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O aprendizado na cozinha

Na cozinha que se sussurram os fundamentos, se escondem os segredos, mas é


também de onde surgem as cores, os sabores e os perfumes que encantam as
divindades e avaliam os mistérios que existem entre o orum e o aiê. Deste local sai o ajeum,
alimento e sustentáculo de homens e divindades, que congrega e une toda a comunidade!

O que é o ajeum?
A Palavra jeum (ajeun) é a contração das palavras awa (nós) e jeun ou jê
(comer) transformada poeticamente em “comer juntos”, uma refeição grupal, comunal. O
horário do ajeum, no candomblé, é um momento solene, em que
ocorre a reunião da comunidade em torno de um alimento comum. É um
momento de confraternização, encontros e reencontros, do qual participam até
mesmo os visitantes da casa. Um momento de equiparação, quando o alimento é
dividido para produzir uma comunhão.

O que é adimu?
São as “comidas secas”, também chamadas de ianlé ( iyánlẹ́, em iorubá)
ou inhale, oferecidas às divindades, sem a utilização de imolação de animais. São
consideradas “comidas secas” aquelas preparadas para os orixás que necessitem
ser levadas ao fogo para cozinhar ou que podem ser preparadas manualmente, como
certos tipos de farofa. Neste grupo também estão incluídas frutas, favas, doces etc.

​Qualquer iaô poderá participar do preparo das comidas dos orixás?


Não. Cozinhar é uma das tarefas mais cotidianas e de menor valor na
maioria das civilizações. Porém, no candomblé, cozinhar para as divindades é
uma função primordial e um privilégio de poucos, geralmente executada por
mulheres muito especiais dentro da religião. Para a confecção das comidas dos
orixás uma pessoa é preparada pelo sacerdote durante um bom tempo, e esta se
dedicará a isso dentro de sua casa de candomblé. Geralmente é
designada uma mulher que seja iniciada para uma divindade feminina (iyabá), e
que passará a ser chamada de iyabassé. Através do exercício constante desta
função, adquirirá um bom conhecimento prático e técnico, tornando-se a
responsável pela confecção das comidas litúrgicas, algumas pessoas recebem permissão
para ajudar a iyabassé no preparo dos
alimentos sagrados. Embora nem todo iaô possa participar da confecção das iguarias
sagradas, é necessário que todos saibam o mínimo indispensável. Numa
necessidade, o sacerdote precisará recorrer àqueles que estiverem à sua
disposição, porque uma casa de candomblé não vive somente de preceitos com
hora e dia marcados.

​ ual a representação de “ofertar comida” às divindades?


Q
“Dar comida” aos orixás é um momento que produz harmonia e
comunhão e que provoca um elo de ligação entre ambos. O dinamismo e a força
do candomblé estão em torno das oferendas e dos alimentos. Este momento é
uma forma de restituir às divindades e à terra uma parte do que elas nos
fornecem. No momento da distribuição e da consagração dos alimentos é feito
um intercâmbio entre os orixás e o egbé. O alimento faz parte do axé de uma
casa!
(É importante um pequeno esclarecimento aos nossos leitores sobre o
termo “dar comida ao orixá”. As divindades não têm a mesma acepção que o
ser humano no que diz respeito aos alimentos. Orixá não come, ele recebe
somente a essência, o perfume! Para ele, a apresentação dos alimentos também
é importante, por isso estes não precisam permanecer muito tempo, para não
estragar perto de seus igbás. Após retirada, a comida é entregue à natureza, às
águas ou à terra, que vão então reintegrá-la ao seu elemento, fazendo uma
renovação, dando vida a novos alimentos.)
Para que se consiga a consagração dos alimentos é preciso saber fazer a
perfeita combinação e a mais correta manipulação dos elementos participantes
da sua confecção. É a partir desta junção que eles serão transmissores e
condutores de axé. Esta combinação tem características peculiares. Cada
alimento tem formas, cores, aromas e sabores próprios, que irão ativar ou trazer
calmaria, dependendo de como e para quem serão preparados e oferecidos. Tudo
que oferecemos aos orixás tem caráter de troca, de agradecimento ou de
pagamento de algo alcançado. Nossas oferendas servem ainda como prevenção
contra problemas futuros, ajudando a minimizar sofrimentos e desilusões ou
trazendo energia e força para nossa vida.

Qual é o procedimento para o preparo das comidas sagradas?


Cozinhar para os orixás exige um coração purificado, um corpo limpo e
muita vontade de servir a eles e à religião. Isso é necessário para que se consiga
produzir uma perfeita sintonia com estas forças! Antes do início do preparo das
comidas são necessários certos cuidados, como: reverenciar certas divindades e
jogar água e alguns elementos na rua para apaziguar e pacificar Exu e as
Iyamís, afim de evitar interferências e perturbações desnecessárias. Os responsáveis pela
cozinha precisam estar paramentados com suas
roupas religiosas e fios-de-contas para poder dar início aos quitutes dos orixás. A
partir deste momento, ninguém mais sairá da casa e aqueles que chegarem não
poderão entrar na cozinha. A cozinha precisa
estar imaculadamente limpa, com as pessoas falando em tom baixo e sem
conversas inconvenientes. Desavenças precisam ser esquecidas! Ali
todos devem sintonizar-se perfeitamente, pois estão a serviço dos orixás. Cozinhar
para as divindades é muita responsabilidade, porque um erro pode trazer
transtornos para todos! Se o erro for involuntário será perdoado, mas se ocorrer
por irresponsabilidade poderá provocar muitos problemas a quem o causou ou a
toda a comunidade. Existem algumas comidas que são preparadas em locais restritos, fora
da
cozinha, e confeccionadas somente por uma pessoa. Outras são ensinadas pelo/a
sacerdote/sacerdotisa que, no entanto, não participa de seu preparo. Existem alguns
alimentos que são feitos em fogão de carvão ou à lenha, afastado de todos. Estas
comidas pertencem a divindades muito velhas, como Oxalá, aos voduns Nanã e Omolu e a
outros que exigem cuidados especiais na confecção de suas
comidas, por serem arredios e de difícil trato. Se suas oferendas forem
preparadas de forma incorreta poderão até mesmo repudiá-las. Um outro orixá
cuja comida tem que obedecer determinadas normas no seu preparo é Oxaguiã. Cozinhar e
preparar seu alaguiã exige preceito!
Cuidado redobrado deve ser tomado pelas pessoas que irão cozinhar para
Babá Egum. Todos os envolvidos nesta função precisam estar com o corpo limpo. As
mulheres devem estar com a cabeça coberta, usando ojá branco e o
icodidé. As comidas são bem diferenciadas das dos orixás. Quando a mulher está
menstruada não deve cozinhar. É nesse espaço físico que se produzem as oferendas que
ligam o homem com as
divindades. E neste cômodo todos precisam se entender, porque a comida e a
bebida produzem a união, o amor e trazem alegria e confraternização!

Quais os recipientes usados para acondicionar as comidas dos orixás?


Para cada tipo de orixá existe um vasilhame próprio. Ele pode ser
confeccionado com materiais e formatos diferenciados, tendo cores e tamanhos
variados.

- Para Exu, Ogum e Obaluaiê utilizam-se ​alguidares de barro.

- Para as iyabás, ​tigelas arredondadas​, brancas ou coloridas, de barro ou de


porcelana.

- Para Xangô, ​gamelas​ feitas de madeira.

- Para Ibeji, ​prato de barro​ ( najé) ou


enfeitado/pintado com motivos infantis.

- Para os orixás funfuns, recipientes


brancos, de preferência de ​porcelana​.

A comida deverá ser acondicionada de


forma a ter boa apresentação e um aspecto bem atraente para agradar à
divindade a que se destina.

Q uais são as comidas preferidas de cada orixá?


A comida de cada orixá é preparada com temperos diferenciados. Para
alguns é usado o ​azeite-de-oliva ou cera de ori​, em outras coloca-se ​azeite-de- dendê
(epô pupá). Certas comidas levam sal. Em outras é colocado muito pouco
sal ou completamente retirado.

O preparo de cada alimento sagrado tem seus


segredos. O iniciado aprenderá todos os detalhes, sentindo a beleza e o sabor que
provêm da cozinha e dos alimentos dos orixás. Como acompanhamento essencial de todas
as comidas sagradas coloca- se um acaçá, o alimento que purifica e harmoniza. Cada
divindade tem preferência por um ou vários tipos de comida.
Vamos falar das generalidades.
​ xu​ – gosta de peterê , uma comida preparada com miúdos bovinos; aprecia
E
também uma farofa feita com azeite-de-dendê ou azeite-de-oliva.

Ogum​ – sua preferência é o ixu, o inhame-do-norte assado na brasa ou


cozido. Recebe também produtos da agricultura, como milho e feijões torrados.

Oxóssi​ – a comida predileta é o axoxó, feito com milho vermelho cozido, enfeitado com
lascas de coco. Aprecia também o abadô, preparado com canjica vermelha, e o dôia,
comida feita com a massa do feijão fradinho.

Omolu​ – de gosto variado, sua preferência é o doburu (duburu), a pipoca;


aceita o onipopô, uma comida preparada com feijão preto; o lapatá e o
latipá.

Logunedé​ – adora omolocum enfeitado com peixe de água doce frito. Aceita os mesmos
alimentos que seus pais, Oxóssi e Oxum.

​Oxumarê​ – aprecia batata-doce; gosta de salada de frutas enfeitada com


folhas de obó (rama-de-Leite).

Ossâim​ – a ele são ofertadas espigas de milho; farofa de mel com alho e
fumo de rolo; feijão-fradinho torrado enfeitado com fumo de rolo e muitas
fitas coloridas.

Oxum–​ sua predialeção recai sobre o ipeté, o omolocum e o ádo.

Oya​ - acarajé, amalá e vatapá

Oba​ - bolo de feijão fradinho, acarajé e abará

Iewá​ – aprecia banana-da-terra frita e um pirão de batata-doce bem


molinho. (Suas comidas devem ser preparadas e ofertadas somente por
mulheres.)

Iroko–​ muito ebô, farofa de dendê, acaçá e raízes.

Xangô​ – adora amalá de quiabo; pirão temperado, preparado com aipim


(macaxeira); ogbe guirí; abará; ajabó.

I​ emanjá​ – sua comida predileta é o ebô iyá, preparado com canjica, camarão seco e
azeite-de-dendê ou azeite-de-oliva. Gosta muito de dôia e também do efurá temperado.

Nanã​ – esta vodum gosta de ebô e de doboró, preparado com feijão-fradinho. Também
aceita o latipá.
Oxaguiã–​ sua preferência é inhame cozido pilado (alaguiã); a caçá e raízes.

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