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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CORRIDA POR TRABALHO:


Identidades sociais no serviço de mototáxi em Goiânia

Marina Lemes Landeiro

Goiânia
2008
II

Marina Lemes Landeiro

CORRIDA POR TRABALHO:


Identidades sociais no serviço de mototáxi em Goiânia

Monografia (Trabalho de conclusão


de curso) apresentada à Universidade
Federal de Goiás como requisito
parcial para a obtenção do título de
graduada em Ciências Sociais, sob a
orientação do Professor Jordão Horta
Nunes.

Goiânia
2008
III

Marina Lemes Landeiro

CORRIDA POR TRABALHO:


Identidades sociais no serviço de mototáxi em Goiânia

Monografia (Trabalho de conclusão


de curso) apresentada à Universidade
Federal de Goiás como requisito
parcial para a obtenção do título de
graduada em Ciências Sociais, sob a
orientação do Professor Jordão Horta
Nunes.

Aprovada em, 29 de dezembro de 2008.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________
Revalino Antônio de Freitas - Universidade Federal de Goiás/FCHF/DCS

______________________________________________________________________
Jordão Horta Nunes – Universidade Federal de Goiás/FCHF/DCS
Orientador
IV

Dedico este trabalho:


à minha mãe, Regina,
e ao meu orientador, Jordão.
V

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer minha família que me disponibilizou condições para


estudar, aceitou e confiou em minhas escolhas, suportou meus maus-humores e
estresses. Principalmente gostaria de agradecer minha mãe e minha vó materna, pela
força inacreditável que têm e tiveram diante das dificuldades vividas. Sem elas, com
certeza, não estaria onde estou.
Nos agradecimentos não é possível deixar de lado os companheiros da minha
turma de licenciatura, o “G-8”, especialmente a humildade e as indicações precisas da
Sarah; a solidariedade da Lúbia nos momentos cruciais da iniciação científica; o
estímulo e amizade do Marcos; a criatividade e sensibilidade contagiante do Hyrata e os
questionamentos do Leonardo. E aos meus dedicados professores da licenciatura que
fundamentaram minha formação, Ivanilde e Rabelo pela compreensão e rigor, Revalino
pela incitação e atuação política, e a Mayra pelos créditos confiados.
Vale lembrar, todos os professores que me auxiliaram nessa jornada,
especialmente o professor Pedro Célio e os amigos e colegas de curso que me
acompanharam e me propiciaram ótimas conversas e boas farras, agradeço a: Jaqueline,
Iamanda, Nidilaine, Luanna, Frederico, Bruno, João Luís, Luís Carlos, Maria Clara,
Fillipe, Reinaldo, Carlito, Cassiano, Denise, Tiago.
Sou grata também ao Marcello pelos momentos de distração, companheirismo e
principalmente pelos proveitosos diálogos.
Agradeço aos que se dispuseram a comentar meu trabalho de maneira
construtiva e interessada, excepcionalmente: Lúbia, Nadya Guimarães, Maria da Glória
Bonelli e as professoras do Departamento de Ciências Sociais, Dalva Souza, Cintya
Rodrigues e Maria Luiza.
E finalmente agradeço aos mototaxistas de Goiânia pela receptividade e o fácil
acordo em me ajudarem na realização deste trabalho. Pelas conversas, pelo respeito e
auxílio.
Muito obrigada!
VI

RESUMO

A expansão das atividades de serviços constitui uma das importantes transformações


verificadas no mundo do trabalho do século XX. O setor de serviços é caracterizado por
sua heterogeneidade e por absorver força de trabalho excedente e excluída no mercado.
Duas direções caracterizam o trabalho no setor: uma delas é articulada a serviços
modernos, de alta tecnologia e que exige profissionais qualificados; outra, em
contraposição, emerge como uma perspectiva de sobrevivência e requer pouca
qualificação, como é o caso do serviço de mototáxi. Esta monografia tem origem em
uma pesquisa realizada de agosto de 2007 a setembro de 2008, tendo como objetivo
geral analisar sociologicamente o serviço de mototáxi na região metropolitana de
Goiânia. De modo articulado, identificou-se e analisou-se: 1) as representações sociais
sobre o serviço; 2) a construção do vocabulário de motivos da atividade; 3) a cultura do
trabalho no serviço de mototáxi; 4) a identidade social dos mototaxistas e 5) as
experiências negativas presentes nas trajetórias ocupacionais dos trabalhadores.
Procurou-se o papel de um vocabulário de motivos construído para restabelecer o status
das identidades sociais de trabalhadores que exercem atividades que praticamente não
logram reconhecimento social, bem como analisar como os mototaxistas “negociam”,
contestando as representações sociais negativas relativas ao serviço e como as
experiências negativas no mercado de trabalho interferem na motivação de inserção na
atividade e na construção do vocabulário de motivos.
Palavras-chave: identidade social, vocabulário de motivos, cultura do trabalho,
mototáxi.
VII

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: A PARTIDA.................................................................................. p. 01

1 CRISE DAS IDENTIFICAÇÕES E GESTÃO IDENTITÁRIA: UMA


PONDERAÇÃO TEÓRICA........................................................................................p. 04
1.1 Problematização da teoria do habitus.............................................................p.0 4
1.2 Por uma teoria sociológica da identidade social: fragmentos de identificação e
formas identitárias................................................................................................p.07
1.3 O processo comunicativo e a gestão identitária.............................................p. 12

2 SOCIEDADE DE SERVIÇOS: A ADEQUAÇÃO VIGENTE...........................p. 15


2.1 Trabalho e identidade social...........................................................................p. 15
2.2 Mudanças no mercado de trabalho e possíveis contornos..............................p. 17

3 CULTURA DO TRABALHO E IDENTIDADE SOCIAL NO SERVIÇO DE


MOTOTÁXI EM GOIÂNIA.......................................................................................p. 21
3.1 Corrida por trabalho: o serviço de mototáxi em Goiânia.............................p. 21
3.2 Percurso até eles: a metodologia..................................................................p. 23
3.3 “Dá pra viver, não dá pra ricá”: o perfil social dos informantes...................p.25
3.4 Pilotagem defensiva: o equilíbrio oscilante..................................................p. 29
3.4.1 As representações sociais da atividade.....................................................p. 29
3.4.2 O vocabulário de motivos e as experiências negativas no trabalho...........p.30
3.4.3 Identidade social e cultura do trabalho......................................................p. 40

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................p.49

5 REFERÊNCIAS....................................................................................................p.51

6 ANEXOS
ANEXO A – Questionário da pesquisa
ANEXO B – Roteiro da entrevista da pesquisa
ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido
1

INTRODUÇÃO: A PARTIDA

As mudanças no mercado e nas relações de trabalho trazidas pelo processo que


veio a ser conhecido como “reestruturação produtiva” tornam-se claras. Os avanços
tecnológicos da terceira revolução industrial permitiram economizar força de trabalho
nos setores agropecuário e industrial e ainda aumentar significativamente a produção
correspondente, ocasionando então certa perda de importância relativa desses setores
agropecuário e industrial para o mercado de trabalho (Cf. MELO 1998, e MORAIS,
2006). No entanto, a crescente produção e as consideráveis demandas dos consumidores
possibilitaram a requisição de trabalhadores para suprir as necessidades relativas à
ampliação da produção, incumbidas ao setor de serviços; ainda assim o desemprego é
um fenômeno evidente. A adoção de políticas de cunho liberal aponta para
flexibilizações nas relações de trabalho, surgem formas atípicas de contratação: trabalho
temporário e em tempo parcial, terceirização, subcontratação (LEITE, 2003). Estas
formas expressam as duas principais características do trabalho moderno: a instabilidade
e a precariedade, eminentes nas relações de trabalho.
A expansão das atividades de serviços constitui uma das importantes mudanças
no mundo do trabalho do século XX; o setor de serviços é caracterizado por sua
heterogeneidade e por absorver força de trabalho excedente e excluída no mercado de
trabalho. O desenvolvimento do setor assinala duas direções: umas delas é articulada a
serviços modernos de alta tecnologia e a outra a segmentos tradicionais que demandam
pouca qualificação. Neste sentido, as mudanças do mercado de trabalho, apesar de
serem abrangentes, não atingem a todos de modo equivalente, principalmente afetando
os menos favorecidos socialmente.
São sob essas circunstâncias que trabalhadores com pouca qualificação e baixa
escolaridade acomodam-se em atividades informais e em serviços que exigem pouco em
termos qualificativos. Esses serviços compreendem atividades que, a despeito de sua
importância, são desprivilegiadas e não logram reconhecimento social correspondente,
tais como: serviços de manutenção e reparação, de entrega, limpeza e conservação, de
alimentação, domésticos, de beleza, dentre outros. De modo geral, são serviços
pessoais, ou seja, que atendem à demanda individual.
Apesar de o setor de serviços ser bastante expressivo na economia e no mercado
de trabalho brasileiro, o setor ainda é pouco compreendido pela literatura científica,
2

principalmente no que se refere à sociologia do trabalho, que ainda abrange


principalmente o setor produtivo e as análises quanto à organização do trabalho.
Este trabalho abordará estratégias criadas por trabalhadores para enfrentar os
obstáculos do mercado de trabalho e enfatizará o processo de constituição da identidade
social perante as circunstâncias do mundo do trabalho. Para tanto pesquisa-se o serviço
de mototáxi em Goiânia e tal escolha é justificada: pelo relevo do número de
motocicletas da capital; pelas representações sociais negativas em relação a essa
atividade; pelo entrelaçamento do serviço entre um serviço pessoal e distributivo; pelo
fato de o serviço ter se institucionalizado, amenizando o caráter informal da atividade.
Além disso, considera-se fundamental à análise sociológica a relação entre práticas de
consumo e cultura do trabalho, haja vista que a relação que os consumidores
estabelecem com os prestadores de serviços é impregnada de representações simbólicas
que convergem para a composição da identidade ocupacional e da identidade social dos
trabalhadores.
As pesquisas realizadas sobre o setor de serviços são majoritariamente
quantitativas, na área da economia e, em geral, procuram mapear o setor. Há,
especificamente sobre o serviço de mototáxi, uma dissertação de mestrado (FONSECA,
2005), com o objetivo caracterizar o trabalho de mototáxi como uma “invenção de
mercado” de jovens moradores da favela da Rocinha para se inscreverem
economicamente na comunidade sem estarem diretamente ligados a atividades ilegais
da comunidade, como o tráfico de drogas, bem como obter reconhecimento por
prestarem um serviço socialmente útil à comunidade e a ampliar redes de sociabilidade
dentro e até mesmo fora da comunidade. Fonseca trabalha com variáveis
sociodemográficas relativas aos trabalhadores e analisa a organização da atividade, a
avaliação, pelos próprios mototaxistas, da atividade prestada e a motivação para a
inserção no serviço.
O propósito de analisar sociologicamente o serviço de mototaxistas na região
metropolitana em Goiânia compreende a realização, de forma articulada, das seguintes,
etapas: identificar as representações sociais (Cf. (DOISE, 2001) sobre o serviço;
identificar e analisar a construção do vocabulário de motivos (MILLS, 1970)
relacionado ao serviço; examinar a cultura do trabalho correspondente; analisar a
identidade ocupacional e a identidade social (DUBAR, 2005) dos mototaxistas e
ponderamos sobre as experiências negativas (LAHIRE, 2002) de suas trajetórias
ocupacionais.
3

O primeiro capítulo deste trabalho problematiza a teoria do habitus a partir da


leitura de sociólogos herdeiros do conhecimento de Pierre Bourdieu: Claude Dubar e
Bernard Lahire. Estes autores confrontam a teoria de Bourdieu por não admitirem que o
habitus seja homogêneo o bastante para possibilitar uma visão matemática da realidade
social. Sob essa visão e considerando a complexificação da sociedade Dubar aponta
para uma crise das identificações e Lahire para a existência de um “homem plural”.
Diante da fragilidade das categorias de identificação, das divergências na constituição
identitária e da desestabilização das instâncias de referência, meio aos diversos
processos de socialização e multipertencimento, o gerenciamento das identidades torna-
se mais intenso. Finalmente recorre-se a autores como Wright Mills, Anselm Strauss,
além de Claude Dubar, que enfatizam a linguagem nas análises sociológicas, pois esta
direciona as ações humanas. Afinal, por intermédio de processos comunicativos os
indivíduos partilham julgamentos e avaliações que permitem a auto-avaliação e
considerações sobre o significado do passado e as perspectivas para o futuro, além de
assinalar elementos constitutivos da identidade social.
No segundo capítulo, “Sociedade de serviços: a adequação vigente”, discute-se a
centralidade ou não do trabalho, contextualizando assim a questão da identidade social
no trabalho. Destaca-se a importância de articular estes dois aspectos em um contexto
social e econômico “em crise”, como salienta Dubar, já que o trabalho é que une a
dimensão social à dimensão econômica. O ponto de partida são as modificações do
mundo do trabalho que, por sua vez estão atreladas ao fenômeno da mundialização e são
acompanhadas por políticas de cunho liberal. No entanto, prioriza-se a expansão das
atividades de serviços e o crescimento do setor informal da economia, já que estas duas
características são evidentes na cidade de Goiânia e nas atividades de mototáxi.
O terceiro capítulo, “Cultura do trabalho e identidade social no serviço de
mototáxi em Goiânia”, recorre preponderantemente à pesquisa empírica realizada, após
uma introdução em que se contextualiza o serviço de mototáxi em Goiânia e se expõe a
metodologia adotada na pesquisa. A seguir analisa-se o perfil social dos informantes, as
representações sociais e o vocabulário de motivos da atividade. A análise da
constituição da identidade social e da cultura do trabalho no serviço de mototáxi em
Goiânia encerra o capítulo.
Algumas observações finais encerram a monografia, compreendendo uma breve
avaliação da pesquisa realizada e propondo temas ou orientações para outras
investigações ou trabalhos correlatos.
4

1 CRISE DAS IDENTIFICAÇÕES E GESTÃO IDENTITÁRIA: UMA


PONDERAÇÃO TEÓRICA

1.1 Problematização da teoria do habitus

Certa vez1 Pierre Bourdieu afirmou que se tivesse que caracterizar seu trabalho
em duas palavras ele falaria: estruturalismo construtivista ou construtivismo
estruturalista. A base estruturalista presente nas obras de Bourdieu advém das tradições
saussuriana e lévi-straussiana que concebem a existência de estruturas sociais objetivas
que independem dos indivíduos, ainda assim a partir da influência da base construtivista
considera que os modos de agir, pensar e sentir dos indivíduos são cunhados
socialmente. A admissão da relação dialética do social nesta perspectiva demonstra o
esforço teórico de Bourdieu para superar a oposição entre sociedade e indivíduo e
objetividade e subjetividade. Esta visão é que direciona o pensamento sociológico de
Bourdieu e é também o que pretendo tratar aqui do ponto de vista da teoria do habitus e
das considerações recentes feitas por alguns autores, como Bernard Lahire e Claude
Dubar, sobre a teorização de Bourdieu. Para tanto começarei com uma apresentação
dos conceitos básicos de Bourdieu para a teoria do habitus para depois apresentar
algumas ressalvas e críticas quanto sua teorização.
O conceito de “espaço social” de Bourdieu é para mim uma boa maneira de
iniciar a explicitação da teoria do habitus. O espaço social é construído em cada
momento histórico por princípios de diferenciação social e trata-se de um conjunto de
posições sociais que coexistem e são relativas umas às outras (perspectiva relacional e
estruturalista); por meio deste conceito é possível visualizar as disposições físicas de
cada grupo no espaço social. Por sua vez, a posição social é caracterizada pela
quantidade que cada indivíduo possui de “capital cultural” e “capital econômico”2, o
primeiro refere às qualidades intelectuais produzidas e transmitidas no processo da
socialização e o segundo pelos bens econômicos que cada um tem, sendo que um pode
converter no outro. A transposição dos dois capitais exprime o capital global, dá base

1
Em uma conferência proferida na Universidade de San Diego, 1986 (BOURDIEU, 1990).
2
Existem ainda o “capital social” referente aos relacionamentos sociais que cada um logra e os
pertencimentos a grupos; o “capital político” fundamenta grupos que podem ser capazes de manipular as
estruturas objetivas da vida social e o “capital simbólico” diz das capacidades de persuadir os outros
indivíduos a uma determinada visão de mundo (BOURDIEU, 1998)
5

aos princípios de diferenciação e determina às distâncias sociais. O espaço social


demarca a relação de homologia entre o habitus incorporado e as posições sociais, ou
seja, para cada valor da categoria de posição representada no espaço social existe um
valor correspondente ao habitus. Quanto mais díspares forem os habitus de um grupo
social em relação a outro, maior será a distância física entre eles no espaço social
(BOURDIEU, 2007).
O espaço social é estruturado pelo “campo”, caracterizado pela distribuição
desigual, dos diversos tipos de capital e é composto por agentes e instituições que se
empenham em defender seus interesses com o intuito de obter ganhos que estão em jogo
no campo; por isso seu caráter conflitante. O campo manifesta as relações de poder e de
dominação presentes nas relações sociais.
Na teoria do habitus cada posição social remete a um habitus específico; o
habitus por sua vez, refere-se à lógica dos espaços simbólicos, à fórmula geradora de
princípios e práticas classificadas e classificadoras, dos gostos, propensões e aptidões
dum determinado grupo social. O habitus demarca um sistema de disposições duráveis e
transferíveis. Neste sentido o habitus consiste em um princípio criador e unificador de
práticas e representações, um estilo de vida ligado às condições de existência dum
determinado grupo social. Esta teoria considera que, se são idênticas ou homólogas as
condições objetivas e as estruturas sobre as quais se desenvolve o habitus, ao indivíduo
concerne invariavelmente a reprodução do habitus, já que a socialização funciona como
regulação básica para condicionar coerentemente o indivíduo (BOURDIEU, 1998).
Claude Dubar é herdeiro do conhecimento sociológico de Bourdieu e, em sua
leitura, o mestre francês realiza uma dupla redução na tentativa de superar as clássicas
oposições da teoria sociológica – sociedade/indivíduo e objetivo/subjetivo. A
objetividade social é representada pelas condições objetivas que produzem o habitus,
que por sua vez está associado a uma posição social (relativa); já a subjetividade social
demarca a tendência, de propagar o habitus e assegurar à permanência das identidades
individuais, reproduzindo assim as estruturas sociais. A dupla redução expressa na
teorização de Bourdieu demarca a relação dialética entre as oposições clássicas com
base no modo com que a as condições objetivas são interiorizadas e o modo com que as
disposições subjetivas são exteriorizadas. Esta concepção está no cerne da teoria do
habitus haja vista que este funciona ora como produtor de práticas sociais ora como
resultado de práticas sociais interiorizadas.
6

No livro A socialização Dubar faz uma reconstrução das teorias da socialização


que, segundo ele, praticamente acompanham as grandes teorias das ciências sociais e a
partir de então questiona a dupla redução de Bourdieu por privilegiar um processo de
socialização homogêneo e coerente, e ainda relacionar a socialização primária à
socialização secundária de modo que a reprodução social permaneça.
Claude Dubar propõe ao invés da dupla redução uma dupla articulação entre a
objetividade social e a subjetividade social. A primeira articulação, entre trajetória e
sistema, opõe-se à equivalência entre posições sociais e mecanismos de reprodução do
habitus, haja vista a dinamicidade das trajetórias sociais, que funcionam como recurso
subjetivo e estratégico de balanço de capacidades individuais meio as provações do
sistema. A segunda articulação é entre trajetória e estratégia e opõe-se à equivalência
entre passado e visão de futuro, ou seja, entre trajetória objetiva anterior e estratégia
subjetiva construída a partir da leitura interpretativa da trajetória passada e das
expectativas perante o futuro.
Já Bourdieu julga que o processo de socialização pressupõe uma relação
probabilística, uma causalidade entre passado e presente. Entretanto, quanto mais
complexo for o processo socializante, menor a possibilidade de a causalidade obter
êxito e das correlações obterem significância. A perspectiva adotada neste capítulo
confronta esta visão matemática da realidade social e é afirmada por autores como
Dubar e Lahire, que não admitem que o habitus seja homogêneo o bastante a ponto de
ser possível analisá-lo com base em atributos como coerência e lógica, como propõe a
teoria originária do habitus. Assim, a concepção de habitus torna-se muito mais
construtivista e dependente de outros fatores subjetivos. Críticas como estas fizeram
com que Bourdieu, em suas últimas obras, aprimorasse e enfatizasse em sua teoria que o
habitus é também um princípio ativo, portanto não é eminentemente passivo perante as
práticas sociais.
Em Homem Plural Lahire propõe um quadro reflexivo que contesta o privilégio
da homogeneidade e da coerência das organizações societárias, contrariando o princípio
unificador das práticas sociais. O autor defende que a definição do habitus, “sistema
homogêneo de disposições gerais, permanentes e transferíveis de uma situação a outra”
cabe apenas para sociedades bastante homogêneas e com grau considerável de coesão
nos esquemas socializadores. Neste sentido, a definição de habitus não cabe nas
sociedades em que os esquemas socializantes são tão diversificados e cada vez mais
precoces, pois as disposições incorporadas não seriam tão homogêneas e coerentes.
7

Ao atentar para a multiplicidade e diversidade das disposições incorporadas,


Lahire sustenta a existência do homem plural – produto de uma trajetória com diversas
experiências de socialização em múltiplos contextos sociais e membro de universos
sociais variados e em posições diferentes (2002). A concepção adotada por Lahire
contesta as limitações teóricas que tendem a encobrir a totalidade da vida social, à
medida que universalizam achados científicos e ignoram as particularidades do real ao
assumir um ponto de vista.
Presume-se então que a teoria do habitus tem sérias limitações na atualidade, as
instâncias de socialização não se restringem mais somente à família e a escola, o contato
das crianças com outras instâncias e agentes – creches, babás – é cada vez mais
crescente e fragmentado, ou seja, o processo da socialização cada vez mais se
complexifica e se distância da homogeneidade que Bourdieu pensava. Além do mais,
intrínseca à formação do habitus está à identidade social, que não pode ser pensada
apenas a partir das estruturas sociais, mas deve também estar à parte das
particularidades de cada indivíduo e de suas trajetórias, que são ao mesmo tempo
condicionadas socialmente e construídas individualmente.

1.2 Por uma teoria sociológica da identidade social: fragmentos de identificação e


formas identitárias

O conceito de habitus de Bourdieu está, na leitura de Lahire, associado a uma


visão invariável da identidade, bem como o sentido de identidade é utilizado usualmente
no discurso comum – relacionado à identidade pessoal e associado a características
próprias e particulares que exprimem a singularidade duma pessoa: nome,
nacionalidade, idade, profissão dentre outros. Esta concepção essencialista acerca da
identidade enuncia a crença no caráter estável e unificado da identidade pessoal e
praticamente impõe a imutabilidade a uma pessoa.
O “mito da identidade invariável” esteve e ainda está bem fundamentado
socialmente. Atributos pessoais relacionados à inconstância, à infidelidade, não são bem
vistos na vida social, enquanto características ligadas à unicidade identitária –
fidelidade, permanência em um ideal – são valorizadas e podem resultar em ganhos
morais e simbólicos significativos (LAHIRE, 2002).
8

Em contraposição a esta visão essencialista está a concepção que considera a


existência concreta do homem plural, como há pouco fora explicitada. O homem plural
reflete os fragmentos de identificação e fraccionamento das identidades pessoais na
atualidade; no entanto, para Lahire não estamos diante duma pulverização das
identidades, haja vista que algumas instituições sociais tratam de certificar a unicidade
individual como no caso do nome, sobrenome, RG, CPF, carteira de trabalho, carteira
de habilitação, endereço, currículo, dentre outros.
Já Claude Dubar aponta, em A crise das identidades3, que estamos diante de uma
crise das identificações (2006); assim, as categorias que evidenciam a identificação de si
e dos outros mostram-se frágeis, devido à desestabilização das instâncias de referência,
meio aos diversos processos de socialização e multipertencimento. A dimensão da crise
das identificações perpassa pelas profundas mutações das relações de gênero, da
instituição familiar e do trabalho e emprego ocorridas ao longo do século passado. A
crise das identificações pode ser caracterizada por demarcar a diluição dos referenciais
de identificação e fraturas nos vínculos sociais; essas fraturas estão presentes nas
relações pessoais estabelecidas no cotidiano – familiares, profissionais, de proximidade
– “ser deixado pelo cônjuge, ser despedido pelo patrão, não ser cumprimentado pelo
vizinho, ser maltratado pela administração” (DUBAR, 2006, p. 14).
Para defender a tese da crise das identidades Dubar analisa e ilustra as dinâmicas
históricas da identidade pessoal. Ao distinguir as modalidades da construção de
categorias de identificação, capta as maneiras típicas de identificação de indivíduos no
decorrer da história, denominadas “formas sociais típicas” – maneiras típicas de
identificar e designar os outros e a si mesmo, em um determinado momento histórico.
As “formas identitárias” são constituídas a partir do processo de identificação:
transações relacionais (comunitárias e societárias) e transações biográficas (para outrem
e para si). As formas comunitárias remetem a expectativas de comportamentos vindas
dos valores partilhados por um determinado grupo em que cada um se sente pertencente
ao grupo e tem sua posição assegurada no mesmo (eixo relacional). As formas
societárias dizem das múltiplas pertenças ao longo da vida e do respeito às regras
societárias, já que as adesões são subjetivas e voluntárias, portanto logram legitimidade
subjetiva (eixo biográfico). Tanto a forma comunitária quanto a forma societária

3
Dubar faz restrições à utilização do termo “identidade” já que este tende a ser visto de forma a-histórica
e ambígua, no entanto o autor afirma não ter encontrado um termo que melhor sintetizasse a problemática
abordada no livro e era uma maneira de prosseguir e formalizar o seu conceito de “formas identitárias”.
9

funcionam aqui como tipos ideais, na realidade essas duas formas sociais se misturam e
até confundem-se. A abordagem sociológica das identidades sociais proposta por Dubar
será desenvolvida a seguir, por hora basta mencionar que Dubar admite como ponto
central para a construção das identidades a articulação dessas duas transações –
relacional e biográfica. Trata-se da dupla identificação, para si e para o outro,
desenvolvidas nas relações entre si próprio e o outro daí a interdependência das formas
de identidades e das formas de alteridade4.
Dubar questiona a existência de um movimento histórico que propicia a
mudança de um modo de identificação para outro, presume-se então que são
interligadas as transformações sociais e as transformações de identidade. A partir desta
hipótese Dubar utiliza clássicos da literatura das ciências sociais, na tentativa de captar a
maneira como emergem figuras identitárias típicas e significativas em um dado
momento histórico. Para tanto analisa três processos susceptíveis de modificação de
modos de identificação: o Processo Civilizador de Norbert Elias, que assinala a noção
de identidade “Nós-Eu”; o Processo de Racionalização de Weber que marca a passagem
da formas coletivas a formas individuais de identificação e o Processo de Libertação de
Marx e Engels, em que se defende um processo revolucionário nas relações de
dominação e a passagem das sociedades comunitárias pré-capitalistas as sociedades
comunistas pós-capitalistas.
A complexificação das formas societárias e diversificações das disposições
incorporadas têm como conseqüência múltiplas formas identitárias e formas de
alteridade. Diante deste panorama, tanto a posição adotada por Dubar quanto por Lahire
acerca da teoria do habitus remetem à relevância dos aspectos da vida pessoal para as
análises sociológicas. Na tentativa de apreender as tensões constitutivas dos processos
identitários, Dubar estima as subjetividades nos processos sociais vivenciados e teoriza
sobre a identidade social dos indivíduos. Já Lahire, influenciado pela psicanálise e
preocupado com as singularidades da vida social, visa o âmago, aspira mais fundo -
uma Sociologia Psicológica, que discorra sobre as experiências negativas, atos de
recalque, atos de repressão dos indivíduos.
A partir da reconstrução teórica presente no livro A socialização Dubar ressalta
o caráter social das identidades, que tradicionalmente são tratadas como fenômenos

4
Tomás Tadeu da Silva afirma que a identidade depende da diferença e vice e versa, nem uma nem a
outra são autônomas, ou seja, não podem ser concebidas por si só. A afirmação de uma identidade, como
ato lingüístico, expressa uma sucessão de identidades descartadas em um sistema simbólico em que estão
envolvidas relações de poder (2000).
10

psicológicos ou culturais5. Na reconstrução Dubar busca elementos em autores


(Goffman, Bourdieu e Schutz) que trabalham o ajuste entre o conceito de identidade a
um processo comum a todos, a socialização. Dubar considera que a socialização não
pode se restringir somente ao desenvolvimento das crianças (Piaget); ao aprendizado da
cultura (Mead, Benedict e Linton); nem mesmo pela incorporação dum habitus
(Bourdieu) ou à construção da realidade social (Berger e Luckmann). A socialização
abarca todos esses aspectos, no entanto o indivíduo torna-se ator na medida em que o
mundo construído pode ser também destruído e reconstruído através dos recursos
lingüísticos utilizados nas experiências sociais. A realidade subjetiva e o mundo vivido
podem transformar-se, as operações cognitivas, afetivas e estratégicas apreendidas
possibilitam a (re)construção de identidades (2005).
A identidade social é então concebida, nesta teoria, como o “resultado ao mesmo
tempo provisório e estável, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e
estrutural dos vários processos de socialização que ao mesmo tempo constrói indivíduos
e definem instituições” (DUBAR, 2005, p.136).
A ambigüidade conceitual do termo identidade justifica e corrobora o
aperfeiçoamento do termo para formas identitárias, dimensões da identidade pessoal,
que remetem aos aspectos identitários presentes nas diversas instâncias da vida social:
família, sexualidade, trabalho, política, religião, relações institucionais dentre outros.
Cada instância da vida social de um indivíduo trata de uma fração das formas
identitárias, que se constituem pela articulação de dois processos: em um o ator define-
se diante da estrutura de sua ação e no outro pela sua formação. O processo relacional
está associado à definição de situação e ao contexto de ação (“identidade para o outro”),
o processo biográfico está ligado às experiências de vida e a uma trajetória subjetiva
interpretada (“identidade para si”).
A identidade para o outro é atribuída pelos outros em um dado contexto histórico
e resulta das relações de forças que compõem o sistema de ação; por isso deve ser
analisada a partir das interações existentes neste sistema – interações entre agentes e

5
Stuart Hall afirma que a identidade nacional é indispensável para a construção da identidade cultural de
um país e que estas identidades são constituídas por meio dos sistemas de representação cultural –
discursos – que influenciam a ação dos indivíduos e produzem sentimentos. Os discursos demarcam as
diferenças nacionais e a disputa por poder. Já Renato Ortiz, representante brasileiro da sociologia da
cultura, defende que a identidade de um país está entrelaçada à cultura nacional do mesmo. A identidade
nacional se constitui de uma pluralidade de identidades com diferentes níveis de poder, é resultado,
portanto de uma construção simbólica.
11

instituições. De outro lado, esta forma de identificação considera as instituições


legitimas para as identificações e resulta da transação objetiva entre as identidades
atribuídas – propostas e as identidades assumidas – incorporadas. Este resultado é o que
Goffman denomina “identidades sociais virtuais” (1998).
Já as identidades para si são reivindicada pelos próprios atores no espaço social e
representam a incorporação de traços institucionalmente fixados, por isso deve ser
analisada através das trajetórias sociais construídas e vivenciada pelos atores. Esta
forma de identificação considera as categorias com grau considerável de legitimidade
subjetiva, gerando uma identidade que resulta da transação subjetiva entre as
identidades herdadas e as identidades visadas. Este resultado é o que Goffman
denomina “identidades sociais reais” 6 (1998).
A divisão do eu presente na articulação desses dois processos constituintes das
formas identitárias exprime a objetividade e a subjetividade presente na realidade social
e pode ser percebida nos mecanismos de identificação definidos por Dubar. Os “atos de
atribuição” compõem a identidade para o outro e demarcam a definição de quem o ator
é – nome, escolaridade, qualificação e os “atos de pertencimento” compõem a
identidade para si e exprimem o desejo de quem o ator deseja ser. Costumes e hábitos
podem significar identidades herdadas, as identidades assumidas dizem das pertenças a
grupos como sindicatos, filiação partidária, vínculos institucionais.
A constituição identitária é dual, composta pela articulação do processo
relacional e do processo biográfico; entretanto nem sempre estes dois processos
convergem, ou seja, a identidade para o outro pode não corresponder à identidade para
si ou vice e versa. Ainda assim uma depende da outra quanto ao reconhecimento social;
as duas identidades são ligadas e não se separam, pois as formas identitárias são
construídas a partir dos sucessivos processos de socialização e dos julgamentos de
outrem. Da mesma forma Strauss ilustra com a metáfora dos espelhos e máscaras que a
identidade está relacionada com as avaliações coletivas, que os outros fazem e nós
mesmos fazemos:

6
A categorização segundo atributos pessoais é constante no processo comunicativo e serve como
referência para o que é considerado normal. As antecipações e expectativas – demandas normativas
apresentadas – que temos do que uma pessoa é, é denominado identidade social virtual, o que realmente a
pessoa vem a ser é denominado identidade social real. Goffman teoriza sobre o fosso entre essas duas
identidades e conceitua esta lacuna existente como “estigma”.
12

Toda pessoa se apresenta aos outros e a si mesma, e se vê nos espelhos dos julgamentos que eles
fazem dela. As máscaras que ela exibe então e depois ao mundo e a seus habitantes são
moldados de acordo com o que ela consegue antecipar de seus julgamentos. Os outros se
apresentam também, usam as suas próprias marcas de máscara e, por sua vez, são avaliados
(1999, p. 29).

A dualidade do processo identitário é, portanto problemática, pois as


identificações atribuídas pelos outros podem não estar de acordo com as identificações
reivindicadas, desdobrando-se, no eixo relacional, para as cooperações
7
(reconhecimento) ou os conflitos (não reconhecimento) , no plano biográfico para as
continuidades (reprodução) ou para as rupturas (produção). A partir das divergências
das identidades surgem as estratégias identitárias na tentativa de abrandar estes
desacordos.

1.3 O processo comunicativo e a gestão identitária

A crise das identificações referida por Dubar remete a instâncias sociais e


pessoais. Diante dessas circunstâncias a gestão individual das identificações e os tipos
de designação encontram-se comprometidos, dados o contexto de incertezas quanto ao
futuro e o embaraço da construção de novas formas sociais típicas. As complicações
entre a crise das identificações e o gerenciamento das identidades tornam-se ainda mais
intensas quando pensadas meio aos diversos processos de negociação presentes na vida
social, em que interesses e valores significativamente divergem e contrastam.
Ainda assim, cada indivíduo deve gerir e planejar as identificações na vida
cotidiana conforme os recursos de identidades – arcabouço lingüístico – apreendidos no
decorrer da vida social: capacidades relacionais, aprendizado das experiências
anteriores, referências biográficas, adaptações quanto às cooperações e conflitos dentre
outros. As estratégias podem planar pelas transações externas, em que o intuito é
adaptar a identidade para si à identidade para o outro, ou pelas transações internas, onde

7
A luta por reconhecimento toma corpo no cenário político no fim do século XX, quando a sociedade
civil logra das primeiras políticas afirmativas, graças às pressões exercidas nas instituições políticas e
sociais quanto ao reconhecimento das diferenças. Enquanto as políticas afirmativas lutam pelo
reconhecimento social, as políticas de transformação, mais comuns, lutam pelas redistribuições sociais de
bens e serviços (FRASER, 2001). Por sua vez Axel Honneth também teoriza sobre a luta por
reconhecimento, considerando as influências negativas do não reconhecimento no plano da vida prática,
ou seja, as conseqüências na identidade pessoal (HONNETH, 2003).
13

o intuito é construir novas identidades para si, mas resguardando as identidades


herdadas.
Alguns autores como Mead, Strauss, Habermas, Dubar, além de outros
consideram a linguagem imprescindível as análises sociológicas, a abordagem
lingüística do comportamento humano tem precedentes na sociologia de Writght Mills,
que considera que uma das funções sociais da linguagem é ordenar as ações humanas.
Anselm Strauss considera que a linguagem deve ser central nas discussões sobre
a identidade e deve estar intrinsecamente relacionada aos comportamentos humanos;
afinal de contas é através dos processos comunicativos que os indivíduos partilham
julgamentos e avaliações que permitam a auto-avaliação, um ponderamento – sobre o
significado do passado e as perspectivas para o futuro. A auto-avaliação produz novos
valores e orienta às ações para as decisões futuras. Ou seja, a linguagem é
intrinsecamente ligada ao tempo; usá-la é relacionar passado, presente e futuro e
considerar o tempo como categoria processual.
Por meio da linguagem é possível definir, conhecer e localizar o eu e os outros;
com base nesse conhecimento apreendido por meio das comunicações o indivíduo
adquire um vocabulário e um conjunto de expectativas que indicam o modo como se
portar diante de uma situação na qual ele reconhece pessoas e coisas presentes. Ou seja,
a linguagem também orienta as ações humanas. Isso só é possível porque a linguagem é
compartilhada por todos e, portanto, utiliza instrumentos de comunicação que permitem
a definição de pessoas e coisas. A nomeação, por exemplo, “é um ato de colocação ou
de classificação – do eu e dos outros. Em tais colocações está implícita a avaliação das
pessoas e de seus atos” (STRAUSS, 1999, p. 31). A nomeação é contínua, pois as novas
situações pressionam constantemente os indivíduos a organizar um referencial
simbólico que supra, na medida possível, as necessidades situacionais vivenciadas pelos
indivíduos.
A identificação ou nomeação constitui-se por uma dupla operação lingüística:
diferenciação e nomeação. A primeira ao contrapor as diferenças define a singularidade
de uma coisa ou indivíduo; a segunda define a coisa ou indivíduo a partir duma
categoria de elementos comuns. Estas operações lingüísticas designam tanto o que é
característico bem como o que é partilhado a uma coisa ou indivíduo (DUBAR, 2006, p.
8-9).
As novas situações vivenciadas produzem novos conhecimentos e, portanto,
novas identificações, novos valores e expectativas. A relação indissociável entre as
14

experiências vivenciadas e as classificações demarca a permanência contínua das


(re)definições no decorrer da vida social de um indivíduo; assim, as identificações
funcionam como orientações simbólicas.
Mills propõe um modelo analítico para explicitar as motivações humanas no
interior das ações sociais: as motivações tratam de significar as ações para si próprio e
para os outros, a concepção do modelo considera que os motivos têm funções
verificáveis em algumas situações sociais, portanto podem ser analisados socialmente.
O “vocabulário de motivos” expõe-se diante de situações típicas de negociação
identitária em que o indivíduo, ao interpretar os comportamentos sente-se confrontado e
age por antecipação, diante de expectativas presumidas. Os vocabulários de motivos
têm como função social justificar ações sociais (MILLS, 1970).
O modelo analítico para análise social dos motivos proposto por Mills pretende
apreender qual a função social dos discursos nas ações sociais. O modelo deve
identificar as condições gerais que a motivação aparece; captar e caracterizar os padrões
de exposição de motivos e então vincular os vocabulários de motivos ao sistema de ação
(MILLS, 1970, p. 472).
O foco na linguagem empregado por Strauss e Mills contribui para discussão
aqui proposta sobre as identidades sociais. Cada qual à sua maneira, os dois admitem
que a linguagem e o comportamento humano estão intrinsecamente ligados. Strauss
afirma que as novas vivências ocasionam, possivelmente, novas avaliações e valores, ou
seja, novas identificações e nomeações. Por sua vez Mills, influenciado pela sociologia
psicológica, privilegia as análises de situações que envolvem negociações identitárias
típicas, mais ou menos conflitantes, em que um indivíduo se sente ameaçado pelo outro
e então reage por antecipação, fazendo uso do vocabulário dos motivos como suporte
identitário para essas situações.
15

2 SOCIEDADE DE SERVIÇOS: A ADEQUAÇÃO VIGENTE

2.1 Trabalho e identidade social

A identidade relativa ao trabalho era considerada por Claude Dubar (2005)


central na vida societária e na composição da identidade, no entanto essa concepção fora
abalada e transformada tendo em vista as recentes mudanças ocorridas no mundo do
trabalho, como por exemplo, as altas taxas de desemprego. Se uma parcela significativa
da sociedade não está entre os que ocupam vínculos empregatícios estariam desprovidos
de identidade social ou com um sério déficit identitário devido a essas condições?
Seriam estigmatizados? Além do desemprego existem outras mudanças no mundo do
trabalho que contribuem para desarticular a concepção da centralidade do trabalho como
os empregos temporários, empregos em tempos parciais, trabalhos informais. Se o
tempo de vida de um indivíduo não mais pode ser ocupado majoritariamente pelo tempo
em que trabalha como pode a identificação relativa a uma ocupação vigorar?
Ainda que as relações de trabalho possam não ser mais centrais às análises
sociológicas, como defende, por exemplo, a sociologia do trabalho de fundamentação
marxista, o trabalho deve ser tratado com cuidado e considerando a realidade que o
envolve. Destaco aqui que o sociólogo francês Claude Dubar teorizou sobre as
mudanças no mundo do trabalho no contexto de seu país. A França, em comparação
com o Brasil, desenvolvia, desde a década de 1970, políticas públicas de maior
abrangência, que privilegiam a seguridade social, como por exemplo, o seguro
desemprego, na tentativa de suavizar os efeitos das alterações do mercado de trabalho.
(Cf. CASTEL e DUBAR).
Mesmo que cada país tenha suas especificidades é notória a angústia dos
indivíduos diante das instabilidades relativas ao trabalho; assim, mesmo no contexto de
economia globalizada o trabalho continua a assumir papel importante para a
constituição da identidade social. Afinal, as mudanças na vida social dos indivíduos,
como a utilização de benefícios sociais, o assentimento de trabalhos atípicos, ou mesmo
a ocupação do tempo com outras atividades, decorrem das influências do mercado de
trabalho. Segundo Dubar,
16

entre as múltiplas dimensões da identidade dos indivíduos, a dimensão profissional adquiriu uma
importância particular. Por ter se tornado um bem raro, o emprego condiciona a construção das
identidades sociais, por passar por mudanças impressionantes, o trabalho obriga a
transformações delicadas; por acompanhar cada vez mais todas as modificações do trabalho e do
emprego, a formação intervém nas dinâmicas identitárias por muito tempo além do período
escolar (2005).

Dubar considera que o contexto social e econômico da atualidade está em crise e


perante esta situação os indivíduos não passam ilesos, pois é o trabalho que une a
dimensão social à dimensão econômica. Além disso, o trabalho não pode ser entendido
de modo “estatuário”, ou seja, dentro de um sistema instituído hierarquicamente e sem
parâmetros subjetivos. Afinal de contas, por meio do trabalho é possível obter
reconhecimento social, embasar a constituição da identidade social, enquanto que as
experiências negativas no trabalho podem significar um sofrimento íntimo, um déficit
na auto-estima e ainda fissuras nos laços sociais.
Neste sentido, nota-se que as análises acerca do trabalho ou do não trabalho
devem considerar todas as instâncias sociais e existenciais que o indivíduo está ou
esteve envolvido, bem como o seu não envolvimento (família, educação, religião,
política, lazer, qualificação, grupo de amigos, dentre outros). A maneira com que os
indivíduos trabalham intimamente essas vivências e adequam-se às novas circunstâncias
indicam também um elemento da realidade social referente ao trabalho e aos possíveis
entremeios com outras instâncias sociais. Vera Telles, por exemplo, ao ter em vista os
efeitos das mudanças do trabalho chama a atenção para a estratégia de deslocamento de
referências subjetivas para ressituar o trabalho no mundo social (TELLES, 2006).
A complexificação da sociedade e a fragmentação das identidades pessoais estão
articuladas com a adaptação dos indivíduos perante as configurações do mundo do
trabalho, bem com as novas expectativas que, com certeza, não correspondem
harmoniosamente aos ideais do trabalhador assalariado, regular e contratado. Portanto,
para refletir sobre a centralidade ou não do trabalho é preciso entender que o trabalho
mudou e não tem mais o mesmo significado para as pessoas, assim sua disposição
diante da definição de si e dos outros assume outra postura, ainda importante, mas não
propriamente principal.
17

2.2 Mudanças do mercado de trabalho e possíveis contornos

As mudanças no mercado de trabalho são delineadas a partir dos avanços


tecnológicos da terceira revolução industrial, que por sua vez possibilitaram o aumento
da produção agropecuária e industrial e conseqüentemente a economia de força de
trabalho, provocando: a) a expulsão de trabalhadores do meio rural e industrial; b) a
requisição de novos trabalhadores para suprir as necessidades relativas à ampliação da
produção, como a distribuição, o transporte, a venda e consumo de produtos, incumbido
ao setor de serviços. Tais transformações acarretam o crescimento do setor terciário e é
possível caracterizá-lo como pela absorção da mão de obra excedente e excluída no
mercado, e a perda da importância relativa do setor agropecuário e industrial para o
mercado de trabalho (Cf. MELO 1998 e MORAIS, 2006).
As modificações do mundo do trabalho estão atreladas ao fenômeno da
mundialização e são acompanhadas por políticas de cunho liberal (afastamento do
Estado na regulação dos mercados, mercado auto-ajustável, liberalização dos mercados
financeiros, acirramento da competição entre mercados). Esse novo arranjo social
expresso pela produção flexível aponta para inúmeras implicações no mundo do
trabalho tais como: o aumento do desemprego; as flexibilizações e precarizações das
relações de trabalho; o rebaixamento salarial; a redução de direitos trabalhistas; a
terceirização; o crescimento de formas atípicas de contratação (trabalho temporário e
em tempo parcial); a subcontratação; o inchaço do setor de serviços; o crescimento do
trabalho informal; desarticulação das representações sindicais, dentre outras. E também
mais e novas prescrições ao perfil de trabalhador almejado, como caráter dinâmico,
polivalente, competitivo, autônomo, empreendedor, flexível, assim como a incitação a
formação e ampliação de competências (LEITE, 2003).
Nota-se que as mudanças que operam na economia relativas aos novos
paradigmas do capitalismo atingem diretamente os trabalhadores e confluem para novas
incertezas e vulnerabilidades sociais, assim como para o aumento das disparidades
sócio-econômicas.
Esta pesquisa considera as singularidades da capital goiana e por isso admite
como pressupostos essenciais as seguintes mudanças no mundo do trabalho: a expansão
das atividades de serviços e o crescimento do setor informal. O processo produtivo se
desenvolve de acordo com as exigências e diversificações dos consumidores; assim os
produtos deixam de ser padronizados e produzidos em massa para atender demandas
18

especificas dos consumidores cada vez mais exigentes. Portanto, o setor de serviços e a
informalidade emergem com a intensificação do processo de industrialização e
complexificação da sociedade e é demarcado pela heterogeneidade e especialização das
atividades prestadas.
Estes pressupostos explicitam caracterizações das mudanças no mundo do
trabalho, como o declínio do trabalho assalariado e, por conseguinte o aumento das
atividades não assalariadas, principalmente em ocupações de baixa qualificação, além
de trabalhos sem carteira assinada em empresas de menor porte (MORAIS, 2006).
Cada qual de sua forma (serviços e informalidade) demarcam possibilidades imperativas
de inserção sócio-econômica no tecido social. O setor de serviços assinala duas
direções: uma delas é articulada a serviços modernos, de alta tecnologia e que exige
profissionais qualificados a outra, e em contraposição, emerge como uma perspectiva de
sobrevivência e requer pouca qualificação. Cabe ressaltar que as mudanças do mundo
do trabalho não atingem todos de modo equivalente, principalmente atinge aqueles
menos favorecidos socialmente, os “inúteis ao mundo” como denomina Castel (1999).
Comumente, no Brasil, estes tendem a se acomodarem no setor informal da economia e
em segmentos tradicionais (Cf. MELO, 1998 e MORAIS, 2005); portanto, ficam à
margem dos benefícios e seguridades sociais proporcionados pela formalidade.
Entretanto sob tais circunstâncias encontram abrigo contra o desemprego e alternativas
de sobrevivência.
Os trabalhadores de baixa qualificação padecem da herança escravocrata do
nosso país, continuam a exercer atividades desprivilegiadas e praticamente não logram
reconhecimento social. Compreendem esses serviços aqueles relacionados aos serviços
pessoais: manutenção e reparação, limpeza e conservação, serviços de alimentação,
serviços domésticos, serviços de beleza, dentre outros. Além disso, devem se adequar
às mutáveis formas de organização do trabalho e contratação nesses setores e ainda
conviver com as diversas disparidades sociais (tecnológicas, econômicas, culturais).
Ainda que a expansão destes dois fenômenos seja inquestionável e compreenda
importantes transformações no mundo do trabalho do século XX, a produção científica
sobre os serviços e a informalidade ainda é escassa, principalmente no que se refere à
sociologia do trabalho, que ainda abrange principalmente o setor produtivo. Entretanto é
fundamental a análise sociológica que se refere à relação entre práticas de consumo e
cultura do trabalho, haja vista que, ao lado e até acima da posição ocupada pelo trabalho
como elemento diferenciador nas relações sociais está o consumo, como marcador e
19

constituinte da identidade social. A relação que os consumidores estabelecem com os


prestadores de serviços é impregnada de representações simbólicas que convergem
diretamente para composição da identidade ocupacional e identidade social dos
trabalhadores.
Possivelmente o setor de serviços ainda seja pouco compreendido no Brasil, em
relação à pesquisa nos setores produtivos, devido aos resquícios do projeto de
modernização que fomentou a industrialização do país e modificou vários aspectos
sociais e econômicos como: a intensificação da urbanização, o crescimento econômico e
o aumento dos circuitos de consumo do país. As desigualdades sociais se acentuaram;
contudo, as análises científicas concentraram-se ainda prioritariamente no setor
produtivo, demarcando uma insensibilidade quanto às modificações calhadas pela
industrialização, como a expansão do setor de serviços e das atividades informais.
Dentre os elementos intrínsecos da pesquisa sociológica dos serviços destaca-se
a própria complexidade da definição de “serviços”. Galete (2006) e Melo (1998)
reconstroem a definição: primeiramente, o conceito foi utilizado de modo excludente; a
atividade que não produzia bens materiais era considerada serviço e correspondia ao
setor terciário8. No entanto essa definição nunca foi eficiente, pois tratava-se de uma
classificação indiferente à heterogeneidade inerente ao setor de serviços. Tendo em vista
que o processo de produção e consumo coincidem em tempo e espaço, Browning e
Singelmann (1978) propõem uma classificação das atividades de serviço conforme a
orientação da demanda de serviços. Mais tarde, Elfring (1988) aprimora um pouco a
classificação e então o setor terciário é dividido em quatro grupos:

1) serviços distributivos: atende a demanda das empresas após o processo produtivo finalizado,
as atividades de distribuição dos bens, transporte, comércio, armazenagem;
2) serviços produtivos: atende a demanda das empresas durante o processo produtivo, são por
natureza produtos intermediários, seguro, serviços bancários, serviços jurídicos, propaganda e
publicidade, comunicação, corretagem;
3) serviços pessoais: atende a demanda individual, hotelaria, restaurantes/bares, cabeleireiros,
domésticos;
4) serviços sociais: atende a demanda coletiva, educação, saúde, lazer, administração
pública. (Cf. MELO,1998).

8
Mesmo assim não é consenso na literatura que serviço é o que não produz bens materiais. Ruy Braga,
inspirado na vertente marxista, sustenta que serviço é um tipo de produção, é uma forma imaterial de
“produtividade” (BRAGA, 2006).
20

Esta definição é notoriamente hegemônica na literatura cientifica; no entanto as


dificuldades de conceituação continuam a persistir, já que existem casos que não se
encaixam nesta tipologia, assim como, empresas manufatureiras que produzem
serviços/produtos. Possivelmente a dificuldade de conceituação dos serviços persista
graças aos velozes desenvolvimentos tecnológicos e incrementos sociais de adaptações
à realidade social. Cabe mencionar neste momento, por exemplo, que a pesquisa
realizada revela que o serviço de mototáxi corresponde muito mais a um serviço pessoal
do que ao ramo distributivo, pois apesar de os mototaxistas trabalharem com transporte
atendem à demanda individual e não a exigências institucionais.
21

3 CULTURA DO TRABALHO E IDENTIDADE SOCIAL NO SERVIÇO DE


MOTOTÁXI EM GOIÂNIA

3.1 Corrida por trabalho

A prestação do serviço de mototáxi emerge na capital goiana no final da década


de noventa em um contexto específico em que vários aspectos a favorecem; destaco
alguns deles: o intenso crescimento da cidade; o atendimento insatisfatório das
necessidades relacionadas ao trânsito como um planejamento de infra-estrutura de vias
adequadas e um sistema público de transporte eficiente e de qualidade; a intervenção da
prefeitura na proibição do transporte alternativo empregando vans; o número
considerável de motocicletas na cidade9, a racionalização do tempo; o fetiche da
velocidade e o que considero como mais relevante para o surgimento do serviço, as
crescentes e, cada vez mais em voga, demandas individuais.
No início o serviço tinha grande êxito devido à eficiência que o mesmo oferecia
aos usuários, em contraposição ao transporte coletivo, como os preços condizentes com
a clientela – atendimento personalizado e rapidez; daí a sua popularização, no sentido de
oferta e demanda.
Dessa forma o serviço de mototáxi emerge não somente como uma alternativa
de transporte, mas também como uma alternativa de trabalho para indivíduos que não
lograram êxito no mercado formal de trabalho ou como uma solução para o desemprego
num contexto vulnerável em que as possibilidades de remuneração econômica são
restritas; o serviço de mototáxi representa ao menos uma possibilidade de inserção
econômica no tecido social.
Contrariando as recomendações nacionais10, a organização ativa de uma parcela
da categoria, através do sindicato dos mototaxistas e motobóis de Goiânia,

9
Atualmente a frota de motocicletas de Goiânia em números proporcionais é a maior do país,
corresponde a uma motocicleta para cada oito pessoas da cidade, e em números absolutos está atrás
apenas da cidade de São Paulo. (ASSIS, 2006).
10
Em 1997 o Conselho Nacional de Trânsito (CONATRAN) classificou a motocicleta como veículo
inapropriado para transportar passageiros. Após um ano o Departamento Nacional de Trânsito
(DENATRAN) repassou a responsabilidade da institucionalização do serviço de mototáxis para a esfera
municipal, mesmo que o processo de regularização envolva atribuições de todas as instâncias do país (a
municipal determina regras de segurança, a estadual licencia o veículo e a federal habilita o condutor).
Ainda assim o Supremo Tribunal Federal considerou que o serviço de mototáxi era inconstitucional,
22

SINDIMOTO, propiciara em julho de 2001 (Lei municipal nº 8.044) a


institucionalização do serviço de mototáxi. Em 2004 saiu o decreto nº 2.107 da
Prefeitura Municipal de Goiânia, regulamentando o sistema de transporte e prestação de
serviço de motocicletas na capital. Com a constituição da FENAMOTO (Federação
Nacional de Mototáxis e Motobóis, sediada em Goiânia) a intenção torna-se ainda mais
ambiciosa; pretende-se regulamentar em nível nacional o serviço de mototáxi, motofrete
e motovigilante11.
Segundo o regulamento a prestação do serviço de mototáxi, o serviço consiste no
transporte individual de passageiros remunerado em motocicletas dentro dos limites do
município de Goiânia (GOIÂNIA, 2004).
A partir do decreto de regulamentação do serviço a Secretária Municipal de
Trânsito (daqui em diante SMT), expediu permissões para os prestadores de serviço de
mototáxi, pessoas físicas, que são considerados autônomos. A prestação do serviço foi
padronizada e algumas exigências foram determinadas, como portar touca higiênica,
capacetes e coletes padronizados pela Secretária Municipal de Trânsito12 como
mostrados a seguir:

Figura 1 – Colete e capacetes padronizados.


Fonte: FENAMOTO, 2004.
Para se tornar um mototaxista institucionalizado é necessário fazer um curso de
qualificação e aperfeiçoamento regulamentado pela SMT; o curso compreende
cinqüenta horas e têm módulos sobre: relacionamento interpessoal, importância do
atendimento na formação do profissional, conhecimento da cidade, noções de turismo,

alegando a inseguridade do veículo e ainda as reais dificuldades de fiscalizar as determinações da


regulamentação do serviço, como as condições das motocicletas e carteira permissionária (Cf.
FONSECA, 2005).
11
Motofrete corresponde ao que denominamos motobói, no trabalho muitas vezes são chamados de
modo abrangente, “motoqueiros”, aqueles que realizam serviços de entrega, serviços bancários,
transportam mercadorias dentre outros atividades. Já motovigilante é aquele que vigia lugares dirigindo
uma motocicleta em suas rondas.
12 12
A SMT tem como função planejar gerenciar e fiscalizar a prestação do serviço de mototáxi na cidade
(GOIÂNIA, 2004).
23

higiene e segurança no trabalho, legislação de trânsito, pilotagem defensiva, proteção ao


meio ambiente e cidadania, noções mecânicas e pequenos reparos.
A institucionalização do serviço não se restringe apenas às determinações feitas
para os mototaxistas, existe também o regulamento de funcionamento das centrais
prestadoras do serviço de mototáxi (daqui em diante CPS). As CPS são espaços físicos
destinados à acomodação dos mototaxistas e só podem funcionar com a licença
expedida pela SMT e em locais permitidos13.

3.2 Percurso até eles: a metodologia

Concomitantemente ao levantamento bibliográfico, foram realizados o


levantamento de dados cadastrais na SMT e a consulta ao regulamento para a prestação
do serviço de mototáxi, constituindo o suporte documental da pesquisa empírica, que
compreendeu duas abordagens: quantitativa e qualitativa.
A amostra para o survey considerou o cadastro da SMT e, por isso limitou-se aos
mototaxistas legalizados, os informais foram integrados na etapa qualitativa. Havia mil
e duzentos mototaxistas no cadastro e a amostra foi de trezentos questionários
aplicados. A escolha dos entrevistados para responder ao questionário foi de
conveniência, ou seja, não aleatória e de acordo com a disponibilidade dos informantes
(REA; PARKER, 2000, p. 241). Foi empregado um tipo de estratificação em três
regiões, a partir do Mapa de Exclusão/Inclusão Social de Goiânia (GOIÂNIA, 2004),
que considera inúmeras categorias sócio-demográficas e desenvolve um indicador de
inclusão/exclusão social da cidade, utilizado como base para o mapa georeferencial, que
fora utilizado para aperfeiçoar as análises. A cidade foi dividida em três regiões: A, B e
C, em ordem decrescente de inclusão social. Tentou-se considerar, de forma
proporcional, o número de centrais e permissionários correspondentes a cada região
com o número de questionários aplicados, resultando na seguinte distribuição: região A:
86 questionários; região B: 164 questionários; região C: 50 questionários.
O questionário contém cinco partes: 1) identificação do informante e do
questionário 2) características sócio-econômicas; 3) trajetória ocupacional; 4) condições

13
O artigo 31 do regulamento determina as proibições relativas ao serviço de mototáxi e expressa os
conflitos existentes entre os interessados, as CPS não podem se instalarem e nem mototaxistas
estacionarem por mais de quinze minutos a uma distância inferior que cem metros de terminais de
transporte coletivo ou de pontos oficiais de táxi ou mototáxi. (GOIÂNIA, 2004).
24

e jornada de trabalho e 5) opiniões sobre as afirmações relativas à atividade de mototáxi


conforme a escala de Likert14.
Foram visitadas cinqüenta e sete CPS, das setenta e nove que figuram no
cadastro da SMT, além de quatorze pontos. Simultâneo ao survey foi possível observar
sistematicamente a organização do trabalho, as relações estabelecidas e as nuanças de
cada central e ponto, além das conversas informais. As conversas foram muito
proveitosas, porque nessa situação o tempo não importava; afinal de contas não se
tratava de finalizar uma entrevista ou aplicar um questionário, mas de estabelecer
contatos e observar a sistemática de atendimento. As conversas, mais naturais e abertas,
geralmente aconteciam em grupos e eram marcadas pela diversidade de opiniões e
clichês próprios da categoria.
A etapa qualitativa empregou entrevistas semi-estruturadas e utilizou para a
construção do roteiro das entrevistas uma pesquisa exploratória acerca das
representações sociais do serviço de mototáxi feita no site de relacionamentos Orkut. O
roteiro para as entrevistas não era rígido, se adequava de acordo com as circunstâncias e
hipóteses15, também não era ordenado seguia o fluxo da fala do entrevistado.
A escolha da amostra para entrevistas de profundidade foi relativamente
intencional, partiu da análise dos resultados da etapa quantitativa e do referencial
teórico-metodológico, num procedimento que Glaser e Strauss denominaram
“amostragem teórica”. Neste tipo de seleção de dados “as decisões relativas à
amostragem visam àquele material que prometa os maiores insights, observados à luz
do material já utilizado e do conhecimento dele extraído.” (FLICK, 2004, p. 79).
Manifestaram-se algumas dificuldades na pesquisa empírica, como o tempo
escasso e a relativa falta de disponibilidade dos informantes. Edson, um dos
mototaxistas informantes, bem exprime essas condições: “Não posso participar da
entrevista, tenho pouco tempo e tempo é dinheiro”. Assim, a amostra não foi totalmente
intencional, também seguiu o modelo do tipo de conveniência ou “bola de neve”, em
que o entrevistador identifica informantes ou pede que outros indiquem possíveis
informantes (REA; PARKER, 2000, p. 241). As entrevistas só foram realizadas após o

14
A escala Likert consiste na tentativa de situar indivíduos em relação aos outros, trata-se de uma escala
de respostas medida do extremo positivo ao extremo negativo, a escala serve como instrumento de
medida para individualizar comportamentos e opiniões (DOISE, 2001, p.188; REA; PARKER, 2000, p.
243). No questionário usamos cinco categorias de respostas, mas a escala passou a ter apenas três
respostas após a análise dos questionários do pré-teste, que indicou que as respostas confluíram
majoritariamente para os extremos, perdendo, portanto a validade da escala.
15
Em anexo está o questionário e o roteiro de entrevistas utilizado na pesquisa empírica.
25

assentimento de cada informante em relação ao termo de compromisso exigido pela


Comissão de Ética.
Para os procedimentos de análise de dados foram utilizados os aplicativos de
análises SPSS (Statistical Package for the Social Science) para os dados quantitativos e
o Aquad (Analysis of. Qualitative Data) para os dados qualitativos.

3.3 “Dá pra viver, não dá pra ricá”: o perfil social dos informantes

Algumas suposições que se havia considerado no levantamento bibliográfico e


também com base no conhecimento comum foram abaladas na pesquisa quantitativa.
Primeiro, a atividade não pode ser considerada uma atividade exclusivamente
masculina, no survey uma informante era do sexo feminino e no cadastro da SMT havia
seis mulheres registradas, o que corresponde a 0,5% da população total. Mesmo que a
porcentagem seja pequena, há de ser considerada, afinal de contas, demarca o ingresso
das mulheres em atividades tradicionalmente masculinas, como é o caso das atividades
relacionadas ao transporte. No serviço de mototáxi, habitualmente elas se inserem em
atividades típicas de mulheres, como é o caso das secretárias das CPS, que são
responsáveis por atender as ligações, repassar as corridas, organizar “a vez”, ou seja,
ordenar da fila de quem é o próximo a realizar corridas, receber e cobrar as diárias dos
mototaxistas e, finalmente, limpar e organizar a CPS.
A segunda suposição abalada é que a atividade não pode ser considerada uma
ocupação prioritariamente de jovens, como é o caso dos mototaxistas da favela da
Rocinha, em que 56,3% são jovens (FONSECA, 2005). Muito pelo contrário, em
Goiânia, a maioria são adultos e constituem família: 68,7% são casados ou com união
estável e a maioria deles, 78,6%, têm entre um a três filhos; 8,3 % têm mais que três
filhos e 12,7% não têm filhos. A seguir o gráfico 1 de distribuição16 de idade dos
informantes demonstra a média de idade de trinta e sete anos, alguns casos extremos,
com idades superiores a sessenta anos e a concentração de informantes com idades um
pouco acima de trinta anos e um pouco acima de quarenta anos, sendo que os casos
estão mais concentrados nas idades abaixo da média.

16
O gráfico de distribuição, boxplot, avalia a simetria dos dados, demonstra a concentração dos casos da
variável, a dispersão dos mesmos nos quartis e a extremidade dos casos.
26

Gráfico 1 – Distribuição de idade (em anos completos) dos informantes

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora no período de janeiro a abril de 2008

No que se refere à escolaridade apenas 3,1% dos informantes estão estudando,


54% não pretendem continuar os estudos e 41% se tivessem condições gostariam de
continuar a estudar; ainda assim, essa possibilidade é vista como algo distante da
realidade vivida por eles. O gráfico 2 mostra em porcentagem o nível de escolaridade
dos informantes:

Gráfico 2
27

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora no período de janeiro a abril de 2008

A maioria deles, 59 %, mora em casa própria quitada, 7% em casa própria em


pagamento, 28% em casa alugada e apenas 6% em casa cedida. A média da renda
individual mensal dos informantes é de R$ 1240,00 e a moda de R$ 1000,00; a média
da renda familiar mensal é de R$ 1617,00 e a moda de R$ 1500,00. Contudo, a
mensuração dos valores de renda não pode ser considerada tão precisa, pois os
informantes tinham certa dificuldade de aferir valores mensais e separar renda bruta e
líquida. Essa dificuldade prevalece, pois os gastos no serviço são diários (combustível,
diária para a CPS, alimentação, manutenção de equipamentos de trabalho) e o
rendimento costuma variar. Verificamos a estratégia de responder valores muito
próximos ao que o SINDIMOTO indica que os mototaxistas recebem em média por
mês, R$ 1200,00. A insegurança nos valores também se explica pela situação em que a
pergunta foi realizada, muitas vezes na presença de outros mototaxistas, o que
constrangia os informantes. As distribuições de renda individual e familiar dos
informantes estão representadas no gráfico 3 e 4:

Gráfico 3 – Distribuição de renda individual mensal em reais


28

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora no período de janeiro a abril de 2008

Gráfico 4 – Distribuição de renda familiar mensal em reais

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora no período de janeiro a abril de 2008

Alguns indicadores de posição social, como condições de moradia, renda,


escolaridade do informante e dos pais, indicam que mototaxistas em Goiânia
encontram-se entre os estratos de renda média. O rendimento da atividade é razoável pra
o nível de qualificação exigido e dá conta de atender as necessidades básicas como
29

declara Dorival17 “Dá pra viver, não dá pra ricá” ou Pedro “Ser mototaxista é uma droga
irreversível, nunca mais sai dessa vida, por causa do dinheiro que a gente ganha”.

3.4 Pilotagem defensiva: o equilíbrio oscilante

3.4.1 As representações sociais da atividade

Mesmo que a atividade de mototáxi em Goiânia proporcione um rendimento


considerável, as representações sociais18 sobre o serviço em boa parte são negativas. Na
capital goiana a atividade é considerada marginalizada por ser associada, por alguns, a
atividades ilegais como o tráfico de drogas, mas principalmente aos estresses do
trânsito, a acidentes recorrentes com mortes (gerando despesas públicas na área da
saúde) e a um meio de transporte considerado inferior comparado a outros, já que é
bastante acessível, mas evidentemente inseguro. As representações sociais sobre a
motocicleta se transpõem as representações sociais acerca do mototáxi, assim a
motocicleta e mesmo o mototáxi são relacionados também a assaltos e roubos.
No site de relacionamentos Orkut os nomes e caracterizações das comunidades
acerca da atividade expressam as representações sociais do serviço em todo o Brasil; no
entanto possuem semelhanças com as representações sociais de Goiânia, ainda que no
site elas se apresentem de modo mais abusivo. Os achados do site explicitam bastante a
relação existente entre as dificuldades encontradas no mercado de trabalho e a adesão ao
serviço, note nos nomes das comunidades: “Se nada der certo eu viro mototáxi”, “Quem
não mandou estudar agora sou mototáxi”, “Vestibular p/ q? Kro ser mototáxi.” Além
disso existem outras expressões quanto à atividade: a comunidade “Eu só ando de
mototáxi amarela” demarca as divergências valorativas entre mototaxistas legalizados e
clandestinos. A identificação ou não com a atividade é expressa em algumas
comunidades, tais como, “Eu adoro mototáxi’, “Eu só + mototáxi que ônibus” e “Eu

17
Os nomes dos informantes são fictícios.
18
“As representações sociais são sempre tomadas de posição simbólicas, organizadas de maneiras
diferentes. As representações sociais são os princípios organizadores de relações simbólicas entre atores
sociais. Trata-se de princípios relacionais que estruturam as relações simbólicas entre indivíduos e grupos,
constituindo ao mesmo tempo um campo de troca simbólica e uma representação desse campo (DOISE,
2001, p.193).
30

odeio mototáxi”. Os conflitos no trânsito com mototaxistas são ilustrados na


comunidade “Eu odeio mototáxi burro” e também a sensualidade atribuída à atividade
nas comunidades “Eu seguro no mototáxi” e “Gostosos mototáxi”.
Além do mais no Orkut existem as representações sociais do mototaxista
aventureiro, relaxado e insensato note nas descrições das comunidades “Eu só ando de
mototáxi amarela” e “Eu adoro mototáxi”:

se nunca fez uma curva a 100km/h enquanto levava um fino de um taxista raivoso na contramão
de uma rua movimentada ás 6 horas da tarde no carona desses seres fantásticos.. E se vc admira
esses cavaleiros urbanos, justiceiros prontos a obliterar qualquer malfeitor na rua com
capacetadas e cadeiras de bar.. podendo mesmo até destruir o PCC, dominar o tráfico de drogas
no Brasil, derrubar o governo e impor uma nova ditadura, mas que têm muitas partidas de damas
e baralho pra jogar do que se preocupar com essas futilidades.. Junte-se a nós! O santuário dos
mototaxistas amarelos.

Alô amigos sem veículo próprio, e que adoram aventuras repentinas aqui no Pará ou em outros
Estados. Aqueles que viajam poeticamente na noite e sentem aquele cheiro oculto de capacete
compartilhado por todos. Apresento-vos "Eu adoro Mototaxi",Venha, junte-se a nós:Agora ou
nunca!!

Majoritariamente as representações sociais em torno do serviço no Brasil são


pejorativas. Contrariamente os usuários normalmente tendem a ver o serviço de modo
positivo, já que este consegue suprir suas exigências imediatas. A importância de
identificar as representações sociais da atividade é que são a partir delas que os
mototaxistas efetuam estratégias de ação e realizam negociações identitárias.

3.4.2 O vocabulário de motivos e as experiências negativas no trabalho

As representações sociais são apreendidas ao longo da vida nos processos


comunicativos, advém de situações recorrentes em contextos de ação que ocorrem
definições de si e definições de outros perante uma tomada de posição. Os processos
comunicativos orientam as ações humanas e proporcionam um conjunto de expectativas
que indica o modo como o indivíduo deve se portar; no entanto esse processo não é
passivo. Os mototaxistas, por exemplo, reconhecem as considerações sobre o serviço
prestado por eles – serviço instável, perigoso e desprivilegiado – e respondem com um
31

vocabulário de motivos típico que justifique aos outros a atividade exercida. O


vocabulário de motivos (MILLS, 1970) é utilizado em situações que os indivíduos se
sentem afrontados, trata-se de uma negociação identitária. Procura-se mostrar, a seguir,
como os informantes, pelos questionários e nas entrevistas, constroem um discurso que
visa restabelecer o status de sua identidade, “negociando” com as representações
negativas, ainda que estas não sejam sequer proferidas na interação durante a entrevista.
As considerações dos informantes sobre os aspectos positivos da atividade foram
coesas e variaram pouco, ou seja, havia harmonia nas respostas e indicam a composição
de um vocabulário típico. Logo em seguida estão apontadas as considerações sobre a
atividade e elementos constitutivos do vocabulário de motivos correlato.
A atividade é considerada boa, principalmente pelo rendimento propiciado
honestamente, por serem pagos imediatamente e não terem que esperar trinta dias para
receber, o que é expresso nas seguintes frases dos informantes “Você pode contar com
aquele dinheiro todo dia e eu não preciso esperar trinta dias pra receber” ou “A gente
não fica sem dinheiro, as corridas são à vista; no fim do dia você vai estar em casa com
dinheiro”. Contudo embutido ao fato de receberem por dia está à dificuldade de
administrar com eficiência o rendimento obtido, indicado timidamente nas respostas
sobre os aspectos negativos da atividade.
Os mototaxistas são autônomos; isso implica, na visão dos informantes, não ter
patrão, não ter que obedecer a superiores, não ter que seguir regras e horários e ser
independente. Enfim a autonomia é vista de forma positiva, é tida como um privilégio
do ofício. Wilton glorifica sua condição de trabalho, “Você é o seu patrão, você não
trabalha pra ninguém, você é independente e autônomo. Você tem liberdade para chegar
um pouco mais tarde, de chegar para trabalhar mais cedo”. No entanto, pouco depois
Wilton ameniza sua fala anterior e se mostra contraditório ao complementá-la: “Você
acaba sendo funcionário de todos os seus clientes, você deixa de ter um patrão só, pra
ter vários patrões”. Por sua vez João, dono de uma boa CPS, praticamente desconsidera
os inconvenientes enfrentados do trabalhador autônomo e admite que para sê-lo de
forma bem sucedida “Tem que nascer para ser autônomo, tem gente que tem uma garra,
uma força de vontade pra isso”. Entretanto os mototaxistas devem seguir o regulamento
da prestação do serviço e devem se submeter às regras das CPS. Por exemplo, não é
permitido que os mototaxistas circulem pela cidade sem estarem devidamente
caracterizados, caso contrário devem pagar uma multa de R$ 800,00 reais para a SMT.
32

Similarmente, mesmo que o mototaxista não trabalhe no dia, é obrigatório o pagamento


da diária ao proprietário da CPS.
Trabalhar sobre duas rodas de uma moto é considerado muito bom, pois segundo
os informantes o instrumento de trabalho proporciona uma gostosa sensação de
liberdade e é associado à aventura, apesar dos perigos notórios que acarreta. Eriberto
tenta mostrar como se sente ao pilotar uma moto:

Eu acho que a moto é o seguinte, eu acho que, igual o cara pilota o avião dele lá, a moto da gente
é mais ou menos isso, é bom, dá uma sensação boa, você ligar a moto ali dá uma sensação boa.
Oh, um exemplo, você tá no trânsito ali, aqueles carros passando e você vai e enfia no meio e
vira aquele angu de caroço e sai lá do outro lado, é bom. É uma sensação, uma adrenalina boa.
Às vezes cê passa um susto aqui, começa a cair dali, vai embora e é bom, sei que é bom.

A atividade do mototaxista é prazerosa para os informantes por não ser uma


atividade rotineira, e pelo fato de estarem constantemente em contato com novos
lugares e pessoas; para os dados qualitativos esta característica é vista como uma regalia
da ocupação Eriberto ilustra bem seu gosto pela atividade, ao declarar inspiradamente
“Ganha dinheiro, anda de moto e carrega mulher bonita!”. Sobre a afirmação “O legal
de ser mototaxista é conhecer pessoas e lugares diferentes” 65% dos informantes
concordou com a frase, 17,7% concordou em parte e 17,3% discordou. Normalmente
após a discordância da frase os informantes se explicavam dizendo que a atividade era
legal por outros motivos, como é o caso dessa declaração “O bom é o dinheiro que a
gente ganha”. Praticamente a totalidade dos informantes, 94,3%, concordou com a
afirmação “Existem clientes que se tornam amigos”, o restante, 5,7%, fez ressalvas e
acredita que não existem amigos, mas sim interesses dos clientes para se beneficiar no
serviço (descontos, serviços fiados, realização de serviços de confiança, maximização
do tempo de espera etc.).
Para os mototaxistas outra realização é atender bem o cliente, oferecer um bom
serviço e ser reconhecido pelo atendimento. A fala de Ricardo exemplifica essa
caracterização:

Olha no meu ambiente de trabalho o que me deixa satisfeito é poder fazer um serviço bem feito,
ter um cliente satisfeito, você deixa o cliente no horário certo, você presta um serviço pra ele,
você vê que o cliente ficou satisfeito, isso me deixa satisfeito também, porque eu gosto de ver,
como é que fala? Eu gosto de ser prestativo, então é muito bom.
33

O movimento constante na atividade é considerado de forma positiva, em


contraposição a trabalhos mais tradicionais, em que o indivíduo fica durante o trabalho
apenas em um local. Walter expressa sua insatisfação “Eu nunca gostei de ficar preso,
num lugar só. Trabalhar sempre num lugar. Sempre gostei de tá nas ruas. Já tem muito
tempo que eu trabalho de moto, de bicicleta também.”. No caso do Walter, Josué e
Elizabeth a insatisfação com esses tipos de trabalhos está associada à trajetória
ocupacional e quem sabe a traços da personalidade deles:

Desde os sete anos eu já vendia picolé, engraxava. Aí trabalhei numa fábrica de cabide no
intervalo desses oito anos pra nove. Aí depois dez, onze anos eu trabalhei num açougue, meio
período. Aí depois trabalhei numa oficina mecânica. Então... só que eu nunca dei certo com
patrão. Eu nunca dei certo com patrão. A hora que eles vinham me encher o saco eu já saía do
serviço. Pra você ver, minha carteira nesse tempo todinho ela é assinada duas vezes só, pouco
tempo. Uma vez foi dois anos, da outra vez foi seis meses, porque eu nunca dei conta. Aí eu
conheci o mototáxi! (Walter)

Sim, sim, eu me identifico, porque o seguinte, eu já tive vários tipos de trabalho, eu sempre fui
auxiliar de contabilidade, auxiliar administrativo, já trabalhei em grandes empresas, grande
porte, como Govesa, já trabalhei na Somafértil, já trabalhei na VASP, não era exatamente a
VASP, mas era uma terceirizada da VASP que prestava serviço aqui em Goiânia, então eu já
trabalhei em varias empresas de grande porte, mas sempre trabalhei assim não gostando do que
eu fazia, certo? Eu trabalhava mais assim pelo dinheiro, pelo salário, pra ter uma estabilidade.
Hoje não, hoje eu sou mototaxista, a gente sabe que não é um salário fixo, mas graças a Deus,
Deus tem abençoado a gente, e eu me identifico muito com o mototaxista, conheço bem Goiânia,
conheço assim vários setores de Goiânia (...) Então assim, eu gosto de ser mototaxista, é um
trabalho assim que você não fica preso naquele local, local de trabalho, naqueles quatro paredes,
você sai, às vezes você pega alguma viagem pra fazer, ah isso aí é uma maravilha, você viajar
pra algum lugar trabalhando, ganhando dinheiro e ainda conhecendo aqueles lugares lindos que
você conhece. (Josué)

Trabalhei desde os onze anos, trabalhei como feirante. Fiz muitos cursos, tentei uma vaga de
emprego no mercado, nunca consegui. Aí sempre trabalhei de ambulante, aí consegui fazer
cursos, trabalhei de costureira. Fiz informática básica, eu fiz montagem e manutenção de micro,
fiz, de informática eu fiz muitos cursos. Fiz corte e costura, fiz curso de cabeleireira. Então,
diploma lá eu tenho um monte. Só que eu nunca consegui emprego fixo de carteira assinada. Aí
eu vi que eu podia muito bem aprender a andar de moto e ia conseguir ter uma renda que se eu
fosse trabalhar pra alguém eu não ia ter e que eu trabalhando de mototaxista eu ia poder, além de
34

trabalhar, buscar a minha filha na escola, levar ela pra algum lugar. Isso que num serviço a gente
fica presa lá e não pode fazer. Ai, também de ficar saindo. Você vai pra outros lugares você
conhece pessoas diferentes, então é muito bom. (Elizabeth)

A insatisfação com o trabalho rotineiro e com “trabalhar para alguém” é uma


característica evidente nos mototaxistas em geral e pode estar relacionada a experiências
negativas vivenciadas nestes trabalhos ou mesmo com as experiências negativas de
privação destes tipos de trabalhos, como é o caso de Elizabeth e Walter. De forma
repressiva e como expressão de atos de recalque (LAHIRE, 2002) os mototaxistas
traduzem suas vivências com vocabulários típicos (MILLS, 1977) tais como “Não gosto
de patrão”, “Não gosto de estar preso”, “É ruim ter que esperar trinta dias para receber”,
que, por sua vez estão presentes nos ideais do trabalhador autônomo. Estas frases
características evidenciam experiências sociais vividas, sentimentos camuflados,
elementos da constituição identitária e da personalidade de um indivíduo.
Josué justifica sua permanência na atividade não com referência ao status da
atividade, à segurança proporcionada, ou mesmo aos rendimentos, mas a liberdade que
tem para se movimentar, ao prazer em pilotar uma motocicleta e conhecer novos
lugares. De forma semelhante Walter e Elizabeth sentem que trabalhar em lugares
fechados os oprime e limita, gostam da independência proporcionada pelo trabalho
autônomo; no entanto não há em suas falas uma distinção racional entre os dois tipos de
trabalho, mas sim uma vontade fugaz de se libertar. Elizabeth dificilmente faria essa
distinção; afinal de contas, quando fora estimulada a falar mais sobre sua trajetória
ocupacional ela respondeu “Não é só isso mesmo, só feirante e ambulante”, ou seja, ela
fala de suas preferências, mas nunca teve a oportunidade de trabalhar em um emprego
fixo de carteira assinada. Walter também dificilmente faria essa distinção, quando
adulto teve apenas um emprego de motorista terceirizado; em outros “empregos” ainda
era criança.
A trajetória ocupacional de Ricardo é bem diferente da dos três, é descendente,
trabalhou legalmente durante sete anos em uma empresa gráfica e depois mais quatro
em outra, galgou posições até se tornar um revisor gráfico; no entanto também teve uma
experiência negativa relativa ao trabalho: foi despedido e se sentiu injustiçado por não
ser reconhecido pelo seu empenho na empresa e por considerar que o acerto de contas
fora desleal. Ricardo comentou, contrariado:
35

Eu saí de lá por causa do salário alto, eu tava com três mil e quinhentos na carteira mais hora
extra que eu fazia e tirava na faixa de mil e quinhentos, eles me mandaram embora pra contratar
três com meu salário e ainda sobrou dinheiro, os caras que eu ensinei, eu ensinei os caras o
serviço e eles tão lá até hoje, um é até gerente.

Voltou então a trabalhar com pintura e lanternagem, sua primeira ocupação, mas
não se sentiu satisfeito e então resolveu fazer um trabalho temporário na CPS de um
amigo de infância enquanto recebia o seguro desemprego; iria ficar apenas três meses,
até terminar de receber o seguro. No entanto já trabalha como mototaxista há um ano e
meio e o vocabulário de motivos já foi incorporado. Ricardo se identifica com a
atividade, pois nela está conhecendo outra faceta de sua personalidade já que o
nervosismo teve que ser minado para dar lugar à paciência necessária à atividade, mas,
contrariamente aos três mencionados logo atrás, sente-se preocupado com a família
devido à instabilidade financeira da ocupação. Gostaria mesmo é de ter estudado e
exercer advocacia, mas aos dezesseis anos teve seu primeiro filho e foi obrigado a
trabalhar e deixar os estudos.
Houve maior dispersão em relação à identificação de aspectos negativos da
atividade pelos informantes. Nota-se que cada um privilegiou algumas características
que estavam mais latentes na situação vivida e na memória subjetiva Apenas alguns
aspectos podem ser considerados como elementos constitutivos do vocabulário de
motivos; os outros expressam avaliações individuais (STRAUSS, 1970) sobre a
atividade exercida e não assumem papel social típico.
Alguns perigos são característicos da atividade de mototáxi, como os relativos a
assaltos e ao trânsito. Muitas vezes o mototaxista não conhece o passageiro e a chamada
pode ser na verdade um trote, uma armadilha; percebe-se então a criação de estratégias
por parte dos mototaxistas para reduzir os perigos da atividade. Gilmar relata uma delas:
“Dependendo a gente dispensa cliente, porque a profissão já é arriscada aí chega um
cara estranho, que quer ir pra longe, eu não arrisco, invento uma desculpa, falo que
tenho cliente marcado, que estou indo embora.”. Já o trânsito é considerado o maior
inimigo do mototáxi, pois além da motocicleta não ser considerada um veículo seguro19
existem os abusos e a neurose do trânsito que tornam a atividade ainda mais arriscada.
Com certeza o maior transtorno da atividade é o acidente, pois o mototaxista pode se

19
No discurso comum diz-se que o pára-choque de moto é a testa do motoqueiro ou ainda que o pára-
choque de motoqueiro é o peito no chão, ou, de forma mais intensa, que moto é sinônimo de morte na
certa.
36

tornar impossibilitado de trabalhar, por seqüelas físicas ou danos na motocicleta. Certa


vez Júlio, dono de uma CPS, me disse com convicção “Eu costumo dizer para os
meninos que motoqueiro nunca bate certo, porque sempre ele é prejudicado”. Também
ocorrem complicações envolvendo a ilegalidade, como porte de drogas e armas pelo
passageiro, bem como a coação para buscá-las. Estes aspectos são constituintes fortes
do vocabulário de motivos arraigado às atividades da categoria. Exprimem a concepção
dos mototaxistas de se considerarem implicitamente como trabalhadores corajosos e
aventureiros por enfrentarem condições tão adversas no trabalho.
Ademais existem as chateações corriqueiras da atividade, como dizem Agnaldo
e Nelson “A gente escuta tanto problema dos outros”, “Todo mototaxista é um pouco
psicólogo”. O hábito dos clientes de pedir fiado ou pechinchar aparecem em diversas
falas, como é o caso de Geraldo: “O cliente fiel folga e quer fiado, eu não tenho cliente
por causa disso, eles querem fiado ou quase de graça!”. Pior ainda é a ausência de
pagamento: “O cliente chega e diz: eu não tenho dinheiro, e aí deixa celular,
documento, pra gente buscar o dinheiro depois”. É comum também expressar o labor, a
dificuldade, a carga da atividade, a “canga”, como Euler explica indignado: “Canga é
assim, você sai alegre aí, a pessoa te ligou. Corrida de vinte, trinta reais, quarenta,
cinqüenta. Chega lá a pessoa não tá no lugar. Aí você vai ficar sem a gasolina que você
gastou, sem o dinheiro, sem o cliente”.
Há também relatos de casos de cantadas e de assédio dos clientes e de
mototaxistas, o que pode ser explicado por se tratar de uma atividade tipicamente
masculina, pelo fetiche em relação à motocicleta e o contato físico proporcionado pela
mesma, podendo suscitar fantasias em ambos. Dois informantes declaram com
perspectivas diferentes essa situação “O cliente acha que porque tá pagando pode!” e
“Leva a mulher de graça e ela te recompensa”.
Quanto ao ambiente de trabalho, apesar de nas CPS haver elementos favoráveis
a sociabilidade – jogos, instrumentos musicais, televisão, DVD – o convívio entre os
mototaxistas não é fácil, muito se discute sobre os preços cobrados20, a ordem da vez, as
regras da CPS. Alegando a desunião da categoria, alguns afirmam que as opiniões são
dadas de acordo com interesses pessoais e não de acordo com a coletividade. O clima
torna-se mais pesado quando o convívio é praticamente inevitável, ou seja, quando há

20
A cobrança das corridas é indicada pela SMT e o cálculo é de acordo com os quilômetros percorridos
durante a corrida. No período da institucionalização do serviço tentou-se incorporar na motocicleta um
taxímetro, mas a tentativa foi em vão. A ausência do taxímetro implica em uma negociação maior dos
preços e, portanto um grau maior de pessoalidade na prestação do serviço.
37

poucas corridas para a central e para os mototaxistas. Quando indagado sobre o seu
ambiente de trabalho, Tonie respondeu:

Na Central é muito relativo isso aí... Quando está bom de corrida está todo mundo feliz, todo
mundo ganhando dinheiro, todo mundo sorrindo pra as paredes. Mas quando dá uma parada aí às
contas começam aumentar... Aí tem uns estressadinhos que já começam a fechar a cara para um
lado e reclamar de tudo. Mas eu não tenho muito o quê reclamar não.

Os desacordos se exacerbam devido à diversidade existente entre os


mototaxistas quanto à idade, educação, maneira de se relacionar:

Na Central às vezes é meio custoso, porque em todo lugar a gente vê que tem diversos tipos de
pessoas, tem aquela pessoa mais ranzinza, pessoas mais exigentes, pessoas falsas querendo puxar
o seu tapete, em todo lugar é assim. Aqui somos 25 motoqueiros, posso dizer que 20 salvam,
mas os outros 5... São pessoas velhas, impossível de conviver com elas, mas infelizmente você
tem que lidar com qualquer tipo de pessoa. (Geraldo)

Olha aqui na central, no meu ambiente de trabalho, a gente trabalha com pessoas desleais, até
meio dissimuladas, que não tem um pouco de educação. Assim, a gente trabalha com homem, os
caras não respeita. Você está aqui dentro comendo, o cara chega, um sem educação, e arrota. Eu
não arroto aqui, mas os meninos chega e arrota, eu tô comendo um chega e arrota, solta um gás
ai. O que me chateia mais é a falta de educação dos meninos, a falta de compreensão um com
outro. Eu falo para eles a gente passa mais tempo junto, um com o outro, do que com a nossa
própria família dentro de casa. Então a gente tem cuidar um do outro como uma família. (Júlio)

Outros aspectos negativos foram considerados em relação à atividade, mas em


menor proporção: as conseqüências do serviço na saúde (câncer de pele, estresse,
hemorróidas, problemas na coluna, dentre outras); exaustão física; dificuldade de
administrar o rendimento; a inoperância e falta de representação do SINDIMOTO; a
desunião da categoria; a ausência de fiscalização dos mototaxistas informais; a rigidez
na fiscalização dos formais; o barulho excessivo no ambiente de trabalho e as condições
de trabalho precárias (sinalização inadequada, asfalto ruim dentre outras).
Alguns aspectos considerados negativos representam apenas críticas e
chateações do dia-a-dia da atividade, mas outros compõem justificativas ou accounts21,

21
Accounts são justificativas presentes no vocabulário de motivos que aparecem em contextos de ação
em que se busca o entendimento de atores sociais envolvidos em situações típicas.
38

na medida em que visam enobrecer os mototaxistas, e não a atividade exercida, pelos


desafios e superações vividos no trabalho. É uma maneira de compensar e negociar com
as representações sociais negativas acerca dos mototaxistas e buscar entendimento dos
atores sociais envolvidos na situação em que o indivíduo se sente afrontado.
Outra justificativa dos mototaxistas para exercerem a atividade é relativa às
escassas, distantes e inviáveis oportunidades e opções no mercado de trabalho. Os
accounts referiam-se, de modo geral, à pouca escolaridade, à baixa qualificação ou
idade elevada, Maurício e Cleomar falam sobre seus estados: “Não tenho outra opção,
não tenho estudo, é a única coisa que posso fazer, não tenho outra oportunidade” e
“Velho não fixa”.
A institucionalização do serviço modifica as representações sociais por parte dos
mototaxistas, dos usuários e outros, por isso também é incorporada no vocabulário de
motivos, pois de certa forma restitui a identidade social graças ao reconhecimento legal
da prefeitura da cidade (identidade atribuída). Emerson reage com segurança ao ser
indagado sobre sua atividade: “Agora mototáxi é profissão antes era bico, por causa da
regulamentação, a gente faz curso pra ser mototáxi e tem que ter a permissão!” Além
disso, constitui uma maneira de se diferenciarem dos mototaxistas clandestinos e
motobóis que, por sua vez, atuam na esfera da ilegalidade e não participam de cursos de
qualificação. A identidade atribuída por meio do reconhecimento legal repercute na
transformação do referencial simbólico sobre a atividade e nas novas expectativas em
relação ao mototáxi. A mudança dos termos genéricos de identificação, motoqueiro ou
motobói, para mototáxi expressa essa transformação e indica a tentativa de ressignificar
à atividade.
Os aspectos negativos e positivos da atividade do mototaxista são permeáveis;
muitas vezes se confundem e entremeiam. Parece não haver aspectos totalmente
positivos ou negativos. Algumas justaposições ocorrem: 1) o rendimento da atividade é
respeitável, mas existe certa dificuldade de administrá-lo; 2) o ideal dos trabalhadores
autônomos de mototáxi confronta-se com as condições de trabalho precárias; 3) a
relação intrínseca entre o prazer de andar sob duas rodas e os acidentes e estresses do
trânsito; 4) o gosto de conhecer pessoas e lugares diferentes está atrelado aos perigos
corriqueiros da atividade; 5) a preocupação com o atendimento recai em certa
39

expropriação do “trabalho emocional”22; e finalmente 6) a legalidade da atividade


contrapõe-se a ilegalidades veladas na atividade.
A partir das indagações sobre os aspectos positivos e negativos da atividade e a
permeabilidade que ocorre entre os dois foi possível observar que não houve um
balanço reflexivo por parte dos informantes sobre os aspectos considerados da
atividade. Isso reforça a proposição teórica de que os motivos, já que são típicos e
pouco reflexivos, assumem funções subjetivas em ajustes sociais e estão presentes nas
negociações identitárias. Um exemplo está em que o cansaço físico, que apareceu de
modo retraído entre as características negativas da atividade. Nada foi dito sobre a
jornada de trabalho enfrentada, o que é inacreditável. A carga horária predominante é
insustentável e está muito acima da prevista pela CLT (quarenta e quatro horas
semanais de trabalho no setor formal) e da admitida pelo regulamento da prestação do
serviço de mototáxi (jornada diária máxima de oito horas seguidas, com um máximo de
doze horas diárias permitidas, desde que em períodos intercalados). Entre os
informantes 42,3% trabalha todos os dias da semana, 50,7% seis dias e apenas 6,6%
trabalha cinco ou menos dias por semana. Quanto às horas trabalhadas por dia a média,
moda e mediana corresponde a doze horas trabalhadas por dia, no entanto há casos
extremos como mostra o boxplot a seguir:

22
O trabalho emocional acontece em atividades em que ocorrem relações constantes e diretas entre
trabalhador e cliente e é caracterizado pelo fato de o trabalhador ajustar sua maneira de se comportar
visando à maior satisfação do cliente (HOCHSCHILD, 1983). No curso obrigatório de qualificação e
aperfeiçoamento da atividade o mototaxista tem um módulo específico para aprender a se relacionar com
pessoas e tratar bem o cliente.
40

Gráfico 5 – Distribuição de horas trabalhadas por dia

Fonte: Dados coletados pela pesquisadora no período de janeiro a abril de 2008

Alguns moram nas CPS ou praticamente residem, estando quase sempre livres
para eventuais corridas. A fala de Carlos expressa essa situação: “Eu alugo minha casa
apenas pra guardar as minhas coisas, vou lá apenas pra tomar banho e volto pra central”.
Os casos extremos tendem a acontecer quando os mototaxistas têm algum objetivo
material a ser alcançado ou necessitam prover financeiramente o tempo em que ficaram
impossibilitados de trabalhar.
Fonseca (2005) explica que os mototaxistas da favela da Rocinha tendem a ser
imediatistas e organizar o tempo de trabalho segundo o rendimento diário capaz de
suprir as necessidades do dia, um deles afirma “Trabalho até fazer R$ 50,00!”. De forma
semelhante ao que ocorre no bairro carioca, Vicente declara seu cálculo diário: “Para eu
começar a ganhar dinheiro em um dia tenho que ter feito R$ 35,00, porque tenho que
pagar diária de R$ 13,00, almoço, gasolina...”. Neste sentido nota-se que as exigências
relativas à ocupação não são pensadas a médio/longo prazo, ou seja, o rendimento não é
planejado segundo as necessidades básicas inerentes ao serviço, como trocar o
instrumento de trabalho, suas peças, adereços e regularização junto a SMT. A lógica
imediatista e pouco reflexiva dos mototaxistas interfere diretamente no modo com que
organizam o tempo e revela a insuficiência deste modo, presente em conseqüências no
estilo de vida adotado, mas também a incorporação fácil e direta do vocabulário de
motivos por parte da categoria.
41

3.4.3 Identidade social e cultura do trabalho

Na tentativa de apreender elementos da identidade ocupacional que contribuam


positivamente para a constituição da identidade social é necessário levar em conta as
identidades atribuídas, as identidades visadas e também as representações sociais acerca
da atividade, pois influem na auto-estima dos mototaxistas. No caso de representações
negativas o reconhecimento da ocupação se torna fragilizado como elemento
constitutivo de identidade social.
Embora a identidade atribuída pela prefeitura através da institucionalização do
serviço tenha contribuído positivamente para a formação da identidade ocupacional e
possivelmente para a identidade social dos mototaxistas, pode-se perceber que esta
contribuição foi pequena, já que, em uma escala valorativa 50,7% dos entrevistados
discordaram da frase “A atividade do mototaxista é valorizada e reconhecida”, 24%
concordaram em parte e somente 25% concordaram. Ou seja, mesmo que o serviço
tenha sido institucionalizado grande parte dos mototaxistas não acredita que a atividade
exercida seja reconhecida e valorizada pelos outros, o que demarca a precariedade da
identidade ocupacional dos mototaxistas.
Ainda assim, diante da afirmação “Eu gosto da minha ocupação enquanto
mototaxista” 74,2% dos entrevistados concordam com a frase, 12,4% concordam em
partes e apenas 13,4% discordaram, ou seja, há um alto índice de auto-reconhecimento
dos mototaxistas na atividade, mesmo que 50,7% dos entrevistados não acreditem que a
atividade seja reconhecida e valorizada. Ou seja, embora se evidencie um
reconhecimento subjetivo, que é positivo em relação à ocupação, os informantes
reconhecem problemas no reconhecimento pelos outros, que se efetiva em construções
típicas no discurso e nas interações cotidianas (onde emergem as representações sociais
negativas).
Entretanto, quando falam sobre o futuro, sobre o que almejam, sobre a
possibilidade de combinar a personalidade e a ocupação no curso da vida, de forma
positiva, ou seja, sobre os atos de pertencimento da “identidade para si”, que Dubar
designava como “identidade visada” ou “pertença reivindicada”, as respostas típicas são
outras:
42

Não, trabalhar mesmo nele, eu não vou trabalhar nele pra vida toda, porque é um serviço
cansativo. E a cada dia que passa vai ficando mais perigoso. Então eu tento assim, tirar uma
renda pra mim continuar os meus estudos e ter uma profissão melhor. Porque a gente não vai dar
conta. Igual tem muita gente que tem muitos anos de mototaxista e tá cansado. Então eu não
pretendo ficar muitos anos. Ah o meu sonho mesmo é eu fazer uma faculdade de farmácia e ser
farmacêutica. Ainda pretendo ser. (Elizabeth)

Eu gostaria de trabalhar na área de Medicina, mas acho que é um pouco tarde pra isso. Por
exemplo, como eu trabalho com moto... Se eu trabalhasse como motoqueiro em uma equipe
médica eu me sentiria realizado. (Hilton)

Olha se eu fosse hoje ainda estudar, vamos supor que eu fosse um adolescente de dezoito anos e
fosse fazer faculdade eu procuraria ser um...Se não fosse um jogador de futebol, ou um atleta,
pra trazer medalha pro Brasil aqui eu seria um jogador de futebol, se não fosse tentaria fazer um
curso de direito, que tem um leque maior de opções né, você pode seguir um jurista, um juiz de
direito, um promotor de justiça, um delegado, até um oficial de polícia né. Até mesmo um
advogado, montar um consultório bom aí que você consegue vencer né. Eu acho que é a
profissão que tem mais chance de você ter uma boa profissão é o direito né. Eu seria. (Gildo)

Agora.. Ah ter terminado uma faculdade, e/ou estar cursando uma faculdade, estar finalizando
uma faculdade, pra que eu possa cursar a minha vida na área que eu gosto, na área que eu gosto,
como eu disse, eu gosto muito de fazenda. Como eu disse agorinha pros amigos eu gosto muito
de veterinária, zootecnia. (Edmar)

Quando indagados sobre o que os tornaria realmente realizados, quatro


interlocutores certificaram que gostariam de trabalhar como policiais (no GIRO – Grupo
de Intervenção Rápida Ostensiva, na Polícia Rodoviária Federal, na polícia civil, na
polícia militar). Esse interesse advém, bem como no vocabulário de motivos dos
mototaxistas, da associação da atividade à emoção, à aventura, à adrenalina, mas
também, não tão explicitamente, ao reconhecimento que a categoria tem em
contraposição ao não reconhecimento da atividade exercida.
Outros se mostram descrentes quanto ao futuro graças às dificuldades
encontradas, relegam perspectivas próprias e privilegiam a ascensão familiar.
Considerando significativo o grau de autoreconhecimento na atividade apenas o jovem
Mauro afirmou se sentir realizado como mototaxista; ainda assim sua identificação é
justificada a partir de sua trajetória ocupacional como ele conta:
43

Ai, depois que eu sai da ótica eu fui trabalhar com o meu irmão num negócio aí que não deu
certo, né? Aí eu fiquei desempregado por causa disso. Aí tava difícil de arrumar emprego por
causa do meu nome, porque ele sujou meu nome, né? Porque eu emprestei meu nome pra ele e
tal. E eu peguei e aí andando e tal, minha mãe mora aqui de frente, eu vi a plaquinha ali que tava
precisando de motoqueiro sem moto pra trabalhar na moto do dono da central. E eu peguei e vim
cá pra ver como é que era, e foi indo e eu fui tomando gosto. Com o tempo eu já tinha minha
moto, né? E aí eu peguei, apareceu uma vaga pra trabalhar na moto própria e eu comecei, como
clandestino mesmo, né? E depois que eu legalizei.

A identidade visada apesar de ser reivindicada é praticamente desprezada no


entanto a deixa é amenizada pela institucionalização do serviço, assim a atividade não é
considerada pelos informantes como uma ocupação temporária, 70,9% são mototaxistas
há mais de cinco anos e 67,3% a encaram como uma profissão23, enquanto 23,3% como
um trabalho provisório que se tornou permanente devido à necessidade, 5,7% como um
trabalho provisório e 3,3% como um empreendimento. Contudo, a Classificação
Brasileira de Ocupações (CBO), cuja última versão foi reformulada em 2002, não
identifica a ocupação de mototaxistas na família ocupacional de “Motoristas de veículos
de pequeno e médio porte”, embora motobóis e motobikes já estejam reconhecidos na
família ocupacional de “Motociclistas e ciclistas de entregas rápidas”. O não
reconhecimento por parte da CBO é explicado pelo fato de que as motocicletas não
serem consideradas apropriados para transportarem pessoas. Mesmo assim 77,7% dos
informantes se dizem autônomos, 17% cooperados, e 15% proprietários de CPS e
mototaxistas. Apenas 5% dos informantes trabalham em outras atividades,
majoritariamente, são atividades ligadas ao subsetor distributivo ou pessoal.
Ao analisar o vocabulário de motivos o que se percebe é que o serviço de
mototáxi torna-se uma possibilidade de inserção no mundo do trabalho meio às restritas
possibilidades de remuneração econômica, à falta de expectativas em relação ao
mercado de trabalho formal e ao crescente desemprego. Para compensar às
desvantagens do trabalho a justificativa arraigada no vocabulário de motivos enfatiza os

23
Para Freidson (1998) profissão é uma ocupação que logra reconhecimento social e necessita de
conhecimento especializado, portanto é autônoma, detentora do monopólio sobre o campo e com ideais
de profissionalismo específicos. Embora o sentido de profissão no contexto da resposta não corresponda
ao da sociologia das profissões, traz algumas semelhanças, pois compreende um certo tipo sistematização
das atividades requeridas na ocupação, já que os permissionários devem fazer cursos de qualificação,
além do reconhecimento legal.
44

aspectos positivos da ocupação ligando muitas vezes o trabalho ao lazer: a sensação da


liberdade e autonomia, às amizades feitas, o clima de sedução existente, o prazer e a
emoção de andar de motocicleta e a coragem de trabalhar em condições adversas. Por
outro lado, praticamente desconsidera os inconvenientes da ocupação, talvez porque os
custos embutidos à autonomia e a liberdade sejam muitos elevados; afinal de contas
trata-se de uma atividade estressante, perigosa, instável, cansativa, fiscalizada pela
SMT, de certa forma controlada pelos donos das CPS, enfim as condições de trabalho
são precárias. Ainda assim, implica uma renda mensal acima do que obteriam em outros
postos de trabalho devido às dificuldades enfrentadas no competitivo mercado de
trabalho. Em compensação há uma vaga identidade projetada, uma perspectiva de futuro
por meio da formação, o que está, para a maioria dos mototaxistas fora de cogitação,
mas permanece a necessidade de trabalhar exaustivamente para manter a situação
presente.
A constituição de uma identidade social relacionada à identidade ocupacional
positiva torna-se ainda mais complicada, pois na tentativa de manter a situação presente
perante a concorrência na oferta dos serviços, de modo geral os mototaxistas adaptam-
se às exigências dos clientes com o intuito de conquistá-los, fazendo até coisas
impensáveis, como declara Hildo ao falar sobre o relacionamento com os clientes: “A
relação é boa, mas tem uns que querem que a gente faça coisas absurdas, faz você
deslocar aqui do Jardim América e chegar em dez minutos lá no banco. Faltando dez
minutos pras quatro, para fechar o banco!”
A afirmação acima explicita que o serviço de mototáxi não se restringe a
transportar passageiros; os mototaxistas também cumprem serviços de motobói
(realizam serviços bancários, buscam e entregam objetos), fazem viagens e até mesmo
realizam tarefas que nada têm a ver com o transporte de pessoas, como serviços de
investigação, à semelhança de “detetives” amadores. Além de realizarem serviços que
não cabem ao ofício do mototaxista, também admitem serviços em confiança (“fiados”),
tornam-se disponíveis quase em tempo integral e fazem “amizade” com os clientes. A
declaração de Divina mostra a disponibilidade que ela oferece aos seus clientes e o tipo
de serviço oferecido:

Bom, eu faço, eu faço, eu transporto, né, faço corrida de motobói que no caso é porque tem o
mototáxi que carrega pessoas e motobói que carrega mercadoria né, serviço de banco... Tem
cliente que, que te pega, vamos supor, contrata meu dia “Ah vai lá em Hidrolândia pra mim!”, eu
faço viagem também, então acontece muito e a gente tá ali pra o que der e vier, chegou “Ou me
45

leva lá em Brasília!” a gente vai na hora. E é desse jeito, chegou ali, a gente tá pra servir e pra
correr pra qualquer lugar. E também tem muitas mulheres que procuram o meu serviço no caso
pra é, como se diz, é, investigar, seguir o marido, (risos), homem também procura...

A seguir Divina comenta sua relação com os clientes e Danilo sobre as


conversas com os clientes durante a corrida:

Bom, eu não tenho os meus clientes como clientes, tenho eles como meus amigos, é um... É uma
coisa muito, assim, interessante que eu acho, é uma coisa que eu adoto pra mim, não ter como
meus clientes, mas sim como meus amigos né, isso, e assim não só pra trabalho, mas pra
qualquer coisa, pra ajudar quando tiver precisando, num é só serviço.

A maioria da minha clientela é do sexo feminino. A maioria das vezes contam assuntos pessoais,
da vida particular dela. Muitas das vezes é do trabalho dela, da profissão dela e muitas vezes da
vida íntima, da vida particular dela, da vida conjugal dela. Existe muito isso. Parece que tem
determinados assuntos, que elas têm medo de conversar com marido e conversa com a gente. É
como se a gente fosse um psicólogo, só escutando.

O que se pode perceber nas falas dos entrevistados é que a maneira de trabalhar
dos mototaxistas é moldada pelas vontades dos usuários do serviço. Assim, os
trabalhadores ficam praticamente à mercê dos caprichos dos clientes, pois na medida em
que os mototaxistas aceitam as exigências dos clientes mais estão submetidos às suas
vontades, ou seja, as práticas de consumo direcionam e dão forma à cultura do trabalho
dos mototaxistas. Nesse sentido, a submissão por parte dos mototaxistas às vontades dos
clientes expressa um certo tipo de “servidão” e para a ocupação isto é negativo porque
diverge dos princípios do profissionalismo (tratamento igual para todos os clientes,
horário fixo de atendimento). A fala de João, dono de uma CPS, desabafa comentando
essa dimensão “servil”:

O motoqueiro em si, faz o que quer, cobra o preço que ele quer cobrar, ele trabalha da forma em
que quer trabalhar, ele trabalha onde ele quer trabalhar, mesmo que o regulamento não permita
isso. Mas o que mais me indigna mesmo é o preço da corrida, porque eu acho muito caro e não
tem fiscalização. (...) Por exemplo, o motoqueiro começou a fazer sua clientela, começou a ficar
bem, só que ele quer chegar tarde no serviço, ele que matar serviço, quer dizer ele chega tarde,
um cliente liga, não encontra ele, chama outro, o outro vai e crau no cliente, amanhã ele não vai
trabalha eu vou no cliente dele, o cliente gosta do meu atendimento, que eu tô sempre presente, o
cliente vai querer ficar comigo.
46

Obviamente alguns se organizam melhor, mesmo com instabilidade da atividade,


e privilegiam outros aspectos que não somente o trabalho. Em contraposição, outros
mototaxistas se dedicam prioritariamente ao trabalho, têm mais disposição e fôlego, o
que os torna, em alguns aspectos, mais bem sucedidos com os clientes, pois se dedicam
mais tempo ao trabalho. Mas a dedicação excessiva pode não alcançar os objetivos
esperados, pois a eficiência do serviço não depende somente do atendimento ao cliente,
mas também das propriedades específicas e imprescindíveis da atividade.
Quando indagados em uma questão aberta sobre como seria um bom mototaxista
a característica mais citada para um bom profissional foi relativa ao atendimento ao
cliente (respeito, educação, atenção, simpatia, paciência, honestidade, responsabilidade,
pontualidade, preço bom), enquanto características próprias à atividade foram bem
menos citadas, tais como prudência no trânsito, cuidado com os instrumentos de
trabalho, conhecer a cidade, ser um bom condutor, higiene pessoal.
O fato das práticas de consumo estar diretamente atrelada à cultura do trabalho
no serviço de mototáxi em Goiânia revela um certo tipo de sujeição dos mototaxistas, o
que dificulta a criação de uma identidade social positiva ligada à ocupação e os
distancia cada vez mais dos parâmetros do profissionalismo. Essa sujeição é inerente
aos serviços pessoais, que prezam pela personalização no serviço e pela satisfação do
cliente. No entanto é indispensável o questionamento sobre os impactos deste entrelace
nas construções identitárias em uma sociedade que prioriza fortemente o consumo e o
consumo de serviços.
Tendo em vista as representações negativas da atividade; o ingênuo vocabulário
de motivos arraigado à atividade; as experiências negativas identificadas na trajetória
ocupacional dos mototaxistas; as divergências entre auto-reconhecimento e
reconhecimento de outrem no serviço; a complicada relação entre identidade social e
identidade ocupacional dos mototaxistas presume-se que a gestão identitária por parte
dos mototaxistas é delicada, demanda certo esforço subjetivo e estresse nas constantes
negociações identitárias.
Identifico um equilíbrio oscilante nas vivências dos mototaxistas, pois como são
constantemente confrontados pelas representações sociais negativas da atividade, devem
estar prontos a revidar quando seus status sociais são questionados. Pilotam suas vidas,
mas muitas vezes de modo defensivo, instantâneo e até passivo, em contraste com o que
se evidencia no vocabulário típico da categoria.
47

Percebeu-se que boa parte dos mototaxistas crê em Deus, apesar de afirmarem
não ter religião e não freqüentarem igrejas, cultos ou rituais. Oram e pedem proteção
quanto às incertezas do dia-a-dia de trabalho e quanto às instabilidades ocasionadas pela
precariedade da atividade. A crença em Deus anuncia um subterfúgio intrínseco à
atividade e certa evasão quanto às dificuldades do serviço. Funciona quase uma mania
recorrente expressa em frases típicas tais como “Se Deus permitir, quiser...” e “Graças a
Deus...”. Abaixo estão às respostas de alguns dos informantes quanto à questão de
estímulo a memória: “quando você está indo para o trabalho quais são as primeiras
coisas que passam pela sua cabeça”:

Ah primeira coisa que passa é eu pensar em Deus pra me proteger o dia inteiro porque o perigo
que a gente corre na rua é muito. Porque tem muitas pessoas que é ruim. (Nádia)

Nossa na minha cabeça a primeira coisa que passa, é nossa, que Deus me abençoa porque é
perigoso demais, a primeira coisa. Ah perigoso o trânsito, primeiro eu peço a Deus que ele me
abençoe, depois eu peço a Deus que o dia seja bom, não seja tão estressante, que o ambiente de
trabalho seja assim bem tranqüilo porque motoqueiro vou te contar ele é muito estressado, o dia
todo assim. (João)

Primeiro lugar, costumo fazer uma oração pra Deus. Pedindo pra que todos nós sejamos
protegidos pela força divina mesmo é lógico. Antes de iniciar qualquer trabalho durante o dia.
Peço para que esse dia seja abençoado como o de ontem e os outros anteriores. E que seja melhor
que cada dia após o outro. Eu acredito, muito, muito em Deus. (Hildo)

A primeira coisa que passa, é quando eu coloco o capacete, eu faço uma oração e peço a Deus
para iluminar os meus caminhos durante todo o dia... Dou uma olhada na moto vejo como estar à
situação dela. (Tonie)

Também existem alguns casos em que a religião é central para a definição


enquanto pessoa e não em relação à ocupação, como é o caso de Wilson, que acredita
que a atividade de mototáxi é um exame divino, é uma etapa avaliativa para lograr a
benção de Deus. O exercício da atividade tornaria possível ajudar pessoas com
problemas, como relata Wilson:

Graças à Deus tem me sustentado. (...) E tem coisas maiores. Eu sei que Deus vai me dar coisas
maiores. Há poucos dias atrás eu tava comentando com um amigo meu, graças a Deus a gente é
abençoado, tal, e isso aqui é só um teste. Eu sei que se eu passar por esse teste, uma coisa muito
maior Deus vai me colocar. É um teste, eu preciso ser aprovado. É como você vai fazer uma
48

prova pro vestibular. Se você passar e for aprovado você vai cursar. Se você cursar e ser
aprovado você vai ser alguém. Outro dia eu peguei uma jovem aí, era tarde. Dez horas da noite.
Era viciada. Hoje em dia eles falam que é a droga mais... Misericórdia essa droga! Chama pedra.
Então... “vamo ali”, tal. Aí no decorrer eu vi que ela tava atrás dessa droga. Aí eu comecei a
conversar com ela em nome de Jesus. “Amiga, você é tão jovem, tão bonita, envolvida com
essas coisas...” Aí comecei a falar pra ela de Jesus: “olha, a Bíblia fala que o seu corpo é templo
do Espírito Santo. E você tá estragando o seu corpo com isso aí.” Entendeu, a sua saúde tá indo
embora, a sua juventude já tá indo embora, comecei a pregar pra ela. E ela chegou a chorar.
Naquele momento que ela chorou, viu que ela realmente estava errada, e reconheceu o erro dela.
Não sei se ela procurou o senhor, se ela foi pra dentro de uma igreja, não sei. Mas foi gratificante
pra mim. Quer dizer, eu podia ajudar ela naquele momento. Falei do senhor pra ela...

Josué também é bastante religioso e se reconhece como “Ah eu me reconheço


como um, eu me reconheço como um servo de Deus é isso, como um servo de Deus”.
Para ele sua religiosidade faz a diferença em seu trabalho, note em sua fala:

As pessoas me respeitam, entendeu? Elas sabem que eu sou evangélico, que eu sou crente
entendeu? Elas sabem que, as pessoas lá, os meus colegas de serviço sabe, assim, quando tem
alguma, algum negócio assim que é de confiança, eles já, chamam o Josué, chama o Josué,
porque eles sabem que o Josué não vai dar o cano em ninguém, vai cumprir com aquele horário
direitim, se a pessoa combina comigo, por exemplo: olha moço eu to precisando de um mototáxi
pra me pegar quatro e meia da manhã, tem alguém que possa fazer isso? Chama o Josué, porque
eles sabem que eu não vou fazer nenhum tipo de, sabe?!

A fé de Wilson e Josué, indica uma “identidade fora do trabalho” (DUBAR,


1997) que estimula positivamente suas identidades sociais, é uma maneira encontrada
de se diferenciarem dos outros mototaxistas, aventureiros e desleixados, e também de
restabelecer a identidade social, por vezes, articulada ao vocabulário típico arraigado à
atividade.
49

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto de pesquisa que originou esta monografia propunha também abordar os


consumidores do serviço de mototáxi, para analisar com mais afinco as interações que
ocorrem entre trabalhadores/consumidores e compreender de que modo a cultura do
serviço de mototáxi, expressa pelos clientes em representações sociais ou construções
típicas, interfere na construção identitária dos mototaxistas; no entanto a proposta
completa dificilmente se realizaria em apenas um ano. Ainda, evidencia-se que recorrer
aos consumidores ou clientes seria bastante proveitoso. Por exemplo, já que a demanda
pelo serviço é bastante heterogênea no que se refere ao tipo de serviço prestado e ao
perfil do consumidor, de que modo essas diferenças contribuiriam para reforçar ou
reduzir o que aqui se considerou como um tipo de “servidão” nos serviços de mototáxi? E
como se caracteriza a relação entre mototaxistas e clientes e mototaxistas e passageiros
esporádicos, em que o vínculo interativo ou personalístico inexiste ou é muito fraco?
Supostamente essas indagações remetem a certa dualidade da atividade; ora é uma
atividade moderna e impessoal, ora é uma atividade tradicional e repleta de pessoalidade.
A modernidade é expressa em uma característica própria da atividade, a velocidade, a
acessibilidade, o baixo custo e a eficiência da atividade prestada, no contexto do
transporte alternativo em metrópoles. A tradição é expressa nos relacionamentos, até o
limite da confiança e pessoalidade entre trabalhador no serviço e consumidor, bem como
na satisfação dos clientes. Claro que essas duas tendências se entremeiam, dependendo
principalmente do contexto de ação. Pela pesquisa realizada notou-se que a atividade é
marcada pela tradicionalidade, mesmo assim, essa observação depende de alguns fatores
como: o setor que o mototaxista trabalha, se o mototaxista trabalha em pontos ou CPS, se
atende mais clientes ou passageiros esporádicos, se trabalha em “não lugares” (Cf.
BAUMAN), lugares em que praticamente não ocorrem trocas identitárias e práticas de
sociabilidades, como aqueles que trabalham nas portas de shoppings, rodoviárias, bancos.
No caso dos consumidores seria interessante analisar se há ou não preferência/fidelidade
pelos mototaxistas, quais fatores os clientes consideram na escolha de um mototáxi, quais
motivos levam a mudar de mototáxi, dentre outras questões que auxiliam na compreensão
das interações entre eles.
A triangulação de dados (FLICK, 2004) empregada na pesquisa foi bastante
proveitosa, pois algumas questões que não foram abordadas na etapa quantitativa, devido
ao referencial teórico-metodológico, foram acopladas na etapa qualitativa já que surgiram
50

como hipótese durante o processo da pesquisa como: a crença em Deus que se revelou
arraigada a atividade e também fatores migratórios evidentes em atividades
desvalorizadas socialmente.
As representações sindicais da categoria, a despeito de seu caráter pioneiro em
Goiânia, foram expressas pelos trabalhadores apenas relacionadas a interesses políticos
pessoais dos representantes e se caracterizaram por uma apatia notória de parte dos
representados, demarcando assim o caráter não participativo da categoria. Esse aspecto
foi detectado na pesquisa, mas não aprofundado, ainda que expresse um sério problema
na constituição identitária ocupacional, já que é através das instâncias de representação
que se adquire autonomia profissional, monopólio sobre um campo e reconhecimento
social (Cf. FREIDSON). Mesmo com os benefícios adquiridos pelo SINDIMOTO, nota-
se uma fragilidade representativa séria, já que os mototaxistas praticamente não
participam das decisões tomadas e isso recai na identificação da atividade como uma
ocupação e não como uma profissão devido ao modo genérico de organização dos
mesmos. A efetivação de negociações sindicais pertinentes renderia benefícios para a
categoria e teria reflexos no fortalecimento da “identidade para o outro”, conforme a
teoria sociológica da identidade profissional de Claude Dubar.
Este trabalho pode contribuir para pesquisas relacionadas à identidade social e à
identidade ocupacional, como também em áreas afim a sociologia do trabalho como a
psicologia do trabalho, a economia, antropologia do consumo entre outros campos.
51

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Rio de Janeiro: IPEA, março 1998. (Texto para Discussão, N.º 549).

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Farberman, Harvey A. (eds.) Social Psychology through Symbolic Interaction. Waltham:
Xerox College, 1970, p. 472-480.

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Contemporâneo. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Econômico) – Unicamp, 2006.

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18, n. 1, p. 173- 195, junho 2006.
55

ANEXO A – Questionário da pesquisa

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS


FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PESQUISA: ANÁLISE SOCIOLÓGICA DO SERVIÇO DE
MOTOTÁXIS EM GOIÂNIA

Esta é uma pesquisa de sociologia do trabalho da UFG ligada ao NEST (Núcleo de Estudos sobre o
Trabalho), que tem como intuito, estritamente científico, examinar a construção da identidade
profissional/ocupacional dos mototaxistas, identificar as interações entre estes e seus clientes,
analisar a organização do trabalho desta categoria profissional na região metropolitana de Goiânia.
Agradeço a colaboração e gostaria que pudesse responder algumas questões acerca do seu trabalho,
sendo que os seus dados e sua identidade serão preservados. E a análise dos mesmos serão
analisados coletivamente.

Coordenador: Prof. Jordão Horta Nunes Pesquisadora: Marina Lemes Landeiro

Nº do questionário: _______ Central : ______________________________


Ponto:______________________

Características Gerais:

1 - Nome: ______________________

2 - Idade: ______________________

3 - Sexo: 1. Masculino 2. Feminino

4 – Considerando as seguintes categorias, qual é a sua cor (ou raça):

1. Branca 2. Preta 3. Parda 4. Amarela 5 . Indígena 99. NS/NR.

5 – Setor onde mora: ___________________________________

6 - Estado civil: 1. Casado 2. Solteiro 3. Viúvo 4. Separado/ divorciado 5. Vive Junto.

7 - Quantidade de filhos: 1. Não tem 2. Um 3. Dois 4. Três 5. Quatro 6. Mais de quatro.

8 - Na sua casa moram: 1. Pai/padrasto 2. Mãe/Madrasta 3. Irmão(s) 4. Esposa(o) 5. Filhos 6.


Outros.

9– Atualmente, você está estudando:

1. Sim 2. Não, mas pretendo retornar 3. Não, parei definitivamente. 99. NS/NR

10- Grau de escolaridade do informante: 1. Sem escolaridade/1ª fase incompleta do ensino


básico. 2. 1ª fase do ensino básico completo/2ª fase do ensino básico incompleta. 3. Ensino
básico completo/Ensino médio incompleto. 4. Ensino médio completo/Superior incompleto
5. Superior completo.
56

11- Grau de escolaridade: 1A - Pai: _______ 99. NS/NR.

2B - Mãe: _______ 99. NS/NR.

12 - Renda individual: _____________ reais 99. NS/NR 10 - Renda familiar: _____________reais


99. NS/NR

13 - A sua moradia é:

1. Própria, já paga. 2. Própria, ainda em pagamento. 3. Cedida. 4. Alugada. 5. Outro

99. NS/NR

Trabalho:

14 - Quantos anos tinha quando começou a trabalhar? ____________ 99. NS/NR

15 – O que você fazia no seu 1º emprego __________________________________________

99. NS/NR

16 - O que você fazia antes de ser mototaxista? ______________________________________

99. NS/NR

17- Você trabalha com outra atividade além de ser mototaxista?

1.Sim. 1A - O que? _______________________ 2. Não.

18 - Há quanto tempo você é mototaxista? ____________________________

19 - Você é filiado ao SINDIMOTO? 1. Sim 2. Não

20 - Você é filiado à FENAMOTO? 1. Sim 2. Não

21 - A moto em que trabalha é?

1. Própria, já paga. 2. Própria, ainda em pagamento. 3. Da cooperativa. 4. Alugada. Diária:


_________

5. Cedida pelo empregador.

22 - Condição de trabalho atual: 1. Autônomo 2. Associado ou cooperado. 3. Subcontratado

4. Empregador 5. Outra. Qual? _______________________________________

Jornada de trabalho:

23 - Quantos dias por semana você trabalha como mototáxi? ______________________________

24 - Que horário trabalha como mototaxista? 1. De manhã 2. À tarde. 3. À noite. 4. Em mais de


um período.
57

25 - Quantas horas por dia você trabalha como mototaxista?


___________________________________

26 - Caso tenha outro emprego, qual a carga horária total por dia de
trabalho?________________________ 98. NA

27 – Como você encara a sua atividade? 1. Profissão. 2. Empreendimento. 3. Ocupação


ocasional (bico) 4. Bico ocasional que se tornou permanente devido à necessidade.

Opiniões:

27 – Para você como é um bom mototaxista? O que caracteriza um bom mototaxista?


________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________

Opine sobre as seguintes afirmações abaixo conforme a seguinte escala valorativa:

1. Discordo 2. Concordo em partes 3. Concordo totalmente

28 ( )O clima e o tempo influem no rendimento do mototaxista.

29 ( )O mototaxista deve entender de mecânica.

30 ( )Os equipamentos públicos necessários ou que auxiliam o trabalho do mototaxista (asfalto,


sinalizadores de trânsito, orelhão, etc.) são bons em Goiânia.

31 ( ) As centrais exploram o trabalho dos mototaxistas.

32 ( )O custo financeiro de ser mototaxista é alto.

33 ( ) O mototaxista deve conhecer bem a cidade (ruas, setores, hospitais, escolas, bares etc.).

34 ( ) O mototaxista deve ser solidário e cooperar com os outros mototaxistas.

35 ( ) A comunicação entre os mototaxistas é importante.

36 ( ) Ser mototaxista é perigoso.

37 ( ) O mototaxista é desrespeitado no trânsito

38 ( ) Acontecem muitos acidentes envolvendo motoqueiros em Goiânia porque estes não têm
qualificação para transitar em motos.

39 ( )O legal de ser mototaxista é conhecer pessoas e lugares diferentes.

40 ( )A higiene do mototaxista é essencial para o êxito dele.

41 ( )A atividade do mototaxista é valorizada e reconhecida.

42 ( ) Gosto de minha ocupação como mototaxista.


58

43 ( ) Para conservar o cliente o mototaxista deve ter boa aparência.

44 ( )O atendimento ao cliente deve ser diferenciado conforme as características do cliente.

45 ( ) Existe pouco vínculo entre mototaxista e cliente porque para o cliente não importa quem é o
mototaxista, o que importa é chegar onde desejam.

46 ( )Existem clientes que se tornam amigo(a)s.

47 ( ) A melhor maneira de fidelizar clientes é estar em um bom ponto, ou seja, que tenha grande
volume de pessoas que necessitem do serviço.

48 ( ) Se o cliente é fiel ao mototaxista é ruim porque o mototaxista se sente na obrigação de


buscá-lo onde estiver e ainda fazer um preço bom.

49 ( )Ser simpático com o cliente é o que o mototaxista deve fazer para conquistá-lo.

50 ( )É fundamental tornar-se conhecido como mototaxista, distribuindo cartões de trabalho, por


exemplo

51 ( ) O tratamento deve ser igual para todos os clientes.

52 - Se o questionário fosse auto-aplicável você acha que responderia? 1. Sim 2. Não 99. NS/NR

51 - Aceitaria colaborar em outra fase da pesquisa, a entrevista? 1. Sim 2. Não

Telefone para contato para a entrevista: _______________________________________

52 - Você prefere que a entrevista aconteça?

1. Por telefone. 2. Por e-mail. 3. No local de trabalho. 4. Em casa. 5. Em outro local.

53 - Qual dia da semana? ________________________________________ 99. NS/NR

54 - Em que horário? ____________________________________________ 99. NS/NR

Observações:
59

ANEXO B – Roteiro da entrevista da pesquisa

Cadastro: (Nome, telefones, e-mails, endereço)

Questão de estímulo à memória:

- Imagine que agora está em cima da sua moto indo para o trabalho, o que você pensa que tem te
aguardando no seu dia de trabalho, qual a primeira coisa que vem à sua cabeça quando você se
lembra do seu trabalho?

Dia-a-dia de trabalho

- Conte-me sobre seu dia de trabalho (tentar obter uma narrativa). A respeito do seu cotidiano se
trabalho como ele é me descreva.

- Em sua jornada de trabalho, o que você costuma fazer quando não está fazendo corridas ou
serviços de motobói?

- Eu quero saber, em seu cotidiano, como você preenche o tempo que lhe sobra além do tempo em
que trabalha?

Trajetória de vida

- Conte um pouco a história de sua vida. Resuma a história da sua vida.

Trajetória profissional

- Agora eu quero que você me fale sobre sua trajetória profissional, os empregos que teve, onde
trabalhou...

- A partir do histórico que me descreveu gostaria que me falasse sobre os motivos que te motivou a
começar a trabalhar como mototaxista.

Identidade ocupacional

- De que maneira você se sente em relação as suas expectativas, anseios relativos a sua ocupação
como mototaxista.

- Me fale sobre aspectos positivos e negativos de ser mototaxista.

- De modo geral você se identifica com o que faz, por quais motivos, explique-se.

- Como você acha que seria da sua vida se não trabalhasse como mototaxista?

- Com o que você realmente gostaria de trabalhar, com o que acha que se sentiria realizado?
60

Identidade social (elementos psicológicos, elementos sociais, elementos relacionados à ação - ao


que a pessoa faz), defeitos e qualidades, virtudes, dons).

- Eu queria que tentasse se definir como pessoa pra mim.

Como você se reconhece? O que você é?

Como as pessoas te reconhecem?

Você acha que as pessoas o conhecem como você realmente é?

- Eu queria que me falasse sobre os seus hábitos, o que você costuma fazer, o que gosta de fazer.
Costumes e gostos.

- Você seria capaz de se posicionar numa escala social, numa classe social. De que classe social
você se considera?

Laços primários

- Eu gostaria que você me falasse um pouco sobre sua família, seus amigos, sua comunidade.

Interações nas centrais/cooperativas/pontos

- Gostaria que você me contasse como é o seu ambiente de trabalho.

- Hierarquia nas relações de trabalho.

- Que tipo de situações te deixam insatisfeitos/satisfeitos em seu ambiente de trabalho?

- O que você acha da presença de mototaxistas clandestinos nas centrais?

Gênero

- O trabalho dos mototaxistas em Goiânia é praticamente um trabalho masculino, existem poucas


mulheres mototaxistas. Por que você acha que isso acontece?

- A moto, o trânsito, tem alguma coisa a ver com o masculino? Então que tem a ver com o feminino
ou masculino dependendo do caso?

- A atividade de mototaxista colabora para sua identidade como homem ou como mulher? Em que
sentido me conte, ou dê exemplos.

Interações com clientes

- Você saberia me falar sobre o perfil dos seus clientes?

- Em geral como é o seu relacionamento com os clientes?


61

- Você poderia me dar exemplos de situações marcantes vivenciadas por você com seus clientes.

- Procure remontar uma típica conversa que tem com seus clientes, qual o tipo de conversa mais
comum que ocorre?

SINDIMOTO/FENAMOTO

- Se eu te falar a palavra SINDIMOTO o que vem a sua cabeça?

- E Robson Alves?

- Você tem o hábito de levar reivindicações sobre o trabalho ao sindicato? Ou mesmo discutir
questões acerca do trabalho dos mototaxistas?

SMT

- Quais as experiências mais marcantes vivenciadas por você referentes à SMT que você se recorda.

- Como você avalia o trabalho feito pela SMT?


62

ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Após ser
esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao
final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador
responsável, Em caso de recusa você não será penalizado de forma alguma. Em caso de dúvida você
pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás pelo telefone 3521-
1075 ou 3521-1076.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:

Nome do Projeto: Análise sociológica de serviços distributivos e pessoais.


Pesquisador Responsável: Jordão Horta Nunes
Telefone para contato: 3521-1451 – 8447-3961
Pesquisadores participantes: Lúbia Gonzaga Dutra
Marina Lemes Landeiro
Laís Lima
Telefones para contato: Lúbia: 3225-4555 – Marina: 36223058 – Laís: 3286-6229

Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar, sob o ponto de vista da sociologia do
trabalho e do consumo os subsetores de serviços pessoais (atividades que atendem a demanda
privada, que ocorrem , por exemplo, em bares, recreação, serviços domiciliares, serviços de beleza
etc.) e de serviços distributivos (atividades ligadas ao comércio, transporte, comunicação e
armazenagem) no Brasil, com destaque à na região metropolitana de Goiânia. Seus objetivos
específicos são: analisar algumas formas de trabalho formal ou informal nos subsetores
mencionados, as ocupações, as transformações de representações sociais de trabalho nos nichos
selecionados, questões de gênero, interações e relações sociais de trabalho, cultura do trabalho e do
consumo nos respectivos subsetores. São utilizadas informações de arquivos de órgãos públicos
(SEPLAN, SEDESEN, DETRAN, IBGE), de bases de dados (RAIS, Censo Demográfico, PNAD),
de instituições do sistema S (SEBRAE) e de livros e artigos especializados sobre o assunto. São
também realizadas entrevistas com trabalhadores e seus familiares, consumidores de serviços,
proprietários de estabelecimentos comerciais ou gerentes de agências de serviços. Serão realizadas
cerca de 100 entrevistas nos dois anos de duração do projeto de pesquisa. Os resultados desta
pesquisa serão publicados em revistas científicas e em sites de eventos científicos e estarão
63

disponíveis aos entrevistados, caso queiram certificar-se da pertinência das informações veiculadas.
A Universidade Federal de Goiás aproxima-se, assim, das necessidades e demandas da sociedade,
procurando alternativas para analisar as representações sociais da cultura do trabalho e das práticas
de consumo no setor de serviços, com ênfase nos serviços pessoais e de distribuição (como o
comércio). As entrevistas serão realizadas por três alunas do Curso de Ciências Sociais, Lúbia
Gonzaga Dutra, Marina Lemes Landeiro e Laís Lima; eventualmente o professor orientador, Jordão
Horta Nunes, os acompanhará na realização das entrevistas, que serão gravadas em áudio e durarão,
em média, de 20 a 40 minutos. Os pesquisadores devem identificar-se no momento da entrevista. Só
serão efetivadas entrevistas após a assinatura do termo de consentimento da participação da pessoa
como sujeito da pesquisa. A identidade do entrevistado será resguardada e só serão divulgadas
informações relacionadas a pseudônimos ou nomes fictícios. O entrevistado tem o direito de, a
qualquer momento durante ou após a entrevista, retirar seu consentimento, obrigando o pesquisador
a não utilizar as informações porventura registradas. O sujeito entrevistado não incorrerá em
qualquer sanção ou penalidade caso retire seu consentimento.

Jordão Horta Nunes

_______________________________________
64

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO

Eu, _____________________________________, RG/ CPF/ n.º de prontuário/ n.º de


matrícula ______________________________, abaixo assinado, concordo em
participar do estudo _____________________________________________ , como
sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido pelo pesquisador
______________________________ sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha
participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer
momento, sem que isto leve à qualquer penalidade ou interrupção de meu
acompanhamento/ assistência/tratamento.
Local e data
_______________________________________________________________
Nome e Assinatura do sujeito ou responsável:
____________________________________

Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos sobre a pesquisa e


aceite do sujeito em participar
Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores):
Nome: ________________________________
Assinatura: _________________________
Nome: ________________________________
Assinatura: _________________________

Observações complementares:

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