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Precarização do trabalho no contexto

da reestruturação produtiva brasileira


ELAINE CARVALHO DE LIMA*
CALISTO ROCHA DE OLIVEIRA NETO**

Resumo: O período que compreende a transição entre os séculos XX e XXI é


marcado por profundas mudanças socioeconômicas que afetaram de forma
significativa a estrutura econômica do Brasil. Muitos desafios foram postos pelas
rápidas modificações da atividade produtiva. Particularmente, é notório que a
mudança técnica afeta significativamente os setores econômicos, alterando as
estruturas ocupacionais e o emprego. Nesse sentido, o objetivo do presente artigo
é analisar o processo de precarização do trabalho verificado nas últimas décadas
no cenário brasileiro e mundial. A discussão examina o processo de precarização
do trabalho como uma das formas de manifestação da questão social em um
ambiente marcado pela reestruturação produtiva e novas exigências do
capitalismo.
Palavras-chaves: Industrialização; Acumulação flexível; Capitalismo.
Abstract: The period that includes the transition between the twentieth and
twenty-first centuries is marked by profound socio-economic changes that have
affected significantly the economic structure in Brazil. Many challenges were
posed by rapid changes in productive activity. In particular, it is clear that
technical change significantly affects the economic sectors by changing
occupational structures and employment. In this sense, the objective of this article
is to analyze the precariousness process of the job observed in recent decades in a
more categorical way. The discussion examines the precariousness process of the
job as one of the manifestations of social issues in an environment marked by
productive restructuring and new demands of capitalism.
Key words: Industrialization; Flexible accumulation; Capitalism.

*
ELAINE CARVALHO DE LIMA é doutoranda em Economia pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU).

**
CALISTO ROCHA DE OLIVEIRA NETO é Mestre em Economia pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); graduando em Ciências Contábeis pela UFRN.

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1. Introdução resultou, entre outros
fatores, na realocação
Uma discussão
bastante pertinente no das empresas no
ambiente nacional e
cenário da economia
transformações no
brasileira é a
âmbito do trabalho.
problemática das
Por conseguinte, esse
disparidades
novo padrão teve sua
socioeconômicas. Tais disparidades são
performance sujeita ao novo ambiente
resultantes das diferentes etapas de
econômico que se consolidara.
formação da economia nacional que
consolidaram uma estrutura bastante Esse processo traz consigo uma sucessão
heterogênea, no que tange, de desafios para a inserção do país em
particularmente, aspectos sociais, um ambiente globalizado. Além disso,
políticos, econômicos e culturais. Desta destaca-se que essas mudanças refletem
forma, pensar no desenvolvimento de modo direto nas estruturais
econômico está atrelado a atenuação dos ocupacionais e no emprego, o que pode
desafios que foram historicamente intensificar as disparidades históricas já
construídos. existentes no Brasil.

O universo do trabalho no capitalismo O período pós-abertura comercial no país


contemporâneo produz múltiplas gerou muitas modificações na estrutura
especificidades quanto às condições de econômica. Em linhas gerais, se
vida e trabalho da classe trabalhadora. intensificou o processo de reestruturação
Nessa acepção, as relações trabalhistas produtiva que, entre outras
ganham novos contornos com uma consequências, reproduziu fortes
intensa heterogeneidade do trabalho e impactos na produtividade física e no
conduzido também por novas formas de nível de emprego. Ademais, o ambiente
degradação das ocupações no trabalho. marcado pela ausência da União no
incentivo à infraestrutura para o
Oliveira (2012) destaca que a política desenvolvimento do capital, ou mesmo
econômica deve compatibilizar a garantia na concessão de subsídios e incentivos,
da estabilidade monetária, o equilíbrio acarretou em uma guerra fiscal entre os
das contas externas e a promoção do estados, na tentativa de atração desse
crescimento de forma sustentável na capital que passava por uma
economia, com uma melhor distribuição reestruturação na busca de novos espaços
de renda. Entretanto, harmonizar esses através dos novos investimentos e
objetivos é um grande desafio, pois relocalização produtiva.
perpassa por influência de vários fatores, Nesse contexto, a precarização do
que muitas vezes esgueira-se do controle trabalho expressa-se, fundamentalmente,
do governo. pela desregulamentação do mercado,
As transformações ocorridas no final dos provocada pela crise do fordismo e a
anos 1980, a partir da experiência da transição para um modelo de acumulação
reestruturação produtiva no Brasil, flexível, bem como no desemprego
levanta uma série de discussões acerca estrutural1 (MÉSZÁROS, 2002). As
das consequências advindas desse 1
O desemprego estrutural decorre da desarmonia
processo para a economia nacional. A do sistema econômica em utilizar plenamente a
abertura econômica acarretou na força de trabalho disponível no mercado. Dessa
reestruturação produtiva do país o que forma, para Mészáros (2002, p. 152): “(...)

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novas (e precárias) formas de contratação A crise financeira, econômica e social
da mão de obra associadas a esse global ao longo dos últimos anos,
processo alteraram profundamente a intensificou estes problemas. Em vez de
configuração do trabalho no Brasil e no delinear possíveis lições da crise e
mundo. alteração do modelo econômico, os
governos aceitaram as condições regidas
Dessa maneira, o processo produtivo
pelos mercados financeiros. Entre outras
brasileiro se tornou cada vez mais
consequências, os direitos trabalhistas
descentralizado (terceirização e
tornaram-se mais enfraquecidos, os
relocalização industrial), com uma
salários foram reduzidos, e milhões de
tendência ao “trabalho flexível”, ou seja,
trabalhadores foram conduzidos para
trabalhadores com menor vínculo
formas precárias, temporárias e inseguras
empregatício com a empresa. Com o
de emprego.
novo complexo de reestruturação
produtiva, o trabalhador se tornou cada Desta forma, a problemática que
vez mais individualizado: (...) nas perpassa a discussão do presente estudo
condições de estranhamento social, o que constrói-se a partir da análise do
se dissemina é o espírito do processo de precarização do trabalho
individualismo e a fragmentação social verificado nas últimas décadas de uma
como lastro ideológico do controle sócio- forma mais intensa.
metabolico do capital (ALVES, 2007, p.
138). Além dessa seção introdutória, o trabalho
está organizado em mais 3 seções. A
Em suma, a política neoliberal de seção 2 examinará o processo de
abertura econômica, desregulamentação reestruturação produtiva. A seção 3
e privatização potencializa ainda mais os pretende-se avançar na discussão da
efeitos perversos da 3ª Revolução precarização do trabalho. A seção
Industrial, por meio, da informatização, posterior busca fazer uma breve análise
concentração e centralização do capital, das consequências da precarização no
automação, entre outros. Coadunando um mundo do trabalho. Por fim, as
quadro socioeconômico bastante considerações finais do trabalho.
heterogêneo, com sinais de fragmentação
do mundo do trabalho (POCHMANN, 2. O contexto da reestruturação
1998). produtiva
Historicamente, a luta de classes no
século XX permitiu uma nova forma de
Estado que assegurou alguns direitos
constitui um fenômeno histórico inédito e sociais e políticos ao mundo do trabalho.
característico da atual fase do sistema do capital. Esse Estado social surge no período de
O sistema de controle do metabolismo social
atingiu um estágio em que lhe é necessário
ascensão do capitalismo no século XX,
expulsar centenas de milhões de indivíduos do possibilitando que a luta de classes
processo de reprodução social (do próprio oportunizasse as reinvindicações quanto
processo de trabalho). Um sistema de reprodução a esfera do trabalho. A exemplo das leis
não pode se autocondenar mais enfaticamente do trabalhistas, do welfare state e
que quando atinge o ponto em que as pessoas se
tornam supérfluas ao seu modo de
previdência social.
funcionamento. Esta não é uma projeção para o O esgotamento do paradigma fordista-
futuro, mesmo que nos referíssemos apenas aos
países capitalistas mais avançados. Ela é a
taylorista, entre os anos de 1970 e 1980
gritante realidade mundial e o rumo, negativo e foi marcado por um período de
do qual não se escapa, do avanço do capitalismo” reestruturação econômica e

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reajustamento social e político. Nesse novas experiências de associativas e
sentido, o aceleramento da culturais de classe capazes de
informatização veio a fortalecer os constituir a consciência de classe
investimentos sob a forma de capital necessária. (ALVES, 2007, p.177).
financeiro e o abandono por partes dos Com relação ao Brasil, em 1994 houve a
Estados das políticas econômicas e implementação do Plano Real, além dos
intervencionistas influenciadas por ajustes econômicos ocorridos houve um
Keynes. estímulo para a automação dos principais
Novos sistemas financeiros asseguram polos industriais do país. Para além disto,
maior autonomia ao sistema bancário e houve uma flexibilização das leis
financeiro mundial. A reestruturação trabalhistas e o processo de terceirização
produtiva trouxe uma nova maneira de e subcontratação, constituiu um novo
classificar as organizações. Além dos arcabouço da organização do trabalho.
ganhos de produtividade buscados pelas Pochmann e Borges (2002) mostraram
empresas e a desvalorização da força de que a década de 1990 amargou elevados
trabalho, o capital possui algumas índices de desemprego atingindo 13% no
estratégias, entre estas, a subcontratação ano de 2000, além da diminuição da
e terceirização. Além do mais, o fim da atuação sindical e repulsão aos
contratação direta reduz os encargos movimentos sociais.
trabalhistas, o que pode gerar uma Nesse contexto, o Plano Real foi um
configuração de precarização do produto econômico, político e ideológico
trabalho, ao tornar menos oneroso a da combinação de fatores que
contratação ou demissão de funcionários. circunscreveram o modo de produção
No caso brasileiro, observou-se que o capitalista no último quartel do século
cenário de reestruturação produtiva, XX, entre estes fatores temos a
verificado nos anos 1980 e que se predominância das políticas neoliberais,
acentuou na década posterior, evidenciou o alastramento da reestruturação
o toyotismo como forma de organização produtiva e a legitimação do capitalismo
da produção que se manifesta por um como o sistema de produção mundial
novo regime de acumulação de capital. (FILGUEIRAS, 2000).
Tais modificações técnico- É importante destacar que o Plano Real
organizacionais influenciam o modo de se estabeleceu mediante um conjunto de
ser dos trabalhadores, cooperando para a medidas que atendiam ao grande capital
precarização do trabalho, no nacional e internacional, além de
esmorecimento da luta de classes e, por favorecer atividades especulativas. Entre
fim, na conflagração da crise do tais medidas, destaca-se altas taxas de
sindicalismo. Assim, no contexto amplo juros, metas de inflação e superávit
do sistema capitalista observou-se que: primário, que restringiram o crescimento
No plano da objetividade social, o econômico do país e teve impactos
sócio-metabolismo da barbárie é consideráveis sobre o mercado de
instaurado pela posição do trabalho com o aumento do desemprego
desemprego de massa, a precarização e do trabalho informal (POCHMANN;
do trabalho e as novas formas de BORGES, 2002; CHAHAD,2003).
precariedade como nova dinâmica
estrutural do mercado de trabalho A década de 1990 se inicia com o
que coloca obstáculos à organização processo de reformas neoliberais
sindical e política do proletariado. implementadas a partir do governo
Esta fragmentação de classe exigira Collor, que tinha como pilares a

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liberalização comercial, produtiva e exigências do capital e de suas
financeira e as consequentes alterações estratégias.
no papel do Estado na economia. Tal
Dito isso, a precariedade se manifesta de
processo foi solidificado pelo governo
forma diferente no desenvolvimento
Fernando Henrique Cardoso durante a
histórico da burguesia. A precarização e
década de 1990. Na virada para a década
precariedade surgem com o “trabalho
de 2000, a vitória do candidato Luiz
livre” (trabalho assalariado). O século
Inácio Lula da Silva, nas eleições de
XX demonstrava o capitalismo como
2002, representava a possibilidade de
tendo a capacidade de humanizar o
mudar o cenário de política neoliberal.
trabalho ou constituir uma vida social por
Contudo, o governo Lula deu
meio do consumo em massa.
continuidade às políticas econômicas
implementadas no Brasil, que seguiu a 3. Breve discussão sobre a
mesma linha no governo Dilma precarização do trabalho
(FILGUEIRAS, 2000). Assim: Num contexto de neoliberalismo como
[..] a abertura comercial
doutrina político-econômica, a
indiscriminada, a ausência de uma privatização e liberalização do mercado
política capaz de orientar a passam a ser o mantra do movimento
reestruturação industrial, a neoliberal, sendo transformado em
desregulamentação dos mercados e objetivo das políticas de Estado
da concorrência, a sobrevalorização (HARVEY, 2005).
cambial e os elevados juros,
provocaram mudanças na estrutura Pochmann (1998) apresenta o contexto
produtiva nacional e um dos anos 1970 como marcado pelo
encolhimento na geração de aprofundamento da crise econômica,
oportunidades ocupacionais caracterizado pela fragilidade do sistema
(MATTOSO e BALTAR, 1996 apud monetário internacional e esgotamento
FILGUEIRAS, 2000, p.171). do padrão de industrialização norte-
americano. Em linhas gerais, os
As transformações no processo produtivo resultados foram a perda na capacidade
introduzidas pela reestruturação de dinamismo da economia mundial.
produtiva, que implementaram novas
tecnologias, relocalização geográfica das Nesse contexto, emerge o receituário
empresas e o processo de terceirização, neoliberal e seus efeitos sociais nefastos.
refletiram na transformação das relações O emprego de políticas neoliberais
trabalhistas e numa fragmentação da acentua o papel do caráter financeiro
classe operária. Reestruturação sobre o produtivo na acumulação
produtiva, aqui entendida como novo capitalista. Concomitantemente, a
modelo produtivo e que reflete na desregulamentação das economias e
flexibilização do trabalho, ou seja, na flexibilização no mercado de trabalho
crise fordista/taylorista de produção. tendem a obstaculizar maiores níveis de
investimento para alguns países, aumenta
Além do mais, Alves (2007) reafirma que a heterogeneidade social, a precarização
esse processo foi marcado por perda das condições de trabalho e uma
sindical que foi decorrente da inversão de tendência a elevadas taxas de
valores, onde os sindicatos deixaram de desemprego (POCHMANN, 1998).
ser um lugar de reivindicações políticas Assim:
contra o modelo de acumulação Por consequência, a instabilidade no
capitalista, para se adaptar as novas mundo do trabalho, a precarização

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das condições e relações de trabalho autores afirmarem que sempre existiu
e a permanência de elevadas taxas de trabalho precário na sociedade
desemprego devem ser referidas ao capitalista. No entanto, diante das
movimento do capitalismo mudanças recentes que também
contemporâneo neste final de século, modificam a precariedade, a precarização
que ocorre desprovido de uma
se institucionaliza em todas as regiões do
coordenação favorável à produção e
ao emprego para todos entre os mundo, tanto em países desenvolvidos,
principais países avançados como em países em desenvolvimento
(POCHMANN, 1998, p. 47). (FRANCO; DRUCK, 2009).
O processo de precarização emerge de A precarização possui uma essência
uma crise estrutural do capital e de complexa, desigual e pactuada, que afeta
grandes mudanças no mundo do trabalho. o mercado de trabalho, até mesmo nos
Atingindo os países capitalistas centrais e setores mais organizados. No caso
periféricos, nestes o trabalho brasileiro, a experiência de precarização
(precarização) vai ter dimensões é decorrente da insegurança social que
complexas, envolvendo dimensões da desponta num contexto histórico
própria história (formação colonial), específico, a hegemonia neoliberal.
como também dimensões histórico- Assim, a precarização do trabalho, o
sociais relacionadas a nova ordem de trabalho informal e os diversos tipos de
mundialização do capital. subempregos, ao se enquadrar como
Alves (2007) faz uma distinção entre os atividade econômica e ocupacional no
conceitos de precariedade e precarização. Brasil, traz consigo um processo mais
Por um lado, o primeiro trata-se de uma amplo de relação com a reestruturação do
“condição sócio estrutural, que sistema capitalista mundial que,
caracteriza o trabalho vivo e a força de consequentemente, exige uma redivisão
trabalho como mercadoria, atingindo social do trabalho, comandada pelas
aqueles que são despossuídos do controle economias centrais e que se espraiam
dos meios de produção das condições para as demais economias e países do
objetivas e subjetivas da vida social” mundo.
(ALVES, 2007, p. 113). Assim, uma vez 4. O lado perverso da precarização do
que a força de trabalho se estabelece trabalho
como mercadoria, o trabalho traz consigo
o estigma da precariedade social. Por A transição do século XX para o século
outro lado, a ideia de precarização está XXI traz consigo várias mudanças no
relacionada a mundo do trabalho, tais transformações
só podem ser entendidas a partir de uma
“um modo de reposição sócio perspectiva histórico-dialética. Nesse
histórica da precariedade. Se a
sentido, não há a possibilidade de
precariedade é uma condição, a
precarização é um processo que
conclusões definitivas sobre rupturas ou
possui uma irremediável dimensão novas formas de trabalho, porque do lado
histórica determinada pela luta de dessas novas mudanças, há velhas formas
classes e pela correlação de forças e modalidades que se reproduzem num
políticas entre capital e trabalho” claro processo de metamorfose social
(ALVES, 2007, p. 114). (DRUCK, 2011).
O contexto atual do processo de A categoria trabalho alcançou uma
precarização do trabalho possui uma configuração hegemônica caracterizada
natureza recente, apesar de alguns pela mundialização do capital, projeto

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político fundamentado no neoliberalismo de proteção social, tais como, pensões e
e pela reestruturação do trabalho. A nova aposentadorias (DRUCK, 2011).
fase que define o capitalismo
contemporâneo é conhecida como Nos anos 1990, com a mundialização das
acumulação flexível caracterizada pela políticas neoliberais, os avanços do
mudança tecnológica constante, capital financeiro e o contexto de
dispersão espacial em busca de vantagens flexibilização e precarização do trabalho
de localização, flexibilização trabalhista, perduraram nos anos 2000, sem romper
dos processos e produtos (HARVEY, esse quadro. Apesar de algumas
1992). De modo que, o capitalismo do melhorias, como a redução do
século XIX não é o mesmo do século XX desemprego e níveis de pobreza em
e difere do século XXI. alguns países da América Latina, não
ocorrera como uma tendência
A acumulação flexível emerge como consolidada, pois a crise de 2008 solapou
forma de superar o antigo padrão de alguns avanços conseguidos.
desenvolvimento capitalista marcado
pelo fordismo. A crise do sistema De acordo com Druck (2011), em 2009 a
fordista foi marcada pela saturação da OIT estabeleceu um Pacto Mundial para
produtividade e lucratividade. A o emprego, que consiste em um
acumulação flexível atendia aos novos programa de superação de crises,
interesses do capital. fundamentado em quatro critérios:
criação de empregos, aumento da
Nesse sentido, a mesma lógica que proteção social, respeito aos direitos e às
incentiva as inovações tecnológicas dos normas internacionais do trabalho e o
novos produtos financeiros, também diálogo social. Estas diretrizes abordam a
abarca o mercado de trabalho, definição de trabalho decente: “É um
“transformando rapidamente os homens trabalho produtivo e adequadamente
que trabalham em obsoletos e remunerado, exercido em condições de
descartáveis, que devem ser ‘superados’ liberdade, equidade, e segurança, sem
e substituídos por outros ‘novos’ e quaisquer formas de discriminação, e
‘modernos’, isto é, flexíveis” (DRUCK, capaz de garantir uma vida digna a todas
2011, p. 43). as pessoas que vivem de seu trabalho
A Organização Internacional do Trabalho […]” (DRUCK, 2011).
(OIT) criou, em 1999, a Agenda do Franco e Druck (2009) organizaram uma
Trabalho Decente, que relata as caracterização da precarização, que
deficiências ou grau de precarização do podem ser sintetizadas em cinco tipos,
trabalho, a partir de observações de um como mostrado abaixo:
panorama da década de 1990,
particularmente na América Latina, 1) Vulnerabilidade das formas de
evidenciando que as transformações do inserção e desigualdades sociais:
trabalho regrediram um quadro de os modos de mercantilização da
conquistas sociais e trabalhistas. De força de trabalho, passa a existir
acordo com a OIT, as consequências um mercado de trabalho
decorrentes das reformas e políticas heterogêneo, segmentado, com
implementadas pelos governos se formas de contratos precários,
situavam em aumento do desemprego e sem proteção social, enfim, um
informalidade, especialmente, nos países alto grau de precarização social.
onde ocorreu uma maior flexibilização da O mercado de trabalho brasileiro,
legislação e diminuição dos mecanismos ainda apresenta indicadores muito

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distantes dos definidos pelo raízes na condição de
trabalho decente da OIT. No desempregado e na ameaça de
Brasil, há elevadas taxas de perda de emprego, constituindo-
desemprego2 e de informalidade, se numa estratégia de dominação
resultando em um baixo grau de no âmbito do trabalho.
proteção social e inserção Caracteriza-se pela perda de
inadequada dos trabalhadores, enraizamento, de vínculos, de
baixos níveis de rendimento3 e inserção, de uma perspectiva de
alta rotatividade no emprego, identidade coletiva, resultantes da
entre outros. “descartabilidade”, da
desvalorização e da exclusão,
2) Intensificação do trabalho e
afetando a consciência de classe e
precarização: encontrado nos
gerando um quadro brutal de
padrões de gestão e organização
do trabalho. A intensificação do concorrência entre os
trabalhadores.
trabalho via imposição de metas
inalcançáveis, extensão da 5) Fragilização da organização
jornada de trabalho e combinado dos trabalhadores: dificuldades da
por denúncias na Justiça do organização sindical e das formas
Trabalho e Ministério Público. A de luta e representação dos
lógica atual da acumulação trabalhadores, em decorrência do
financeira passa a exigir uma aumento da concorrência entre
flexibilização do trabalho em trabalhadores, da grande
todos os níveis. Ex: setores heterogeneidade e terceirização.
bancários, call centers, A resistência passa a ser dispersa,
petroquímico, serviços de saúde, fragmentada ou adaptada.
entre outros. Consequências da reestruturação
3) Insegurança e saúde no produtiva no Brasil e o quadro de
trabalho: resultados dos padrões limitação da atuação sindical.
de gestão, em que há o Em síntese, as transformações expostas
desrespeito ao necessário até aqui mostram como a nova ordem
treinamento e medidas econômica manifesta-se e as
preventivas, em busca de maior consequências advindas desse processo,
produtividade. Isso resulta numa especialmente quanto ao aumento da
elevação no número de acidentes insegurança no mundo do trabalho e suas
e uma contínua adaptação a diversas dimensões, tais como,
mudanças e novas exigências de insegurança de emprego, seguridade
polivalência. social e previdência e perda de
4) Perdas das identidades representação política. Nota-se que em
individual e coletiva: possui um ambiente cada vez mais globalizado,
sem barreiras e apresentado por fluxos de
capitais que se adaptam e atendem aos
2
A década de 1990 amargou elevados índices de interesses da financeirização, resultam
desemprego atingindo 13% no ano de 2000
(POCHMANN; BORGES, 2002).
em lutas políticas e diversas formas de
3
Entre os anos de 1995 e 2004, houve uma perda política imperialista.
relativa da renda do trabalhador se comparado a
renda nacional em 9%, ao passo que a renda da
propriedade teve crescimento de 12,3%
(POCHMANN, 2008).

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Conclusões Referências

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