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13 Reasons Why: Uma Análise do Livro Para a Série

Leticia Tiemi HATA


Pedro Augusto ZAMBON
Universidade Presbiteriana Mackenzie

Aluno(s): Leticia Tiemi Hata Email: leticia.tiemi@hotmail.com


Augusto Zambon Email: pedro.silveira@mackenzista.com.br
Orientador: Profa. Dra. Fernanda Cristina Araújo Batista

Resumo
2017 trouxe de volta um livro publicado em 2007 que acabou esquecido pelo público, ’13
Reasons Why’. A série homônima segue grande parte da narrativa, mas algumas
mudanças foram necessárias. Na versão produzida pela Netflix, o espaço-tempo e o
desenvolvimento das personagens são alterados. Neste ensaio, serão comparadas ambas
as obras, livro e série. Também será feita uma análise da psique das figuras centrais, já
que o desenvolvimento delas é mais aparente, no seriado. Demonstrar-se-á, também, a
importância do estudo do psicológico das personagens.

Palavras-chave: Jay Asher; 13 reasons why; personagem; psicopatologia; espaço-


tempo.

Introdução
O ano de 2017 trouxe de volta um livro publicado em 2007 que acabou esquecido
pelo público. 13 Reasons Why conta a história de Hannah Baker, uma garota que comete
suicídio, deixando sete fitas cassete – cada uma com duas histórias em cada, com exceção
da última – resultando em treze histórias que contam a vida dela, ou em suas palavras,
mais especificamente, por que sua vida acabou.
A série homônima segue grande parte da narrativa do livro, mas algumas
mudanças foram feitas, como a maneira em que as personagens foram desenvolvidas, a
função do narrador nas duas mídias e como o final difere de uma para outra. A narrativa
gira em torno de Clay Jensen, interpretado pelo ator Dylan Minnette, que recebe um
pacote com as fitas. Por meio delas, pode-se identificar possíveis sinais de transtornos em
várias personagens. Neste ensaio, todavia, falaremos especificamente sobre quatro: Clay
Jensen, Hannah Baker, Tyler Down (Devin Druid) e Bryce Walker (Justin Prentice).
Na versão produzida pela Netflix, o protagonista, que recebe as fitas, demora um
tempo muito mais longo para terminar de ouvi-las; dessa forma, o diretor Brian Yorkey
tem a chance de mostrar aos espectadores um pouco mais sobre as personagens no
desenrolar de cada episódio. Sendo assim, é possível notar como a parte psicológica deles
foi desenvolvida no seriado, o que possibilita a inserção de alguns sintomas no decorrer
da trama. O livro de Jay Asher, entretanto, conta a história em apenas um dia, não havendo

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tempo, portanto, para dar pequenos detalhes. Consequentemente, apenas alguns
personagens têm a chance de aparecer ou de ter esse desenvolvimento psicológico na
obra, e o leitor acaba sem uma única informação sobre suas vidas – apenas o presente
importa.
Outra diferença existente entre o livro e a série de televisão é o narrador: Asher
criou uma narrativa em que uma de suas personagens, Hannah, conta histórias diferentes,
ganhando a função de narradora por meio das fitas que ela mesma gravou, mas o foco
narrativo acaba com Clay, que está ouvindo. Ele consegue contar ao leitor exatamente o
que está acontecendo, seja com suas ações,
O sinal continuou piscando, insistindo para que eu tome uma decisão
rápida. Mandando eu me apressar. Ainda tenho tempo para atravessar a
rua correndo, pular do outro lado e cruzar o estacionamento voando, até
aterrissar no Rosie’s. (ASHER, 2007, p.113)
ou ao descrever os ambientes com grande riqueza de detalhes, transportando o leitor para
a cena:
A marquise, contornando o prédio, se estende sobre a calçada. O letreiro
todo enfeitado aponta para o céu, como uma pena de pavão elétrica. As
letras se acendem piscando uma de cada vez, C-R-E-S-T-M-O-N-T,
como se alguém estivesse fazendo palavras cruzadas com neon.
(ASHER, 2007, p.115-116)
Além disso, Clay também descreve as ações das pessoas a sua volta “O capô está
aberto, preso ao suporte, e ele e seu pai, debruçados sobre o motor. Tony segura uma
lanterninha enquanto seu pai aperta alguma coisa lá dentro, bem no fundo, com uma chave
inglesa” (ASHER, 2007).
A série homônima, entretanto, possui os efeitos visuais a seu favor, descartando a
necessidade de se preocupar quanto a descrição de lugares e ações. A narradora da série
é Hannah por meio das fitas, que permitem alguns flashbacks para explicar ao público o
que aconteceu exatamente. Existem momentos em que Clay começa a demonstrar alguns
sintomas de ansiedade, graças ao sentimento de culpa por não ter feito nada para ajudá-
la – um ponto que não foi abordado no livro.
O transtorno que o atinge só é mencionado uma vez na série, entretanto é possível
notar sua existência desde o primeiro episódio: Jensen teria o transtorno de ansiedade
generalizada (F41.1, no DSM-V), agravado por alguns episódios de psicose – delírios e
alucinações – vide a cena em que ele pensa estar vendo Hannah morta no meio da quadra
de basquete, durante uma partida do torneio (Ep. 07). No livro, no entanto, em momento

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algum é citado que a personagem possui um tipo de transtorno, nem mesmo é possível
subentender-se algo do tipo.
Algumas pesquisas associam que o transtorno de ansiedade generalizada pode ser
causado pela superproteção parental, mas não é possível dizer que tal fator ambiental é
exato, ou se ao menos existe algum fator ambiental que seja correlacionado com o
transtorno. Existem, porém, diversos fatores de risco que estão ligados a tal transtorno,
de acordo com o DSM-V: “inibição comportamental, afetividade negativa (neuroticismo)
e evitação de danos foram associadas ao transtorno de ansiedade generalizada. ” (DSM-
V, 2014).
Quanto à personagem de Hannah, pode-se dizer que apresenta sintomas
condizentes com transtorno depressivo maior recorrente moderado (F33.1, no DSM-V) –
isso porque em vários momentos da série podemos ver que sua depressão possui episódios
recorrentes. No entanto, apesar das inúmeras ocorrências, não podemos caracterizar como
transtorno depressivo persistente (F34.1, no DSM-V), pois ela não fica enquadrada nos
critérios A e B, presentes no DSM-V. Já no livro, a personagem teria depressão:
No final da aula, a Sra. Bradley distribui um folheto: "Sinais de alerta
em um indivíduo suicida". Adivinhem o que estava entre os cincos
sinais principais? Mudança de aparência repentina. Puxei as pontas do
meu cabelo recém-tosado. Ops, quem esperaria que eu fosse tão
previsível assim? (ASHER,2007, p.140)
Como não há uma caracterização de tempo, como foi supracitado, não é possível
enquadrá-la exatamente em um dos possíveis transtornos apresentados no DSM-V.
Em alguns momentos é possível observar também que a personagem já tem uma
ideação suicida, sendo a ideia de suicídio não somente a presença de pensamentos
recorrentes sobre cometer ou mesmo planejar a própria morte. O DSM-V caracteriza a
ideia passiva de cometer suicídio pelo desejo de não acordar pela manhã (DSM-V, 2014).
Este transtorno está ligado a várias regiões do cérebro (córtex pré-frontal, amígdala,
hipocampo) e pode apresentar início precoce (antes dos 21 anos) ou insidioso (depois dos
21 anos). Em ambas as mídias vemos tanto o início precoce do transtorno quanto como
os fatores de risco (afetividade negativa) aumentam na personagem.
Também é importante perceber que Hannah e Clay são as únicas personagens com
voz na narrativa do livro, visto que as outras personagens são silenciadas. Suas vozes são
usurpadas e, como não há nenhuma maneira que lhes permita contar os fatos de seu ponto
de vista, o leitor recebe apenas o de Hannah – considerando que Clay não estava presente
em todos os momentos ruins, não podendo, portanto, dizer se todos os detalhes das

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histórias são verdadeiros. O programa de televisão, em contraste, mostra o outro lado de
cada ação, permitindo que o espectador veja não apenas o lado da vítima, mas também o
do agressor.
As personagens Tyler Down e Bryce Walker teriam transtornos parafílicos, porém
diferentes: podemos dizer que Tyler teria transtorno voyeurista (F65.3, no DSM-5), o
qual é, basicamente, a excitação sexual ao observar uma pessoa em seu ambiente
particular. Isso fica aparente no episódio da série (Ep. 04), e no capítulo do livro, em que
Hannah conta porquê Tyler foi um dos motivos de seu suicídio.
Porque estou tentando me colocar no seu lugar, Tyler. Tentando
entender a excitação de ficar olhando pela janela do quarto de uma
pessoa. Observando uma pessoa que não sabe que está sendo observada.
Tentando flagrar essa pessoa no ato de .... Qual era o ato que você estava
tentando me flagrar, Tyler? (ASHER, 2007, p.61)
É importante ressaltar que o DSM-V recomenda a não
classificação dessa parafilia antes dos 18 anos, pois nessa idade é comum o aumento da
curiosidade e da atividade sexual, criando, dessa maneira, uma grande dificuldade de
diferenciar tal comportamento de uma curiosidade ou de um transtorno. É possível notar
no enredo, porém, que Tyler teria mais de um critério para tal diagnóstico.
Bryce apresentaria sintomas ligados ao transtorno frotteurista (F65.81, no DSM-
V); pode ser explicado, de forma simples, como ter relação sexual, ou mesmo tocar em
alguém que não consentiu, e também é tipificado como crime de estupro e/ou assédio
sexual. Fica aparente três vezes no livro e duas vezes na série, cada um dos casos em fitas
diferentes: Bryce estupra primeiro Jessica Davis (Alisha Boe) e depois a própria Hannah.
Eu não disse não, nem empurrei a mão dele para longe. Tudo o que fiz
foi virar a cabeça, cerrar os dentes e lutar para conter as lágrimas. E ele
viu isso. Até falou para eu relaxar. (ASHER, 2007, p.215)
A personagem está no fim de sua adolescência, o que, segundo o DSM-V, pode
ser o período em que o homem pode começar a desenvolver tal parafilia (DSM-V, 2014).
Diferentemente do transtorno voyeurista, não existe uma idade mínima para diagnóstico,
ou seja, pode estar correlacionado tanto com outros transtornos parafílicos, como podem
existir outros transtornos (não parafílicos, como os depressivos) concomitantemente.

Considerações Finais

Chekhov (1986) diz que os gestos internos das personagens têm como objetivo
“influenciar, instigar, moldar e sintonizar“. Dessa forma, o estudo da questão psicológica
das personagens é de extrema importância para que a mensagem passada do enunciador

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para o enunciatário seja compreendida. Portanto, mesmo que mudanças geradas pela
transposição de mídias ocorram, o tema principal permanece o mesmo: ambos falam
sobre tabus, como bullying, depressão, estupro e suicídio. As duas versões incitam o
sentimento da personagem protagonista, mas, sem dúvida, a versão produzida pela Netflix
está em outro nível - assim como foi pretendido, afinal, foi criado para ser doloroso – e
atingiu os objetivos perfeitamente. A mensagem foi passada adiante.

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Referências bibliográficas

13 Reasons Why. Direção de Brian Yorkey. Produção de Joseph Incaprera. California:


Netflix, 2017. Son., color. Legendado. Disponível em: <https://www.netflix.com>.
Acesso em: 25 abr. 2017.
ASHER, Jay. Os 13 Porquês. 1. ed. São Paulo: Editora Ática, 2017.
CHEKHOV, Michael. Para o Ator. SP: Martins Fontes, 1986.
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-V. Porto Alegre,
Artmed, 2014.

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