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30.dez.2018 às 2h00
KATE JULIAN
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/12/dupla-moral-sexual-ainda-faz-mulheres-esconderem-seus-corpos-e-
desejos.shtml).
Estes deveriam ser tempos de boom sexual
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/12/sade-me-libertou-de-um-deus-corta-barato-diz-reinaldo-
moraes.shtml).
A parcela de americanos para quem o sexo entre adultos não
casados “não é nem um pouco errado” nunca foi maior. Nunca houve menos
novos casos de HIV nos EUA. A maioria das mulheres pode ter acesso a
anticoncepcionais gratuitos e não precisa de receita médica para obter a
pílula do dia seguinte.
O poliamor (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/06/cartorios-sao-proibidos-de-registrar-unioes-
poliafetivas-decide-cnj.shtml)virou palavra do dia a dia. Termos carregados de vergonha,
como perversão, deram lugar a outros com som jovial, como “kink”. A Teen
Vogue (isso mesmo, Teen Vogue) chegou a publicar um manual sobre sexo
anal. Com a possível exceção do incesto e da bestialidade —e, é claro, da
relação não consensual—, nossa sociedade nunca foi mais aberta ao sexo do
que é hoje.
Hoje, 60% dos adultos com menos de 35 anos vivem sem cônjuge ou
companheiro. Um em cada três dessa faixa etária mora com os pais —
arranjo que se tornou o mais comum para esse grupo específico. Quem vive
com um parceiro amoroso tende a fazer mais sexo, e morar com os pais
obviamente prejudica a vida sexual. Mas nem isso explica por que menos
jovens estão formando casais (casados ou não), para começar.
Muitas dessas alternativas podem ser verdadeiras, talvez todas elas. Mas
algumas poucas explicações possíveis reapareceram inúmeras vezes em
minhas entrevistas e nas pesquisas que analisei. Cada uma delas traz
implicações profundas para nossa felicidade.
1. SEXO A SÓS
O recuo do sexo não é um fenômeno apenas americano. Os países que
tentam rastrear a vida sexual de seus cidadãos (todos ricos) andam
verificando um declínio da atividade sexual ou o adiamento do início da vida
sexual.
Enquanto isso, a Suécia, país com um dos índices de natalidade mais altos da
Europa, iniciou uma pesquisa recentemente, alarmada por sondagens que
sugeriam que também os suecos estariam praticando menos atividade
sexual. O ministro da Saúde sueco escreveu, em artigo para justificar a
realização do estudo, que “se as condições sociais para uma vida sexual boa
tiverem deteriorado, por exemplo devido ao estresse ou outros fatores não
sadios, isso é um problema político”.
Isto nos conduz ao Japão, que vive uma crise demográfica e já virou uma
espécie de estudo de caso sobre os perigos da falta de sexo. Em 2005, um
terço dos solteiros japoneses de 18 a 34 anos de idade eram virgens; em 2015,
eram 43% nessa faixa etária, e a parcela das que diziam não pretender se
casar também havia aumentado. Não que o casamento seja garantia de
frequência sexual: 47% das pessoas casadas não haviam feito sexo no período
de um mês.
design de bonecas sexuais de alto padrão. O que talvez seja mais revelador,
porém, é como o país vem inventando métodos de estímulo genital que não
se dão mais ao trabalho de evocar o sexo à moda antiga, ou seja, com mais de
uma pessoa.
A masturbação continuou a ser tabu por boa parte do século 20. Nos anos
1990, quando foi lançado o livro de Michael, referências à masturbação ainda
eram recebidas com “risadinhas nervosas ou com choque e repulsa”.
Numa palestra TEDx que inclui imagens de cópulas animais além de muitas
tomografias cerebrais (humanas), Wilson argumenta que a masturbação
diante da pornografia na internet é viciante, provoca alterações estruturais
no cérebro e está gerando uma epidemia de disfunção erétil.
Essas mensagens são ecoadas e amplificadas por uma organização sem fins
lucrativos sediada em Salt Lake City, chamada Fight the New Drug (combata
a nova droga) —sendo a “droga” em questão a pornografia—, que já realizou
centenas de apresentações em escolas e outras organizações pelos EUA
afora.
Isso não quer dizer que não exista correlação entre uso de pornografia e
desejo de sexo na vida real. Ian Kerner, terapeuta nova-iorquino e autor de
vários livros populares sobre sexo, diz que, embora não considere o consumo
de pornografia prejudicial à saúde (e recomende certos tipos dela a alguns
pacientes), trabalha com muitos homens que “continuam a se masturbar
como se tivessem 17 anos”, em detrimento de sua vida sexual. “Isso amortece
o desejo”, comenta.
O sexo pode estar em declínio, mas a maioria das pessoas continua a praticá-
lo —assim como, durante uma recessão econômica, a maioria das pessoas
ainda tem emprego.
Mas mesmo gente que está em relacionamento disse que a vida digital parece
estar competindo com a vida sexual. Parece um contrassenso: nossa fome de
sexo seria teoricamente um instinto primal. Quem é que preferiria trocar
amassos na vida real por carícias online?
2. ENCONTROS E PAIS-HELICÓPTERO
Entrei no ensino médio em 1992, mais ou menos a época em que os índices
de gravidez e parto em adolescentes chegaram aos níveis mais altos em
décadas e quando a idade média de início da vida sexual caiu ao patamar
mais baixo dos tempos modernos, 16,9 anos.
Wade classifica os jovens que analisou em três grupos. Cerca de um terço dos
estudantes eram o que ela descreveu como “abstencionistas” —optaram por
fugir da cultura dos “hookups”. Um pouco mais de um terço eram
“experimentadores”: tinham encontros casuais ocasionais. Menos de um
quarto eram “entusiastas”, que partiam para “hookups” com prazer. Os
estudantes restantes estavam em relacionamentos longos.
Também condiz com dados de um levantamento feito entre 2005 e 2011, com
20 mil universitários, que concluiu que o número médio de encontros
casuais ao longo de quatro anos de faculdade era cinco —sendo que um
terço desses encontros envolveu só beijos e carícias. A maioria dos
estudantes entrevistados disse que queria ter mais oportunidades de
encontrar namorado ou namorada firme.
Já nas décadas mais recentes, o namoro entre teens parece ter se tornado
menos comum. Em 1995, o grande estudo longitudinal conhecido como Add
Health constatou que 66% dos rapazes e 74% das garotas de 17 anos haviam
tido “um relacionamento romântico especial” nos 18 meses anteriores. Em
2014, quando o Centro Pew de Pesquisas perguntou a jovens de 17 anos se “já
tinham saído, tido um encontro casual ou tido outro tipo de relacionamento
romântico” —categoria mais ampla que a anterior—, 46% responderam que
sim.
Outra coisa é que, na medida em que seus alunos optam entre sexo casual ou
sexo nenhum, eles o fazem porque uma terceira opção evidente —o sexo
dentro de um relacionamento— é vista por muitos deles como algo não
apenas inalcançável mas também potencialmente irresponsável.
Solomon crê que muitos estudantes tenham absorvido a ideia de que o amor
tem importância secundária em relação ao sucesso acadêmico e profissional.
“Meus alunos vivem me dizendo que fazem muita força para não se
apaixonarem na faculdade, imaginando que isso atrapalharia seus planos.”
3. A MIRAGEM DO TINDER
Não faltou sexo na faculdade para Simon, pós-graduando de 32 anos que se
descreve como baixinho e careca (“se eu não fosse engraçado, estaria
perdido”, diz). Pouco antes de se formar, ele começou um relacionamento
que durou sete anos. Quando o namoro terminou, em 2014, Simon sentiu
como se tivesse saído de uma máquina do tempo, já que, antes do
relacionamento, não havia Tinder nem iPhones.
“Meu primeiro instinto após o término foi ir a bares”, ele contou. Mas,
quando o fazia, voltava para casa sozinho. Simon teve a impressão de que,
em um período de tempo curto, paquerar tinha passado de comportamento
normal a algo quase assustador ou repulsivo. Seus amigos criaram uma conta
para ele no Tinder. Mas, para cada 300 mulheres pelas quais ele mostrou
interesse no aplicativo, Simon conversou com apenas uma.
Existe uma ideia, ao menos entre quem não usa apps de relacionamento, de
que eles facilitam o sexo casual, com eficácia sem precedentes. Na realidade,
a não ser que você seja excepcionalmente bonito, o que os apps de namoro
talvez façam melhor é desperdiçar tempo.
Em 2014, a última vez em que o Tinder divulgou esse tipo de dado, o usuário
médio entrava no site 11 vezes por dia. Os homens passavam 7,2 minutos por
sessão, e as mulheres, 8,5 minutos, totalizando cerca de uma hora e meia por
dia. Mas não recebiam grande retorno.
Hoje, a empresa diz que recebe 1,6 bilhão de “deslizar de dedos” por dia e
registra apenas 26 milhões de “matches”. E, a julgar pela experiência de
Simon, a grande maioria deles não leva a sequer uma troca de mensagens de
texto, muito menos a um encontro, muito menos ainda a sexo.
Então por que as pessoas continuam a usar esses apps? Simon explicou que
conhecer alguém offline parece ser cada vez menos provável. Seus pais se
conheceram em um coral após a faculdade, mas ele não se enxerga fazendo
algo semelhante. “Jogo vôlei”, comentou. “Dois anos atrás havia uma garota
no time que eu achava bonitinha, e a gente tinha trocado uns beijos.” Simon
quis convidá-la para sair, mas acabou concluindo que seria uma situação
“desajeitada”, até “uma grosseria”.
Muitas críticas aos serviços de namoro online, como “A Million First Dates”,
de Dan Slater, destacam a ideia de que o excesso de escolhas pode levar a
uma “sobrecarga de opções”, o que, por sua vez, conduziria à insatisfação.
Slater argumentou que os candidatos a encontros online podem sentir a
tentação de voltar ao app sempre em busca de experiências com pessoas
novas; o compromisso e o casamento sairiam prejudicados.
Anna, que concluiu a faculdade três anos atrás, me contou que tinha
dificuldade em interpretar as intenções das pessoas. Hoje, os apps de
namoro são uma ferramenta útil. “Não há ambiguidade”, explicou. O
problema é que, quanto mais ela usa os apps, menos consegue se imaginar
vivendo sem eles. “Nunca aprendi como conhecer gente na vida real.”
Ela aventou a ideia de que uma das causas da recessão sexual talvez seja uma
reação saudável ao sexo ruim —um subconjunto de pessoas “que estariam
deixando de fazer sexo que não querem mais fazer”. “Pessoas se sentindo
mais empoderadas para dizer ‘não’.”
O sexo leva tempo para ser aprendido mesmo nas melhores das
circunstâncias, e estas não são as melhores circunstâncias. Basear seu
comportamento em algo visto numa tela pode levar as pessoas a agir como
se estivessem se exibindo para um espectador —algo que os pesquisadores
sexuais William H. Masters e Virginia E. Johnson postularam muito tempo
atrás que seria prejudicial ao funcionamento sexual.
Um estudo concluiu que apenas 31% dos homens e 11% das mulheres chegam
ao orgasmo em encontros casuais com um parceiro novo. Contrastando com
isso, quando perguntados sobre a relação sexual mais recente dentro de um
relacionamento, 84% dos homens e 67% das mulheres disseram que haviam
tido um orgasmo. Outros estudos tiveram resultados semelhantes.
5. INIBIÇÃO
“As pessoas da geração millenial não gostam de ficar nuas”, disse à
Bloomberg no ano passado o fundador da consultoria de branding Redscout,
Jonah Disend. “Hoje em dia, quando você vai à academia, todo mundo que
tem menos de 30 anos se esconde atrás da toalha para vestir a roupa de
baixo. É uma transformação cultural enorme.” Ele disse que o design das
suítes de casal está evoluindo pelo mesmo motivo: “As pessoas querem seu
banheiro e closet individuais, mesmo quando fazem parte de um casal”.
O artigo concluiu que por mais que as pessoas da geração do milênio possam
ser “digitalmente desinibidas” —uma possível alusão ao sexting—, “nos
contatos cara a cara, são pudicas”. Academias de ginástica pelo país afora
estariam reformando seus vestiários em resposta às demandas de seus
clientes mais jovens. “O pessoal mais velho, gente de mais de 60 anos, não
tem problema com os chuveiros coletivos”, disse ao New York Times um
arquiteto de academias, explicando que os millenials exigem privacidade.
Alguns observadores sugerem que o novo desconforto com a nudez talvez se
deva ao fato de que, desde meados da década de 1990, a maioria dos colégios
de ensino médio parou de exigir que os estudantes tomassem banho após as
aulas de educação física. Faz sentido: quanto menos tempo você passa nu,
menos você se sente à vontade com a nudez.
Em seu livro “Come As You Are”, Emily Nagoski, que estudou no Instituto
Kinsey, compara o sistema de excitação do cérebro ao acelerador de um
carro, enquanto o sistema de inibição seria o freio. O primeiro faz você
querer sexo; o segundo esfria seu interesse. As pesquisas sugerem que, em
muitas pessoas, o freio pode ser mais sensível que o acelerador.
A julgar pelas entrevistas que conduzi, a inibição parece ser a companheira
constante de muitas pessoas que estão abstinentes há muito tempo. A
maioria delas descreveu a abstinência não como algo de sua própria escolha
(motivada pela fé religiosa, por exemplo), mas como algo no qual elas se
viram encurraladas em decorrência de trauma, ansiedade ou depressão. Fato
desanimador mas que não chega a ser surpreendente, muitas mulheres que
disseram ter deixado de fazer sexo por opção própria evocaram agressões
sexuais sofridas.
Como podem coisas tão pequenas —uma noite mal dormida, pequenas
distrações— derrotarem algo tão fundamental quanto o sexo? Uma resposta
que ouvi de várias fontes é que nosso apetite sexual se extingue facilmente
por uma questão natural. A raça humana precisa de sexo, mas os humanos,
individualmente, podemos prescindir dele.
Sim, é verdade que ninguém jamais morreu por não transar, mas fazer sexo
se mostrou algo adaptativo ao longo de milhões de anos: fazemos porque é
prazeroso, porque nos vincula uns aos outros, porque nos deixa felizes.
É evidente que uma vida sexual plena não é imprescindível para se ter uma
vida boa, mas muitas pesquisas confirmam que ela contribui para isso. A
relação entre sexo e bem-estar é uma via de mão dupla, fato que talvez não
deva surpreender: quanto mais você está de bem com a vida, melhor será sua
vida sexual, e vice-versa. Infelizmente, o inverso também é verdade.
O sexo parece ser mais tenso e complicado hoje em dia. Esse problema não
tem uma origem única —o mundo mudou de inúmeras maneiras e muito
rapidamente. Com o tempo, talvez repensemos algumas coisas: a situação
abismal da educação sexual, algo que no passado foi motivo de chacota, mas
que hoje, na era da pornografia, é uma vergonha. A relação disfuncional que
muitos de nós temos com nossos celulares e com as redes sociais. Os esforços
para “proteger” os adolescentes de quase tudo, incluindo o romance,
deixando-os despreparados para as dores e também para as alegrias da idade
adulta.
Kate Julian é repórter da revista The Atlantic, onde este texto foi originalmente publicado.
ENDEREÇO DA PÁGINA
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/12/por-que-os-jovens-
estao-fazendo-pouco-sexo.shtml