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Densidade, dispersão e forma urbana

Dimensões e limites da sustentabilidade habitacional


Geovany Jessé Alexandre da Silva, Samira Elias Silva e Carlos Alejandro Nome

Steven Holl Architects, Linked Hybrid, Beijing, China, 2009


Foto divulgação [website Steven Holl]

Introdução
Este trabalho é uma síntese de pesquisas (1) realizadas no campo da
Arquitetura e Urbanismo e tem como objetivo principal apontar algumas
ferramentas de planejamento urbano e regional integrado que vislumbrem a
implementação e a reabilitação de cidades mais sustentáveis a partir da
densidade (2) (habitacional e populacional, ou seja, a relação de habitações e
moradores por área ocupada), bem como aplicar a análise da forma edificada e
demais aspectos da ocupação territorial que se traduzem em
dispersão/compactação urbana, diante do arcabouço teórico e aplicado
analisado.

O objeto de análise espacial se deu a partir de áreas habitacionais


consolidadas, num primeiro momento, exemplificadas por cidades brasileiras,
europeias e norte-americanas. Num segundo momento, o trabalho versa sobre a
crítica da forma de ocupação dos projetos habitacionais recentes brasileiros,
de baixa qualidade urbana, avaliando a dicotomia entre projetos unifamiliares
e multifamiliares. Por fim, estabelecem-se apontamentos frente às decisões da
forma habitacional e custos de urbanização, apontando-se exemplos consolidados
de conjuntos habitacionais de densidades variadas e de maior urbanidade,
sugerindo-se, ainda, procedimentos para a adoção de novas formas de ocupação
mais compactas e eficientes (avaliadas por indicadores urbanos, simulações e
monitoramentos de desempenho).

Conforme o “Dictionnaire de L’Urbanisme et de L’aménagement”, como breve


esclarecimento terminológico, Merlin & Choay (3) definem a densidade como um
indicador estatístico (que pode se referir à população, habitações, empregos,
etc.) em uma superfície (área). A densidade populacional corresponde ao número
de indivíduos de uma ilhota, de um quarteirão, de uma cidade, de um país,
etc., assim, refere-se ao número de indivíduos pela unidade de superfície,
muito utilizado no processo de regulamentação e controle do solo urbano. Já a
densidade habitacional se refere ao número de habitações numa superfície de
terra ocupada. Apesar da suposta definição simples acerca da densidade, em
especial, à habitacional, seu uso e aplicação é delicado por uma série de
razões, pois, com exceção à escala de conjuntos habitacionais mais homogêneos,
no qual se calcula uma média de ocupação, na maioria das vezes, numa escala
mediana e urbana de análise, a superfície não somente é ocupada por
habitações, mas por vias, estacionamento, espaços comuns, áreas verdes,
terrenos desocupados, ou até mesmo edificações de outros usos. Em geral, para
Merlin & Choay (4) a densidade habitacional se divide entre a líquida (sem
equipamentos) e a bruta (com equipamentos) (5). Em escalas geográficas, a
delimitação imprecisa de uma superfície urbana (ocupada ou construída) e a
definição de seus equipamentos podem alterar o cálculo da densidade de forma
considerável, o que reforça a necessária aplicação metodológica de análise e
delimitações precisas do objeto mensurado.
No que se refere à pesquisa, procedeu-se a revisão da bibliografia e de
conceitos sobre o tema, situando, assim, a partir do desenho desse estado-da-
arte, a importância da densidade e dos aspectos morfológicos das cidades no
processo de dispersão urbana, bem como na constituição e interpretação da
cidade. Investigar as relações urbanas em diversas escalas (macro, meso e
micro) e de planejamento urbano, analisar a cidade por meio de metodologias
interpretativas de seus aspectos físicos (formais/volumétricos), e, por fim,
compreender e comparar algumas parcelas de cidades por meio da análise de suas
respectivas densidades e estruturas morfológicas. Estes foram alguns dos
objetivos secundários.

A pesquisa adota o método hipotético-dedutivo, e se apropria de abordagens


metodológicas quantitativas e qualitativas, realizando-se análises de imagens
de satélite para mapeamento de áreas e levantamento bi e tridimensional de
formas urbanas diversas, que forneceram dados estatísticos e comparativos.
Cronologicamente, a investigação transcorreu em três etapas sequenciais:

 Fundamentação Teórica - Pesquisa sobre literatura específica do urbano


contemporâneo no mundo, com foco nas questões referentes à densidade, forma e
dispersão urbana;
 Análises primárias e secundárias – Estudo comparativo das aplicações teóricas
investigadas, mapeamentos e índices urbanísticos entre cidades e regiões
distintas;
 Síntese e Propostas – Reflexões espaciais para a realização de um planejamento
urbano sustentável, em especial, para a projetos de habitação coletiva no
contexto brasileiro e da América Latina.
Pesquisas nesse campo de compreensão da urbe contemporânea a partir de sua
forma urbana construída, associando espetos multivariados, poderão nortear
novas formas de planejamento e gestão urbana aplicada à sustentabilidade.
Estudos técnico-científicos de planejamento urbano e regional integrado, que
agreguem análises quantitativas aos critérios qualitativos sobre os processos
de uso e ocupação do solo, em distintas escalas (multi-escalas), permitem
estabelecer padrões de ocupação coerentes com as condicionantes e
determinantes de cada localidade urbana, capazes de responder, por meio da
performance espacial, às demandas de uso atuais e futuras. A simulação de
cenários, monitoramento, controle e resposta às dinâmicas pós-ocupacionais são
processos pouco usuais para a formulação de legislações urbanísticas e
planejamento urbano.
A cidade contemporânea, em sua dinâmica atual, reflete processos complexos
que, se não acompanhados pela gestão territorial, produzem espaços
fragmentados, de baixa qualidade, que interferem na vida de toda a cadeia
urbana e, paulatinamente, aumentam os conflitos espaciais, socioeconômicos e
ambientais. Se por um lado, a legislação permanece estática e, em geral, sofre
alterações que favorecem ao setor imobiliário (como tem ocorrido na maioria
das cidades brasileiras e dos países em desenvolvimento), o planejamento
urbano (teoria e prática), em partes, desconsideram o impacto da forma sobre a
vida das pessoas e na dinâmica urbana. E é nessa complexa discussão que este
trabalho, ainda incipiente, pretende acrescentar algumas análises.

A densidade como aspecto cultural de planejamento urbano


Contextualização e Conceitualização
Em geral, a densidade habitacional (e, portanto, de pessoas por área) diminui
gradualmente a partir do centro urbano (6). Merlin & Choay (2000) (7) afirmam
que a densidade é mais elevada em cidades latinas (Europa do sul, América
Latina) e orientais que as cidades anglo-saxônicas. Essas afirmações podem ser
comprovadas nos estudos de Bartaud (2001; 2011) (8) e Bertaud & Malpezzi,
(2003) (9), por meio de estudos de densidade bruta e radial (a partir do CBD)
em dezenas de cidades no mundo.

A intensidade de uso dos espaços por seres humanos ao longo da história pode
ser analisada a partir da densidade. Alexander (10) classifica, em princípio,
dois modelos de cidade, a natural (constituída ao longo dos tempos e conforme
as necessidades humanas em cada período) e a artificial (a cidade planejada e
projetada). Este critério simplificado de caracterização pode ser associado ao
período de industrialização e intensificação das ocupações urbanas após o
século 18, com o surgimento de grandes áreas urbanas expandidas ou mesmo de
novas cidades a alimentar o sistema de redes urbanas que se consolidava, bem
como para comportar a população urbana que crescia exponencialmente em poucas
décadas. Processos estes que se iniciaram com maior intensidade no Brasil e
América Latina após meados do século 20, em decorrência da industrialização e
urbanização tardia. Entretanto, de fato, a grande crítica de Christopher
Alexander se debruça sobre o urbanismo modernista (e arquitetura) e à
padronização de estilos de vidas e das formas de habitar as cidades,
independentemente das relações do lugar, tradição ou cultura.

Até a segunda metade do século 19 a densidade urbana era uma característica


resultante do desenvolvimento de cidades e de seus processos complexos
(técnicas e tecnologias construtivas, restrições legais, tradições e aspectos
culturais, a rentabilidade econômica sobre os espaços, etc.) que determinaram
a dinâmica e distinção de densidades nas cidades tradicionais, contudo, não se
verificou o uso consciente da densidade no desenho urbano até então. Até esse
período, as altas densidades nas cidades industrializadas, em especial a
compactação urbana de cidades tradicionais europeias, portanto da forma da
cidade decorrente desse indicador, eram consideradas causas de doenças por
contaminação do ar e resíduos, facilitador de incêndios e da desordem social.
Esses princípios de insalubridade da compactação urbana (em especial, da
morfologia urbana de cidades de origens euro-medievais) norteou grandes
intervenções urbanas ao longo do séc. 18 e 19 em cidades como Londres, Lisboa,
Paris, Barcelona, e, mais tarde, em cidades latino-americanas, como Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Caracas, Cidade do México, Buenos Aires, Santiago.
Publicações críticas à esse modelo urbano tradicional e mais compacto – ou
natural, conforme Alexander (11) – foram bastante recorrentes na Alemanha e
Inglaterra, com replicações urbanísticas em cidades europeias, na América do
Norte e em novas cidades de predomínio da cultura anglo-saxônica (12). Na
segunda metade do século 19, a partir do boom econômico e demográfico dos
países industrializados, o desenvolvimento legislativo e de planejamento foram
acompanhados por abordagens científicas para as novas expansões urbanas ou em
intervenções nas áreas consolidadas. Na Alemanha, a regulação da densidade
urbana se dá nesse período, estabelecendo-se padrões de alturas máximas de
construção e largura das vias (critério indireto sobre a densidade) num
primeiro momento, e posteriormente, faz-se a ordenação construtiva por meio de
densidade máximas explícitas para regulação dos planos urbanísticos (13).

Se por um lado o “regularismo” da segunda metade do século 19 foi a ferramenta


capaz de viabilizar as expansões das cidades em processo de industrialização,
mais tarde o Movimento da Cidade Jardim sugeriu um modelo urbano distintamente
característico. Urbanistas e críticos do planejamento na Inglaterra, tais como
Ebenezer Howard e Raymond Unwin, usaram a densidade urbana para difundir as
vantagens de cidades menores, descentralizadas e autossuficientes.

No início do século 20, o Movimento Moderno, por meio dos CIAMs (14) (entre
1928 a 1956) e da Carta de Atenas, lança a proposta universalizante de um
urbanismo amparado pela imposição do desenho rígido sobre o sítio e, em alguns
casos, sobre a cidade tradicional, desenho este que preconizava as quatro
funções urbanas – habitar, trabalhar, recrear e circular. A partir da Segunda
Guerra Mundial, empreendimentos urbanísticos privados e de parcerias
governamentais com a iniciativas corporativas estabelecem as expansões urbanas
periféricas (low-rise), de relativa baixa densidade (bruta, principalmente),
arranha-céus em novos centros (ou em áreas tradicionais e históricas). As
novas tecnologias construtivas, o advento do automóvel e avanço de outros
modais, novos materiais, mudanças nos hábitos de trabalho, circulação e lazer,
e a necessidade emergencial de novas habitações e de reconstruções de áreas
devastadas pela guerra foram alguns dos fatores decisivos que cobravam da
Arquitetura e Urbanismo, novas respostas aos “tempos modernos” do século 20.
Após 1960, as críticas urbanas a esse modelo modernista se consolidam na
Europa e América do Norte em decorrências de estudos, teorias e publicações
que apresentam os impactos da expansão urbana de baixa densidade habitacional,
seus efeitos negativos sobre a vida urbana, a mobilidade e ao meio ambiente
(15).

Se no início do século 20, Unwin alegava que não havia vantagens em se adensar
as cidades ocidentais, chegando a propor o padrão máximo de 30 casas por
hectare (menos de 100 hab./ha), nos anos de 1960, Jane Jacobs advertiu sobre
os impactos da suburbanização norte-americana (e anglo-saxônica), da
segregação de grupos mais pobres, seja em áreas centrais desvalorizadas ou em
periferias mais afastadas. Em contraposição à dispersão de baixa densidade,
Jacobs (16) sugere que uma ocupação mínima de 250 habitações por hectare para
a vitalidade e a participação urbana. Na atualidade, altas densidades e a
compactação espacial construtiva são aceitas como prerrogativas inerentes à
sustentabilidade e ao crescimento econômico das cidades contemporâneas na
visão de diversos urbanistas e estudiosos (17) do assunto.

Todavia, a densidade no campo do urbanismo não deve ser tomada como um


elemento meramente estatístico e tecnocrático, mas necessita incorporar
aspectos qualitativos na análise do espaço urbano. Dessa forma, o estudo da
densidade aplicado a outros critérios de desempenho, o potencial urbano e a
performance (capacidade do ambiente construído em oferecer distintas respostas
às necessidades de uso e ocupação, tais como acesso à luz do dia, acesso
pedonal, uso da rua pelas pessoas, dinâmica dos espaços públicos, mobilidade,
privacidade, tipologias edificadas). Para Pont & Haupt (18), a densidade
urbana deve ser um aspecto quantitativo associado ao qualitativo
(propriedades), com multivariáveis e multiescalas de análise (tipo-
morfológica).
Panorama da densidade urbana no mundo
A estrutura espacial de uma cidade é muito complexa, pois é o resultado físico
das interações sutis ao longo de décadas ou séculos entre os mercados de
terra, a topografia, a infraestrutura, os regulamentos, a tributação, a
sociedade e sua apropriação territorial. Assim, a complexidade das estruturas
espaciais urbanas e seus aspectos interagentes, por muitas vezes, desencorajam
tentativas de análise nos seus processos, inibindo a busca de ferramentas de
planejamento que possam relacionar a política urbana à forma da cidade e à
atuação do mercado (19). A falta de monitoração da evolução urbana moldada
pela interação complexa entre as forças de mercado, investimentos públicos e
regulamentos, geram aspectos espaciais de desenvolvimento urbano que podem ter
impactos importantes na eficiência econômica, na densidade e na qualidade do
ambiente urbano.

Acioly & Davidson (20) afirmam que a densidade urbana é um dos mais
importantes indicadores e parâmetros de desenho urbano a ser utilizado no
processo de planejamento e gestão dos assentamentos humanos. Para os autores,
a densidade urbana representa o número total da população em uma área
específica que, no âmbito urbano, pode ser traduzido em habitantes por uma
unidade de terra ou solo urbano, ou o total de habitações de uma determinada
área urbana expressa em habitações por uma unidade de terra, geralmente medida
em hectares (ha) (21), quilômetros quadrados (km²) ou acres.

Sendo muito utilizada como uma ferramenta de apoio ao processo de planejamento


urbano e regional, a densidade pode determinar decisões de projetos para
ocupação e parcelamento por parte de planejadores, arquitetos urbanistas e
engenheiros quando se define a forma e a extensão a ser ocupada ou loteada em
uma determinada área da cidade. A densidade urbana também é muito utilizada
como instrumento de avaliação da eficiência, performance e custos
proporcionais por habitante das propostas urbanísticas, de infraestrutura ou
de parcelamento e uso do solo. Porém, a mesma densidade urbana é um indicador
controverso, pois é reflexo de determinantes culturais que se refletem sobre a
construção do espaço urbano numa determinada região ao longo do tempo.

Pergunte a um planejador indiano o que é que ele pensa a respeito de um lote


de 100m² para famílias de baixa renda e ele responderá que esse tamanho de
lote é demasiadamente grande e, portanto, inacessível financeiramente. Seu
colega da África Oriental ou Cone Sul da África, entretanto, argumentará que
esse tamanho é demasiadamente pequeno e inaceitável por parte da população. A
resposta poderá ser “nós não lutamos pela independência e contra o
colonialismo para reduzir nossos standards e padrões”. Mesmo dentro de um
mesmo país, grupos sociais diferentes irão perceber a questão da densidade
diferentemente. O que as pessoas sentem ou vêem depende muito de suas próprias
origens sociais, econômicas e étnicas, e, até certo ponto, da configuração,
forma e uso da construção e do espaço urbano. [sic] (22).
Conforme os estudos de Acioly & Davidson (23), foi determinado que as
densidades variam muito de um país para outro, ou mesmo entre cidades num
mesmo país, definindo assim que as “densidades são muito influenciadas pelo
contexto cultural”, em consonância com as colocações de Alain Bertaud. Assim
sendo, comparações são complicadas por mecanismos usuais de medição, a exemplo
das distinções terminológicas aplicadas entre a densidade populacional,
habitacional, construtiva, bruta ou líquida, gerando divergências de análise
nos estudos sobre este tema. O processo de coleta de dados, as metodologias
adotadas nas definições do espaço urbano enquanto extensão física, os
critérios de seleção de vazios urbanos, os processos de mapeamento e
quantificação, as legislações específicas que determinem o uso e ocupação do
solo decorrente de aspectos culturais específicos definem algumas das
dificuldades comparativas entre as densidades em regiões diferentes do
planeta.
Existem duas formas mais utilizadas para indicar especificidades ocupacionais
de desenvolvimento de um local determinado em relação à densidade, são
elas: habitantes por hectare (hab/ha) ou habitações por
hectare (habitação/ha). É bastante comum encontrar esses dois indicadores de
ocupação expressos na forma de densidade bruta e densidade líquida conforme o
contexto de análise. A densidade bruta expressa o número total de residentes
numa determinada área urbana (região, cidade, bairro, quadra) dividida pela
área total em hectares, incluindo-se equipamentos urbanos e institucionais
(escolas, creches, parques, áreas verdes, espaços públicos), vazios,
logradouros, comércios, indústrias, vias e outros serviços urbanos. No cálculo
da densidade bruta de uma determinada área, toda a região incluída dentro de
um perímetro poligonal deve ser considerada para a determinação da densidade.
A densidade líquida expressa o número total de residentes (pessoas moradoras)
numa determinada área urbana, considerando-se apenas a área estritamente
residencial e excluindo-se vias, equipamentos, espaços públicos, vazios
urbanos, etc. Na Inglaterra ou em países de influência inglesa na
regulamentação urbana, incluem-se a circulação local (calçadas), metade das
vias de acesso aos lotes habitados e pequenos jardins de uso dos moradores. A
densidade habitacional líquida é o número total de unidades habitacionais (ou
seja, domicílios) dividido pela área destinada exclusivamente para uso
habitacional.
A densidade é um referencial importante para se quantificar por meio de
princípios técnicos e financeiros a distribuição e o consumo de terra urbana,
infraestrutura, serviços públicos, entre outras funções dispostas numa área
residencial. De forma geral, diversos autores destacam que quanto maior a
densidade, e resguardados certos limites, melhor será a utilização e a
maximização da infraestrutura e do solo urbano. Assim, para autores como
Acioly & Davidson (24), Mascaró (25), Zmitrowicz & De Angelis Neto (26), Pont
& Haupt (27), Silva & Romero (28), Silva (29), Farr (30), entre outros, é
possível estabelecer um modelo de densidade capaz de suprir de uma forma mais
coerente o acesso ao solo urbano, à habitação, à infraestrutura, aos
equipamentos e serviços urbanos essenciais para um número maior de domicílios
e pessoas, atendendo às condicionantes de conforto ambiental e
sustentabilidade com o meio natural. A otimização entre a necessidade social
com a demanda ambiental e econômica faz com que o conhecimento científico
sobre os efeitos da densidade urbana no espaço seja de interesse extremo para
a gestão espacial nos países em desenvolvimento, nestes cujas previsões
apontam como sendo as regiões de maior crescimento urbano, populacional e
econômico para as próximas décadas.

Bertaud & Malpezzi (31) afirmam que a densidade é uma interpretação cultural e
não está correlacionada diretamente com o nível de renda, ou seja, cidades
ricas como Cingapura, Hong Kong e Seul possuem maior densidade, como também
maior renda do que muitas cidades bem menos densas como Buenos Aires,
Curitiba, Johanesburgo ou Budapeste. Por outro lado, cidades da América do
Norte possuem baixa densidade (as menores do mundo) e renda elevada. A
densidade urbana também não está relacionada ao clima e nem ao sistema
econômico de cada região ou país, assim, cidades da Europa têm densidades
similares independentemente da relação entre as antigas economias socialistas
ou capitalistas e suas respectivas regiões de influência no século passado.
Para Bertaud & Malpezzi (32) e Bertaud (33), densidades são, naturalmente, o
produto das forças de mercado, mas essas forças de mercado refletem o nível de
consumo, daí então a cultura é estabelecida como componente chave no processo
urbano. O autor aponta que não há densidade ótima, pois quando a cultura se
desenvolve é provável que as densidades mudem lentamente, refletindo essa
mudança cultural ao longo do tempo. A ampla gama de densidades encontradas ao
redor do mundo, em cidades economicamente bem sucedidas, mas também em
distintas situações socioeconômicas, ambientais e culturais, mostra que por
enquanto não há nenhuma evidência de densidades incontroláveis.

Do ponto de vista ambiental, uma estrutura espacial ineficiente e mal ordenada


pode diminuir a qualidade de vida, aumentando o tempo gasto em transporte e,
em consequência, aumenta-se a poluição do ar, contribuindo para a expansão
desnecessária da área urbanizada sobre as áreas naturais. Mas também o
empobrecimento da qualidade ambiental pode reduzir a produtividade do sistema
urbano como um todo. Daí a emergencial discussão sobre a sustentabilidade
urbana para os tempos atuais, pois em cidades de menor qualidade ambiental, a
ausência de controle e regulação sobre os processos de urbanização tendem a
acentuar os quadros de piora na qualidade de vida das pessoas que habitam a
cidade.

No aspecto urbano, a estrutura espacial está em constante evolução, assim, a


falta de consenso político ou de uma visão clara sobre o desenvolvimento
espacial somados aos efeitos combinados dos regulamentos de uso da terra e de
investimentos em infraestrutura podem se tornar inconsistentes entre si,
potencializando implicações negativas e impactos sobre a urbe que, no futuro,
se tornarão onerosos aos cofres públicos e à sociedade. Portanto, é importante
que os municípios possam acompanhar as tendências espaciais de desenvolvimento
urbano e tomar as medidas corretivas regulamentares caso esta tendência seja
contrária aos objetivos municipais e interesses coletivos (34).

Comparativo de densidade populacional média sobre a área urbana em 52 metrópoles


mundiais [Silva (2015) adaptado de Alain Bertaud(7)]

Densities are of course the product of market forces, but market forces
reflect consumer choices, hence culture. For these reasons, there is no
optimum density; when culture evolves it is likely that densities will
also slowly change reflecting the cultural shift. The wide range of
densities found in the above list of economically successful cities shows
that, as yet, we have no evidence of unmanageable densities (35).

O urbano face à sua complexidade inerente exige uma visão sistêmica dos
processos que constituem a cidade e seu desenvolvimento. Nas economias de
mercado os municípios não só podem influenciar a forma de desenvolvimento
urbano por meio do design apenas, como também por meio da implementação de um
sistema coerente e consistente de normas de uso da terra, investimentos em
infraestrutura e aplicação de impostos ou incentivos territoriais. Pois as
condições econômicas externas estão em constante mudança e são imprevisíveis
em médio e em longo prazo – a exemplo das constantes crises internacionais na
economia global – afetando diretamente a cidade e o processo de planejamento e
investimentos. Em longo prazo, a forma da cidade dependerá da maneira como o
mercado imobiliário reagirá aos incentivos e desincentivos criados por
regulamentos, investimentos públicos, infraestrutura e impostos sobre a
cidade. Assim, as cidades e seus respectivos departamentos de planejamento
urbano, de escala regional, devem acompanhar permanentemente a evolução da
estrutura espacial da cidade, ajustando-a e equilibrando-a à natureza dos
incentivos e desincentivos sobre a ocupação do espaço.
Densidades, custos e formas de urbanização no contexto brasileiro futuro
Acredita-se que a densidade seja um importante elemento (ou condicionante)
norteador de projetos urbanos e arquitetônicos mais qualitativos para as
cidades brasileiras, todavia, seu controle deve decorrer de estudos
específicos, simulações e testes constantes, mensurando-se, assim, a sua
potencialidade, as benesses e os possíveis impactos.

A relação entre a habitação e o transporte no custo urbano é temática de


pesquisas bastante aprofundadas em diversos países onde se questiona a ênfase
de mobilidade urbana sobre automóvel, em contraposição ao transporte coletivo.
A maioria desses estudos aponta que morar na periferia urbana é mais caro em
virtude dos altos custos de deslocamento que, mesmo com a redução do custo da
habitação (por redução de aluguel ou de compra de imóveis), o somatório com a
mobilidade se torna mais oneroso do que o custo de moradores em áreas
centrais, estes que pagam mais pela moradia, porém, detém custos reduzidos de
deslocamento pendular (36). Por outro lado, o próprio Imposto Territorial
Urbano brasileiro tende a ser repartido conforme a área ocupada,
independentemente de seu valor de mercado, mesmo quando a implantação e
manutenção de algumas áreas custaram (e custam ainda) muito mais aos cofres
públicos do que as áreas mais centralizadas, já que conforme se aumenta a
densidade, o custo de implantação e manutenção dos sistemas e infraestruturas
são reduzidos para cada domicílio.

Sob outra ótica, a dos países em desenvolvimento, a escassez de recursos


financeiros e o elevado e ainda crescente déficit habitacional demonstram a
necessidade de se densificar as cidades sob esse aspecto, especialmente no
caso latino-americano, pois além dos benefícios ambientais, de saúde pública e
social da cidade compacta frente à cidade dispersa, ela possibilita ainda
otimizar a aplicação de recursos quando atende à um número muito maior de
pessoas num mesmo espaço de cidade e de sistemas de infraestrutura
redimensionada. Pensar em cidades dispersas de baixa densidade populacional
para o Brasil, além de ser incoerente à lógica da sustentabilidade urbana, é
um contrassenso à justiça social e acesso a uma cidade mais barata para todos.

Além do custo ambiental e humano, a construção urbana oferece uma relação


dispendiosa conforme as decisões de projeto e desenho das cidades. Assim,
alguns desenhos morfológicos de cidade oferecem custos maiores ou menores,
conforme as suas relações de uso e ocupação, adequação topográfica, sistema
viário e demais infraestruturas, entre outras condicionantes ou determinantes
de projeto. A pavimentação e a drenagem, por sua vez, são as infraestruturas
urbanas mais onerosas, pois são responsáveis por 55% a 60% do custo de toda a
infraestrutura urbana, os custos do subsistema sanitário detêm aproximadamente
20%, e o energético os 20% restantes (37). Portanto, um projeto urbano
acessível deve minimizar superfície de vias, bem como utilizar materiais
diferenciados entre as vias de alta-velocidade e fluxo intenso (vias
estruturais, arteriais, coletoras), das de menor volume e rapidez de
deslocamento (as locais, que constituem em mais de 70% do sistema viário,
dependendo do projeto urbano), podendo estas serem construídas com materiais
mais baratos e permeáveis. O respeito à topografia aperfeiçoa o projeto de
infraestrutura e minimiza custos (com reduzida dimensões e captação de esgoto,
pluvial, água potável, aterros, etc.).

A densidade urbana define custos de infraestrutura, assim, mais uma vez o


modelo de habitação multifamiliar apresenta vantagens sobre o unifamiliar, por
ser o primeiro mais denso que o segundo e de custos mais bem distribuídos
entre os domicílios.

Com relação à infraestrutura urbana e seus custos com instalação, conforme a


densidade urbana, verifica-se que quanto maior a densidade, menor é o custo de
implantação de infraestrutura por domicílio. Zmitrowicz & De Angelis Neto (38)
sugerem, assim, que para as cidades devem priorizar projetos habitacionais com
densidades brutas entre 200 e 300 hab/ha, pois a literatura específica
determina que em densidades brutas acima de 350 hab/ha perde-se o sentido de
intimidade nos espaços verdes e, acima de 680 hab/ha, passa-se a oferecer
problemas quanto à disponibilidade vagas per capita de estacionamento para
veículos (o que pode ser questionável, conforme o projeto e suas
características de sustentabilidade e ênfase ao transporte coletivo), além de
dificultar o acesso a equipamentos urbanos, serviços e áreas públicas (39).

Tabela 01. Participação de cada rede nos custos totais de cada sistema de
abastecimento. [Elaborado pelos autores]

Contudo, projetos contemporâneos tendem a trabalhar com densidades extremas,


em complexos multifuncionais com habitação, trabalho e lazer num mesmo espaço
denominado de “espaço híbrido”, objetivando a otimização energética, áreas
verdes e permeáveis, acessibilidade em vários níveis, uso de tecnologias
sustentáveis, etc. A exemplo do conjunto habitacional híbrido integrado (com
densidade acima de 1.000 hab/ha, com cerca 2.500 moradores) em Beijing, China,
projeto do arquiteto Steven Holl finalizado em 2009, chamado de Linked Hybrid.
De fato, o desenho urbano e o projeto de arquitetura são elementos chaves na
definição de elevadas densidades e eficiência ambiental, de usos, e
construtiva.
O Linked Hybrid do escritório Steven Holl Architects, projetado para Beijing, na
China, 2009. Tetos verdes, espelhos d’água, espaços verdes semi-públicos, alta
densidade, múltiplas funções, acessibilidade e integração dos edifícios,
caracterizam co
Imagens divulgação [website Steven Holl]

Para Zmitrowicz & De Angelis Neto (40), a densidade média de 60 famílias por
hectare (cerca de 200 hab./ha) é confortável para os centros urbanos, mas os
autores afirmam que a média global da maioria das cidades brasileiras é de 15
famílias por hectare (cerca de 50 hab./ha). Já nos estudos de Miranda; Gomes &
Guimarães (41), a densidade bruta média nacional é de 65,11 hab./ha (42), a
partir do censo demográfico de 2000 (43). Todavia, Zmitrowicz & De Angelis
Neto (44) destacam que o custo de infraestrutura urbana por família em áreas
loteadas com 60 habitações/ha é praticamente metade do que em densidades
próximas a 15 habitações/ha. Portanto, como esta última densidade é a média
global das cidades brasileiras, estima-se que cada família com serviços de
infraestrutura completa custa aproximadamente US$ 4.500, o que se traduz a US$
1.320 aproximadamente por “pessoa urbanizada”. Como a população urbana
brasileira aumenta na ordem de 2 milhões de pessoas por ano, seriam
necessários por volta de 2 bilhões de dólares para que o déficit de
infraestrutura fosse controlado ano a ano, segundo os cálculos de Zmitrowicz &
De Angelis Neto (45). Porém, sabe-se que o país não domina vultosos
investimentos em suas municipalidades, o que resulta no crescente déficit de
infraestrutura na maioria das áreas urbanas, em detrimento de melhorias
concentradas em áreas mais “nobres” ou dignas de gentrificação por interesses
de especulação imobiliária.

O modelo urbano norte-americano prevaleceu durante meados do século 20,


apresentando ao mundo a ideia de densidade baixa proporcional ao aumento da
qualidade de vida. Tal ideia inclusive foi de fendida por Kevin Lynch,
expressas ainda nas teorias brasileiras de Juan Mascaró (46) – que, em geral,
aplicam-se critérios de desenho urbano em loteamentos unifamiliares e,
portanto, de densidade ocupacional reduzida. Acreditava-se, durante muitas
décadas ao longo da história do urbanismo, que a alta qualidade de vida só era
possível em espaços dispersos, abertos ao sol, com ventilação e privacidade em
habitações unifamiliares. Porém, esse modelo urbano detém custos elevados
(econômicos e humanos) e, ao invés de proporcionar qualidade de vida, exerce
impactos profundos no dia-a-dia das famílias e no cotidiano urbano e
ambiental.

Tabela 02. Relação entre a densidade e problemas urbanos decorrentes [Elaborado


pelos autores]

Segundo dados calculados pela pesquisa (atualizados a partir de 2012) para o


mercado da construção de hoje, o custo do hectare urbanizado pouco depende da
capacidade das redes de infraestrutura, assim, para uma ocupação de 75
habitantes/ha este custo é de US$ 250 mil aproximadamente, mas para uma
ocupação de 600 pessoas/ha é de US$ 320 mil em média, ou seja, quando o número
de habitantes por hectare aumenta em 800%, o custo de urbanização acresce
apenas 30%. Deste modo, quando esse custo é revertido em um cálculo per capita
a situação muda de figura, pois, se no primeiro caso há um custo de hectare
urbanizado de US$ 3.334 dólares por indivíduo, que é a situação média
brasileira de densidade ocupacional, na segunda situação o custo reduz para
US$ 533 por morador, este que é próximo às densidades de cidades europeias e
asiáticas. Ou seja, é uma redução considerável de 84% por pessoa
aproximadamente, que poderia ser revertida aos cofres públicos, além do ganho
ambiental do modelo mais compacto de urbanização, que acaba otimizando custos
de abastecimento e manutenção de infraestruturas ao longo do tempo, o que
torna a cidade compacta de manutenção menos onerosa em comparação à dispersa,
seja para a gestão urbana, seja para o usuário (morador).

Conforme os estudos “World Urbanization Prospects: The 2014 Revision” (47) do


Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, a população
do Brasil terá de 222,7 milhões de pessoas em 2030, e 231,1 milhões em 2050,
destes, 197,5 milhões (88,6% do total) e 210,2 milhões (91% do total) de
habitantes estariam em áreas urbanas respectivamente, um acréscimo de 12,7
milhões em cidades em 20 anos. Atualmente, o Brasil tem 85,7% da população em
área urbana, estimados em 177,5 milhões (203,7 milhões no total). Mesmo que os
dados sejam um pouco divergentes em relação aos do IBGE, em ambas as projeções
o crescimento urbano está previsto e, com ele, a demanda por mais habitação se
fará presente até 2050, pelo menos. Buscar novos modelos de ocupação, menos
onerosos e mais eficientes, deve ser um critério emergencial nas políticas
habitacionais futuras.
A qualidade de vida do brasileiro, assim como diversos indicadores sociais,
têm acompanhado a dinâmica econômica e das políticas públicas recentes. A
renda média do brasileiro em 2007, PIB/Per capita, era de US$ 9.270, destes
eram 15,4 % os gastos com ensino primário, com taxa de analfabetismo de 10,2%
para homens e 9,8% para mulheres, e 3,6% de gastos públicos com saúde. Em
2013, o PIB/Per capita era de US$11.208. Entre 2001 a 2013, 25 milhões de
brasileiros deixaram a miséria extrema e a classe média, que nos em 1980 era
menos de 15% da população, atualmente já integra 1/3 dos brasileiros,
crescimentos estes acima dos países vizinhos segundo o Banco Mundial e o PNUD,
em partes, decorrentes da melhoria da economia nacional e do maior acesso ao
mercado internacional.

No ano de 2009, por volta de 91 % da população tinham acesso à água potável,


com 86% da do total vivendo em área urbana, dos 193,7 milhões de habitantes.
Os gastos de energia per capita eram de US$ 1.184 (48), e o acesso à
infraestrutura acompanha o aumento das políticas habitacionais na última
década.

Se a tendência, segundo as diversas projeções populacionais é o envelhecimento


e diminuição da taxa de natalidade para as próximas décadas, cabe compreender
que a dinâmica urbana e socioeconômica se alterará e que, investimentos em
educação e habitação, mesmo em déficit considerável, em breve serão menos
prioritários do que investimentos em previdência e saúde pública, perante os
futuros quadros demográficos. O que leva a compreender que há uma denominada
“janela de oportunidades” até as décadas de 2040 e 2050.

No que tange ao cenário territorial do país, a ocupação deste tende a se


intensificar em áreas antes relegadas aos vazios demográficos, desprovidas de
infraestrutura, em territórios de pouca conexão às redes urbanas, com
equipamentos e/ou serviços urbanos mínimos, de pouca circulação de pessoas e
mercadorias. O avanço do urbano para essas áreas, antes rurais que com poucas
cidades, tende se acentuar quando a economia agroindustrial se apropria de
novas tecnologias, permitindo a exploração de novas áreas com condicionantes
de solo e clima antes pouco rentáveis. Santos (49) ressalta que “O Brasil
moderno é um país onde a população agrícola cresce mais depressa que a
população rural.”, fazendo-se uma distinção entre os que habitam o campo (a
população rural) e os que vivem em cidades mas trabalham e dependem
economicamente do campo (a população agrícola).
As perspectivas projetadas pelo IBGE (50) apontam para uma mudança
considerável na pirâmide etária do país e, consequentemente, no perfil do
brasileiro para as próximas quatro décadas. A melhoria das condicionantes
socioeconômicas e de acesso aos serviços urbanos induzirá progressivamente a
uma melhora da qualidade de vida acompanhada desde a década de 1980, mas
acentuando a partir do início do século 21. A estabilização econômica, o
acesso à saúde pública e programas federais efetivos, melhoria da renda média,
diminuição da insalubridade e de habitações precárias, entre outros fatores,
estão contribuindo ano a ano para o envelhecimento da população brasileira,
aproximando a distribuição da pirâmide etária do país à dos países mais
desenvolvidos para 2050.
Tais apontamentos futuros demandam uma compreensão dos fenômenos urbanos
nacionais e internacionais, capazes de situar cenários para as cidades
brasileiras e latinoamericanas, compartibilizando os processos de urbanização
às demandas sociais, econômicas e ambientais do país. Ao urbanista, cabe o
papel cidadão de participar dessa construção (ou re-construção) urbana e
social, tendo em vista que os gargalos políticos e técnicos são presentes e
efetivos, determinando prognósticos preocupantes à urbanidade futura e ao
processo de periferização, em especial, à periferização de baixa densidade.
Mapa da evolução da população no Brasil entre 2000 e 2007 [Hervé Thery (2007) in ]

E esse contingente urbano, acrescido, pincipalmente, a partir da segunda


metade do século 20, não foi acompanhado por políticas públicas ou
investimentos compatíveis no país. Até porque a renda do brasileiro, que era
de apenas US$ 1.444 em 1940 (padrão africano), passou a US$ 7.623 em 1980; em
2000, já atingia US$ 8.056 e, em 2010, era de US$ 10.195. Ou seja, entre 1940
a 2010, o país saltou de uma condição de pobreza extrema e ocupação rural, à
um país urbano, com uma população em crescimento acentuado num curto período
histórico, mas de sistema econômico capitalista periférico que, como tal, não
detém as melhores condições para fomentar o acesso qualitativo à
infraestrutura, habitação ou urbanidade para sua população.

O fenômeno urbano mais recente, e interessante, é a atuação das cidades médias


e pequenas nas redes urbanas e processos de metropolização e desmetropolização
(51). Entre 2002 a 2007, a população em cidades médias brasileiras cresceu à
taxa de 2% ao ano, mais que as taxas das cidades grandes (1,66%) e das cidades
pequenas (0,61%). No âmbito populacional, as cidades grandes e pequenas
encolheram entre 2000 e 2007, enquanto as médias cresceram. Em 2000, as
cidades médias concentravam 23,8% da população e, em 2007, passaram a 25,05%.
As grandes aglomerações urbanas reduziram de 29,81% para 29,71% da população
urbana total, e as pequenas cidades, de 46,39% para 45,24%, no mesmo período.
Assim, esses fatores reforçam a necessidade de se investigar os processos
urbanos em cidades médias brasileiras como polos atrativos de capital,
oportunidades e pessoas, bem como as projeções de cenários para o
planejamento, em especial, à política habitacional e ao projeto urbano para
essas áreas.

Análises aplicadas e recomendações


As referências de pesquisas reforçam que, em consequência da alteração da
densidade (habitacional ou populacional) numa determinada área parcelada, o
custo de urbanização por família servida pode, na medida em que se aumenta a
densidade de habitações por hectare, pode decrescer drasticamente. Os
conjuntos habitacionais populares do Brasil apresentam, geralmente, um desenho
unifamiliar de pequenos lotes, separados por afastamentos e recuos em suas
faces laterais, que comumente define uma densidade bruta de até 100 hab./ha.
Nesse padrão de ocupação, o custo de redes de infraestrutura em uma área
urbanizada é de aproximadamente US$ 8.644 dólares por família. Contudo, em
densidades brutas de 450 habitantes por hectare o custo de urbanização
decresce para US$ 2.400 dólares por família, padrão de densidade este próximo
ao plano das ‘Manzanas’ da cidade de Bracelona (52), Espanha.

Tabela 3. Custo de infraestrutura por hectare de habitação (relação de densidade


bruta da área loteada), atualizado para Agosto de 2012 [Elaborado pelos autores.
Dados de SILVA (2014)]

Essa alteração de custos em virtude da densidade habitacional é um ponto


crucial na distribuição de serviços urbanos qualitativos à maior parcela da
população, como já foi dito, em especial para os países em desenvolvimento. No
Brasil, verifica-se certa falta de critérios econômicos coerentes no processo
de elaboração e tomadas de decisão tanto em desenho e planejamento urbano,
como de projetos arquitetônicos habitacionais, que deveriam ser fiscalizados
pela gestão municipal e a partir de modelos de cidades mais densas e
acessíveis à população. Entretanto, o modelo atual que preconiza o
financiamento por governos (federal, estaduais e/ou municipais), considera o
valor da habitação apenas, independente da forma do conjunto ou da proporção
por unidade, deixando o custo de urbanização embutido no valor total do
empreendimento, ou em outras situações, subsidiados pelos cofres públicos.
Assim, acaba-se por reproduzir nas cidades brasileiras um modelo de
urbanização majoritariamente unifamiliar, de densidade bruta em torno de 100
hab./ha, como se faz desde os anos de 1950 e 1960 em todo país por meio de
planos habitacionais precedentes, seja por aspectos ditos “culturais” ou mesmo
pela simples replicação de um “padrão” adotado pela tradição da construção
civil e conivência dos órgãos de governo.

No intuito de estabelecer uma métrica comparável aos padrões habitacionais


vistos no mundo urbano ocidental, que influenciam diretamente a ocupação
territorial nas cidades brasileiras de hoje, decidiu-se pela eleição de alguns
modelos morfológicos comparativos nesta pesquisa. Como ferramenta aplicada dos
conceitos estudados, definiu-se um procedimento analítico experimental a
partir da formas características de urbanização, da densidade (bruta e
líquida) e das respectivas relações entre custos de urbanização em estudos de
casos urbanos em escalas reduzidas de 5 ha (50 mil m²), que possuíssem
preponderância habitacional como uso e ocupação do solo.
As quatro cidades selecionadas para a análise das parcelas urbanas de 5 ha: João
Pessoa-PB, Cuiabá-MT, Barcelona (Espanha) e Atlanta (EUA) [Elaborado pelos autores]

Estudo de caso das parcelas urbanas de 5ha selecionadas entre João Pessoa-PB,
Cuiabá-MT, Barcelona (Espanha) e Atlanta (EUA) [Elaborado pelos autores]

Em princípio, essa abordagem quantitativa das cinco parcelas urbanas teria


como objetivo a comprovação ou contestação de alguns apontamentos teóricos
elencados na primeira etapa desta pesquisa. Optou-se por selecionar algumas
realidades urbanas de características sócio-espaciais extremas, conforme os
estudos de Bertaud & Malpezzi e Acioly & Davidson, que representassem os
respectivos processos urbanos e contextos aos quais estão inseridos (o
brasileiro, o europeu e o norte-americano), sempre buscando a discussão entre
a morfologia das cidades, as condicionantes locais e as questões culturais
envolvidas no processo de produção e reprodução das cidades e de suas partes.

Assim, elencaram-se as parcelas urbanas de João Pessoa-PB (litorânea) e


Cuiabá-MT (continental), que são cidades brasileiras, capitais estaduais de
presença metropolitana e escala urbana mediana acima de 500 mil habitantes.
Outros dois exemplos são casos extremos de diversidade cultural, ambiental e
socioeconômica, sendo Barcelona (Espanha) um exemplo retirado do continente
europeu dentre as de maior densidade, e Atlanta, a cidade escolhida dentro dos
padrões de dispersão urbana das cidades Norte-Americanas de baixa densidade
ocupacional (padrão este similar ao de conjuntos habitacionais fechados de
alta renda no Brasil).
Apresentam-se as imagens de satélite atuais das 5 áreas analisadas e, logo
abaixo, as áreas mapeadas com dados quantitativos referentes às áreas totais e
respectivas áreas habitadas. Suas densidades habitacionais e custos de
urbanização apontam que áreas urbanas mais densas possuem uma relação de
redução direta em relação ao custo per capita ou por domicílio, mesmo o custo
total da urbanização sendo superior. A partir dos estudos de custos
apresentados para infraestrutura, estabeleceu-se um parâmetro de valores
médios para os projetos urbanos a serem implementados, com atualização em 2012
e respectivas taxas cambiais nesse período. Contudo, é importante ressaltar
que tais valores sofrem variações expressivas conforme as condicionantes
locais de implantação do projeto, bem como à conjuntura socioeconômica
regional e nacional. Assim, a Tabela 3, utilizada como parâmetro de cálculo,
pode sofrer variações quantitativas face a diversos fatores de macro
conjunturas, mas em especial às adaptações de projetos urbanos e acesso aos
preços e serviços ofertados no mercado da construção civil em cada país,
região ou localidade.
A partir dos estudos, sintetizados na tabela 3 e figuras a seguir, estimou-se
os custos de urbanização (infraestrutura) para os cinco exemplos elencados,
como procedimento metodológico de análise entre as relações morfológicas e os
custos aproximados (estimados), de tal modo, estes poderiam nortear
proposições de desenho urbano mais coerentes com as condicionantes
socioespaciais e ambientais brasileiras e latino-americanas. Sobre este último
aspecto, a sugestão de formas urbanas mais coesas (compactas), com usos
diversos e espaços verdes públicos no interior da quadra como elemento de
comunidade e convívio poderia ser uma proposição bastante cabível para as
cidades em desenvolvimento, em especial, às recentes políticas de habitação de
interesse social. Nesse âmbito, ainda em caráter de estudos preliminares,
apresentam-se algumas opções arquitetônicas e urbanísticas a seguir.

Custos de urbanização em relação à unidade habitacional e ao custo total


correspondente à uma área de 5ha conforme a densidade bruta [Elaborado pelos
autores]

Desta forma, conforme os cálculos verificados, a densidade urbana e a forma


edificada são critérios preponderantes na definição de custos de urbanização.
É evidente que o traçado (e a quantidade de vias, que é o sistema mais oneroso
de um parcelamento) são elementos indutores diretos de custo, o que pode nos
apresentar, conforme a literatura, uma infinidade de variações de desenho
urbano e da massa edificada, que se traduzem em projetos mais ou menos
onerosos. Contudo, a variação de desenho e forma para projetos urbanos de
mesma densidade acabam por proporcionar custos bastante aproximados, ao passo
que densidades díspares proporcionam maior discrepância no custo de
urbanização.

Comparativo de densidades urbanas líquidas e brutas numa área de 5 ha em 5 casos


analisados [Elaborado pelo autor]

Comparativo de densidades urbanas líquidas numa área de 1 ha em distintas formas


edificadas numa área urbanizada. No caso “A”, “B” e “C”, formas distintas com a
mesma densidade. No caso “D”, foram acrescidos dois pavimentos ao modelo “B”, para
recalcular [GEOVANY J. A. Silva (2013)]

Na figura anterior são apresentados quatro exemplos morfológicos distintos de


urbanização e suas respectivas variações quanto ao custo de loteamento face à
densidade populacional em 1 há (10 mil m²). Note-se que os modelos A
(unifamiliar geminado), B e C (multifamiliares) apresentam variações formais
relevantes para uma similar densidade (aproximadamente 76 unidades
habitacionais com média de 260 hab./ha), e a variante D (150 unidades
habitacionais com 510 hab./ha) apresenta uma alternativa mais adensada (5 a 6
pavimentos), mas que atende a alguns critérios interessantes de possível misto
de usos, mais espaços públicos, quadra aberta, ausência de vias no interior da
quadra e escala edificada próxima ao nível da rua.

Unifamiliar versus multifamiliar: os custos da densidade urbana


Sabe-se que há um déficit habitacional predominante no Brasil, sendo que este
era de 6,1 milhões em 2007, e de 5,8 milhões em 2012, conforme dados da
Fundação João Pinheiro (55) e Ministério das Cidades. Ou seja, nos últimos
cinco anos houve uma redução de aproximadamente 5% do déficit habitacional,
todavia, o déficit absoluto ainda se situa na casa de 9,1 % do total de
domicílios brasileiros, estes que totalizam 63,8 milhões de habitações em todo
o país. Do total, 85% do déficit está em área urbana.

Assim, são estimados custos elevados para o governo federal regularizar as


condições precárias dessa população, podendo-se aferir um total de
investimento aproximado na ordem de US$ 50 bilhões para infraestrutura urbana
(aproximadamente US$ 8,5 mil/habitação) e de US$ 145 bilhões (aproximadamente
US$ 25 mil/habitação) para a construção de novas casas, situando um custo
total de US$ 195 bi necessários para suprir todo o déficit nacional computado
para a habitação, sobre um território de 193 mil hectares (12 vezes a área da
cidade de Barcelona ou 5,8 vezes o tamanho de Belo Horizonte). Diante do atual
cenário econômico mundial e latino-americano, tais demandas urbanas e a
escassa disponibilidade de recursos para as políticas habitacionais e sociais
demandam um planejamento estratégico na alocação de investimentos públicos que
demandam, dentre outros aspectos, a aplicação e inovação tecnológica na área
habitacional, proporcionando qualidade ambiental, menor impacto nos recursos
naturais, otimização energética e de materiais, maior densidade e otimização
de infraestrutura, proporcionando espaços que valorizem o convívio coletivo.

Exemplos de ocupação habitacional unifamiliares, e multifamiliares, característicos


nas periferias urbanas brasileiras, mas que determinam ocupações de baixa qualidade
ambiental e urbana [Elaborado pelo autor]

Mesmo em condomínios mais adensados, multifamiliares, a ausência de um desenho


urbano qualitativo, com déficit de equipamentos urbanos, sem a diversidade de
usos (que leva a improvisos de comércio nos loteamentos), de localização em
áreas periurbanas e, portanto, longe de polos de trabalho e lazer, acabam por
proporcionar os mesmos problemas e agravantes dos condomínios de menor
densidade. Com exceção da redução do custo de urbanização, o valor do imóvel é
praticamente o mesmo, indiferente da densidade urbana, o que demonstra um
descompasso entre os custos de urbanização, os subsídios governamentais e os
lucros das incorporadoras. A seguir, uma ilustração de exemplos de condomínios
brasileiros em vários estados, mas que repetem os mesmos padrões construtivos
de baixa qualidade urbana e de vida para seus moradores.
Do total de déficit habitacional do Brasil, cerca de 1,8 milhão está na região
Nordeste, ou seja, mais de 30%. Por sua vez, o estado da Paraíba tem um
déficit estimado de 115 mil unidades habitacionais, a um custo deduzido de US$
2,9 bilhões para a construção de habitações e de 970 milhões em custos de
urbanização, totalizando US$ 3,87 bilhões, conforme os padrões construtivos
praticados pelas construtoras locais. Para suprir essa demanda serão
necessários 3,8 mil hectares. Esse valor a ser investido se equivale a quase
30% do PIB anual do estado, e é três vezes maior que a arrecadação anual de
ICMS estadual, o que demonstra a necessidade de se otimizar tais investimentos
(56).

Considerando-se apenas o critério de densidade urbana, o valor de investimento


habitacional para o Estado da Paraíba, que seria de aproximadamente US$ 4
bilhões a uma densidade média de 100 hab/ha, poderia reduzir para US$ 2,7
bilhões (1/3 a menos) num padrão mais próximo ao europeu, este de 300 hab/ha
nas cidades mais compactas.

A densidade habitacional é fator preponderante na otimização da aplicação de


recursos em habitação e urbanização, bem como na minimização de impactos
ambientais, pois quanto maior a densidade habitacional, menor o gasto com a
infraestrutura, habitação e manutenção dos serviços urbanos por habitante,
como também pode-se reduzir a área urbana ocupada e a necessidade de
deslocamento automotivo. Em contrapartida, um desenho mais coeso de cidade
possibilita o deslocamento pendular por meios alternativos (pedonais ou
ciclístico), bem como otimiza-se o custo-benefício do transporte coletivo de
massa. Assim, muitos exemplos de conjuntos habitacionais, em especial os
europeus e asiáticos, demonstram uma tendência à maior densidade e compacidade
urbana por meio de conjuntos habitacionais multifamiliares.

Como se pôde verificar na literatura urbanística e exemplos de projeto


estudados, o modelo de urbanização habitacional unifamiliar apresenta uma
série de desvantagens frente ao multifamiliar, não somente as de caráter
formal e de custos, mas também com relação ao convívio e ao encontro das
pessoas e, assim, à noção de vizinhança e de senso comunitário (57). A
disponibilidade de área verde pública é outro fator proeminente no aumento da
densidade urbana, ao passo que o modelo de loteamento/parcelamento unifamiliar
isola o lote e a propriedade privada entre muros, o conjunto multifamiliar
pode democratizar o acesso às áreas verdes no interior da quadra,
transformando o espaço privado em espaço coletivo, este que ainda pode abrigar
equipamentos comunitários para várias faixas etárias ou funções, mais próximos
dos moradores e com raios de abrangência mais bem distribuídos. Na figura e
tabela a seguir está representado um comparativo entre dois modelos de
ocupação recorrentes nas cidades em uma área de 1 ha (10.000m²), um
unifamiliar térreo com 36 unidades habitacionais de 70m², e outro exemplo com
364 unidades habitacionais (também com 70m² cada), com 7 pisos verticalizados
(aproximadamente 21m de altura total), destacando-se os custos em relação a
densidade bruta e líquida nos dois exemplos. Cabe expressar ainda que, no
segundo exemplo (multifamiliar), é possível estabelecer o uso misto com maior
eficiência (em pavimentos térreos), tendo em vista o aumento considerável de
moradores numa mesma área.
Exemplos comparativos de densidades urbanas líquidas e brutas numa área de 1 ha em
distintas formas de quadra urbanizada (unifamiliar e multifamiliar) e demais
aspectos comparativos [Elaborado pelo autor]

Tabela 04 Estudo de comparação entre as tipologias unifamiliar e multifamiliar


em 1ha
Outro ponto importante é quanto ao custo nos dois casos exemplificados, pois
enquanto o unifamiliar tem um custo estimado de US$ 260 mil, o multifamiliar
tem US$ 400 mil, ou seja, 54% a mais. Contudo, se o cálculo do custo de
urbanização for feito por domicílio ou número de habitantes pela área, o valor
do unifamiliar, com US$ 2.131/habitante, é 6,6 vezes maior que os US$
323/habitante do exemplo multifamiliar, o que demonstra que essa diferença
muito relevante para a viabilização de políticas habitacionais mais
abrangentes e democráticas.

A diversidade de usos em maiores densidades habitacionais é um elemento


potencializador da qualidade urbana, ao passo que somado à boa infraestrutura
e à disponibilidade de melhores equipamentos públicos, com bons mobiliários
urbanos e sinalização, tendem a gerar um uso intenso das áreas públicas de um
conjunto de habitação. A adoção de quadras abertas, compactas, com fluxos
internos nos conjuntos de blocos, é um critério de desenho que induz ao fluxo
de pessoas, de usos e ao dinamismo do comércio local. Portanto, com a adoção
desses critérios de desenho arquitetônico e urbanístico mais qualitativos,
podem-se constituir maiores índices de vitalidade e urbanidade para os
condomínios.

Decerto, o desenho urbano de maior densidade define um conjunto construído


mais coeso, próximo, e assim, comunitário. Enquanto que o desenho de lotes
isolados, em menores densidades, murados e com as famílias individualizadas,
acabam por produzir quadras e bairros que segregam e minimizam o convívio
coletivo. Sob esse ponto de vista, é ainda mais incoerente os conjuntos
habitacionais em condomínios fechados, ainda mais numa sociedade que carece de
senso de coletividade e comunidade, capaz de coexistirem as diferenças num
convívio harmônico e respeitoso. E civilidade se constitui, também, por meio
de desenho urbano.

Considerações finais
A sustentabilidade das cidades perpassa pela discussão sobre a sua densidade
como imposição morfológica no espaço urbano, pois é este um dos principais
elementos de controle e monitoramento espacial e ocupacional no espaço urbano
enquanto fenômeno de dispersão territorial. É a densidade urbana inserida na
morfologia que determinará o grau de acessibilidade, a proximidade e o acesso
ao emprego e à habitação, com adequada infraestrutura à população
economicamente desfavorecida. Por sua vez, a eficiência em infraestrutura e no
uso e ocupação do solo urbano em sinergia com as disponibilidades e suportes
ambientais do sistema-entorno são pontos vitais no processo de planejamento e
gestão de cidades sustentáveis.

O déficit habitacional brasileiro se situa próximo de 9% do total de


domicílios (63,8 milhões em 2012), correspondendo a 5,79 milhões de unidades,
assim, pode-se estabelecer vários cenários quanto à relação entre densidades e
custos de urbanização, conforme os dados apresentados pela pesquisa. Na figura
a seguir, como forma de comparação, optou-se por três cenários de Densidade
Bruta (estimativa de habitantes por área loteada total): 100 hab/ha, 300
hab/ha e 600 hab/ha. Optou-se por não se alterar a área de habitação a ser
construída, nem seus respectivos custos (que podem oscilar conforme o nível de
projeto, componentes e a própria verticalização), contudo, concentrou-se o
cálculo no custo de urbanização nesses 3 cenários, vislumbrando a economia que
se pode ter nesse âmbito conforme as decisões projetuais para maior ou menor
densidade. Dessa forma, para que seja suprido o déficit habitacional
brasileiro com densidade média bruta de 600 hab/ha, tem-se o custo de
urbanização de U$10 bilhões, enquanto que para densidades de 300 e 100 hab/ha,
tem-se U$19 bilhões e U$49 bilhões. Uma economia muito relevante que poderia,
por exemplo, proporcionar a construção de mais 2 milhões de casas, caso se
aumentasse a densidade atual dos conjuntos populares em 6 vezes.

A pressão demográfica, mesmo que minimizada para as próximas décadas, gerou ao


longo dos últimos 50 anos um forte déficit socioespacial e socioeconômico que
intensificou a ocupação irregular nas áreas periurbanas das cidades
brasileiras, a exemplo do que ocorreram nos demais países em desenvolvimento.
O grande desafio à gestão e à política urbana para essas regiões é suprir a
demanda por habitat urbano com qualidade e otimização na aplicação dos parcos
recursos disponíveis. Assim, a densidade passa a ser um fator-chave desse
dilema urbano nacional e latino-americano, pois ela pode prenunciar uma melhor
alocação de recursos per capita caso se opte por um processo de ocupação de
maior compactação; ou então, poderá transformar as ações governamentais no
campo de habitação de interesse social num fenômeno urbano agravante das
questões sociais (por não atender a todos e custar caro aos cofres públicos) e
ambientais (por ocupar grandes áreas naturais periurbanas e poluir o meio
ambiente com infraestrutura e serviços urbanos onerosos e deficitários).
Déficit habitacional brasileiro e os custos de urbanização em três cenários de
densidade urbana (habitantes/hectare) [Elaborado pelo autor]

A recorrência de uma forte especulação imobiliária, de um setor estratégico


para a economia e política (em especial, no caso brasileiro, no qual o setor
da construção civil está diretamente atrelado à manutenção de governos locais,
estaduais e nacional), acaba por estabelecer uma manutenção do patrimonialismo
histórico no país. Assim, se constituem leis que otimizam os ganhos
econômicos, protegem os agentes especuladores do território, e estabelecem
prioridades de investimentos públicos para custear todo esse sistema. Recursos
estes que não chegam ao cerne do problema: o déficit habitacional dos mais
pobres. Ferramentas de controle especulativos como a tributação proporcional à
renda (e valorização de imóveis), os incentivos e investimentos públicos às
áreas mais desfavorecidas, ou mesmo a aplicação de compensações (mais
rigorosas) e uso das ferramentas propostas pelo Estatuto das Cidades (melhor
aprimoradas para cada localidade), que poderiam exercer uma forma de contenção
especulativa e, ao mesmo tempo, fortalecer os cofres públicos, acabam por não
ocorrer face à política patrimonialista e clientelista vigente em grande parte
das cidades.

É evidente que, pelo cenário descrito, muitos são os problemas conjunturais e


de gestão urbana. Mas retomando a ideia de aplicar critérios mais objetivos
para a tomada de decisões na formulação de leis urbanísticas, índices ou
coeficientes construtivos para distintas partes da cidade, na figura a seguir,
está representado uma síntese de um processo de avaliação da densidade urbana
e aplicação de índices ou indicadores de qualidade urbana (que podem
contemplar campos da qualidade de vida e sustentabilidade).
Diagrama esquemático de um roteiro para a definição e aplicação de indicadores de
densidade no projeto urbano que pode estabelecer, por retroalimentação e proposição
de cenários, novos padrões morfológicos conforme a qualidade ambiental e de vida
mensurad [Elaborado pelos autores]

O Brasil e a América Latina têm exemplos de projetos habitacionais


qualitativos em diversos critérios e aspectos levantados. No início dos anos
de 1990, a Cooperativa Pró-Moradia de Osasco, São Paulo, o COPROMO, surge com
a proposta de se construir cooperativas habitacionais junto às comunidades
carentes por meio de mutirão, similar ao que ocorria no Uruguai. Tal
iniciativa proporcionou uma interessante forma de conjunto habitacional, com
densidade bruta aproximada de 630 hab/ha, que abriga cerca de 1.000 famílias
em 54.000m² em 50 edifícios de até 5 pavimentos. O projeto Quinta Monroy
chileno, do escritório de arquitetura Elemental (58), em Iquique, abriga 100
famílias em 5.000 m² numa área de ocupação consolidada e terra valorizada. A
chave para a viabilização deste projeto foi a minimização de custos face à
densidade urbana bruta, com 680 hab/ha, e à forma de execução evolutiva das
unidades, que é entregue à família com uma área de 30 m² a um custo de
US$7.500 (bem próximo do custo brasileiro de US$300/m²), podendo ser expandida
para até 70m² em área prevista no projeto inicial. Para tanto, seu gabarito
tem até 3 pavimentos, com um módulo primário padrão em forma de “L”, que
permite o aumento da área vertical. Esse conjunto de decisões projetuais
permitiu a permanência das famílias na mesma terra, mantendo os vínculos de
vizinhança, trabalho e comunidade de décadas. Similar a esse conceito de
manutenção da comunidade no lugar, o projeto amazonense PROSAMIM (59)
(Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus), coordenado pelo
arquiteto Luiz Fernando de Almeida Freitas (60), buscou manter a proximidade
das 567 novas habitações de 54 m² cada de até 3 pavimentos, numa área de
92.376 m², junto às áreas antes destinadas às palafitas nas margens dos
igarapés de Manaus-AM, contudo, respeitando as áreas de proteção ambiental e
segurança perante às cheias dos córregos, a partir de uma densidade bruta de
207 hab/ha, que possibilitou maiores gabaritos e proximidade das habitações
aos equipamentos urbanos.
Exemplos de recentes projetos no Brasil (Osasco-SP e Manaus-AM) e Chile (Iquique)
que propõem conjuntos habitacionais mais compactos e qualitativos, com equipamentos
urbanos próximos às residências [Elaborado pelos autores]

Exemplos de conjuntos no Rio de Janeiro e São Paulo têm demonstrado


iniciativas arquitetônicas positivas que denotam um histórico de planejamento
habitacional que, mesmo com seus problemas históricos, da dimensão, escala
urbana e infinitas problemáticas de duas das maiores metrópoles continentais,
apontam possibilidades entre a gestão territorial e a qualidade de conjuntos
habitacionais que consideram o lugar e suas condicionantes comunitárias e de
permanência de pessoas. No caso de Heliópolis, São Paulo, a Gleba G dos
arquitetos Biselli e Katchborian (61) apresentou uma elevada densidade bruta,
com 1.150 hab/ha, de uso misto, em 420 unidades habitacionais de US$22.580 com
50m², subsidiadas em 50% pelo governo municipal (62), total de 31 mil m² de
área construída. No conjunto habitacional do Novo Santo Amaro, do escritório
Vigliecca & Associados (63), o projeto busca atender às demandas por
equipamentos, topografia, conexões pedonais e determinantes do entorno, com
densidade bruta de 126 hab/ha, face à forma das edificações e disposições de
áreas de convívio comunitário. A um custo médio de US$ 32 mil por habitação
(50 a 64m²) para 200 famílias, o empreendimento foi orçado em US$ 6,45 milhões
e 13.500m² de área construída.
Exemplos de recentes projetos no Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo) que propõem
conjuntos habitacionais mais compactos e qualitativos, com equipamentos urbanos
próximos às residências [Elaborado pelos autores]

A discussão sobre a densidade urbana no contexto nacional e internacional não


deve ser generalizada, pois as particularidades geográficas, demográficas,
socioeconômicas, culturais, entre outras, são distintas e variadas. Desta
forma, conceitos de alta e baixa densidade e o que aceitável ou não são muito
específicos para os diversos continentes, países, cidades ou bairros. Porém,
também há uma grande pressão por mudanças que geralmente apontam para a
compactação urbana e para a maior densidade habitacional. Apesar de existir em
grande parte das cidades brasileiras uma certa resistência considerável à
compactação urbana, seja ela cultural (face às referências das famílias à casa
do campo e ao quintal), econômica ou política (em decorrência de interesses ou
ausência de planejamento urbano e territorial específico), o impacto da
dispersão urbana sobre o meio-ambiente e a otimização de custos urbanos por
habitante contrariam o predomínio da baixa densidade. O que se deve propor são
estudos técnico-científicos orientadores para o planejamento urbano e regional
sobre os processos de uso e ocupação do solo, da escala regional à local,
estabelecendo-se assim padrões de ocupação coerentes com as condicionantes e
determinantes de cada localidade urbana a serem testados, simulados e
mensurados de forma contínua.

Enfim, o que se sugere neste trabalho é um planejamento que se sustente, por


meio de informações e caracterizações da forma e densidade urbana,
transformando em espaço edificado as decisões conceituais a partir de
princípios de sustentabilidade urbana e regional, amparado pela gama de
informações e ferramentas tecnológicas para o monitoramento, controle e
proposição de cenários urbanos futuros. Capacitar o arquiteto urbanista para o
embate técnico entre a gestão urbana, as legislações (muitas das quais
desatualizadas ou equivocadas), frente aos interesses especulativos de atores
econômicos e à sociedade (e sua diversidade de demanda e necessidades), é
parte do caminho para se mudar a forma de se fazer cidades no Brasil e América
Latina. Nesse âmbito, a densidade urbana, a forma, os processos de dispersão e
verticalização exacerbados, são elementos que, se bem amparados por critérios
de análises multiescalares e multivariáveis, podem definir alterações na
morfologia das cidades a partir de novos marcos legais, mais voltados para a
escala do pedestre e para os critérios de sustentabilidade urbana. Se primeiro
moldamos as cidades, para que depois elas moldem as pessoas, como cita Jan
Gehl, a Arquitetura e o Urbanismo devem ser atores diretos na reabilitação de
comunidades (e de sociedades) fragmentadas e em crescente conflito.

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