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04/08/2015 ­ 05:00

Reforma das estatais e os liliputianos
Por Alessandro Octaviani

Na esteira de recentes escândalos de cartelização e corrupção que envolveram grupos econômicos privados,
empresas estatais (como a Petrobras e a Companhia do Metropolitano de São Paulo/ Metrô­SP) e partidos
políticos, ganhou destaque midiático a ideia de produzir "nova regulação das estatais".

O Estado­empreendedor, produtor direto de bens ou serviços, que realiza atuação na economia por (a) absorção
ou (b) participação é uma realidade mundial. Países como os EUA mantém estruturas estatais de produção de
bens e serviços econômicos, em escala e escopo compatíveis com seus objetivos nacionais estratégicos, como dão
exemplos 1­ os casos das pesquisas em alta biotecnologia produzidas no sistema NIH; 2­ a provisão de créditos
produtores de segurança financeira, por meio dos canais estatais de resseguro rural ou do sistema TARP ou 3­ a
provisão de segurança energética, por meio das forças armadas e suas operações de invasão e tomada de regiões
estratégicas mundo afora. Tais países seguem o pragmatismo de quem fala uma coisa e faz outra; acreditam
menos nos seus próprios discursos do que as elites dependentes dos países periféricos.

O Estado empreendedor, produtor direto de bens ou serviços, que realiza atuação na economia, é
uma realidade mundial

No Brasil, as estruturas estatais de produção direta de bens e serviços estão previstas constitucionalmente,
coagulando experiências de muitas décadas, nas quais cumpriram o papel que nenhum capital privado teria
disposição ou capacidade de fazer, como 1­ a exploração de petróleo e o desenvolvimento de tecnologias de nível
global (quando os EUA, as "sete irmãs" e os corriqueiros derrotistas brasileiros afirmavam sua impossibilidade),
2­ a pesquisa de variantes genéticas de alta produtividade (quando o grande investimento em produtividade dos
latifundiários vertia­se aumentar o número de boias­frias nas boleias moedoras de gente) e 3­ a garantia de
créditos para projetos de alto risco ou elevada dimensão social, industriais, agrícolas e habitacionais (quando o
sistema financeiro privado especializava­se em dinheiro para o "consumidor pessoa física" e suas taxas pouco
transparentes, além da pressão por juros exorbitantes dos títulos da dívida pública interna).

Na esteira dos recentes escândalos, afirma­se a necessidade de nova regulação infraconstitucional para os artigos
173, 174, 175 e outros que definem a função e a estrutura constitucional das empresas estatais brasileiras. Na
Câmara dos Deputados, tramitam atualmente projetos como o PL 622/2011 (deputado Rodrigo Garcia, DEM­SP),
aos quais foram apensados, só em 2015, outros três textos (deputados Pedro Uczai, PT­SC; Beto Mansur, PRB­SP
e Jaime Martins, PSD­MG). No Senado Federal, foram apresentados oito PLs desde 2009, além de PECs sobre o
tema (como a de nº 40/2015, do deputado Fábio Sousa, PSDB­GO) e, de acordo com as últimas notícias, existe
agora também a "proposta Aécio".

A despeito dessa miríade de iniciativas, os presidentes de ambas as Casas do Congresso Nacional aprovaram a
criação de Comissão Especial Mista para a análise de "Anteprojeto de Lei de Responsabilidade das Estatais", de
sua autoria, que deverá, em 30 dias, apresentar versão definitiva do texto a ser posteriormente posto em votação.

O "Anteprojeto Cunha" é um medíocre "recorta e cola" de diversos textos normativos já vigorantes e um
amontoado de lugares­comuns supostamente "de mercado", cuja essência reside em dois eixos: 1­ possibilitar a
maiorias parlamentares aumentarem sua margem de chantagem sobre o Executivo, e 2­ alçar o interesse dos
investidores minoritários a algo mais importante do que o interesse público, único fundamento legítimo para a
existência de uma empresa estatal. Patrimonialismo e rentismo juntos, basicamente. Raymundo Faoro com
George Soros. O resto é cosmético e prestidigitação.

O regime de "transparência e controle" não chega perto de onde
deveria chegar, organizando, por exemplo, 1­ o controle quanto aos
fins (adequação aos objetivos constitucionais e aos planos de
desenvolvimento, com métricas quantitativas e qualitativas, que
visem a identificar se estão sendo atingidos os objetivos do art. 3º,
170, 219 e outros da Constituição Federal; métricas para evidenciar o
nível de satisfação dos consumidores, contribuintes e demais
integrantes da cadeia produtiva, com a implementação da "auditoria
social das estatais"), 2­ controle quanto aos procedimentos (transparência nas contratações, com a permissão de
acesso aos dados bancários e fiscais dos envolvidos; transparência na tomada de decisões, com o acesso à
fundamentação e monitoramento de suas consequências) ou 3­ controle quanto aos atores (criando­se
mecanismos para identificar relações entre o gestor público e os principais suspeitos de corrupção e cartelização ­
os grandes grupos econômicos privados e os principais partidos políticos do país; medidas de aferição do
aumento da produtividade e aproveitamento do potencial criativo dos funcionários).

No Brasil atual, integrado por figuras políticas liliputianas, em que o PT se transformou em advogado de defesa
de seus empreiteiros financiadores, o PSDB é a meca dos garotos de recado do sistema financeiro ávidos por voltar
a queimar o patrimônio público nacional em barbaridades com as quais a imprensa é complacente e o PMDB é o
guardião da coerência, pois continua onde sempre esteve, paroquialmente preocupado consigo próprio, às custas
da nação, o debate tenderá a ser rasteiro, refletindo esse déficit moral e cognitivo. Tudo isso, para deleite de países
que afirmam que "estatais não importam", ao mesmo tempo em que estão cheio delas, muito bem gerenciadas e
posicionadas em seus aparatos produtivos.

Em breve, entretanto, teremos estadistas e movimentos políticos de massa à altura do povo brasileiro, para
continuar a grande obra do desenvolvimento nacional, e, então, as empresas estatais serão reformadas dessa
"reforma" de araque.

Alessandro Octaviani é professor de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de
Direito da USP.

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