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Movimento Educação de Base (MEB) junto às comunidades rurais uma pessoá "incapaz", uma criança adulta "emburrecida". Eram
todo o país, que iremos abordar posteriormente. • ndes as dificuldades pois ao preconceito se somava a inércia ~, por
Haddad e Di Pierro (2000) apontam que a grande contribuição d I nenhum paradigma pedagógico para essa modalidade de ensino
CEAAfoi a constituição do campo da Educação de Jovens e Adultos, d t formulado (cf. PAIVA, 1983).
que decorreu, ainda que com percalços, a criação, no âmbito dos rnu- Constatava-se também que a CEAAalfabetizou pouco em relação
nicípios e Estados brasileiros, de uma infra-estrutura para atend ltas taxas de analfabetismo do periodo. A tabela 1, mostra que
jovens e adultos. ntre nas décadas de 1940 e 1950 a diminuição do analfabetismo foi de
t,
Tudo o que lemos a respeito da CEAAnos convenceu de sua contrt- nas 5,5%. Metade da população do país com mais 15 anos de idade
buição para que o Estado assumisse o papel de indutor da Campanh nttnuava sem saber ler nem escrever, ou seja, não conseguiram fre-
o que acabou estimulando a participação efetiva dos governos por mei uentar as quatro primeiras séries do ensino primário.
da regulamentação dos fundos responsáveis pela distribuição dos re-
cursos financeiros. A criação e permanência do ensino supletivo no b.la 1. Taxa analfabetlsmo'no Brasil entre pessoas de 15 anos e mais (1920-1970)
••
sistemas educacionais de ensino foi fruto desta orientação política qu
Total Analfabetos
teve continuidade até o início da década de 1970.
17.557.282
~
--.Jl 11.401.715 ~_--.JL 64,9
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Freltas e Bteus
•••••• Metal. ecIucaçIono 1r.1I (192"'''')
Agrária (1964 a 1969); que a despeito do nome acabou priorizando as para pensar a educação e que se apresentava, então, exigindo que a
Estados Unidos (professor
discussões sobre o ensino primário. Tal iniciativa
convidado da Universidade educação respondesse à vida concreta, ao desenvolvimento, à forma-
Harvard, 1969). Em se reproduziu em quase todos os Estados. Sur-
Genebra, no ano de 1970, ção da nacionalidade por meio da formação da sociedade civil, portan-
foi Consultor Especial do giram naquele momento inúmeros grupos e to, à participação democrática. A proposta de Paulo Freire era a de
Departamento de
propostas para solucionar o problema da edu- elaborar uma pedagogia ligada à vida não apenas relacionada à escola-
Educação do Conselho
Mundial das Igrejas. Nessa cação de adultos no pais. rização formal, mas também à comunidade.
função atuou em países
da América, Ásia e África.
Foi nesse contexto que, também em 1958, Paulo Freire fazia parte de um grupo da Igreja Católica que apro-
Ainda nesse período foi apareceu o'grupo de Pernambuco que repercu-
presidente do Instituto ximava o seu pensamento pedagógico de algumas ideias passíveis de
de Ação Cultural (IDAC). tiu enormemente por meio do relatório produ-
identificação com alguns lemas escolanovistas. De certa forma, essa
Retornou ao Brasil em
zido por Paulo Freire, que tomou a iniciativa identificação está na gênese de muitas concepções pedagógicas prati-
1979, foi professor
da UNICAMP e da PUC de enfatizar que o problema do Nordeste não cadas pelo Movimento de Educação de Base (MEB), que iremos abordar
510 Paulo.
era o analfabetismo e sim a miséria. mais adiante.
Segundo Fávero (2006) esse pode ser consi-
Paulo Freire foi profundamente marcado pelas propostas de Anisio
derado o momento da virada. A discussão sobre Teixeira e dos chamados renovadores de uma forma geral. Dentre os
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IOCtIIIela educlÇlo no 1r•• 1I(1926-1996)
Frettas e Bteels
do pais, especialmente a dos setores mais necessitados. ingerência, senão quando distorcida e acidentalmente, não lhe permite ser
um simples espectador, a quem hão fosse lícito interferir sobre a realidade
A descentralização do ensino permitiria à comunidade local parti- para modificá·la. Herdando a experiência adquirida, criando e recriando,
cipar e controlar as decisões educativas que demandavam implemen- integrando-se às condições de seu contexto, respondendo a seus desafios,
objetivando-se a si próprio, discernindo, transcendendo, lança-se o homem
tação. É importante salientar que nesse modelo a chamada "cultura
num domínio que lhe é exclusivo - o da História e o da Cultura (FREIRE, 1967,
especifica" da comunidade teria um destaque muito especial, instau-
pp. 39-41).
rando uma nova dinâmica, na qual a educação estaria intrinsecamente
articulada àquilo que, naqueles anos, ganhou força e vitalidade: a ideia Freire (1967) acreditava que o processo de transformação da so-
Assim, comunidade e escola, de maneira integrada, experimenta- dos homens entre si e com a realidade na qual estavam inseridos.
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Freltas e Btccas HIlt6N sodal di educaçlo no Brasil (1926-1996)
acabando Por reproduzir as contradições que permeavam todas as re- mem", do "homem com a circunstância", e do "homem com o Cria-
lações sociais. dor". O educador deveria, assim, realizar a atividade educativa como
~r .'
O conceito de "educação bancária" de Paulo Freire tornou-se, um âiálogo constante e não interrompido, no qual as condições de vida
sem dúvida, parte daquilo que Febvre (1990) chamou de stock de' ideias dOIeducando e da comunidade constituir-se-ia em conteúdos existen-
que toda época tem: ciais da vida individual e social na locaLidade. Ap identificar e debater
os problemas emergentes, examinando-os de forma critica,' os educan-
À medida em que esta visão "bancária" anula o poder criador dos educandos
ou o minimiza, estimulando assim sua ingenuidade e não sua criticidade, dos, em grupo, se habilitariam a ser sujeitos na construção critica da
satisfaz aos interesses dos opressores, Para estes, .o fundamental não é o vida' coletiva (BEISIEGEL,
1992).1
desvendamento do mundo, sua transformação. Na verdade, o que preten- Para Arroyo (2001), a reflexão e a prática educatíva construidas
~ dem os opressores é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situ-
ação que os oprime. (... ) Pretendem, isto sim, conseguir através da educação pOIíI,PauloFreire foram sempre pautadas nos movimentos de jovens e
cada vez mais uma condição adaptativa que lhe garanta melhores formas de adultos, de trabathadores e dos camponeses que eclodiram nas décadas
dominação (FREIRE, 1970, p. 79):
de 1960e 1970, repercutindo também os movimentos culturais e de
.1. "' '"
Sua proposta, então, queria ser o antidoto ao modelo da educ;ação libertação dos povos da África ,e da América Latina.
"bancária", propondo uma educação "problematizadora", de caráter O autor as~inala ainda que o mais importante na pedagogia subja-
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,
cente à acepcêo freireana de prática da liberdade e de pedagogia do
"
matizadora" estaria intrinsecamente comprometida com o processo de jetos, métodos, conteúdos e ínstttuíções em direção ao sujeito. No seu
transformação e de libertação, contribuindo assim pata desmistificar a entender, mais do que propor metodologias, Paulo Freire procurou nos
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realidade, muitas vezes opressora, na qual as pessoas estavam inseri- reeducar na sensibWdade pedagógica para captar os oprimidos
.\ e ex-
das. Os educandos, nesse caso, deveriam ser estimulados a refletir, cluidos como sujeitos de educação, de construção de saberes, conheci-
agir de forma critica sobre sua própria situação, tornando-se sujeitos mentos, valores e cuuura. Sujeitos sociais, culturais, pedagógicos em
participativos da sua própria libertação, aprendi:z;ados, em formação.
I '11
Para Paulo Freire, a noção de "situacionalidade" era, em outras A proposta de integrar alunos, professores e pais na construção
, ,
palavras, uma reflexão' permanente sobre a condição de. existir a que social de uma nova educaçâo, no seu entender, significava uma possi-
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cada um(a) está sujeito. Por sua vez, a noção de "tomada de consciên- bilidade real de integrar comunidade e escola. Nos anos de 1960, Paulo
:1,
cia" equivalia a perceber os cóndicionantes históricos de cada situação Freire privilegia a comunidade como centro da educação polítíca que
(FRfIRE,1970, p. 135). sua proposta trazia em seu bojo, -especíatrnente naquilo que dizia
Corno uma forma de concretizar uma educação, "problematizado- respeito ao educando adulto.
ra", Freire defendia a necessidade de a escola estimular de forma
sistemática e permanente a prática do diálogo" do "homem com o bo- FREIRE,Paulo (1975a). fxtenslJo ou comunlcaçdo? Rio de Janeiro, Paz e Terra (1' ed. de 1969).
FREIRE,Paulo (1975b). Pedagogia da oprimido. Porto, Afrontamento.
FREIRE,Paulo (1987). "Sobre educação popular: entrevista com Paulo Freire". In: Rosa Maria Torres (Ora·),
'8 Mannhelm e Jaspers são os fi\ósofps ínspíradores de Paulo Freire na configuração da sua "pedagogía da fducaçlJa popular: um Encontro com Paulo Frelre. :ião Paulo, Edições Loyola, pp. 69·108.
comunicação", ou 'seja, uma pedallOlliafundada no conceito de Diálogo. Cf. FREIRE,Paulo (1967). fducaçlJo FREIRE,Paulo (1996a). PfdaIOJlo da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. 510 Paulo, Paz e
como prdt/ca da liberdade. Rio de Janeiro, Paz e ,Terra. Terr•.
Freltas e Blccas
HI,tórl. social da educaçllo no Brasil (1926·1996)
o Movimento de Cultura A educação passa a ser um instrumento a O sucesso dos Círculos de Cultura o levou a pensar na experimen-
Popular (MCP) foi criado
serviço da democratização. Seu ponto de parti- tação de um método de alfabetização que possibilitasse aos trabalha-
em maio de 1960, na
Prefeitura do Recife. da e de chegada era a comunidade, o que ocor- dores a apropriação do domínio da leitura e da escrita (FREIRE,
1967, pp.
Seu nome foi inspirado
no movimento francês
ria nas discussões dos problemas concretos das 102-104).
Peuple et Culture (Povo vidas das pessoas e dos grupos sociais a ela cir-
e Cultura). Foi divido em Esse processo de alfabetização foi amplamente validado em Angi-
3 departamentos: o de cunscritos.
cos, Rio Grande do Norte, com apoio do Governo Estadual (LYRA,1996),
Formação da Cultura
(DFC); o de
Um "método ativo" é desenhado, trans- por meio do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife,
Documentação e pondo para o âmbito da comunidade e para a
Informação (DOI) e o de hoje Universidade Federal de Pernambuco, coordenado pelo próprio
c Difusão da Cultura (DFC).
educação de adultos alguns dos princípios de
Paulo Freire, desde o início de 1963.
O Departamento de renovação metodológica, sugerindo, inclusive,
Formação e Cultura foi
o mais atuante, cabendo- uma peculiar assimilação do temas que eram
-lhe de acordo com
associados à "escola nova". Estes aspectos se-
o Estatuto (art. 15): Movimento de Cultura Popular -
1. interpretar, rão retomados e analisados posteriormente.
desenvolver e
Paulo Freire coordenou a Divisão de Pes-
a experiência de alfabetização
sistematizar a cultura
popular; 2. criar e quisa, a partir de 1960, no MCP (Movimento de o período que transcorreu entre o final da década de 1950 e os
difundir novos métodos
Cultura Popular) Tal fato se projetou como uma primeiros anos da década de 1960 foi muito especial no que se refere
e técnicas de educação
popular; 3. formar
investigação singular sobre educação de adul- às experiências populares de educação em todo o país. Algo de real-
pessoal habilitado a
transmitir a cultura ao tos, especialmente, sobre a sua alfabetização. mente singular ocorreu na história social de nossa educação.
povo. Era composto por
O intelectual pernambucano iniciou essa Daremos destaque às experiências levadas a efeito na região nor-
dez divisões: Pesquisa,
dirigido por Paulo Freire; pesquisa com a realização de Círculos de Cultu- deste do país em razão do processo peculiar de institucionalização que
Ensino; Artes Plásticas e
Artesanato, cujo diretor ra, experiência similar àquela vivida por ele no as ensejou. Tais experiências ocorreram no âmbito da ação governa-
era Abelardo da Hora; mental de algumas prefeituras.
SESI (Serviço Social da Indústria), com traba-
Música, Dança e Canto;
Cinema; Rádio, Televisão lhadores rurais, pescadores e operários. No Recife, a educação popular contou com o apoio de Miguel
e Imprensa; Teatro;
Cultura Brasileira; Bem
Quis ele, no âmbito do MCp,dar continuidade Arraes. Posteriormente, tivemos outra experiência de educação popu-
Estar Coletivo; Saúde; a essa experiência, introduzindo a questão da al- lar desenvolvida pela Prefeitura de Natal, com Djalma Maranhão. Para
Esportes, que
funcionavam por meio fabetização, pois, no trabalho anterior, realizado além dessas ações que espelhavam opções políticas dos governos men-
de programas e projetos
com temas escolhidos pelos 'próprios trabalhado- cionados, também a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Confe-
especiais. Germano
Coelho um dos seus res com os educadores, constatou que a maioria rência Nacional dos Bispos do Brasil atuaram fortemente, implemen-
idealizadores, define
assim o MCP: "O
dos participantes não dominava os mecanismos tando, no âmbito de suas esferas de influência, novas propostas de
Movimento de Cultura da leitura, da escrita e dos cálculos da/na cultura alfabetização.
Popular nasceu da
miséria do povo do letrada. Essasituação, além de provocar inegável Foi da efervescência dessas novas propostas de alfabetização de
Recife. De suas paisagens
inibição entre eles, era também o fato concreto adultos que projetou Paulo Freire com um Sistema de Alfabetização,
mutiladas ( ... ).
que os impedia de tomar notas dos debates. experimentado inicialmente em Recife, no Movimento de Cultura Po-
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Frettas e Btccas
Htst6rta soctat da educação no Brastl (1926-1996)
pular. Esse trabalho de grande repercussão foi sistematizado e poste- nais, organizando praças de cultura, instalando galerias de artes, par-
riormente aplicado em Angicos, no Rio Grande do Norte, e contou com ques de recreação, entre outras atividades, motivando e convidando a
o financiamento que a Aliança para o Progresso oferecia ao Brasil. comunidade a refletir e enfrentar seus problemas e dificuldades.
Podemos afirmar que a contribuição e o diferencial de Paulo Freire
Era o ano de 1960, fértil em cometimentos dessa natureza em todo o território
no bojo de um verdadeiro emaranhado de propostas de alfabetização nacional. Visavao MCp,agora, além da alfabetização, elevar o nível cultural das
então criadas, desenvolvidas e disseminadas em todo pais, era o dife- massas, conscientizando-as paralelamente. Aoensinar a ler a um adulto, não se
rencial qualitativo relacionado ao "lugar politico" de sua proposta. recorreria mais ao jogo simbólico de palavras e sílabas, abstratamente situadas
em seu universo social, do "ovo" e da "uva", do "menino corre atrás da bola",
A educação era concebida como constructo que se estrutura pela
da "ave" e da "erna". Pretendia-se alcançar uma meta mais ligada à vida, o
(.
própria cultura, mais especificamente pela cultura popular, partindo homem reencontrando na escola as suas raízes telúricas e culturais adormeci-
sempre dos conhecimentos prévios do povo. A novidade se dava, então, das dentro de um mundo social alienante, aprendendo a ler realisticamente, a
educação como fulcro para elevar e projetá-lo no seu meio. (CAVAlCANTl, 1978,
na consolidação de uma ação educativa que se produzia a partir de um
pp. 285-6 apud BEISIEGEL, 1992, p. 120).
grande movimento cultural, capaz de recolher histórias, experiências
de vida de homens e mulheres que trabalhavam, que tinham filhos, O desafio educacional no Recife era gigantesco, pois mais de 90
que moravam no campo e na cidade e que despontavam como persona- mil crianças em idade escolar estavam fora da escola e aproximada-
gens reais de uma trama que se apresentava acima de tudo como ex- mente 200 mil adultos não tinham recebido o ensino elementar.
pressão de uma realidade nacional concreta. No processo de realização No MCP Paulo Freire engajou-se no projeto de educação e desde o
desse trabalho, Freire criou e sistematizou um instrumental especial- primeiro momento buscou enfrentar os desafios especificos colocados
mente voltado para trabalhar a educação popular (cf. BEISIEGEL,
1992; pela diferença da perspectiva de alfabetização implementada.
MANFREDI,
1978; FÁVERO,
2006; PAIVA,1980). Recapitulando: Certamente, o famoso método de alfabetização elaborado por ele
Em 1960, o prefeito do Recife, Miguel Arraes, interessado em contou com a experiência vivenciada em Recife.
ampliar as ações educativas junto a crianças e adultos das regiões mais Em 1961, o MPC iniciou o projeto de educação radiofônica, trans-
pobres da cidade, convidou sindicalistas, estudantes, intelectuais e o mitindo programas de alfabetização e de educação de base.
povo em geral para o engajamento na criação de um movimento de Tudo isso acabou demandando a elaboração de um material de
divulgação cultural de caráter autônomo. Nascia assim o Movimento de apoio aos monitores, o que deu origem ao Livro de Leitura para Adul-
Cultura Popular (MCP). tos, mais conhecido como a Cartilha do MCP.
Originalmente as ações projetadas por Miguel A~,raese desenvolvi- Esse livro/ cartilha centrava-se nos interesses dos adultos, buscan-
das pelo MCP visavam a um plano de alfabetização e educação de base do expressar os anseios populares, os valores e a cultura regional. Além
voltadas simultaneamente às crianças e aos adultos. disso, visava ensinar a linguagem e a gramática.
No entanto, quando Germano Coelho, professor universitário, assu- Josina Godoy e Norma Coelho, autoras do livro/cartilha, assinala-
miu a Secretaria de Educação do Recife, conduziu às estruturas de go- vam que a equipe do MCP havia arquitetado uma maneira de ensinar a
verno um argumento que defendia a alfabetização como uma iniciação ler que pudesse interessar ao homem e à mulher do Nordeste. Pedago-
às práticas culturais, nas suas diversas formas, tais como o teatro, o ci- gicamente, essa nova maneira de ensinar convidava o educador a abor-
nema, o circo. Para além disso, foram valorizados os folguedos tradicio- dar problemas de forma honesta e direta com seus alunos.
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Freltas e Blccas HI,torla $oclal da educaçllo no Brasil (1926-1996)
assimilável na ação sobre o mundo estaria à mão porque tudo o que tamento da série de fichas de cultura (originalmente eram onze). Cada
1992; FÁVERO,
existe na natureza é cultura (BEISIEGEL, 2006; FREITAS,
1998; uma delas reproduzia uma cena determinada em desenho, pintura,
PAIVA,1980). fotografia etc.
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Freltas e Blccas Hlst6rla social da educação no Brasil (1926-1996)
A expectativa era a de que os debates sobre os conteúdos das fi- chave quando se estruturava a base o processo de alfabetização e
chas de cultura levassem as pessoas a mudar de comportamento to- conscientização -
mando, cada um, consciência de si e do mundo a sua volta. A execução Os coordenadores de Angicos, na sua maioria, eram estudantes
da proposta deveria fazer com que os analfabetos percebessem a universitários preparados em um curso de dez dias na Universidade do
importância de aprender a ler e a escrever para que pudessem se Recife. Nesse curso, os temas estudados foram: atualidade brasileira;
apropriar dos bens culturalmente produzidos. Despertada essa percep- planificação do desenvolvimento; processo e desalienação; deficiência
ção, após a introdução aos estudos sobre a cultura, iniciava-se o pro- e inorganicidade da educação no Brasil; considerações gerais sobre o
cesso de alfabetização. método de alfabetização. Deste último, se desdobrava a abordagem
O levantamento do universo vocabular dava-se no passo posterior, sobre a fundamentação teórica e metodológica (MANFREDI,
1978).
produzido a partir de entrevistas informais com as chamadas pessoas Foi a experiência adquirida nas diversas práticas de alfabetização
comuns das diversas localidades, e tinha o objetivo de identificar a empreendidas em Pernambuco que possibilitou a aplicação do método
linguagem recorrente e representativa da população focada. de alfabetização em um projeto piloto a ser realizado em outra cidade
Do universo vocabular construido eram escolhidas algumas pala- de outro Estado.
vras com base em dois critérios: o da riqueza fonêmica e o da plurali- A cidade escolhida, como já dissemos, foi Angicos, situada no ser-
dade de engajamento na realidade local, regional e nacional. tão do Rio Grande do Norte, a 156 km de distância de Natal, capital do
Essas palavras eram denominadas palavras geradoras e deveriam Estado.
reunir em si as qualidades necessárias para que pudessem ser utilizadas: O censo demográfico de 1960 indicava que a população da cidade era
a) um efeito sintático, ou seja, conter riqueza fonêmica, grau de dificul- de 9542 habitantes, sendo que 75% eram residentes da zona rural. As prin-
dade fonêmica, possibilidades de manipular as silabas etc.; b) um efeito cipais atividades produtivas eram a cultura do algodão e a agropecuária.
semântico, ou seja, que contemplasse maior ou menor intensidade do Em Angicos, o projeto foi coordenado pelo Serviço Cooperativo da
vinculo entre palavra e o ser que designa; c) um caráter pragmático, ou Educação do Rio Grande do Norte (SCERN),que inicialmente produziu
seja, que contemplasse maior ou menor "teor de conscientização (... ) uma caracterização sócio-econômica da clientela, bem como um
em seu potencial, ou conjunto de reações socioculturais que a palavra levantamento do seu universo vocabular.
gera na pessoa ou grupo que a utiliza". As palavras geradoras deveriam, Essa"coleta cultural" resultou na seleção das seguintes palavras ge-
então, conter todas as possibilidades silábicas da lingua, promovendo o radoras: belota, sapato, voto, povo, salina, feira, milho, goleiro, cozinha,
estudo das mais variadas situações de leitura e escrita passiveis de acon- tigela, jarra, fogão, chibanca, xique-xique, expresso, bilro e almofada.
tecer no processo de alfabetização (cf. BEISIEGEL,
1992; BARRETO,
1998). Há poucas informações disponiveis sobre os indices de alfabetiza-
O círculo de cultura constituia-se na unidade básica do sistema de ção alcançados em Angicos. Estima-se que houve 77,8% de aprovação.
educação de Paulo Freire. Esse não é um detalhe qualquer pois o círcu- Manfredi (1980, p. 121) observa que nos documentos consultados, as
lo de cultura substituia as tradicionais salas de aula. Essa prática edu- notas apresentadas resultava da média aritmética das notas de alfabe-
cacional contava com atuação de uma dupla de monitores que exercia tização e politização, que variavam de zero a dez, e comenta que os
a função de coordenar todas as atividades realizadas junto ao grupo de índices de aproveitamento em politização superaram os de alfabetiza-
alfabetizandos, principalmente no momento do debate, momento- ção, mesmo entre os educandos do sexo feminino; entre estes se cons-
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r ••••••••••••••
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F""" • Itccas
I "
8,97% da população analfabeta na faixa etária de 15 a 45 anos (PAIVA, c) anim~ção de grupos de representação, promoção e pressão;
d) valorização da cultura popular, pesquisando, aproveitando e divulgando
1973).
as riquezas culturais próprias do povo (FAvERO, 2006, p. 80).
Os circulos de cultura seriam implantados em quatro etapas suces-
sivasern todos os Estados do país. O Programa iniciaria com projetos Durante o ano de 1963, o MEB investiu na elaboração de mate-
pilotos locatízados na região Sul e Nordeste e contaria com recursos riais didáticos para adultos.
,
os.títulos ,indicavam
~ claramente a novi-
federais: Iíberedospara aquisição de equipamentos, divulgação, treina- dade política que impregnava a luta por educação' de base: Saber
11 I ',I 'I'
rnento de alfabetizadores, nos moldes em que foram realizadas as ex- para viver e Viver é lutar, com objetívo de articular a alfabetização
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periências em Recife e em Angico$, relatadas anteriormente. com a conscientização, partindo da realidade, da .vída e.do trabalho
O MEB, imbuído da filosofia e pedagogia de Paulo Freire, concebia a
I,~ ,'~
dos camponeses. , I II ' ':\1 It
educação como um processo dê conscíentízaçâo que tomasse possível a ~ss~ conjunto didático era composto de três volumes: cartazes
trensforrnaçào das mentalidades e das estruturas. Tanto o MEB quanto geradores, diário de alfabetização e cadêmo de alfabetização. O texto
III I I!~ I ,j~'
Paulo Freire retomaram as imagens do "arcaísmo" brasileiro para,' sobre de leitura é uma nistória organizada em. 26 lições, 'as quaís se abrem
\ '
as 'ruínas de t~is imagens, projetar uma representação do analfabetisrno
'1,_ ,l,~
em temas geradores articulados para. dar a base para o processo de
associada ao tema da consciência que se tem ou não a respeito da reali-
alfabetização. ',,'
dade em que 'se vive: A realidade em que se vive passol! a ser ,descrita
" Os cartazes que acompanhavam as lições e refletiam os temas
c0!110"universo de possibilidades" dentro do qual cada homem ,e cada
geradores já materializavam ,a primeira etapa de trabalho a ser desen·
rnúlher "ma~useia o mundo"," tirando desse manuseio significado
,
que po- r
,
volvido em sata de aula. Os componentes lillguisti~OS de cada liçãc
deria (e deveria) ser transformado em palavra escrita, lida e entendida.
eram as famílias silábicas. Para os debates, o alfabetizador contavt
O MEB aceitou o pressuposto da existência de luta de classes no
com um roteiro de perguntas que o auxiliava a estabelecer uma rela
país'; resultante de desigualdades' sociais e conflitos de interesses entre
, ,I. ,
ção dialógica' com os alunos e com outros educad~res, alimentando
as dasses' favorecidas
H
e desfavorecídas. '
Colocou-se, então, nessa luta ao
4
lado dos mais pobres, defendendo a promoção humana por meio da questionamento proveniente dos temas geradores.
Para deixar claro o Rue foi a proposta do MEB, vamos retomar
coriscíentízação, como única possibilidade de participação na vida poli-
I I [fi ..1, ')
tica, econômica e socíat. A obra de Fávero (2006) não deixa dúvida que, cartilha "Viver é Lutar" .11
O quadro 3 oferece um panorama das lições, temas, noções gré
naquele prbcesso, a consdenttzação se daria por meio da educação. , '
Para atingir seus objetivos, o MEB propunha realizar um trabalho maticais e e.x~rcicios que comRurham a carti~ha. A 4A e a 3()1 UÇÕE
de educação de base nos seguintes termos: foram transcritas para que possamos rever como o tema foi desenvo
a) alfabétízaçâo e iniciação em conhecimentos que se traduzam no compor- 11 "Viver é Lutar" foi apreendido pelo governo de Carlas Lacerda, no estado da Guanabara, em 196<4,por'
tamento prático de cada homem e da comunidade, no que se refere: à saúde considerado subversivo. Cf. Fávero (2006).
e à atírnentaçêo (higiene); ao modo de viver (habitação, família, comunida-
243
242
Freitas e Bfccas
História social da educação no Brasil (1926-1996)
•
PaJ'lJl.IO _ '16.3.-IUI
Panfleto
CEDI li
documentação documont~ç âo
N.e IR' ;" .."'./ II·I~I l' Viver é lutar. Alfabeto - consoantes e vogais
por
LUTAR 7' Deus é justiça e amor. Separação de sílabas ._.
__..-___ -1
ordem do gournador
lbI Lac..rda.
Gfóficu: Am.deab.a
.mTadiu
Cor.
_ on-_
ti
8' No Brasil há milhões de camponeses. Sílabas tônicas
.---- --- --j
d•• lmpr...õ PA.NFLETO
- Qpr •• lIde\.l "Vi,.., , Lu.
9' O camponês é homem da terra. Substantivos comuns e próprios
.- --I
- -J
'~"r:oo:. dlpoU, dNCQ_
~:f~
•• !Dha· I ra: .ncomUldada
~pela Conl.r.ndcr Nadollol 10' Eles tem direito de viver como gente. Substantivo coletivo
do, IlJapot. I: ma". D. !Qd
l'é"NU. taord'nado, da
11" O povo precisa do trabalho das mulheres. Masculino e feminino
C~:u.dlc-Jarou 11 imprltllCl
qui unt •• d, •• r mc:mdada
A- bnprluão, "Vi".r • Lu-
• ler,"' 16ru lIdQ pOr uma ee-
12" Todos precisam viver como homens. Singular e plural
--'~--J
--- --- ....
____ . ___ 1
ESTAEA
trabalhadas até esta lição
CART'LHA';
19' O povo deve eleger seus representantes. Tempos verbais
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....", .
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22'
23"
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São bonitas as festas e danças do povo.
Sinônimos e antônimos
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F...ttas e Bkcas
História social da educaçlo no Brasil (1926-1996)
.De acordo com Fávero ,(2006), as hções apresentavam os elemen- quia católica em relação à base optando pelo resguardo ínstítucíonat
tos ~'paraa compreensão do que é o homem,
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do que é o mundo", e
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das relações estabelecidas entre si. Destacam-se a dimensão do con- A educação de jovens e adultos pós-1964 foi totalmente refor-
flito da vida humana; os desequilíbrios e as injustiças de um país
mulada, passando a ocupar um importante lugar no processo de me-
subdesenvolvido; .o conceito de classe social e a luta de classes; o
rfJ '.'
diação entre 9 ~stado e a sociedade brasilei.r? Esse é um momento
questionamel")to sobre o voto do analfabeto; a exploração c'apitalista;
histórico em que contradição e autoritarismo I
se alimentam recipro-
a força da cultura popular; e a ação popular para mudança das con-
dições de vida. , camente.
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De um lado, ~, Educação de Jovensre Adultos (EJA) foi utilizada
No que,se,lefere à parte grama~ical, apres~ntava-se uma'}sequên-
I I ',I,I!' tI ['/, ,:" _I I'
como ':possibilidade de íncrernentar a·coesão soctal. Por outro, foi pro-
e
cia de noções exercícios'ensinando a escrever. O conteúdo abrangia
jetada como o símbolo de uma sociedade "democrática" em um "regi-
desde a grafia de m.aiúsculas, minúsculas até a pontuação.
me de exceção". Mais uma vez, o pais assistiu à mistificação da educa-
O "tempo de reellzação'' tornou-se um componente de interroga-
,I
ção tratada como estratégica possibilidade para a mobilidade social
I , HI
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