabalho; compilou uma gramática tamil, escreveu uma obra sobre o Hinduísmo,
traduziu para o tamil o Novo Testamento (1714) e o Antigo Testamento até o livro de
Rute. Ele fundou uma escola industrial e outra para a preparação de catequistas e,
também, a primeira imprensa evangélica da Ásia (esta com a ajuda financeira da
Sociedade Anglicana para a Promoção do Conhecimento Cristão).

Quando Ziegenbalg morreu em 1719, existia em Tranquebar uma comunidade


luterana de cerca de 350 pessoas. 58 De fato, o Espírito dirigiu os seus servos para
aquele país.

Ashbel Green Simonton (1833-1867) sentiu-se chamado para o campo missionário


quando ainda iniciava os seus estudos teológicos no Seminário de Princeton. O
instrumento que o Espírito usou para este despertar missionário, foi Charles Hodge
(1797-1879) – um dos maiores teólogos de todos os tempos –, através de um sermão
proferido no Seminário.59 Este despertamento foi amadurecendo em seu coração
gradativamente.60 No dia 25 de novembro de 1858, Simonton finalmente formalizou a
sua proposta à Junta de Missões Estrangeira, mencionando o Brasil como o campo de
seu interesse. Ele conclui o registro no seu Diário, dizendo: “A Ti, Ó Deus, confio
meus caminhos na certeza de que o Senhor dirigirá meus passos
retamente”.61

A Junta respondeu afirmativamente o seu pedido na primeira quinzena de


dezembro.62 Simonton desembarcou no Brasil em 12/8/1859. Em oito anos de
trabalho,63 ajudado posteriormente por A.L. Blackford (chegou em 25/7/1860), e o Rev.
José Manoel da Conceição (padre convertido do catolicismo e ordenado pastor em
17/12/1865), entre outros, Simonton deixou um jornal com tiragem quinzenal, A
Imprensa Evangélica, (primeiro número publicado em 05/11/1864); um Seminário no
Rio de Janeiro com quatro alunos (organizado em 14/5/1867) e um Presbitério
(Presbitério do Rio de Janeiro, organizado em 16/12/1865), constituído de três igrejas:
Rio de Janeiro (organizada em 12/01/1862); de São Paulo (organizada em 5/3/1865); e
a de Brotas, (organizada em 13/11/1865). 64

O Espírito dirigiu retamente os passos de Simonton, de Blackford, de Schneider, de


Conceição, de Chamberlain e de tantos outros. Nós somos herdeiros desta gloriosa
manifestação do Espírito.

Aplicando o que estamos dizendo, devemos entender que a igreja local deve
receber o seu pastor como alguém que o Espírito enviou para pastoreá-la (At 20.28),
tendo sempre como elemento norteador, a Escritura Sagrada.

58
Vejam-se: S. Neill, História das Missões, p. 233ss.; K.S. Latourette, A History of the Expansion of
Christianity, New York, Harpers & Brothers, 1939, Vol. III, p. 278-279; Paul Pierson, O Pietismo: In:
Revista Teológica, Campinas, SP. Dez/1962, nº 30, p. 96.
59
A.G. Simonton, Diário (1852-1867), São Paulo, CEP/O Semeador, 1982, 14/10/1855.
60
Vejam-se, Diário, 20/01/1856; 04/02/1856; 10/10/1857.
61
Diário, 27/11/1858.
62
Cf. Diário, 13/12/1858.
63
Durante este período de 8 anos, Simonton passou fora do Brasil cerca de quinze meses.
64
Para maiores detalhes sobre a implantação do Presbiterianismo no Brasil, veja-se, Hermisten M.P.
Costa, Os Primórdios do Presbiterianismo no Brasil, São Paulo, 1997.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 19

Como já fizemos menção, o Espírito dirige a todos nós na proclamação do


Evangelho, enviando-nos aos nossos familiares, parentes, amigos e vizinhos. O
Sacerdócio Universal dos Crentes, obtido por Cristo, através de Quem temos livre
acesso a Deus (Jo 14.6; 1Tm 2.5; Hb 10.19-25), torna-nos também responsáveis pelo
testemunho da mensagem redentora de Cristo (1Pe 2.9). “A igreja é uma realeza de
sacerdotes, um sacerdócio de reis. E cada sacerdote e rei tem o dever de
proclamar as excelências do seu Salvador. (...) Cada cristão é um agente da
evangelização, ordenado por Deus.”65

2.3.2. CONSTITUI OS OFICIAIS:66

Na Igreja de Cristo ninguém tem autonomia para se auto-nomear. Pastor,


Presbíteros e Diáconos, todos, sem exceção, precisam ser vocacionados por Deus
para estes ofícios (Hb 5.4).

Os pastores,67 presbíteros e diáconos, são constituídos por Deus para a


preservação do rebanho. A eleição feita pela igreja, deve ser vista como um
reconhecimento público de que os referidos oficiais foram escolhidos por Deus. Desta
forma, a autoridade deles é derivada de Deus, não do povo que os elegeu; 68 por outro
lado, eles precisam ter em mente que prestarão contas dos seus atos a Deus. O Novo
Testamento nos chama a atenção para o ministério universal dos crentes: todos somos
responsáveis pelo desempenho do serviço de Deus em Sua Igreja (Ef 4.11-12).

A Segunda Confissão Helvética (1562-1566),69 no capítulo XVIII, falando sobre os


“ministros da Igreja”, declara:

“É verdade que Deus poderia, pelo Seu poder, sem qualquer meio,
congregar para Si mesmo uma Igreja de entre os homens; mas Ele preferiu
tratar com os homens pelo ministério de homens. Por isso os ministros
devem ser considerados não como ministros apenas por si mesmos, mas
como ministros de Deus, visto que por meio deles Deus realiza a salvação
de homens.”

A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, (1950), capítulo VII, seção 1ª, Art

65
R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 97-98.
66
Vd. Hermisten M. P. Costa, Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo, São
Paulo, 1999.
67
Quanto à responsabilidade dos pastores, Vd. João Calvino, As Pastorais, São Paulo, Paracletos,
1998, (1Tm 3.15), p. 97-98; João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5ss), p. 101ss.
68
Louis Berkhof acentua que: “Os oficiais da igreja recebem sua autoridade de Cristo, e não
dos homens, mesmo que a congregação sirva de instrumento para instalá-los no oficio.” (L.
Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP., Luz para o Caminho, 1990, p. 599).
69
A Segunda Confissão Helvética, foi primariamente elaborada em latim, em 1562, pelo amigo,
discípulo e sucessor de Zuínglio (1484-1531), Henry Bullinger (1504-1575). Em 1564, quando a peste
voltou a atacar em Zurique, Bullinger perdeu a esposa e as três filhas. Ele mesmo ficou doente mas foi
curado. Neste ínterim ele fez a revisão da Confissão de 1562 e, como uma espécie de testamento
espiritual, anexou-a ao seu testamento, para ser entregue ao magistrado da cidade, caso ele viesse a
falecer. Esta confissão foi publicada, com algumas alterações – aceitas por Bullinger –, em latim e
alemão em 12/03/1566. Ela foi traduzida para vários idiomas (inclusive o Árabe), tendo ampla aceitação
em diversos países nos anos seguintes, sendo também adotada na Escócia (1566); na Hungria (1567);
na França (1571); na Polônia (1578). Esta Confissão se tornaria um fator fundamental de união das
Igrejas Reformadas da Europa.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 20

108, diz:

“Vocação para ofício na Igreja é a chamada de Deus, pelo Espírito Santo,


mediante o testemunho interno de uma boa consciência e a aprovação do
povo de Deus, por intermédio de um concílio.” (Vd. At 20.28).

Calvino (1509-1564) comenta:

“O que torna válido um ofício é a vocação, de modo que ninguém pode


exercê-lo correta ou legitimamente sem antes ser eleito por Deus (...).
Nenhuma forma de governo deve ser estabelecida na Igreja segundo o
juízo humano, senão que os homens devem atender à ordenação divina;
e, ainda mais, que devemos seguir um procedimento de eleição
preestabelecido, para que ninguém procure satisfazer seus próprios
desejos. (...) Segundo é a promessa de Deus de governar sua Igreja, assim
Ele reserva para si o direito exclusivo de prescrever a ordem e forma de
sua administração.”70

O serviço que prestamos a Deus, deve ser visto não como uma fonte de lucro ou
projeção mas como resultado de um chamado irrevogável de Deus. Paulo em seu
ministério tinha esta consciência, de ser apóstolo pela vontade de Deus (Vd. Rm 1.1;
1Co 1.1; 2Co 1.1; Ef 1.1; Cl 1.1, etc.).

2.3.3. DIRIGE A IGREJA NAS SUAS DECISÕES:

Muitas vezes somos tentados a nos esquecer de que a Igreja é também


uma organização, que tem os seus oficiais e Concílios. Geralmente quando isso
ocorre, somos levados a menosprezar as decisões conciliares, como sendo “obras de
homens”, portanto, concluímos: nada valem. Na realidade, os Concílios devem
trabalhar sob a orientação do Espírito Santo, o que não significa que eles sejam
infalíveis; todavia, “os seus decretos e decisões, sendo consoantes com a
Palavra de Deus, devem ser recebidos com reverência e submissão, não só
pela sintonia com a Palavra, mas também pela autoridade através da qual
são feitos, visto que essa autoridade é uma ordenação de Deus, designada
para isso em sua Palavra.”71

O Espírito através do Concílio de Jerusalém, dirimiu uma dúvida existente no seio da


Igreja. Os apóstolos e presbíteros que participaram deste Concílio, debateram e
votaram a questão, tendo consciência da orientação do Espírito. Esta convicção se
revela no fato de dizerem no parecer final: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a
nós....” (At 15.28).

Devemos portanto ter um alto apreço pelos nosso oficiais e Concílios, orando para
que o Espírito que os constituiu, Lhes dê o discernimento necessário para decidirem
todas as coisas, sob a égide do Espírito através da Palavra. (At 15.1-28; 16.4).

70
J. Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 5.4), p. 127-128. “.... os pastores genuínos não se
precipitam temerariamente ao sabor de sua própria vontade, e, sim, são levantados pelo
Senhor. (...) Nenhum homem estará apto para tão excelente ofício, caso não seja ele
formado e produzido por Cristo mesmo. O fato de termos ministros do evangelho, é um dom
divino; o fato de que se desincumbem da responsabilidade que lhes foi confiada, é
igualmente um dom divino.” [João Calvino, Efésios, (Ef 4.11), p. 120].
71
Confissão de Westminster, XXXI.2.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 21

2.3.4. NA DISCIPLINA:

Como já vimos, os teólogos reformados entendem que uma das marcas


características da Igreja de Cristo, é o exercício fiel da disciplina. 72

A Igreja é uma comunidade de pecadores que foram regenerados pelo Espírito (Tt
3.5), que foram santificados em Cristo Jesus (1Co 1.2); por isso, ela deve zelar pela
sua pureza. A disciplina visa preservar a santidade da Igreja; 73 portanto aqueles que a
desprezam, conscientemente ou não, trabalham em prol da decadência da Igreja. 74
Calvino (1509-1564) ressaltando a importância da disciplina na preservação da vida da
Igreja, faz algumas analogias: “... nenhuma casa que contenha sequer modesta
família, se não pode suster em reta condição sem disciplina, muito mais
necessária é ela na Igreja, cuja condição importa seja a mais ordenada
possível. Portanto, assim como a doutrina salvífica de Cristo é a alma da
Igreja, assim também a disciplina é-lhe como que a nervatura, mercê da qual
acontece que os membros do corpo entre si se liguem, cada um em seu
lugar. (...) A disciplina é, portanto, como um freio com que sejam contidos e
domados aqueles que se embravecem contra a doutrina de Cristo, ou como
um acicate com que sejam estugados os de pouca disposição....”. 75

No entanto, a disciplina deve ser aplicada com moderação e amor, ainda que isto
não exclua a severidade quando necessária:

“Nota-se aqui [1Co 4.21] o padrão de comportamento que um bom


pastor deve seguir, pois ele deve estar espontaneamente mais disposto a
ser delicado a fim de atrair pessoas para Cristo do que a sucumbi-las com
demasiada energia. Ele deve manter esta docilidade até onde for possível,
e não lançar mão da severidade, a não ser que a isso seja forçado. Mas
quando há necessidade de tal expediente, ele não deve poupar a vara,
porque, enquanto se deve usar de mansidão com os que são dóceis e
maleáveis, faz-se necessário a autoridade no trato com os obstinados e
insolentes.”76

Esta tarefa que é extremamente importante e difícil, está associada à doação do


72
Teólogos tais como: Andrew G. Hyperius (1511-1564); Peter Martyr Vermigli (1500-1562); Zacharias
Ursinus (1534-1583); Johann H. Heidegger (1633-1698); Marcus F. Wendelinus (1584-1652), entre
outros. Devemos nos lembrar que a disciplina, não é um elemento estranho à obra de Calvino (1509-
1564); ele a defende com vigor. No entanto, não a formaliza como uma das "marcas da Igreja", embora
a sustente como instrumento dado por Deus para a preservação da pureza da Igreja.(Vd. por exemplo:
As Institutas, IV.1.7; IV.11.5; IV.12.1ss, 8ss; Juan Calvino, Respuesta al Cardeal Sadoleto, 4ª ed.
Países Bajos, Felire, 1990, p. 32).
73
Vd. Confissão de Westminster, XXX.3.
74
Vd. J. Calvino, As Institutas, IV.12.1.
75
João Calvino, As Institutas, IV.12.1. Calvino também chama a atenção para o fato de que a disciplina
deve ser aplicada com moderação, respeito e amor: “Os mestres precisam aprender que esse
gênero de moderação deve ser sempre usado nos atos de reprovação, para que não se
firam os brios dos homens no uso de excessiva austeridade. (...) Mas, acima de tudo, devem
tomar cuidado para não parecer que escarnecem daqueles a quem estão a reprovar, nem
sentir-se prazerosos com seu infortúnio. Não! Ao contrário, devem esforçar-se para que fique
evidente que a sua intenção não é outra senão a promoção de seu bem-estar. (...) Portanto,
se desejamos fazer algo de positivo, ao corrigirmos as falhas das pessoas, é saudável
esclarecer-lhes que as nossas críticas são oriundas de um coração amigo.” [João Calvino,
Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.14), p. 142].
76
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.21), p. 151.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 22

Espírito Santo. Observem a relação existente entre o sopro de Jesus sobre os


apóstolos e a tarefa concedida a eles (Jo 20.22-23/Mt 16.19). “A igreja, por meio de
seus oficiais, só tem direito a declarar que os pecados são perdoados ou
retidos quando age em harmonia com a Palavra inspirada do Espírito.” 77(Vd.
1Co 5.1-13; 1Tm 1.20; 5.20). Esta concepção é totalmente diferente da praticada pela
igreja romana. Nela, o confessor é o instrumento de ligação entre o penitente e Deus;
representando em muitos aspectos o próprio Senhor Jesus Cristo, com poderes para
perdoar pecados.78 Como fica patente, esta perspectiva e prática são totalmente anti-
bíblicas.

2.3.5. À VERDADE:

Se não fosse a Sua ação iluminadora, orientadora e diretora, a Igreja


estaria para sempre afogada no mar de crendices, superstições e erros; todavia, o
Espírito tem nos guiado à verdade através da Palavra (Jo 16.13; 2Tm 3.16-17).

A elaboração doutrinária da Igreja no decorrer dos séculos, se cristalizando nos


Credos e Confissões, é uma evidência da direção do Espírito. 79 O ato de depreciar os
Credos significa deixar de usufruir das contribuições dos servos de Deus no passado
referentes à compreensão bíblica; “é uma negação prática da direção que no
passado deu o Espírito Santo à Igreja.” 80 Por isso é que, “Desrespeitar a
tradição e a teologia histórica é desrespeitar o Espírito Santo que tem
ativamente iluminado a Igreja em todos os séculos.”81

Os Credos nos oferecem de forma abreviada o resultado de um processo cumulativo


da história, reunindo as melhores contribuições de diversos servos de Deus na
compreensão da Verdade. Em outro lugar, referindo-nos à ciência, enfatizamos que
ela não tem pátria nem idade; não sendo privilégio de um povo, menos ainda de um
indivíduo; todo cientista – usando a figura de João de Salisbury (c. 1110-1180) 82 –
eqüivale a um anão sobre os ombros de gigantes, se valendo das contribuições de
seus predecessores, a fim de poder enxergar um pouco além deles. Podemos aplicar
esta figura à teologia. Aliás, Packer já o fez, mais especificamente aplicando à tradição:
77
G. Hendriksen, El Evangelio Segun San Juan, Grand Rapids, Michigan, SLC., 1981, p. 738.
78
O Código do Direito Canônico, (1917) Cânon 870, dizia: "No Confessionário o ministro tem
o poder de perdoar todos os crimes cometidos depois do batismo". O seu equivalente no
Código do Direito Canônico, (1983) Cânon 959, ainda que de forma atenuante, diz: "No
sacramento da penitência, os fiéis que confessam seus pecados ao ministro legítimo,
arrependidos e com o propósito de se emendarem, alcançam de Deus, mediante a
absolvição dada pelo ministro, o perdão dos pecados cometidos após o batismo, e ao
mesmo tempo se reconciliam com a Igreja, à qual ofenderam pelo pecado." (Vd. Código
de Direito Canônico, São Paulo, Edições Loyola, 1983).
79
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Igreja Presbiteriana e os Símbolos de Fé, São Paulo, 2000.
80
Louis Berkhof, Introduccion a la Teologia Sistematica, Grand Rapids, Michigan, T.E.L.L., c. 1973,
p. 22.
81
John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, Miami, Editora Vida, 1991, p. 8. Vd. o excelente aritigo de J.I.
Packer. (J.I. Packer, O Conforto do Conservadorismo: In: Michael Horton, ed. Religião de Poder, São
Paulo, Editora Cultura Cristã, 1998, p. 231-243).
82
Cf. N. Abbagnano & A. Visalberghi, Historia de la Pedagogía, Novena reimpresión, México, Fondo
de Cultura Económica, 1990, p. 203. Parece que esta figura também foi empregada por outro teólogo
medieval, “que morreu quase 300 anos antes de Lutero nascer....”, Pedro de Blois. (Cf. Timothy
George, Teologia dos Reformadores, São Paulo, Vida Nova, 1994, p. 23). Newton mais tarde,
referindo-se a Kepler (1571-1630), Galileu (1564-1643) e Descartes (1596-1650), entre outros, também
faria uso desta analogia. (Vd. N. Abbagnano & A. Visalberghi, Historia de la Pedagogía, p. 280).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 23

“A tradição nos permite ficar sobre os ombros de muitos gigantes que


pensaram sobre a Bíblia antes de nós. Podemos concluir pelo consenso do
maior e mais amplo corpo de pensadores cristãos, desde os primeiros Pais
até o presente, como recurso valioso para compreender a Bíblia com
responsabilidade. Contudo, tais interpretações (tradições) jamais serão
finais; precisam sempre ser submetidas às Escrituras para mais revisão.” 83

A busca da verdade pela verdade é uma característica fundamental da Igreja. Já que


cabe à Igreja o privilégio responsabilizador de proclamar a Palavra, ela tem de
compreender as Escrituras para anunciá-la com fidelidade e vivenciá-la para proclamar
com autoridade. Por isso, a Igreja é chamada de “coluna e baluarte da verdade”,
porque a ela foram confiados os oráculos de Deus (Rm 3.2/1Tm 3.15).

2.3.6. NO SEU CRESCIMENTO:

O Espírito alimenta a Igreja, fazendo-a crescer espiritual e


numericamente. Creio que o crescimento significativo ocorre nesta ordem. Quando a
Igreja conhece a Palavra e a pratica, prega com maior autoridade e, enquanto anuncia
e vive o Evangelho, o Senhor por Sua misericórdia, acrescenta o número de salvos. É
justamente isto que vemos em Atos: a Igreja pregava a Palavra com fidelidade, vivendo
o Evangelho com sinceridade e o Espírito fazendo a Igreja crescer. A melhor estratégia
é a do Espírito Santo e, o método infalível de Deus é a pregação fiel da Palavra; a
pregação do Evangelho compete ordinariamente a nós; é função exclusiva da Igreja;
não há outra entidade, agremiação ou organização a qual Deus tenha incumbido deste
privilégio responsabilizador. "A Igreja é uma instituição especial e especialista,
e a pregação é uma tarefa que somente ela pode realizar."84 No entanto, o
crescimento, é obra do Espírito. (Vd. At 2.47; 4.4; 6.7; 9.31; 12.24; 14.1; 16.4-5).

Observemos também, que muitas vezes, a responsabilidade do não crescimento da


Igreja está em nós, que nos entregamos a uma letargia espiritual, não amadurecendo
em nossa fé e, conseqüentemente, não apresentando um testemunho genuíno (Vd. Hb
5.11-14/1Co 3.1-9; Ef 4.11-16). Devemos aproveitar as oportunidades que Deus nos
dá, aprendendo a Palavra, fortalecendo a nossa fé, sendo educados por Deus e,
assim, viver de modo digno do Senhor, testemunhando o Evangelho com fidelidade e
autoridade.

2.3.7. NA INTERPRETAÇÃO DOS FATOS:

Jesus Cristo mostrou ao povo que os homens, por mais simples que

83
J.I. Packer, O Conforto do Conservadorismo: In: Michael Horton, ed. Religião de Poder, São Paulo,
Editora Cultura Cristã, 1998, p. 235. “Na verdade a abordagem impiedosa seria tentar aprender
de Deus como cavaleiro solitário que orgulhosamente ou impacientemente virasse as costas
para a igreja e sua herança: isso seria receita certeira para esquisitices sem fim!”. (J.I.
Packer, Ibidem., p. 236). “Quem examina a tradição encontra aberta diante de si a sabedoria
de todas as épocas.” (J.I. Packer, Ibidem., p. 237). “Humildade no juízo particular quer dizer
que continuamos a examinar as Escrituras até ficar claro o que Deus disse, proibindo nosso
intelecto orgulhoso de tirar conclusões sobre aquilo que o Deus da Bíblia deixa em aberto ou
de recusar-nos a aceitar ajuda da tradição cristã na interpretação das Escrituras sob a
suposição de que um estudante da Bíblia ‘se vira’ perfeitamente bem sem essa ajuda.” (J.I.
Packer, O Conforto do Conservadorismo: In: Michael Horton, ed. Religião de Poder, p. 241).
84
D. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, São Paulo, Fiel, 1984, p. 23.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 24

sejam, sabem raciocinar, e isto era evidente na interpretação das condições climáticas.
Todavia, Ele os recrimina por não estarem usando desta capacidade para discernir o
que era justo no que se referia ao próprio Cristo (Lc 12.54-57). Jesus dá a entender
que, nesta questão, eles eram apenas conduzidos pelos seus interesses
circunstanciais e egoístas.

O Espírito Santo agiu na Igreja fazendo com que fosse registrado as Epístolas e o
Apocalipse; hoje, Ele continua dirigindo a Igreja na interpretação dos fatos,
concedendo-nos discernimento para ver e interpretar os sinas dos tempos. Isto faz
parte do Ministério do Espírito que, como Jesus mesmo disse, Ele “vos anunciará as
cousas que hão de vir” (Jo 16.13).(Vd. Mt 16.1-4/1Tm 4.1; 2Tm 4.1-5). 85

Cabe à Igreja viver o presente de tal forma que revele a sua interpretação correta
dos fatos. A nossa postura no mundo não é nem pode ser estranha à nossa
cosmovisão ( Vd. Rm 13.11-14; Ef 5.8,14-16).

2.4. Conforta a Igreja:

A Igreja no Novo Testamento logo enfrentou uma série de perseguições,


geradas num primeiro momento, pelos judeus. Para citar apenas algumas, temos a
perpetrada contra Estevão, que morreu apedrejado (At 7.1-60); a de Herodes Agripa I,
que prendeu a Pedro e decapitou Tiago (At 12.1-3); Paulo, o antigo perseguidor do
Evangelho, foi aquele que mais sofreu perseguições (At 9.23-25,29; 14.2-7,19; 16.19-
24; 17.4-9, 13-15; 21.30-32).

Escrevendo aos coríntios, Paulo faz um resumo do que havia sofrido pelo Evangelho
de Cristo (2Co 11.23-33). Contudo, havia nele, uma visão constante que transpunha o
sentimento de dor e angústia. Na prisão, escreveu aos filipenses: “Quero ainda,
irmãos, cientificar-vos de que as cousas que me aconteceram têm antes
contribuído para o progresso do evangelho” (Fp 1.12) e, diz mais: “Alegrai-vos
sempre no Senhor, outra vez digo, alegrai-vos” (Fp 4.4.). O Evangelho prosseguia
em sua caminhada vitoriosa a despeito dos obstáculos erguidos contra ele.

Paulo estava convencido e, demonstrava isto na prática, que Deus nos faz vencer os
obstáculos que estão à nossa frente. Enumeremos alguns que podem ser inferidos do
texto de Filipenses:

1) Desânimo: (1.18) Ele poderia desanimar quando viu que alguns pregavam a
Cristo por inveja. Entretanto, se alegrou porque sabia que apesar desta motivação
ímpia, o Evangelho estava sendo pregado e nisto ele se alegrava.

2) Apego à vida: (1.20-21) A possibilidade concreta da morte é para maioria de nós


o limite da coragem. Paulo, pelo contrário, não temia a morte; ele diz que vivendo ou
morrendo, Cristo seria engrandecido nele... A morte, que consistia no encontro com
Cristo, seria lucro, algo incomparavelmente melhor! (1.21,23).

3) Egoísmo: (1.22-26) Paulo coloca de lado os seus desejos pessoais para preferir
permanecer ali, mesmo que na prisão, a fim de poder ajudar o progresso da fé de
todos os irmãos. A sua prioridade naquele momento, era contribuir para o crescimento
espiritual dos seus irmãos...

85
Vd. A. A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, p. 175-185.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 25

4) Indignidade: (1.27) Ele poderia estar blasfemando contra Deus e ofendendo os


homens por sua injusta prisão; todavia, ele está vivendo dignamente, testemunhando
com sua palavra e os seus atos o Evangelho do Reino e, ensinando os irmãos a
viverem como ele, de modo digno do Senhor.

5) Temor: (1.27-30) Paulo estava preso e os irmãos de Filipos sofriam


perseguições. Ele corajosamente os estimula a permanecerem firmes no Senhor,
assim como ele estava, sem temor.

A perseguição não encerrou-se no primeiro século; a Igreja através de toda a


História tem sido alvo de ataques físicos, morais, intelectuais e espirituais; todavia, ao
lado destas afrontas, ela tem podido desfrutar da presença confortadora do Espírito
Santo. O Espírito que habita em nós, nos conforta em todos os momentos, nos
amparando quando parece que não temos onde ou em quem nos apoiar. “Assim, o
Espírito Santo é o autor imediato de toda verdade, de toda santidade, de
toda consolação, de toda autoridade, e de toda eficiência nos filhos de Deus
individualmente, e na Igreja coletivamente.”86

De fato, o Senhor Jesus não nos deixou órfãos; Ele, Ele mesmo está conosco aqui e
agora, e para sempre (Jo 14.16-18/At 9.31).

3. AS MARCAS DA VERDADEIRA IGREJA:

Foi com o surgimento das heresias que se tornou necessário estabelecer "um
padrão de verdade ao qual a igreja deve corresponder",87 sendo os Credos
uma resposta da Igreja à situação de ameaça à teologia considerada bíblica. 88

Como expressão dessa preocupação – em identificar a verdadeira igreja –,


encontramos na obra Commonitorium, de Vicente de Lérins († 450 AD), escrita em 434,
o seguinte:

"Eis por que dediquei, constantemente, meus maiores desvelos e


minhas diligências a investigar, entre o maior número possível de homens
eminentes em saber e santidade, a maneira de achar uma norma de
princípios fixos e, se possível, gerais e orientadores, para distinguir a
verdadeira fé católica das degradantes corruptelas da heresia....". 89

Apenas em caráter indicativo, apresentaremos um esboço histórico da


preocupação da Igreja em estabelecer os "Sinais" ou "Marcas" através dos quais, a
Igreja de Cristo pudesse ser identificada e distinta das falsas igrejas.

86
Charles Hodge, Teología Sistemática, Barcelona, Editorial CLIE., (Traducción y Condensación
Santiago Escuain), 1991, Vol. I, 1.8.3. p. 378.
87
Louis Berkhof, Teologia Sistemática, p. 579.
88
Entre os anos de 264 e 268, três Sínodos reuniram-se sucessivamente em Antioquia, tendo como
objetivo julgar a conduta e os ensinamentos de Paulo de Samosata, bispo de Antioquia desde 260. O
último dos três sínodos (268) o condenou e o excomungou por “heterodoxia” (e(terodoci/an). A sua
doutrina e conduta foram classificadas como sendo uma “apostasia do cânon” (“a)posta\j tou=
kano/noj”) (Vd. Eusébio de Cesarea, Historia Eclesiastica, Madrid, La Editorial Catolica, (Biblioteca de
Autores Cristianos, Vols. 349-350), 1973, VII.30.6); ou seja, o abandono da fé ortodoxa.
89
Vicente de Lérins, Commonitorium, II.4. In: Philip Schaff & Henry Wace, eds. A Select Library of
Nicene And Post-Nicene Fathers of The Christian Church, (Second Series), Grand Rapids, Michigan,
Wm. Eerdmans Publishing House Co.,1978, Vol. 11, p. 132.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 26

No Credo Apostólico,90 lemos: "Creio no Espírito Santo; na santa Igreja,


católica; na comunhão dos santos....". Aqui se destacam duas marcas da Igreja:
SANTIDADE E CATOLICIDADE (= Universalidade).

O Credo Niceno-Constantinopolitano, elaborado no Concílio de Nicéia (325) e


revisto no Concílio de Constantinopla (381), diz: “(...) E numa só Igreja Santa,
Católica, e Apostólica”. Desta afirmação, quatro marcas tornam-se evidentes:
UNIDADE, SANTIDADE, CATOLICIDADE E APOSTOLICIDADE.

Na Reforma Protestante do Século XVI, a Igreja foi compreendida dentro da


perspectiva de “povo de Deus”, não simplesmente como um edifício ou uma
organização institucional,91 mas sim, como povo de Deus que se reúne para adorar a
Deus, sendo a Igreja caracterizada pela ministração correta da Palavra e dos
Sacramentos.92 Calvino (1509-1564) tratando desse assunto, insistiu no fato de que as
marcas da Igreja são: A verdadeira pregação da Palavra de Deus e a correta

90
O Credo Apostólico teve a sua primeira redação no 2º século, passando ao longo da história por
alguns acréscimos, chegando à forma que temos hoje, por volta do sétimo século. A sua origem está
tradicionalmente atribuída aos apóstolos. Essa lenda, bastante antiga, encontrou a sua forma mais
famosa em Rufino (c. 404), que supõe que cada um dos apóstolos colaborou com uma cláusula em
particular. (Vd. J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca, España, Secretariado Trinitario,
1980, p. 15ss.; J. Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, São Paulo, Herder, 1970, p. 17-18). Quanto
às tradições referentes à composição do “Credo Apostólico”, Vd. J.N.D. Kelly, Primitivos Credos
Cristianos, p. 15ss. Sobre os acréscimos ao Credo, Vd. P. Schaff, The Creeds of Christendom, 6ª ed.
(Revised and Enlarged), Grand Rapids, Michigan, Baker Book House, 1977, Vol. I, p. 19-22; II. 45-55.
(Doravante, citado como COC); Reinhold Seeberg, Manual de História de las Doctrinas, El Paso,
Texas/Buenos Aires/Santiago, Casa Bautista de Publicaciones/Junta Bautista de Publicaciones/Editorial
“El Lucero”, [1963], Vol. I, p. 93-94; O.G. Oliver, Jr., Credo dos Apóstolos: In: EHTIC., I, p. 362-363; K.S.
Latourette, História del Cristianismo, 4ª ed. Buenos Aires, Casa Bautista de Publicaciones, 1978, Vol. I,
p. 180-182; Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo, ASTE., 1967, p. 54; Charles A.
Briggs, Theological Symbolics, New York, Charles Scribners’s Sons, 1914, p. 40; Wayne A. Grudem,
Teologia Sistemática, São Paulo, Vida Nova, 1999, p. 486ss.
91
Lutero (1483-1546) enfatizou que, “nem trabalho em pedra, nem boa construção, nem ouro,
nem prata tornam uma igreja formosa e santa, mas a Palavra de Deus e a sã pregação. Pois
onde é recomendada a bondade de Deus e revelada aos homens, e almas são encorajadas
para que possam depender de Deus e chamar pelo Senhor em tempos de perigo, aí está
verdadeiramente uma santa igreja.” [Jaroslav Pelikan, ed. Luther’s Works, Saint Louis,
Concordia Publishing House, 1960, Vol. II, (Gn 13.4), p. 332]. O eminente teólogo puritano John Owen
(1616-1683), escreveu: “Quão pouco pensam os homens sobre Deus e seus caminhos, se
imaginarem que um pouco de tinta e de verniz fazem uma beleza aceitáveis!” [Wiiliam H.
Goold, ed. The Works of John Owen, 4ª ed. London, The Banner of Truth Trust, 1987, Vol. IX, p.
77,78).
92
Vd. John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, São Paulo,
Pendão Real, 1997, p. 330ss.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 27

administração dos Sacramentos.93 Esta concepção pode ser resumida na afirmação de


que Cristo é a marca essencial da Igreja, visto ser Ele "o centro da Palavra e o
cerne dos sacramentos."94

Os reformadores vão enfatizar o estudo da Palavra, visto que este fora ofuscado
pela preocupação filosófica: A Razão havia tomado o lugar da Revelação. Na
Reforma, o ponto de partida não é o homem; ele não é considerado "a medida de
todas as coisas"; antes, a sua dignidade consiste em ter sido criado à imagem de
Deus.95

A Reforma teve como objetivo precípuo uma volta às Sagradas Escrituras, a fim
de reformar a Igreja que havia caído ao longo dos séculos, numa decadência
teológica, moral e espiritual. A preocupação dos reformadores era principalmente "a
reforma da vida, da adoração e da doutrina à luz da Palavra de Deus". 96
Desta forma, a partir da Palavra, passaram a pensar acerca de Deus, do homem e
do mundo! "A reforma foi acima de tudo uma proclamação positiva do
evangelho Cristão."97

O Calvinismo, com sua ênfase na centralidade das Escrituras, é mais do que um


sistema teológico, é sobretudo, uma maneira teocêntrica de ver, interpretar e atuar na
história.98

Aliás, a Reforma teve como um de seus marcos fundamentais o "reavivamento" da


pregação da Palavra.99 À Igreja foi confiada a Palavra de Deus, a qual ela deve

93
J. Calvino, As Institutas, (Dedicatória: Carta ao Rei Francisco, X), Livro IV. Capítulo 1, Seções 9-
12; Livro IV, Capítulo 2, Seção 1. Do mesmo modo a Confissão de Augsburgo (1530), escrita por
Melanchton, Art. 7.
Na Resposta ao Cardeal Sadoleto (01/09/1539), Calvino declara que a igreja é:
"...A assembléia de todos os santos, a qual espalhada por todo o mundo, está dispersa
em todo tempo, unida sem dúvida por uma só doutrina de Cristo, e que por um só Espírito
guarda e observa a união da fé, junto com a concórdia e caridade fraterna" . (Juan Calvino,
Respuesta al Cardeal Sadoleto, p. 30-31). Ele diz que os membros da Igreja são reconhecidos "por
sua confissão de fé, pelo exemplo de vida e pela participação nos sacramentos", sendo estes
sinais indicativos de que tais pessoas "reconhecem ao mesmo Deus e ao mesmo Cristo que nós"
(As Institutas, IV.1.8).
A santidade e firmeza da Igreja segundo Calvino, repousam principalmente em "três coisas", a
saber: "doutrina, disciplina e sacramentos vindo em quarto lugar as cerimônias para
exercitar o povo no dever da piedade." (Juan Calvino, Respuesta al Cardeal Sadoleto, p. 32).
94
Bruce Milne, Conheça a Verdade, São Paulo, ABU., 1987, p. 227. (Veja-se, D.M. Lloyd-Jones, O
Combate Cristão, São Paulo, PES., 1991, p. 128).
95
Vejam-se, J. Calvino, As Institutas, I.15.3 e 4.; Francis A. Schaeffer, A Morte da Razão, São
Paulo, ABU/FIEL, 1974, p. 20ss.
96
Colin Brown, Filosofia e Fé Cristã, São Paulo, Vida Nova, 1983, p. 36.
97
John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, p. 36.
98
Do mesmo modo, diz J.D. Douglas: “O Calvinismo era mais do que um credo; era uma
filosofia compreensiva que abrangia toda a vida” (J.D. Douglas, A Contribuição do Calvinismo na
Escócia: In: W. Stanford Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, São Paulo, Casa
Editora Presbiteriana, 1990, p. 290. (Doravante citada como CSIMO).
99
Vd. John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, p. 125;
Roland H. Bainton, Martin Lutero, 3ª ed. México, Ediciones CUPSA., 1989, p. 391. Podemos dizer que
na Reforma houve uma revitalização da Pregação Bíblica. A Palavra de Deus passou a ser pregada
com ênfase e, a pregação passou a ser estudada considerando-se a sua natureza e propósito. No
período da Renascença e da Reforma houve diversas contribuições neste campo (Para uma
amostragem destas, Veja-se: Vernon L. Stanfield, The History of Homiletics: In: Ralph G. Turnbull, ed.
Baker's Dictionary of Practical Theology, 7ª ed. Michigan, Baker Book House, 1970, p. 52-53).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 28

preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15). Calvino entendia que
“a verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da
Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem
se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável!”. 100 Escrevendo a
Cranmer (jul/1552?) diz: “A sã doutrina certamente jamais prevalecerá, até que
as igrejas sejam melhor providas de pastores qualificados que possam
desempenhar com seriedade o ofício de pastor.” 101 Calvino, fiel à sua
compreensão da relevância da pregação bíblica, 102 usou de modo especial, o método
de expor e aplicar103 quase todos os livros das Escrituras à sua congregação. A sua
mensagem se constitui num monumento de exegese, clareza e fidelidade à Palavra,
sabendo aplicá-la com maestria aos seus ouvintes. De fato, não deixa de ser
surpreendente, o conselho de Jacobus Arminius (1560-1609): “Eu exorto aos
estudantes que depois das Sagradas Escrituras leiam os Comentários de
Calvino, pois eu lhes digo que ele é incomparável na interpretação da
Escritura.” 104

A fecundidade exegética de Calvino tinha sempre uma preocupação primordialmente


pastoral.105 Estima-se que Calvino durante os seus trinta e cinco anos de Ministério –
pregando dois sermões por domingo e uma vez por dia em semanas alternadas –
tenha pregado mais de três mil sermões.106
100
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97. Calvino, comentando a expressão “coluna da
verdade”, continua falando da responsabilidade dos pastores: “Deus mesmo não desce do céu para
nós, nem diariamente nos envia mensageiros angelicais para que publiquem sua verdade,
senão que usa as atividades dos pastores, a quem destinou para esse propósito.” (Ibidem., p.
97). “.... Em relação aos homens, a Igreja mantém a verdade porque, por meio da pregação,
a Igreja a proclama, a conserva pura e íntegra, a transmite à posteridade.” (Ibidem., p. 98).
Comentando sobre a necessidade do bispo ser apegado à Palavra fiel, diz: “Este é o principal dote
do bispo que é eleito especificamente para o magistério sagrado, porquanto a Igreja não
pode ser governada senão pela Palavra”. [J. Calvino, As Pastorais, (Tt 1.9), p. 313]. Vd. também,
As Institutas, IV.1.5; João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124-125. “A erudição unida à piedade e
aos demais dotes do bom pastor, são como uma preparação para o ministério. Pois, aqueles
que o Senhor escolhe para o ministério, equipa-os antes com essas armas que são
requeridas para desempenhá-lo, de sorte que lhe não venham vazios e despreparados.”
(João Calvino, As Institutas, IV.3.11). “Não se requer de um pastor apenas cultura, mas também
inabalável fidelidade pela sã doutrina, ao ponto de jamais apartar-se dela” [J. Calvino, As
Pastorais, (Tt 1.9), p. 313].
101
Calvin to Cranmer, Letter 18. In: John Calvin Collection, The AGES Digital Library, 1998. Do
mesmo modo, Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, p. 141-142.
102
Ele escreveu: “.... Quão necessária é a pregação da Palavra, e quão indispensável é que a
mesma seja realizada continuamente.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.6), p.
103].
103
Vd. T.H.L. Parker, Calvin’s Preaching, Westminster/John Knox Press, Louisville, Kentucky, 1992, p.
79ss.
104
Carta escrita a Sebastian Egbertsz, publicada em 1704. Vd. F.F. Bruce, The History of New
Testament Study. In: I.H. Marshall, ed. New Testament Interpretation; Essays on Principles and
Method, Exeter, The Paternoster Press, 1979, p. 33. A. Mitchell Hunter, The Teaching of Calvin: A
Modern Interpretation, 2ª ed. revised, London, James Clarke & Co. Ltd. 1950, p. 20; P. Schaff, History
of the Christian Church, Vol. VIII, p. 280.
105
"O maior exegeta do seu tempo sempre manifestou nos seus sermões
preocupação nitidamente pastoral." (Henri Strohl, O Pensamento da Reforma, São Paulo, ASTE,
1963, p. 222). Vd. também: W. Gray Crampton, What Calvin Says, Maryland, The Trintiny Foundation,
1992, p. 28.
106
Cf. J.H. Leith, A Tradição Reformada: Uma maneira de ser a comunidade cristã, p. 126; Timothy
George, Teologia dos Reformadores, São Paulo, Vida Nova, 1994, p. 187. Bouwsma calcula que
Calvino tenha pregado cerca de 4 mil sermões depois que voltou para Genebra em 1541. (William J.
Bouwsma, John Calvin: A Sixteenth-Century Portrait, New York/Oxford, Oxford University Press,
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 29

Calvino, entendia que Deus, na Sua Palavra, “se acomodava à nossa


capacidade”,107 balbuciando a Sua Palavra a nós como as amas fazem com as
crianças.108 “... Deus, acomoda-se ao nosso modo ordinário de falar por
causa de nossa ignorância, às vezes também, se me é permitida a
expressão, gagueja.”.109 Portanto, quando lemos as Escrituras, “somos
arrebatados mais pela dignidade do conteúdo que pela graça da
linguagem.”110 Esses pontos tornam o homem inescusável e realçam a relevância
das Escrituras para a vida cristã. Ele diz: "Ora, primeiro, com Sua Palavra nos
ensina e instrui o Senhor; então, com os sacramentos no-la confirma;
finalmente, com a luz de Seu Santo Espírito a mente nos ilumina e abre
acesso em nosso coração à Palavra e aos sacramentos, que, de outra sorte,
apenas feririam os ouvidos e aos olhos se apresentariam, mas, longe
estariam de afetar-nos o íntimo." 111 Aqui temos um paradoxo: A Palavra
acomodatícia de Deus permanece, entretanto, como algo misterioso para os que não
crêem ou que desejam entendê-la por sua própria sabedoria pois, os “tesouros da
sabedoria celestial”, acham-se fora “do alcance da cultura humana.”112 Todos
somos incapazes de entender os “mistérios de Deus” até que Ele mesmo por Sua
graça nos ilumine.113

O Comentário de Romanos não foge a este princípio, o reconhecimento de que é o


Espírito Quem deve nos guiar na compreensão das Escrituras. E, o conselho que o
próprio Calvino emitiu no Prefácio à edição francesa das Institutas (1541), permanece
para todas as suas obras, também como princípio avaliador de qualquer labor humano:
“Importa em tudo quanto exponho recorrer ao testemunho da Escritura, que
aduzo para ajuizar da procedência e justeza do que afirmo.”

1988, p. 29). Em 11/9/1542, o Conselho decidiu que Calvino aos domingos, não pregasse mais do que
um sermão. (Cf. W. Greef, The Writings of John Calvin: An Introductory Guide, Grand Rapids,
Michigan, Baker Book House, 1993, p. 110).
107
J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 2.7), p. 82.
108
“Pois quem, mesmo que de bem parco entendimento, não percebe que Deus assim
conosco fala como que a balbuciar, como as amas costumam fazer com as crianças? Por
isso, formas de expressão que tais não exprimem, de maneira clara e precisa, tanto quê
Deus seja, quanto Lhe acomodam o conhecimento à paucidade da compreensão nossa. Para
que assim se dê, necessário Lhe é descer muito abaixo de Sua excelsitude.” (J. Calvino, As
Institutas, I.13.1).
109
John Calvin, Commentary on the Gospel Accordin to John, Grand Rapids, Michigan, Baker Book
House (Calvin’s Commentaries, Vol. XVIII), 1996 (Reprinted), (Jo 21.25), p. 299.
110
J. Calvino, As Institutas, I.8.1. Calvino, continua: “Ora, e não sem a exímia providência de
Deus isto se faz, que sublimes mistérios do reino celeste fossem, em larga medida
transmitidos em termos de linguagem apoucada e sem realce, para que houvessem eles de
ser adereçados em mais esplendorosa eloqüência, os ímpios não alegassem cavilosamente
que a só força desta aqui impera.
“Agora, quando essa não burilada e quase rústica simplicidade provoca maior reverência
de si que qualquer eloqüência de retóricos oradores, que é de julgar-se, senão que a
pujança da verdade da Sagrada Escritura tão sobranceira se estadeia, que não necessite do
artifício das palavras?” (J. Calvino, As Institutas, I.8.1).
No entanto, ele também entendia que “alguns Profetas têm um modo de dizer elegante e
polido, até mesmo esplendoroso, assim que a eloqüência lhes não cede aos escritores
profanos.” (J. Calvino, As Institutas, I.8.2).
111
J. Calvino, As Institutas, IV.14.8. Vd. também J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 10.16), p.
373-374.
112
J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 16.21), p. 522.
113
Cf. João Calvino, As Institutas, II.2.21.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 30

Em 28 de abril de 1564, um mês antes de morrer, tendo os ministros de Genebra à


sua volta, Calvino despede-se;114 a certa altura diz:

“A respeito de minha doutrina, ensinei fielmente e Deus me deu a graça


de escrever. Fiz isso do modo mais fiel possível e nunca corrompi uma só
passagem das Escrituras, nem conscientemente as distorci. Quando fui
tentado a requintes, resisti à tentação e sempre estudei a simplicidade. 115
“Nunca escrevi nada com ódio de alguém, mas sempre coloquei
fielmente diante de mim o que julguei ser a glória de Deus.”116

Na seqüência, acrescenta:

“.... Esquecia-me de um ponto: peço-lhes que não façam mudanças,


nem inovem. As pessoas muitas vezes pedem novidade.
“Não que eu queira por minha própria causa, por ambição, a
permanência do que estabeleci, e que o povo o conserve sem desejar algo
melhor; mas porque as mudanças são perigosas, e às vezes nocivas....”. 117

Calvino entendia que “com a oração encontramos e desenterramos os


tesouros que se mostram e descobrem à nossa fé pelo Evangelho” e,118 que
“a oração é um dever compulsório de todos os dias e de todos os momentos
de nossa vida”119 e: “Os crentes genuínos, quando confiam em Deus, não se
tornam por essa conta negligentes à oração.” 120 Portanto, este tesouro não pode
ser negligenciado como se “enterrado e oculto no solo!”.121 Aqui está o segredo da

114
Vd. Theodore Beza, Life of John Calvin: In: Tracts and Treatises on the Reformation of the
Church, Grand Rapids, Michigan, Eerdmans, 1958, Vol. I, p. cxxxi; J.T. McNeill, The History and
Character of Calvinism, p. 227. Após sua morte (27/05/1564), Beza que o acompanhou durante todo o
tempo, escreveu: “Nessa dia, com o crepúsculo, a mais brilhante luz que já houve no mundo
para a orientação da Igreja de Deus foi levada de volta para os céus.” (Apud J.T. McNeill, The
History and Character of Calvinism, p. 227).
115
Aliás, Calvino desde cedo aprendeu a desprestigiar o estilo pomposo sem objetividade
116
Calvin, Textes Choisis par Charles Gagnebin, Egloff, Paris, © 1948, p. 42-43. (Há tradução em
inglês, Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, Carlisle, Pennsylvania, The Banner of
Truth Trust, 1980, p. 259-260).
117
Calvin, Textes Choisis par Charles Gagnebin, p. 43. (Na tradução em inglês, Letters of John Calvin,
p. 260).
118
J. Calvino, As Institutas, III.20.2. Em outro lugar escreve: “Se devemos receber algum fruto de
nossas orações, devemos também crer que os ouvidos de Deus não se fecharam contra
elas.” [João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 6.8-10), p. 133]. “A genuína oração provém,
antes de tudo, de um real senso de nossa necessidade, e, em seguida, da fé nas promessas
de Deus.” (João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, p. 34). “Nossas orações só são aceitáveis
quando as oferecemos em submissão aos mandamentos de Deus e somos por elas
animados a uma consideração da promessa que Ele tem formulado.” [João Calvino, O Livro
dos Salmos, Vol. 2, (Sl 50.15), p. 412]. Comentando Rm 12.12, enfatiza que “a diligência na oração
é o melhor antídoto contra o risco de soçobrarmos.” [João Calvino, Exposição de Romanos,
(12.12), p. 438].
119
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 50.14-15), p. 410.
120
João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 30.6), p. 633. “Quando a segurança carnal se
haja assenhorado de alguém, tal pessoa não pode entregar-se alegremente à oração até
que seja feita maleável pela cruz e completamente subjugada. E esta é a vantagem
primordial das aflições, ou seja, enquanto nos tornam conscientes de nossa miséria, nos
estimulam novamente para suplicarmos o favor divino.” [João Calvino, O Livro dos Salmos,
Vol. 1, (Sl 30.8), p. 635].
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 31

Palavra de Deus, segundo a percepção de Calvino: Estudo humilde 122 e oração,


atitudes que se revelam em nossa obediência a Cristo. 123 Schaff resume: “Absoluta
obediência de seu intelecto à Palavra de Deus, e obediência de sua vontade
à vontade de Deus: esta foi a alma de sua religião.” 124 “A oração tem
primazia na adoração e no serviço a Deus.”125

Retomando a nossa rota principal, constatamos que outros teólogos Reformados, 126
acrescentaram aos dois sinais indicados por Calvino, um terceiro: O EXERCÍCIO FIEL
DA DISCIPLINA.

A Confissão Belga (1561),127 no Artigo XXIX, diz:

"Os sinais para conhecer a Igreja verdadeira são estes: a pregação


pura do evangelho; a administração pura dos Sacramentos, tal como
foram instituídos por Cristo; a aplicação da disciplina cristã, para castigar

121
João Calvino, As Institutas, III.20.1.
122
“Se me interrogues acerca dos preceitos da religião cristã, primeiro, segundo e terceiro,
aprazer-me-ia responder sempre: a humildade.” (J. Calvino, As Institutas, II.2.11).
123
“Sempre que a carne, ou seja, a corrupção natural, governa uma pessoa, ela toma posse
de sua mente para que a sabedoria divina não logre entrada. Em razão disto, se porventura
desejamos lograr algum progresso na escola do Senhor, devemos antes renunciar nosso
próprio entendimento e nossa própria vontade.” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co
3.3), p. 100]. “Os filósofos pagãos põem a razão como o único guia de vida, de sabedoria e
conduta, porém a filosofia cristã demanda que rendamos nossa razão ao Espírito Santo, o
que significa que já não mais vivemos para nós mesmos, senão que Cristo vive e reina em
nós. Ver Rm 12.1; Ef 4.23; Gl 2.20.” (John Calvin, Golden Booklet of the True Christian Life, p.
22).
124
Philip Schaff, History of the Christian Church, Vol. VIII, p. 310. Vd. também, P. Schaff, The
Creeds of Christendom, I, p. 448.
125
João Calvino, O Profeta Daniel, São Paulo, Parakletos, 2000, Vol. 1, (Dn 6.10), p. 371.
126
Como já vimos, teólogos tais como: Andrew G. Hyperius (1511-1564); Peter Martyr Vermigli (1500-
1562); John Knox (c.1514-1572); Zacharias Ursinus (1534-1583); Johann H. Heidegger (1633-1698);
Marcus F. Wendelinus (1584-1652), entre outros.
127
A Confissão Belga que se inspirou na Confissão Gaulesa (1559), foi escrita em francês em
1561 por Guido (ou Guy, Wido) de Brès (1523-1567), com a ajuda de M. Modetus, Adrien de Saravia
(1513-1613) – um dos primeiros protestantes a advogar a idéia de missões estrangeiras (Cf. I.
Breward, Saravia: In: J.D. Douglas, ed. ger. The New International Dictionary of the Christian Church,
3ª ed. Grand Rapids, Michigan, 1979, p. 878) e G. Wingen, sendo revisada por Francis Junius (1545-
1602) e, publicada a sua tradução em holandês em 1562. "O pastor Guy de Brès escreveu uma
carta de defesa aos magistrados. Lançou-a juntamente com um exemplar de sua recente
'Confession de Foy' por sobre o muro do castelo de Doornick, para assim ser levado ao
governador e ao rei. Se este jamais leu a confissão de fé, não se sabe, mas ela chegou a
ocupar um lugar de suma importância na Igreja Reformada holandesa." (Frans L. Schalkwijk,
Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630- 1654), Recife, Pe. FUNDARTE (Coleção Pernambucana, 2ª
Fase, Vol. 25), 1986, p. 27).
Ela juntamente com o Catecismo de Heidelberg (1563), foi aprovada no Sínodo de Antuérpia,
realizado secretamente (Cf. Schalkwijk, Ibidem., p. 27), em Wessel (1568) e adotada pelo Sínodo
Reformado de Emden (1571), pelo Sínodo Nacional de Dort (1574), Middelburg (1581) e, também, pelo
grande Sínodo de Dort (29/4/1619), o qual a sujeitou a uma minuciosa revisão, comparando a tradução
holandesa com o texto francês e latino. A Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg são os
símbolos de fé das Igrejas Reformadas na Holanda e Bélgica, sendo também o padrão doutrinário da
Igreja Reformada na América. (Vd. Philip Schaff, COC., Vol. 1, p. 502-508; III, p. 383; J. Van Engen,
Confissão Belga: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São
Paulo, Vida Nova, 1988, Vol. 1, p. 330).(Doravante citada como EHTIC).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 32

os pecados."128

De forma restrita, podemos falar da Verdadeira Pregação da Palavra como a


marca distintiva da Igreja, decorrendo daí, as outras duas marcas indicadas. 129

4. CARACTERÍSTICAS E MISSÃO DA IGREJA:

A Missão da Igreja é determinada por sua Origem, Fundamento e Cabeça. Não


podemos falar em Missão, sem termos consciência destes elementos. A Igreja, com
freqüência se perde em sua missão, justamente porque não compreende a sua
identidade; a dimensão da sua existência.

4.1. Identidade Teológica:

1) A Igreja é edificada por Deus sobre a Rocha: (Mt 16.18/Ef 2.19-22; Lc


20.17; 1Co 10.4).

A Igreja é edificada pelo próprio Cristo; Deus não confiou esta tarefa a mais
ninguém. É Ele mesmo Quem reúne os Seus. 130 O fundamento da Igreja não é o
homem com as suas fraquezas e pecado, nem a sua vacilante confissão de fé; mas
sim, o próprio Cristo, a rocha eterna e inabalável. A confissão da identidade do Filho, é
fundamental para o ingresso na Igreja e, tal confissão só se torna possível pela graça
reveladora de Deus (Mt 16.16,17). E, esta revelação é feita de acordo com o propósito
de Deus.

Jesus declara: "Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho
senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o
quiser revelar” (Mt 11.27).

A Igreja é o Corpo de Cristo e é Deus mesmo quem forma este corpo. É Deus
quem elege o Seu povo e o chama eficazmente através da Palavra, para fazer parte da
Sua Igreja. Deus arregimenta o Seu povo, preservando-o até concluir a Sua obra
iniciada na eternidade. (Fp 1.6).

Jesus: "Todo aquele que o Pai me dá; esse virá a mim; e o que vem a mim, de
modo nenhum o lançarei fora (...). Ninguém pode vir a mim se o Pai que me
enviou não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia (...). Ninguém poderá vir a
mim, se pelo Pai não lhe for concedido” (Jo 6.37,44,65).

128
Essa posição é também encontrada na Confissão Escocesa (1560), Cap. XVIII, que acrescenta:
“Onde quer que essas marcas se encontrem e continuem por algum tempo – ainda que o
número de pessoas não exceda de duas ou três – ali, sem dúvida alguma, está a verdadeira
Igreja de Cristo, o qual, segundo a Sua promessa, está no meio dela.”.
129
Cf. L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 580; Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, 3ª ed.
Grand Rapids, Michigan, Reformed Publishing Association, 1976, p. 620. Vd. João Calvino, As
Pastorais, (1Tm 3.15), p. 99.
130
“O significado de uma assembléia profana está em razão direta com o número dos que
dela participam. A assembléia do povo de Deus, ao contrário, independe deste fato. Ela
existe quando Deus reúne os seus. Seu número depende daquele que chama e reúne, e
somente então dos que se deixam chamar e reunir. (Mt 18.20).” (Karl L. Schmidt, Igreja: In:
Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, p. 20).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 33

Paulo: "...Aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem


conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre
muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que
chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também
glorificou” (Rm 8.29-30).

2) A Igreja é do Deus Triúno: A Ele cabe dirigi-la: (At 9.31; 20.28; Rm 16.16;
1Co 1.2; 10.32; 11.16,22; 2Co 1.1; Ef 5.23-24; Cl 1.18; 1Ts 2.14; 2Ts 1.4; 1Pe 2.9-10).

3) A Igreja é o Corpo de Cristo: Ele a ama, preserva, alimenta e santifica:


(Ef 5.25-27,29; Cl 1.24).

4) Deus concede graça à Igreja: (1Co 12.28; 2Co 8.1). A Igreja é o


monumento da Graça de Deus: tudo que somos e temos é pela graça. A graça de
Deus não é estéril; devemos usá-la para o serviço de Deus e em benefício do nosso
próximo.(Rm 12.6-8; 1Co 15.10; 2Co 6.1; 2Co 8.1-9; 16-19; 9.8,14, Hb. 12.28; 1Pe
4.10).131

5) Templo de Deus no Mundo: A Igreja é o testemunho da presença e da


atuação de Deus entre os homens. A Igreja é o reflexo da presença de Deus.

A Igreja diz ao mundo através de sua realidade histórica e testemunho, que ainda
há esperança de salvação. A Igreja como luz do mundo e sal da terra, constitui-se
numa bênção inestimável para toda a humanidade. 132

"A Igreja, portanto, é a presença de Jesus Cristo por meio de seu povo,
em prol do mundo. Embora provisória, essa presença é real, humana e
histórica. Cristo age por meio da Igreja realizando sua obra e
confirmando sua vitória. Nesse sentido, não há salvação fora da Igreja,
desde que esta se disponha a servir e glorificar Jesus Cristo."133

4.2. Identidade Teocêntrica:

A Igreja tem uma natureza "Teantrópica": Ela é criada por Deus em Cristo (1Ts
2.14) – não é simplesmente uma associação de voluntários –, é o Corpo de Cristo, mas
também, é humana em sua constituição.

Conforme vimos, a Igreja é de origem divina; partindo desta perspectiva, podemos


entender que a sua identidade divina determina a sua existência teocêntrica. A Igreja –
edificada por Deus e composta por homens –, vive para a Glória de Deus (1Co 10.31).

1) A Igreja é uma Comunidade:

A Igreja não é constituída de pessoas individuais que vivem individualmente


para si mesmas; ser cristão, apesar de não anular a nossa personalidade, significa ter
uma dimensão da nossa identidade como Corpo de Cristo. O que caracteriza a nossa

131
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Graça de Deus: Comum ou Exclusiva?, São Paulo, 1999; Karl L.
Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, p. 22.
132
Vd. R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 242-247.
133
Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, p. 357.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 34

"comunidade" é primordialmente, a nossa comunhão com Cristo. 134 (1Jo 1.3). Calvino
(1509-1564), no Catecismo de Genebra, comentando o Credo Apostólico, enfatiza o
aspecto comunitário da Igreja, dizendo ser ela, "um corpo e companhia dos fiéis,
aos quais Deus ordenou e elegeu para a vida eterna." 135 Isto significa que as
bênçãos de Deus para a Sua Igreja, são derramadas sobre todo o Seu povo, visto que
todos estes têm comunhão entre si.136

"O cristão – diz Lewis –, é chamado não ao individualismo, mas à


participação no corpo de Cristo. A distinção entre a coletividade secular e o
corpo de Cristo é, portanto, o primeiro passo para compreender como o
cristianismo, sem ser individualista, pode neutralizar o coletivismo." 137

Como Comunidade, a Igreja:

(1) Reúne-se:

a) Louvar a Deus: Lc 24.50-53.

b) Orar: At 1.14; 2.42.

c) Participar da Ceia: At 2.42; 20.7; 1Co 11.20.

d) Atender às necessidades da comunidade: At 6.1-2.

e) Resolver questões doutrinárias: At 15.6.

f) Ouvir a Palavra de Deus: At 20.7,11; 11.26.

134
Vd. K.L. Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, p. 29.
135
Juan Calvino, Catecismo de la Iglesia de Ginebra, Pergunta, 93. In: Catecismos de la Iglesia
Reformada, Buenos Aires, La Aurora, (Obras Clasicas de la Reforma, XIX), 1962, p. 49. Este
Catecismo escrito em francês, foi elaborado por Calvino durante o inverno de 1536-1537, não sendo
constituído em forma de perguntas e respostas, redigido de modo que considerou acessível à toda
Igreja. O seu objetivo era puramente didático.
Esta obra foi intitulada: Breve Instrução Cristã (*), sendo traduzida para o latim em 1538. (D.F.
Wright, Catecismos: In: EHTIC., I, p. 250). Posteriormente, Calvino a reviu – tornando a sua teologia
mais acessível aos seus destinatários: as crianças (T.M. Lindsay, La Reforma y Su Desarrolo Social,
Barcelona, CLIE., [1986], p. 100) –, e a ampliou consideravelmente, mudando inclusive a sua forma,
passando então, a ser constituída de perguntas e respostas, contendo 373 questões. Esta nova edição
foi publicada entre o fim de 1541 e o início de 1542. Em 1545, Calvino o traduziu para o latim, a fim de
atingir os intelectuais de outros países que não falavam o francês. A partir de 1561, este Catecismo
ganhou maior importância, visto que desde então todo ministro da Igreja deveria jurar fidelidade aos
ensinamentos nele expressos e comprometer-se a ensiná-los. (Cf. B. Foster Stockwell, na
apresentação da obra, Catecismo de la Iglesia de Ginebra: In: Catecismos de la Iglesia Reformada,
p. 7-8).

(*) Este Catecismo consistiu num resumo da primeira edição das Institutas (1536). (Cf. John H.
Leith, em prefácio à tradução da obra de Calvino e Paul T. Fuhrmann em “prefácio histórico” à mesma
obra, Instruction in Faith (1537), Louisville, Kentucky, Westminster/John Knox Press, [1992], p. 10 e
16; T.M. Lindsay, La Reforma y Su Desarrolo Social, p. 101; John T. McNeill, The History and
Character of Calvinism, New York, Oxford University Press, 1954, p. 140. Vd. também, p. 204). Esta
foi a primeira “exposição sistemática do pensamento calvinista na língua francesa.” (A.H.
Freundt Jr., Catecismo de Genebra: In: EHTIC., I, p. 246).
136
Catecismo de la Iglesia de Ginebra, Pergunta, 98.
137
C.S. Lewis, Peso de Glória, p. 40.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 35

(2) Manifesta Simpatia: At 2.45; 4.34-35; 2Co 8.1-6/Rm 15.25-26; Fp 1.5;


4.13-16; 1Tm 5.16; Tg 5.14.

2) Comunidade de Pecadores Regenerados:

2.1) A Santidade da Igreja:

À primeira vista parece estranho falar da santidade da Igreja, visto ela


ser composta por homens pecadores. A Confissão de Westminster (1647),
acertadamente diz:

"As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro;
algumas têm degenerado ao ponto de não serem mais igrejas de Cristo,
mas sinagogas de Satanás; não obstante, haverá sempre sobre a terra
uma igreja para adorar a Deus segundo a vontade dele." (XXV.5).138

De fato, entre os doze apóstolos de Cristo, havia um traidor; a Igreja primitiva, com
toda a sua vitalidade e testemunho, tinha em seu seio Ananias e Safira; a Igreja
presente, não é diferente: Ela também não é perfeita!

A Igreja é santa e pecadora; este é um dos paradoxos da Igreja. Com isto não
queremos dizer que a Igreja Santa seja apenas uma abstração de nossa mente e, que
a Igreja Pecadora seja de fato a única realidade histórica. Não. A santidade e a
pecaminosidade fazem parte da vida da Igreja, não simplesmente como ideal, mas
como algo real e concreto.

A santidade da Igreja não pode ser negada pelo fato dela não estar demonstrando
isto. A Igreja é santa porque foi santificada, separada para Si por Cristo Jesus. A
santidade é um dom de Deus, resultante de nossa comunhão com Ele (santidade
posicional). Por outro lado, o fracasso da Igreja em viver santamente, aponta para a
necessidade de assim fazê-lo (Rm 1.7), sendo coerente com a sua natureza. 139

2.2) A Santidade da Igreja e a Graça:

“À Igreja se atribui a santidade, sem que ela seja uma


qualidade da Igreja.”140 A Igreja é composta por pecadores regenerados (Jo 3.3; Tt
3.5). O pecado já não tem domínio sobre nós (Rm 6.14), todavia, ainda exerce a sua
influência; por isso, o apóstolo João escreveu: "Se dissermos que não temos pecado
nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós” (1Jo 1.8).

Assim, a Igreja Santa, que é composta por pecadores, revela o triunfo da graça de
Deus sobre o poder do pecado. A graça é que começa, aperfeiçoa e conclui a obra da
salvação em nós (Fp 1.6). Como bem disse Spurgeon (1834-1892): “A graça
começa, continua e termina a obra da salvação no coração de uma
pessoa.”141 Aquele que nos regenerou e justificou, também nos santifica, modelando-
138
Vd. J. Calvino, As Institutas, IV.1.2,7.
139
Vd. Bill J. Leonard, La Natureza de la Iglesia, Buenos Aires, Casa Bautista de Publicaciones, 1989,
p. 126ss.
140
Karl L. Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, p. 30.
141
C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo, PES., 1992, p. 45.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 36

nos conforme a imagem de Cristo (Rm 8.29).142

Falar da Santidade da Igreja, significa declarar os atos salvadores de Deus em


Cristo Jesus, o qual morreu pelo Seu povo, amando-o apesar dos seus pecados (Rm
5.8; 1Jo 4.10).

Deus olhou para nós, vendo a nossa nudez e miséria espirituais, vestiu-nos com as
vestes da Sua justiça e santidade manifestas em Cristo. Deste modo, a nossa
santidade consiste na participação da retidão de Cristo. 143

A Santidade da Igreja realça a graça de Deus em Cristo. "Graça (...) é o amor de


Deus em poder e formosura, brilhando contra o obscuro fundo do demérito
humano." 144

2.3) O Fundamento da Santidade da Igreja:

A Igreja é Santa porque o Seu cabeça é santo e santificador. A


santificação do Filho é em favor da Igreja (Jo 17.19). A Obra de Cristo é o fundamento
da santidade da Igreja. Cristo se entregou pelo Seu povo a fim de nos santificar:
"Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo
se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da
lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem
mácula, nem ruga, nem cousa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.25-
27). (destaque meu).

A santidade da Igreja repousa na Santidade de Cristo e no valor eterno dos Seus


merecimentos. “A eternidade do valor do sacrifício de Cristo, é decorrente da
dignidade daquele que Se ofereceu a Si mesmo por nós.” 145 (Hb 4.15; 5.6;
6.20; 7.3,17, 21-26).

D. Martyn Lloyd-Jones (1899-1981) comenta:

"Aqui está a Igreja em seus farrapos, em sua imundície e vileza! Cristo


morreu por ela, salvou-a da condenação. Ele a toma de onde estava e a
separa para Si (...). Ela é removida do mundo para a posição especial que,
como Igreja, deve ocupar."146
"Enquanto a Igreja caminha neste mundo de pecado e vergonha, ela se
suja de lama e lodo. Portanto, há manchas e nódoas nela. E é muito difícil
livrar-se delas. Todos os medicamentos que conhecemos, todos os
produtos de limpeza são incapazes de remover estas manchas e nódoas. A
Igreja não é limpa aqui, não é pura; embora esteja sendo purificada,
ainda há muitas manchas nela.
"Entretanto, quando ela chegar àquele estado de glória e glorificação,
ficará sem uma única mancha; não haverá nódoa alguma nela. Quando
142
Vd. Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, São Paulo, Os Puritanos, 2000, p. 156.
143
Vd. D.M. Lloyd-Jones, A Vida no Espírito: no Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo, PES.,
1991, p. 139.
144
James Moffatt, Grace in The New Testament, New York, Ray Long & Richard R. Smith Inc. 1932, p.
5. (Vd. Hermisten M.P. Costa, A Igreja de Deus: Santa e Universal, 1991, 11 p).
145
Hermisten M.P. Costa, O Sacerdócio de Cristo, São Paulo, 1999.
146
D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, p. 119.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 37

Ele a apresentar a Si mesmo, com todos os principados e poderes, e com


todas as compactas fileiras de potestades celestes e contemplar esta
coisa maravilhosa, a sondá-la e a examiná-la, não haverá nela nenhuma
mácula, nenhuma nódoa. O exame mais cuidadoso não será capaz de
detectar a menor partícula de indignidade ou de pecado."147

A Palavra de Deus demonstra que através da única e suficiente oferta de Cristo,


fomos santificados: "Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a
oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas (...). Porque com uma única
oferta aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados” (Hb 10.10,14).
"... Jesus, para santificar o povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta”
(Hb 13.12).

A Santidade de Cristo em favor da Igreja, é-nos comunicada pelo Espírito Santo.


Ingressar na Igreja significa fazer parte constitutiva do Corpo de Cristo: Aquele que é
Santo.

Quando olhamos para nós mesmos, vemos os nossos pecados e a nossa


depravação que nos distancia de Deus; quando, porém, olhamos para a obra vitoriosa
de Cristo, conseguimos, então, enxergar a Igreja Santa, através da Sua Obra redentora
e santificadora.

Como vimos, segundo Calvino (1509-1564), a santidade e firmeza da Igreja


repousam principalmente em “três coisas”, a saber: “doutrina, disciplina e
sacramentos vindo em quarto lugar as cerimônias para exercitar o povo no
dever da piedade.”148 O exercício da santidade consiste em obedecer a Deus e usar
dos meios concedidos por Ele mesmo para a nossa santificação: A Palavra e os
Sacramentos. Como bem diz o Catecismo Menor de Westminster (1647), Deus exige
de nós, os crentes, “o uso diligente de todos os meios exteriores pelos quais
Cristo nos comunica as bênçãos da salvação.” 149

2.4) A Santidade como Meta:

"Em que sentido chamais santa à Igreja?"

"Porque a todos os que Deus elegeu, os faz justos e os reforma para


santidade e inocência de vida, para que neles resplandeça sua glória (Rm
8.30). E assim, havendo Jesus Cristo resgatado sua Igreja, a santificou,
para que fosse gloriosa e limpa de toda mancha (Ef 5.25-27)." 150

"E esta santidade que atribuis à Igreja, é já perfeita?"

"Não, entretanto ela mantém guerra neste mundo. Porque sempre


têm imperfeições, e nunca será totalmente purgada dos vestígios dos
pecados, até que seja completamente juntada com Cristo sua Cabeça,

147
D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, p. 137-138.
148
Juan Calvino, Respuesta al Cardeal Sadoleto, p. 32.
149
Catecismo Menor de Westminster, Pergunta, 85 In: A Confissão de Fé, O Catecismo Maior e o
Breve Catecismo, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1991, (Edição Especial), p. 431 (Vd.
também, a Pergunta, 88).
150
J. Calvino, Catecismo de Genebra, Pergunta, 96.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 38

pelo qual ela é santificada."151

A Igreja é santa em santificação. A santidade é um ato realizado em e por Cristo; a


santificação é decorrente deste ato, se concretizando num processo contínuo operado
pelo Espírito.

A Igreja é descrita no "Credo Apostólico", como a "Comunhão dos Santos". E de


fato ela o é, porque congrega os pecadores santificados em Cristo e, que estão,
como evidência da tensão do seu pecado e, também da sua natureza santa, em
processo de santificação, de crescimento espiritual, pelo Espírito que é Santo.

A Igreja Santa vive na realização do ideal de santidade (Vejam-se: Ex 19.6; Lv


20.26; Dt 7.6; 26.19; 28.9; Is 62.12; 1Pe 2.9). Deste modo, ela cumpre a meta proposta
por Deus no ato eterno da nossa eleição (Ef 1.4; 2Ts 2.13/1Ts 4.3). 152

Por isso, quando nos referimos à Santidade da Igreja, estamos falando de nossa
responsabilidade: ser santo é estar em santificação. Não Podemos nos acomodar
com a graça da santidade; devemos progredir na graça em santificação. "A igreja
alheia à santidade é alheia a Cristo." 153 Deus chama pecadores, todavia, não
deseja que eles continuem assim, antes, infunde neles a justiça de Cristo, dando-lhes
um novo coração, mudando as inclinações de sua alma, habilitando-os à toda boa
obra (Ef 2.8-10). "Cristo a ninguém justifica, a quem ao mesmo tempo, não
santifique."154 A justificação nos livra da condenação do pecado e a santificação nos
livra da sua contaminação.155 “...Na justificação, Deus imputa a justiça de Cristo;
e na santificação, o Seu Espírito infunde a graça e dá forças para ser
praticada. Na justificação, o pecado é perdoado; na santificação, ele é
subjugado”156 (destaque meu) (Rm 3.24,25; 6.6,14).

Os crentes em Cristo são chamados à Santidade do Deus Triúno (Jo 6.69; 1Pe
1.15; Ap 15.4). "A Santa Igreja não é uma comunidade perfeita. Ao contrário,
é a comunidade que confia no milagre do perdão, cresce no conhecimento
de que ela é justificada e aceita a obra da santificação que é feita nela. Isso
é o resultado do sentimento de sua própria indignidade, do morrer e do
reviver para uma nova vida. Santidade denota a eficácia da obra de Deus,
que se faz mais e mais real na medida em que a Igreja se dispõe a ela."157

No seu viver cotidiano, a Igreja deve revelar a essência da sua natureza divina (Mt
5.14-16; Fp 2.14-15).

Spurgeon (1834-1892) faz uma relevante pergunta: "De que maneira, pois, as
pessoas podem manifestar gratidão para com Aquele que se ofereceu em
sacrifício a não ser pela santificação?" À qual responde: "Agora, motivados
pelo sacrifício redentor, somos avivados para o zelo intenso e a devoção." 158

151
Ibidem., Pergunta, 99.
152
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Eleição de Deus, São Paulo, 2000.
153
Bruce Milne, Conheça a Verdade, São Paulo, ABU., 1987, p. 224.
154
J. Calvino, As Institutas, III.16.1.
155
Vd. A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo, PES., 1986, p. 45.
156
Catecismo Maior de Westminster, Pergunta, 77.
157
Jacques de Senarclens, Herdeiros da Reforma, p. 344.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 39

3) Comunidade Católica:

A palavra “católico”, é uma transliteração do grego kaqoliko/j (katholikós),


que é traduzida por “universal”, “geral”. O termo grego é constituído de duas palavras:
kaqo/ (kathó), que significa “à medida em que”, “segundo” e, O(/loj (hólos), que
significa, “todo”, “inteiro”, “completo”. A palavra “católico” só ocorre uma vez no Novo
Testamento e, mesmo assim, na forma adverbial, acompanhada de um advérbio de
negação, sendo traduzida por “absolutamente não” (At 4.18).

O termo “católico” dispunha de grande emprego na literatura secular. 159 No entanto,


o primeiro homem a usar a palavra “católica” para se referir à Igreja, foi Inácio de
Antioquia (30-110 AD), na sua carta à Igreja de Esmirna, escrita por volta do ano 110,
quando diz: “Onde quer que se apresente o bispo, ali também esteja a
comunidade, assim como a presença de Cristo Jesus também nos assegura a
presença da Igreja católica.” 160 Aqui, Inácio designa de católica a Igreja universal,
representada em cada uma das igrejas locais. 161 Posteriormente, por volta do ano 155
AD., encontramos a mesma expressão na Carta Circular da Igreja de Esmirna, redigida
por um escritor anônimo, que conta como foi o martírio de Policarpo, bispo de Esmirna.
Na introdução ele escreve: “A Igreja de Deus estabelecida em Esmirna à Igreja
de Deus estabelecida em Filomélio e às Igrejas de todos os lugares em que
são partes da Igreja santa e católica....”. 162 A expressão “católica”, só é
encontrada no Credo a partir do ano 450 AD.163

Terminadas essas ligeiras observações terminológicas, analisemos alguns aspectos


da catolicidade da Igreja.

3.1) UMA SÓ IGREJA:

A Catolicidade da Igreja traz a certeza de que existe apenas uma única


Igreja de Cristo. Cristo não está dividido; Ele tem somente um corpo; por isso mesmo,
só há uma Igreja de Cristo.

Quando um grupo ou denominação advoga para si a catolicidade, está incorrendo


num equívoco de termos e, ao mesmo tempo, está implicitamente dizendo que as
outras denominações não fazem parte da Igreja de Cristo. Assim sendo, a designação
“Igreja Católica Romana”, é uma impropriedade terminológica que se torna ainda mais
visível em sua teologia que, em muitíssimos aspectos, está divorciada da Palavra de
Deus. (Vd. Ef 1.20-23; 5.25-27).

158
C.H. Spurgeon, Batalha Espiritual, Paracatú, MG., Sirgisberto Queiroga da Costa, editor., 1992, p.
56.
159
Vd. Katoliko/j: In: William F. Arndt & F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament
and Other Early Christian Literature, 2ª ed. Chicago, University Press, 1979, p. 391; J.N.D. Kelly,
Primitivos Credos Cristianos, Salamanca, Secretariado Trinitario, 1980, p. 454.
160
Inácio de Antioquia, Carta de S. Inácio aos Esmirnenses, 8.2. In: Cartas de Santo Inácio de
Natioquia, 3ª ed. Petrópolis, RJ., Vozes, 1984, p. 81.
161
Vd. J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, p. 454ss.
162
O Martírio de Policarpo: In: Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo, ASTE.,
1967, p. 35.
163
Cf. Philip Schaff, The Creeds of Christendom, Vol. II, p. 55.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 40

3.2) UNIVERSALIDADE DA GRAÇA:

A Igreja é católica porque a oferta de salvação é para todos os homens.


Todos os homens de todos os povos que responderem com fé ao anúncio das Boas
Novas de salvação, serão salvos. A Igreja de Cristo congrega pessoas de todas as
nações, de raças diferentes, dialetos variados e condições sociais díspares.

Com isso, não estamos pretendendo dizer que, para que a Igreja seja católica,
precisa ter crentes de todas as regiões; antes, o que estamos afirmando, é que a oferta
da graça salvadora anunciada pela Igreja, é para todos os homens. O alcance da graça
de Cristo assinala a vitória de Cristo sobre todas as barreiras geográficas, raciais,
sociais, culturais e temporais (Gl 3.28; Ef 2.18; Cl 3.11). Não há barreiras para a graça!

Shakespeare (1564-1616), no tragédia Romeu e Julieta, coloca nos lábios de


Romeu, as seguintes palavras dirigidas à Julieta: “Os limites de pedra não servem
de empecilho para o amor.”164

A Palavra de Deus nos mostra que o homem longe de Deus permanece morto
espiritualmente, com um coração empedernido para as realidades espirituais. A
Escritura também nos diz que “Deus é plenitude de vida e plenitude de amor” 165
e, que, com Seu gracioso poder, Ele transforma o coração de pedra do homem, dando-
lhe um coração de carne: “Dar-vos-ei coração novo, e porei dentre em vós espírito
novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei
dentro em vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os
meus juízos e os observeis” (Ez 36.26-27).

Deus, na plenitude do seu amor, através da História tem vencido os corações de


pedra, empedernidos pela incredulidade, dando um novo coração ao Seu povo. Os
corações de pedra não servem de obstáculo para o amor gracioso de Deus.

3.3) UNIDADE ENTRE A IGREJA MILITANTE E A TRIUNFANTE:

Em Teologia, costumamos chamar de Igreja Triunfante aquela que é


constituída pelos irmãos que já partiram desta vida, se encontrando na presença do
Senhor. Denominamos de Igreja Militante aquela que é formada por todos aqueles que
crêem em Cristo e, que continuam nesta vida ativos contra o pecado, o mundo e
Satanás.

A Segunda Confissão Helvética (1566), no capítulo XVII, faz a seguinte distinção:

“Uma é chamada a Igreja Militante e a outra a Igreja Triunfante. A


primeira ainda milita na terra e luta contra a carne, o mundo e o Diabo,
que é o príncipe deste mundo, e contra o pecado e a morte. A outra, já
deu baixa e triunfa no céu depois de ter vencido esses inimigos, e exulta
diante do Senhor. Entretanto, essas duas igrejas têm comunhão e união
uma com a outra”. (Destaque meu).

Os heróis da fé que já partiram desta vida, são espectadores, enquanto que nós,
que continuamos nesta peregrinação terrena, estamos vivendo numa antítese ativa
contra os valores e práticas deste mundo. “Para a Igreja que agora vive e luta,
164
W. Shakespeare, Romeu e Julieta, São Paulo, Abril Cultural, 1978, II.2. p. 43.
165
G. Hendriksen, El Evangelio Segun San Juan, Grand Rapids, Michigan, SLC., 1981, p. 151.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 41

tais testemunhas são herança preciosa e elemento de ajuda e


encorajamento”.166 (Vd. 2Tm 4.7-8; Fp 1.21-26; Hb 12.1-3/Hb 11.1-40).

Há uma ligação entre nós e os nossos irmãos que já morreram. Todos pertencemos
à mesma Igreja, fomos alcançados pela mesma graça, tendo o mesmo dom da fé.
Desta forma, a Igreja é católica porque é composta por todos aqueles que creram; os
fiéis ao Senhor de todas as eras, quer já tenham morrido, quer estejam entre nós,
ainda vivos. Um dia, todos nós nos encontraremos, nos constituindo no evidente
testemunho da catolicidade da Igreja de Cristo, que é o Seu Corpo, o qual na era
presente, atinge o céu e a terra. Agora, então, como Igreja Militante,: “....visto que
temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas,
desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos
assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está
proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé,
Jesus....” (Hb 12.1-2). Que Deus nos ajude, amém!

4) Comunidade Confessional:

A Igreja é a comunidade dos crentes em Cristo; daqueles que


responderam com fé ao chamado de Deus, confessando, pelo Espírito, a Jesus Cristo
como seu Senhor (Rm 10.9-10/1Co 12.3). Não existe Igreja sem esta confissão.

A Igreja tem um sistema de doutrina no qual crê. À Igreja foi confiada a Palavra de
Deus, a qual ela deve preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15).
Calvino (1509-1564), disse: “A verdade, porém, só é preservada no mundo
através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa
sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão
inestimável!”167

Cabe à Igreja a responsabilidade de ensinar a sã doutrina, sustentando-a em todas


as circunstâncias. A fidelidade à Palavra é de importância capital em nossa confissão.
(At 2.42; 1Co 15.1-4; 1Tm 4.16; 2Tm 4.2). Esta confissão tem implicações indissolúveis
com a sua ética. A fé cristã não é algo apenas de assentimento intelectual
descompromissado, antes é um envolvimento do homem todo, passando pelo intelecto,
pelas emoções e pela vontade. Por isso, a doutrina bíblica tem implicação direta com a
nossa comunhão com Deus e com o nosso relacionamento com os homens. "Toda a
doutrina cristã visa levar, e foi destinada a levar a um bom resultado prático.
(...) A doutrina visa levar-nos a Deus, e a isso foi destinada. Seu propósito é
ser prática. (...) A nossa vida cristã nunca será rica, se não conhecermos e
não aprendermos a doutrina."168

Uma doutrina para a qual a Igreja deve estar sempre atenta, é a da Inspiração e
Inerrância das Escrituras. Satanás ataca de modo contundente e efetivo a confiança na

166
Gustaf Aulén, A Fé Cristã, São Paulo, ASTE, 1965, p. 299.
167
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 97. Calvino, comentando a expressão “coluna da
verdade”, continua falando da responsabilidade dos pastores: “Deus mesmo não desce do céu para
nós, nem diariamente nos envia mensageiros angelicais para que publiquem sua verdade,
senão que usa as atividades dos pastores, a quem destinou para esse propósito.” (Ibidem., p.
97). “.... Em relação aos homens, a Igreja mantém a verdade porque, por meio da pregação,
a Igreja a proclama, a conserva pura e íntegra, a transmite à posteridade.” (Ibidem., p. 98).
168
D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo, PES., 1992, p. 85-86. Vd.
também, Idem., O Combate Cristão, p. 122-123.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 42

Palavra de Deus.

Entendemos a inspiração, como sendo a influência sobrenatural do Espírito de Deus


sobre os homens separados por Ele mesmo, a fim de registrarem de forma inerrante e
suficiente toda a vontade revelada de Deus, constituindo este registro na única fonte e
norma de todo o conhecimento cristão (2Tm 3.16; 2Pe 1.20,21). 169

É justamente devido ao fato de muitos cristãos terem negado de modo confessional


e/ou vivencial a inspiração e a inerrância das Escrituras, que tem havido tantas
heresias em toda a história do Cristianismo. Este desvio teológico, acerca destas
doutrinas, tem contribuído de forma acentuada, para que os homens não mais
discirnam a Palavra de Deus e, por isso, não possam usufruir da Sua operação eficaz
levada a efeito pelo Espírito (Cf. 1Ts 2.13/Jo 17.17).

No ato evangelizador da Igreja, ela prega a Palavra de Deus, conforme a ordem


divina expressa nas Escrituras; fala da salvação eterna oferecida por Cristo, conforme
as Escrituras; proclama as perfeições de Deus, conforme as Escrituras... Ora, se a
Igreja não tem certeza da fidedignidade do que ensina, como então, poderá
testemunhar de forma honesta?

Uma Igreja que não aceite a inspiração e a inerrância bíblica, não poderá ser uma
igreja missionária.170 Como poderemos pregar a Palavra se não estivermos confiantes
do sentido exato do que está sendo dito? Como evangelizar se nós mesmos não
temos certeza, se o que falamos procede da Palavra de Deus ou, está embasado
numa falácia?

Billy Graham, em 1974, no Congresso de Lausanne, na Suíça, afirmou


corretamente: “Se há uma coisa que a história da Igreja nos deveria ensinar, é
a importância de um evangelismo teológico derivado das Escrituras.” 171

Neste sentido, encontramos a convicção de Paulo, o grande missionário, de que a


Palavra de Deus é fiel; por isso, ele a ensinava com autoridade (1Tm 1.15; 4.9/2Tm
4.6-8).

A grandiosidade da pregação consiste basicamente, não nos recursos de retórica


(os quais certamente devem ser buscados), mas em sua pureza, em sua fidelidade à
Palavra.172 Como bem disse Charles H. Spurgeon (1834-1892), “Se o que pregarem

169
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva
Reformada, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1998.
170
Não faço aqui nenhuma distinção entre “missão” e “evangelização” (Vd. R.B. Kuiper, Evangelização
Teocêntrica, p. 1). Orlando E. Costa, que diz haver uma confusão entre os termos, assim os distingue:
“Missão e evangelismo são, pois, dois lados da mesma moeda. A moeda é Deus (Sic) e Sua
atividade redentora em favor de toda a humanidade. Evangelismo é o anúncio dessa obra;
missão é o mandamento que nos compele a pôr em ação esse anúncio.” (Orlando E. Costas,
La Iglesia e Su Mision Evangelizadora, Buenos Aires, La Aurora, 1971, p. 27). O autor acrescenta,
de forma acertada, que a distinção equivocada entre “missão” e “evangelização, tem levado a Igreja a ter
uma visão unilateral de missão: ou apenas no exterior, esquecendo-se do seu âmbito local, ou apenas
local em detrimento daquela. (Vd. Ibidem., p. 33ss). Neste sentido, vejam-se as pertinentes observações
de Francis A. Schaeffer (F. A. Schaeffer, Forma e Liberdade na Igreja: In: A Missão da Igreja no
Mundo de Hoje, São Paulo/Belo Horizonte, MG. ABU/Visão Mundial, 1982, p. 222).
171
Billy Graham, Por que Lausanne?: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, p. 20.
172
Vd. John H. Jowett, O Pregador, Sua Vida e Obra, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1969, p.
97.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 43

não for a verdade, Deus não estará aí.”173 Assim sendo, a pregação grandiosa é
bíblica. Pois bem, se eu não creio na inspiração e inerrância da Bíblia, certamente,
poderei ter consciência da biblicidade da minha pregação (basta que pregue o que está
escrito), contudo, como poderei ter certeza da veracidade daquilo que prego, visto que
neste caso, ser bíblico não é a mesma coisa que ser inerrante e por isso verdadeiro?
Se destruo os fundamentos, cai todo o edifício.

Creio que Satanás objetivando esmorecer o ímpeto evangelístico da Igreja, tem


usado deste artifício: minar a doutrina da inspiração e inerrância das Escrituras, a fim
de que a Igreja perca a compreensão de sua própria natureza e, assim, substitua a
pregação evangélica por discursos éticos, políticos e filosóficos. 174 Aliás, a Escritura
sempre foi um dos alvos prediletos de Satanás (Vd. Gn 3.1-5; Mt 4.3,6,8,9; 2Co 4.3,4).
Entretanto, a Igreja é chamada a proclamar com firmeza o Evangelho, conforme
registrado na Bíblia e preservado pelo Espírito através dos séculos (2Tm 4.2).

A Igreja prega o Evangelho, consciente de que Ele é o poder de Deus para a


salvação do pecador (Rm 1.16); por isso, recusar o Evangelho significa rejeitar o
próprio Deus que nos fala (1Ts 4.8). Calvino, comentando Rm 1.16, diz que aqueles
que “se retraem de ouvir a Palavra proclamada estão premeditadamente
rejeitando o poder de Deus e repelindo de si a mão divina que pode libertá-
los.”.175 A Igreja proclama a Palavra, não as suas opiniões a respeito da Palavra,
consciente que Deus age através das Escrituras, produzindo frutos de vida eterna (Rm
10.8-17; 1Co 1.21; 1Co 15.11; Cl 1.3-6; 1Ts 2.13-14). A Igreja por si só não produz vida,
todavia ela recebeu a vida em Cristo (Jo 10.10), através da Sua Palavra vivificadora;
deste modo, ela ensina a Palavra, para que pelo Espírito de Cristo, que atua mediante
as Escrituras, os homens creiam e recebam vida abundante e eterna.

5) Comunidade Carismática:

A Igreja é uma comunidade carismática porque todos os seus membros


receberam dons (xa/risma) para o serviço de Deus na Igreja. Os dons concedidos
pelo Espírito, longe de servirem para confusão ou vanglória, devem ser utilizados com
humildade (1Co 4.7), para a edificação e aperfeiçoamento dos santos (1Co 12.1-31/Ef
4.11-14/Rm 12.3-8).176 Calvino acertadamente diz que “se a igreja é edificada por
173
C.H. Spurgeon, Firmes na Verdade, Lisboa, Edições Peregrino, 1990, p. 85. Alhures, Spurgeon, nos
diz: “O verdadeiro ministro de Cristo sabe que o verdadeiro valor de um sermão está, não em
seu molde ou modo, mas na verdade que ele contém. Nada pode compensar a ausência de
ensino; toda retórica do mundo é apenas o que a palha é para o trigo, em contraste com o
evangelho da nossa salvação. Por mais belo que seja o cesto do semeador, é uma miserável
zombaria, se estiver sem sementes.” (Lições aos Meus Alunos, São Paulo, PES. 1982, Vol. II, p.
88).
174
Vejam-se: D. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, São Paulo, Fiel, 1984, p. 9-10; James
M. Boice, O Pregador e a Palavra de Deus: In: J.M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bíblica, São
Paulo, Vida Nova, 1982, p. 143-167; J.C. Ryle, A Inspiração das Escrituras, São Paulo, PES. (s.d.), p.
15.
175
J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 1.16), p. 58.
176
Obviamente, não estamos trabalhando aqui com as categorias de Max Weber, que define Carisma
como “... uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (...) e em virtude da qual se
atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo
menos, extracotidianos específicos ou então se a toma como enviada por Deus, como
exemplar e, portanto, como ‘líder’.” [Max Weber, Economia e Sociedade: Fundamentos da
Sociologia Compreensiva, Brasília, DF., Editora Universidade de Brasília, 1991, Vol. 1, p. 158-159].
Como o próprio Weber explica, “O conceito de ‘carisma’ (‘graça’) foi tomado da terminologia do
cristianismo primitivo.” (Ibidem., p. 141). Weber tomou a palavra emprestada em Rudolph Sohm, da
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 44

Cristo, prescrever o modo como ela deve ser edificada é também


prerrogativa dEle.”177 Do mesmo modo acentua Kuyper (1837-1920): “Os
carismata ou dons espirituais são os meios e o poder divinamente ordenados
pelos quais o Rei habilita a Sua Igreja a realizar sua tarefa na terra.” 178 O
Carisma tem sempre um fim social: a Igreja; a comunhão dos santos. 179 E também,
como elemento de ajuda na proclamação do Evangelho (Hb 2.3-4). 180

O Espírito é soberano na distribuição dos dons; eles não podem ser reivindicados
(1Co 12.11,18), antes, devem ser recebidos como manifestação da graça de Deus e
utilizados para a glória de Deus.

A Igreja é a comunidade formada pelo próprio Deus, sendo constituída por pessoas
que tiveram e têm, pela graça de Deus, a fé salvadora depositada unicamente em
Jesus Cristo.

“No Novo Testamento, ninguém vinha à Igreja simplesmente para ser


salvo e feliz, mas para ter o privilégio de servir ao Senhor. E nós deveríamos
ter diante de nós, o benefício que recebemos de servir e trabalhar na Igreja”,
acentua Karl Barth (1886-1968). 181 Todos nós cristãos, recebemos do Senhor, talentos
para servir nessa igreja; e os dons recebidos têm muito a ver com as habilidades com
as quais nascemos, mas que na realidade, foram dadas também por Deus. “.... sejam
quais forem os dons que possuamos, não devemos ensoberbecer-nos por
causa deles, visto que eles nos põem sob as mais profundas obrigações para
com Deus.”182

O que quero enfatizar, é que a raiz da palavra graça, é a mesma da palavra dom, no
grego xa/rij, daí podermos falar da Igreja, como uma comunidade carismática, visto
ser ela constituída daqueles que receberam a graça da fé e o dom para servir.

Mas, o que significa graça? Bem, podemos defini-la, operacionalmente, como um


favor imerecido, manifestado livre e continuamente por Deus aos pecadores que se
encontravam num estado de depravação e miséria espirituais, merecendo justo

sua obra Direito Eclesiástico para a Antiga Comunidade Cristã. (Cf. Ibidem., p. 141). A análise das
questões relativas ao domínio carismático, “estão no centro das reflexões de Weber” (Julien
Freund, A Sociologia de Max Weber, Rio de Janeiro, Forense, 1980, 184).
177
J. Calvino, Efésios, (4.12), p. 125.
178
Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, Chattanooga, AMG Publishers, 1995, p. 196.
179
Vd. Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo, Vida Nova, 1983, p. 229.
180
Vd. João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 2.4), p. 56.
181
Karl Barth, The Faith of the Church: A commentary on the Apostle’s Creed according to
Calvin’s Catechism, Great Britain, Fontana Books, 1960, p. 116.
182
João Calvino, Efésios, (Ef 4.7), p. 113.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 45

castigo pelos seus pecados (Rm 4.4/Rm 11.6; Ef 2.8,9). 183

No capítulo 4 da Epístola aos Efésios, Paulo está tratando de modo especial da


unidade da Igreja dentro da variedade de funções. Assim, está implícita a figura tão
cara a Paulo, a da Igreja como Corpo de Cristo, mostrando que o segredo do bom
funcionamento do corpo é a utilização de todas as suas partes. Organicamente, cada
membro, por mais insignificante que nos possa parecer, tem um papel importante a
desempenhar dentro do equilíbrio do todo. Certamente, existem diferenças de beleza e
elegância entre nossos órgãos, todavia, todos são essenciais. Do mesmo modo, na
Igreja de Cristo, ainda que haja diferenças entre nós, e não sejamos considerados
pelos homens como dignos de algum valor, o fato é que todos somos essenciais no
serviço do Reino: Devemos frisar no entanto, que não somos ontologicamente
essenciais; antes, Deus, por graça nos tornou essenciais no Seu Reino e, por isso,
agora o somos.

Assim, é Deus mesmo e não outro, Quem nos concede talentos para servi-Lo (Ef
4.7,11/1Co 12.11,18), portanto a nossa atitude de consciente e real humildade (1Co
4.7; 1Co 15.10), visto que Deus nos concedeu os talentos para o serviço do Reino: “A
manifestação do Espírito é concedida a cada um, visando a um fim proveitoso”
(1Co 12.7). Paulo continua: “Para que não haja divisão no corpo; pelo contrário,
cooperem os membros, com igual cuidado (merimna/w = “preocupação”),184 em
favor uns dos outros” (1Co 12.25). “O Senhor nos colocou juntos na Igreja, e
destinou cada um ao seu posto, de tal maneira que, sob a única Cabeça,
183
Vejam-se outras definições em: A.W. Pink, Os Atributos de Deus, São Paulo, PES., 1985, p. 69;
Idem., Deus é Soberano, São Paulo, Fiel, 1977, p. 24; A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo,
PES., 1986, p. 31; J. Calvino, Exposição de Romanos, (5.15), p. 193; R.P. Shedd, Andai Nele, São
Paulo, ABU., 1979, p. 15; W. Hendriksen, 1 y 2 Timoteo/Tito, Grand Rapids, Michigan, S.L.C., 1979, (Tt
2.11), p. 419; L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 74; W. Barclay, El Pensamiento de San Pablo,
Buenos Aires, La Aurora, 1978, p. 154; L. Boettner, Predestinación, Grand Rapids, Michigan, S.L.C.,
[s.d.], p. 258; D.M. Lloyd-Jones, Por que Prosperam os Ímpios, São Paulo, PES., 1983, p. 103; J.I.
Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo, Mundo Cristão, 1980, p. 120; Tom Wells, Fé: Dom de
Deus, São Paulo, PES., 1985, p. 101; Samuel Falcão, Predestinação, São Paulo, Casa Editora
Presbiteriana, 1981, p. 100-101; James Moffatt, Grace in the New Testament, New York, Ray Long &
Richard R. Smith. Ind., 1932, p. 5; Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, p. 146, 147; John Gill, “A
Complete Body of Doctrinal and Practical Divinity,” The Collected Writings of: John Gill, [CD-ROM],
(Albany, OR: Ages Software, 2000), I.13. p. 195-196.
184
A palavra tem o sentido de solicitude, preocupação e inquietação. Ela ocorre 18 vezes no NT. O seu
uso no Novo Testamento não tem um sentido apenas negativo; Paulo a emprega positivamente, como
por exemplo no texto citado (1Co 12.25). Do mesmo modo, quando se refere a Timóteo: “Porque a
ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide (Merimnh/sei) dos vossos
interesses” (Fp 2.20) e, também quando descreve as suas lutas em favor da Igreja: “Além das cousas
exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação (Me/rimna) com todas as
Igrejas” (2Co 11.28).
O termo também é usado negativamente: Jesus, o emprega duas vezes neste sentido: “Não andeis
ansiosos (merimna=te) pela vossa vida...” (Mt 6.25). A Marta, inquieta com os seus afazeres e diante
da aparente inércia de Maria, diz: “Marta! Marta! andas inquieta (Merima=j) e te preocupas com
muitas coisas” (Lc 10.41).
Paulo, também trata dessa questão, dizendo aos filipenses: “Não andeis ansiosos (Merimna/w) de
cousa alguma....” (Fp 4.6). No entanto, esta exortação pode parecer inócua sem a indicação de um
caminho eficaz para a canalização de nossas ansiedades existentes... Paulo então, propõe a solução
para o problema: “... Em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossa petições, pela
oração e pela súplica, com ações de graça” (Fp 4.6). A oração oferece-nos um abrigo onde podemos
nos ocultar das preocupações mundanas, um lugar onde ficamos a sós com Deus, um refúgio onde
renovamos a esperança, onde nossos cuidados com as coisas deste século ficam amortecidas. A oração
é o caminho pelo qual iniciamos a caminhada indicada por Pedro: “Lançando sobre ele toda a vossa
ansiedade (Me/rimnan), porque Ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7).
Quando assim procedemos, experimentamos o resultado indicado por Paulo no texto de Filipenses:
“E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e as vossas
mentes em Cristo Jesus” (Fp 4.7).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 46

venhamos a nos auxiliar uns aos outros. Lembremo-nos também de que tão
diferentes dons nos têm sido concedidos para podermos servir ao Senhor
humilde e despretensiosamente, e aplicar-nos ao avanço da glória daquele
que nos tem dado tudo quanto temos.”185Deste modo, os talentos recebidos,
foram-nos concedidos para que os usássemos para a edificação da Igreja, não para a
disseminação de discórdias, ou para usar de nossa influência para dividir, denegrir,
solapar ou mesmo para a nossa projeção pessoal: Deus não desperdiça os dons “por
nada e nem os destina para que sirvam de espetáculo.” 186 Mas, para a
edificação. O objetivo é claro: “Com vistas ao aperfeiçoamento (katartismo/j187 =
“preparar”, “equipar para o serviço”) dos santos” (Ef 4.12). Ainda que de passagem,
deve ser acentuado que, “sempre que os homens são chamados por Deus, os
dons são necessariamente conectados com os ofícios. Pois Deus não veste
homens com máscara ao designá-los apóstolos ou pastores, e, sim, os supre
com dons, sem os quais não têm eles como desincumbir-se adequadamente
de seu ofício.”188

Observemos que estes ofícios (Ef 4.11), foram instituídos para o aperfeiçoamento
dos santos a fim de que estes cumpram o seu serviço na Igreja; ou seja: o trabalho
não é apenas pastoral ou dos Presbíteros Regentes e Diáconos, é também e
fundamentalmente comunitário. Toda a Igreja é responsável: Lutero falou do
Sacerdócio Universal dos Crentes; pois bem, este texto nos fala do ministério
universal dos crentes. O carisma traz implicações de responsabilidade com a
edificação de nossos irmãos. Na Igreja de Cristo não pode haver a divisão entre
aqueles que trabalham e os que apenas ouvem comodamente... Todos somos
chamados e capacitados ao trabalho cristão. 189

Notemos também, que Paulo está dizendo que todos os membros da Igreja são
santos. Isso aponta para o nosso privilégio (somos santificados em Cristo Jesus) e
nossa responsabilidade (devemos progredir em santidade). Neste ponto, a Igreja sofre
tremendamente, porque ela abandonou a sua realidade e a sua meta de santidade
(separação) e cada vez mais intensamente se parece com o mundo: na sua forma de
pensar, de falar, de sentir, de vestir e de fazer... Ao invés desse comportamento
aprendido por osmose sugerir maturidade, é, na verdade, um sintoma de infantilidade
crônica: temos com demasiada freqüência, falado, sentido e pensado como meninos;
enquanto que o propósito de Deus para o Seu povo é o inverso: que pensemos,
sintamos e falemos como pessoas maduras na fé (1Co 13.11/1Co 3.1-2; Hb 5.11-14;
185
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.7), p. 134.
186
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.7), p. 376.
187
O termo grego utilizado por Paulo, no campo cirúrgico, era usado para “consertar um osso
quebrado”. “Ajustar em conjunto num só corpo” (D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, p. 172).
“A idéia fundamental do termo é de pôr nas condições em que devem estar já uma coisa ou
uma pessoa.” (William Barclay, Efésios, Buenos Aires, La Aurora, 1973, p.156). Calvino diz que o
termo grego “significa literalmente a mútua adaptação [= coaptitionem] de coisas que devem
ter simetria e proporção; assim como, no corpo humano, há uma combinação apropriada e
regular dos membros; de modo que o termo é também usado para ‘perfeição’. Mas como a
intenção de Paulo aqui é expressar um arranjo simétrico e metódico, prefiro o termo
constituição [= constitutio]. Pois, estritamente falando, o latim indica uma comunidade, ou
reino, ou província, como constituída, quando a confusão dá lugar ao estado regular e
legítimo.” [J. Calvino, Efésios, (4.12), p. 124].
188
João Calvino, Efésios, (Ef 4.11), p. 119.
189
“Não há crescimento em igrejas que dependem de algumas poucas pessoas e os demais
membros são espectadores. Sempre existe progresso e multiplicação em igrejas cujos
membros são vibrantes e intentam servir a Cristo.” (Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso:
In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 6, 2000, p. 20).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 47

2Pe 3.18). Paulo contrasta aqui os “meninos” (nh/pioj = “bebê”, “imaturo”, “criança
pequena”) (Ef 4.14 com à “perfeição” (te/leioj “maduro”) (Ef 4.13). Calvino, comenta:
“Crianças são aqueles que ainda não deram um passo no caminho do
Senhor, senão que hesitam, que não determinaram ainda que rumo devem
tomar, mas que se movem às vezes numa direção e às vezes noutra,
sempre duvidosos, sempre ziguezagueando.”190

As crianças devido a sua ingenuidade, são mais influenciáveis, dadas à


instabilidade. Os pagãos apresentam este comportamento, sendo conduzidos por
qualquer nova doutrina. Em Listra, conduzidos por suas lendas, 191 pensaram que
Paulo e Barnabé fossem Júpiter e Mercúrio, querendo a todo custo oferecer-lhes
sacrifícios. Pouco depois, influenciados pelos judaizantes, apedrejaram a Paulo,
deixando-o quase morto (At 14.8-20).

Paulo para descrever esta inconstância infantil, usa um termo náutico que se refere
a uma pequena embarcação que, em mar aberto não consegue manter o curso certo.
(Kludwni/zomai = “ser arrastado, levado pelas ondas”)(Ef 4.14), metaforicamente tem
o sentido de “ser agitado mentalmente”. A idéia é a de andar em círculos, diante da
variedade de ensinamentos. “Ele os compara com as palhas ou outros
elementos leves, os quais são rodopiados pela força do vento a soprar em
círculo ou em direções opostas.” 192

Tomando as figuras usadas por Paulo, podemos observar que a criança gosta de
entretenimento, novidade e indisciplina; se não tivermos firmeza doutrinária, se não
estivermos ancorados na Palavra, seremos conduzidos de forma constante e sem
direção. Este exemplo negativo, temos nos gálatas, aos quais, Paulo escreve:
“Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na
graça de Cristo, para outro evangelho” (Gl 1.6). “Vós corríeis bem; quem vos
impediu de continuardes a obedecer à verdade?” (Gl 5.7).

Em nossa imaturidade espiritual, já não separamos as coisas; antes dizíamos que


tudo era sagrado, agora vivemos como se tudo fosse profano... e o pior é que estamos
perfeitamente acomodados a isso, estamos bem à vontade, estamos em casa. A
acomodação no pecado não indica a paz de Deus, antes, a morte de uma consciência
supostamente cristã! A maturidade cristã impede-nos de cometer “macaquices
espirituais”, de ficar pulando de um lado para o outro.

Retornando ao nosso objetivo, devemos enfatizar que a Igreja é uma comunidade


carismática porque é constituída pelo povo redimido pela graça de Deus e, também,
porque atua comunitariamente com os carismas concedidos por Deus para a edificação
do Corpo de Cristo. (Vd. Ef. 4.13-16).

6) Comunidade Litúrgica:193

A nossa palavra “liturgia”, provém do grego, passando pelo latim. No grego,

190
João Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 127.
191
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Pessoa e Obra de Cristo, São Paulo, 2000, p. 40ss.
192
João Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 128.
193
Sobre a adoração cristã e a concepção de Culto em Calvino, Vd. Hermisten M.P. Costa, O Culto
Cristão na Perspectiva de Calvino, São Paulo, 1998 e Idem., Princípios Bíblicos da Adoração
Cristã, São Paulo, 2000.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 48

temos lh/i+ton194 (“concernente ao povo ou à comunidade nacional”) & e)/rgon


(“serviço”), tendo portanto, o sentido primário de “serviço público”. No grego antigo era
empregado de várias formas, sendo porém o sentido cultual pouco freqüente. 195

No Novo Testamento, leitourgi/a e seus cognatos que ali aparecem, leitourgo/j


(“Ministro”, “Auxiliar”), leitourge/w (“Serviço Sagrado”) e leitourgiko/j (“Ministrador”)
ocorrem cerca de 15 vezes, tendo uma relação direta ou indireta com o serviço
religioso.

Resumindo, podemos dizer que este conjunto de palavras têm três significados
especiais no NT., a saber:

a) Serviço de um ser humano aos outros: Rm 15.27; 2Co 9.12; Fp 2.17,30.


b) Serviço especificamente religioso: Lc 1.23; At 13.2; Hb 8.2,6.
c) Aquele que está a serviço do seu Senhor: Rm 13.6; 15.16.

Liturgia significa serviço prestado a Deus.196 A Igreja como povo de Deus encontra
a sua realização no ato de Culto, no qual revela publicamente o significado de Deus
para a sua vida, tornando patente o que Deus é, fez e faz. O culto é um
testemunho solene e público das "Virtudes de Deus" (1Pe 2.9-10; Hb 13.15).

O culto cristão é a expressão da alma que conhece a Deus e, que deseja dialogar
com o seu Criador; mesmo que este diálogo, por alguns instantes, consista num
monólogo edificante no qual Deus nos fale através da Palavra. A seguinte definição,
expressa bem esta realidade: "Em essência o culto é um encontro de Deus com
Seu povo no qual se estabelece um diálogo: Deus fala à Sua Igreja através
de Sua Palavra e a Congregação expressa sua adoração ao Senhor mediante
as orações, oferendas e hinos."197

A Igreja em sua peregrinação terrena, apresenta-se ao Seu Senhor como oferta


voluntária e total, na qual está expressa uma atitude de adoração, gratidão e
consagração: Adoração pelo que o Senhor é; Gratidão pelo que Deus fez e continua
fazendo; Consagração, como testemunho de que o Deus adorado é o seu Deus.
Assim, a Igreja vivencia a sua natureza litúrgica (Rm 12.1). "O culto é a essência e o
coroamento da atividade cristã".198 Por isso, é que podemos fazer coro à
declaração de que, "Adorar a Deus é a nossa mais alta atividade pois coloca o
espírito humano em comunicação com Deus eterno. Atividade tão essencial
que é o próprio Deus quem busca adoradores".199

O culto cristão não é uma ação humana, mas sim, uma resposta; uma atitude
responsiva à ação de Deus que primeiro veio ao homem, revelando-Se e
200
capacitando-o a responde-Lhe. É Deus Quem procura seus adoradores (Jo 4.23). A
adoração correta ao verdadeiro Deus, é uma atitude de fé e obediência na qual, o

194
Esta palavra é oriunda de lao/j e lew/j que significam “povo”.
195
Cf. I.-H. Dalmais, et. al., Liturgia: In: Angel Di Berardino, dir. Diccionario Patristico y de la
Antigüedad Cristiana, Salamanca, Ediciones Sigueme, 1992, Vol. II, p. 1279a.
196
Vd. Hermisten M.P. Costa, Teologia do Culto, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1987.
197
Víctor M.S. Garcia, Musica y Alabanza: In: Revista Teológica, México, Vol. IX, nº 31-32, 1978, p. 47.
198
C.F.D. Moule, As Origens do Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1979, p. 45.
199
Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, p. 46-47.
200
Vd. Confissão de Fé de Westminster, IX.3,4.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 49

adorador se prostra diante do Deus que o atraiu com a Sua graça irresistível. 201 Neste
ato de culto, o homem confessa sua dependência de Deus, professando a sua fé em
resposta à Palavra criadora de Deus (Jo 1.1; Rm 10.17; Tg 1.18; 1Pe 1.23). A Palavra
de Deus é criadora porque gera a fé e, todas as vezes que Deus fala ao homem, algo
de novo acontece, o homem não pode ser mais o mesmo, ele não pode mais ignorar
este acontecimento (At 4.20). E isto, se expressa em culto. Deus fala e o homem
adora; Deus Se mostra, o homem contempla; Deus abençoa, o homem louva... "De
longe se me deixou ver o Senhor, dizendo: Com amor eterno eu te amei, por isso
com benignidade te atraí" (Jr 31.3).

7) Comunidade Proclamadora do Evangelho:

A Missão da Igreja inspira-se e fundamenta-se no exemplo Trinitário. O Pai


envia o Seu Filho (Jo 3.16), ambos enviam o Espírito à Igreja (Jo 14.26; 15.26; Gl 4.6),
habitando em nossos corações (Rm 8.9-11,14-16); e nós, somos enviados pelo Filho,
sendo guiados pelo Espírito de Cristo (Jo 17.18; 20.21).

Calvino (1509-1564), comentando Gálatas 4.26, diz: “.... A Igreja enche o


mundo todo e é peregrina sobre a terra. (...) Ela tem sua origem na graça
celestial. Pois os filhos de Deus nascem, não da carne e do sangue, mas pelo
poder do Espírito.” Continua: “Eis a razão por que a Igreja é chamada a mãe
dos crentes.202 E, indubitavelmente, aquele que se recusa a ser filho da Igreja
debalde deseja ter a Deus como seu Pai. Pois é somente através do
ministério da Igreja que Deus gera filhos para si e os educa até que
atravessem a adolescência e alcancem a maturidade.” 203 A peregrinação da
Igreja tem um sentido missionário (“Até os confins da terra”) e escatológico (“Até a
consumação do século”): Enquanto ela caminha, confronta os homens com a
mensagem do Evangelho, conclamando a todos ao arrependimento e fé em Cristo
Jesus até que Ele volte.

Nós somos o meio ordinário estabelecido por Deus para que o mundo ouça a
mensagem do Evangelho. Jesus Cristo confiou à Igreja – como já mencionamos:
prioritariamente como organização, ainda que não exclusivamente 204 –, a tarefa
evangelística. A Igreja é “o agente por excelência para a evangelização.” 205
Nenhum homem será salvo fora de Cristo, mas para que isto aconteça ele tem que
conhecer o Evangelho da Graça. Como crerão se não houver quem pregue? (Rm
10.13-15). “O evangelismo pelo qual Deus leva os seus eleitos à fé é um elo
essencial na corrente dos propósitos divinos.”206

A Igreja de Deus é identificada e caracterizada pela genuína pregação da Palavra. 207

201
Vd. Confissão de Fé de Westminster, X.1,2.
202
“A Igreja é a mãe comum de todos os piedosos....” .[João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 125].
203
João Calvino, Gálatas, São Paulo, Paracletos, 1998, (Gl 4.26), p. 144. Vd. As Institutas, IV.1.1.
204
Vd. R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 100, 151-152.
205
R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 220. (Veja-se, todo o capítulo, p. 220-226).
206
J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São Paulo, FIEL, 1994, p.146.
207
Lutero observou que: “Onde, porém, não se anuncia a Palavra, ali a espiritualidade será
deteriorada.” (Martinho Lutero, Uma Prédica Para que se Mandem os Filhos à Escola (1530): In:
Martinho Lutero: Obras Selecionadas, São Leopoldo/Porto Alegre, RS., Sinodal/Concórdia, 1995, p.
334).
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 50

A Igreja na sua proclamação revela quem é: nós somos identificados não simplesmente
pelo que dizemos a nosso respeito, mas, principal e fundamentalmente pelo que
revelamos em nossos atos. A Igreja revela-se como povo de Deus no seu testemunho
a respeito de Deus e da Sua Glória manifestada em Cristo, bem como na declaração
do pecado humano e da necessidade de reconciliação com Deus. A Igreja não é a
mensagem; antes é o meio de proclamação; todavia, neste ato de proclamação das
virtudes de Deus, ela torna patente a Sua identidade divina, demonstrando o poder
daquilo que ela testemunha, visto ser a Igreja o monumento da Graça e Misericórdia de
Deus, constituído a partir da Palavra criadora de Deus. É justamente por isso, que “a
pregação é uma tarefa que somente ela pode realizar”.208

“Somente quando a Palavra de Deus é pregada, de acordo comas


Escrituras, ali é ouvida a voz do Bom Pastor, chamando Suas ovelhas pelo
nome. (...) Quando a Palavra não é pregada, ali Cristo não fala Sua Palavra
de salvação, e ali não está reunida a Igreja.”209

O Espírito capacita a Igreja a cumprir o que Jesus lhe ordenou. Isto Ele faz
concedendo-lhe poder (At 1.8/4.8-13, 31). Somente o Espírito pode capacitar a Igreja a
desempenhar de forma eficaz o Seu Ministério. O texto de At 1.8, resume bem o
conteúdo do Livro de Atos:210 A Igreja testemunha no poder do Espírito de Jesus (At
16.7). “O poder do Espírito Santo é Sua capacidade de ligar os homens ao
Cristo ressurreto de tal maneira que sejam capacitados a representá-Lo. Não
há nenhuma bênção mais sublime.” 211 Com bem observa Stott, do mesmo modo
que o Espírito veio sobre Jesus equipando-O para o Seu Ministério público, o Espírito
deveria vir sobre o Seu povo capacitando-o para o seu serviço. 212 Por isso que, “sem
o poder do Espírito Santo a evangelização é impossível.” 213 No Pentecoste se
concretiza historicamente a capacitação da Igreja para a sua missão no mundo; o
Pentecoste revela o caráter missionário da Igreja, tornando cada crente uma
testemunha de Cristo. “Pentecoste significa evangelismo”.214 E isto, no poder do
Espírito, derramado de forma sobrenatural. “O dia de Pentecostes foi sem dúvida
um momento extraordinário de transição em toda a história da redenção
registrada nas Escrituras. Foi um dia singular na história do mundo, porque
naquele dia o Espírito Santo começou a atuar entre o povo de Deus com o
poder da nova aliança.”215

A Igreja é uma testemunha comissionada pelo próprio Deus, para narrar os Seus
atos Gloriosos e Salvadores. A igreja é o meio ordinário de Deus para esta tarefa.
Assim, a sua mensagem não foi recebida de terceiros, mas sim, diretamente de Deus,
através da Palavra do Espírito, registrada nas Sagradas Escrituras. A Igreja declara ao
mundo, o “Evangelho do Reino”, visto e experimentado por ela em sua cotidianidade.

208
D.M. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, p. 23.
209
Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, p. 621.
210
Outros chamam At 1.8 de “índice” do Livro. (Cf. John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os
confins da terra, São Paulo, ABU., 1994, p. 42).
211
Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, p. 129.
212
Vd. John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os confins da terra, p. 38.
213
John R.W. Stott, Crer é também Pensar, São Paulo, ABU., 1984 (2ª impressão), p. 49.
214
R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 221. Do mesmo modo, Wayne A. Grudem, Teologia
Sistemática, p. 910.

215
Wayne Grudem, Teologia Sistemática, p. 641.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 51

“A Igreja e o evangelho são inseparáveis. (...) A Igreja é tanto o fruto como o


agente do evangelho, visto que por meio do evangelho a igreja se
desenvolve e por meio desta se propaga aquele.” 216 O testemunho da Igreja é
resultado de uma experiência pessoal: O Espírito dá testemunho do Filho, porque
procede do Pai e do Filho (Jo 14.26; 15.26; Gl 4.6); nós damos testemunho do Pai, do
Filho e do Espírito, porque Os conhecemos e temos o Espírito em nós (Jo 15.26,27;
14.23/Rm 8.9). A nossa tarefa é ensinar o Evangelho tal qual registrado nas Escrituras,
em submissão ao Espírito que nos dá compreensão na e através da Palavra (Sl
119.18).

Encontramos exemplos deste testemunho em Estevão, que falava cheio do Espírito


Santo (At 6.10; 7.55); em Paulo, que após receber o Espírito no ato da sua conversão,
passou a pregar que Jesus era o Filho de Deus (At 9.17-20; 13.9-12) e, também, em
Barnabé, no seu breve, porém profícuo ministério em Antioquia (At 11.21-25).

O poder do Espírito não significa simplesmente uma vitória sobre as dificuldades,


antes, ele nos fala do triunfo, mesmo quando a derrota nos parece evidente. Assim,
Estevão testemunhou no poder do Espírito e foi apedrejado; Paulo cumpriu seu
ministério sob a direção do Espírito e foi preso e martirizado. Estes exemplos que não
são isolados, nos falam de uma aparente derrota e frustração, todavia, é apenas uma
falsa percepção dos fatos. O poder do Espírito é a capacitação para levar adiante a
mensagem de Cristo, mesmo que isto nos custe o mais alto preço do testemunho, que
é o martírio. A Igreja no poder do Espírito declara solene e corajosamente: “Nós não
podemos deixar de falar das cousas que vimos e ouvimos” (At 4.20). “Antes
importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29). “Estou pronto não só
para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém, pelo nome do Senhor Jesus”
(At 21.13).

A Igreja tem com muita freqüência se distanciado daquilo que a caracteriza: a


pregação da Palavra.217 Ela tem feito discursos políticos, sociais, ecológicos, etc.;
todavia, tem se esquecido de sua prioridade essencial: pregar a Palavra a fim de que
os homens se arrependam e sejam batizados, ingressando assim, na Igreja. Com isto,
não estamos defendendo um total distanciamento da Igreja do que ocorre na História,
pelo contrário, a Igreja deve agir de forma evidente e efetiva na História; acontece, que
ela age de forma eficaz não com discursos rotineiros a respeito da pobreza, da
violência, e do desmatamento, mas sim, na proclamação do Evangelho de Cristo, que
é o poder de Deus para a transformação de todos os homens que crêem (Rm 1.16-
17).218

O Rev. Boanerges Ribeiro, com a sua costumeira acuidade, assevera:

“A Igreja declara que a relação se restabeleceu entre Deus e o homem,


pela Palavra criadora de Deus. Eis uma declaração que inquieta o mundo;
eis uma declaração que provoca a fúria homicida do mundo em agonia,
contra a Igreja imortal, o que tantas vezes faz da testemunha, mártir; e da

216
John R.W. Stott & Basil Meeking, editores, Dialogo Sobre La Mision, Grand Rapids, Michigan,
Nueva Creación, 1988, p. 62.
217
Podemos tomar operacionalmente a definição que Alexander Vinet (1797-1847) deu de pregação: “A
pregação é a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação
dessas verdades ao nosso rebanho.” (A.R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the
Evangelical Ministry, 2ª ed. New York, Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189).
218
Veja-se, Hermisten M.P. Costa, As Questões Sociais e a Teologia Contemporânea, São Paulo,
1986, 15 p.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 52

Revelação a João, a tela de horrores apocalípticos, onde a besta


desesperada tenta em vão destruir a Igreja. Mas a Igreja há de dar
testemunho: não pode fugir à vocação de seu ser.
“A Igreja é a comunidade de seres humanos organizada pela presença
permanente do Espírito Santo (...) conservada no mundo para ser
219
testemunha de Cristo por meio da Palavra de Deus.”

Por isso, a Igreja como testemunha, não tem o direito, nem realmente deseja, optar
se deve ou não dar o seu testemunho nem, a quem deve testemunhar: Ela de fato, não
pode se calar, do mesmo modo que não podemos deixar de respirar... A Igreja não
pode deixar de dar testemunho, visto que ela “não pode fugir à vocação do seu próprio
ser”.220 (At 1.8; 4.8-13; 6.10/7.55; 9.17-20; 11.21.25; 13.9-12).

Como Igreja, somos levados sob a direção do Espírito, de forma irreversível, a


testemunhar sobre a realidade de Cristo e do poder da Sua graça.

A Igreja de Deus, no seu ato essencial de proclamar as virtudes de Deus (1Pe 2.9-
10), tem como objetivo final a Glória de Deus. (Rm 11.36; 1Co 10.31). A Evangelização
visa glorificar a Deus, através do anúncio da natureza de Deus e de Sua obra eficaz,
efetivada em Cristo Jesus. Ousamos dizer, que a Evangelização tem
fundamentalmente como alvo final, glorificar a Deus; e Deus é glorificado através da
salvação de Seu povo (Is 43.7; Jo 17.6-26; Ef 1.7/2Ts 1.10-12) e a conseqüente
confissão de Sua soberania (Fp 2.5-11). Quando evangelizamos estamos revelando o
nosso amor a Deus e ao nosso próximo, glorificando a Deus, sendo-Lhe obedientes na
vivência de nossa natureza de proclamação e serviço. “Aquele que tem os meus
mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21). Nós glorificamos a
Deus sendo-Lhe obediente (Jo 17.4).

Cito aqui as contundentes palavras de R.B. Kuiper:

“A fé calvinista propõe o mais elevado objetivo da evangelização. E não


é a salvação de almas. Nem o crescimento da Igreja de Cristo. Tampouco
é a vinda do reino de Cristo. Todos estes objetivos da evangelização são
importantes, inestimavelmente importantes. Mas são apenas meios para
a consecução do fim para o qual todas as coisas foram trazidas à
existência e continuam existindo, para o qual Deus faz tudo o que faz, no
qual a história toda culminará um dia, e no qual estão focalizadas todas
as eras da eternidade sem fim – a glória de Deus. Em resumo, de todos os
cristãos, o calvinista tem de ser o mais zeloso pela evangelização. É o que
ele será, se for verdadeiramente calvinista – e não só de nome.”221

5. ATITUDES PARA COM A IGREJA:

O Estudo das Escrituras não nos deve deixar indiferentes; ele sempre é
responsabilizador. Diante do que pudemos aprender, nós como cristãos sinceros,
membros da Igreja de Deus, que é o Corpo de Cristo, devemos:

219
Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, p. 42-43.
220
Ibidem., p. 43.
221
R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 149. (Vejam-se, também: Idem, Ibidem., p. 58-59; 90-
91; Idem, El Cuerpo Glorioso de Cristo, p. 225-226; J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus,
2ª ed. São Paulo, Vida Nova, 1990, p. 51ss.
A Igreja de Deus: Origem, Característica e Missão – Rev. Hermisten M.P. Costa – 20/03/19 – 53

1) Congregar-nos: 1Co 11.18/Hb 10.25.

2) Honrá-la: 1Co 11.22/1Tm 3.15.

3) Contribuir para a Edificação: 1Co 14.5,12,19/1Co 10.32/At 15.41/2Co 11.28.

4) Integrar os convertidos: At 2.41;46; 11.25-26.

5) Interceder: At 12.1,5.

6) Servir: Rm 16.1/2Co 8.23.

7) Difundir a Graça de Deus manifesta na Igreja: 2Co 8.1,23,24.

8) “Ansiar” pela Igreja: 2Co 11.28/Fp 2.19-21.

9) Cuidar da Igreja: 1Tm 3.5.222

São Paulo, 07 de fevereiro


de 2001.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

222
O verbo traduzido por “cuidar” (E)pimele/omai), ocorre apenas mais duas vezes no NT., referindo-
se ao “bom samaritano” que cuidou dos ferimentos daquele homem que fora assaltado e espancado. (Lc
10.35,36). A forma substantivada aparece apenas uma vez (E)pimelw=j) aludindo à mulher que
procurava “diligentemente” a dracma perdida. (Lc 15.8). Na forma adverbial (E)pime/leia) também só é
encontrada uma única vez, referindo-se aos cuidados dispensados (ARA: “obter assistência”) pelos
amigos de Paulo quando este estava encarcerado, viajando de navio para Roma (At 27.3).

You might also like