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1. Histórico familiar
Abuso físico: ele relatou que desde pequeno (dois a três anos) era espancado
pela mãe. As tias confirmaram estes relatos. Diziam não poder interferir, pois a
mãe não admitia intromissões e ficava violenta com quem o fizesse. Às vezes, os
avós tentavam impedir os espancamentos, porém, nestas ocasiões, eram expulsos
da casa e passavam a morar temporariamente com uma das outras filhas. Visto
que os avós haviam espancado as filhas, a mãe, usava este argumento para
impedir a proteção deles. Relatou que constantemente estava com hematomas
pelo corpo. Quando ia reclamar para o avô, ele nada dizia, apenas ouvia. Mais
tarde o avô aconselhou o menino a sair de casa, ir embora. Muitas noites a criança
era acordada com socos e era espancada enquanto dormia. Relatou que sempre
dormia com calças compridas e cobertas para se proteger. Já mais velho, não
conseguindo mais espancá-lo, a mãe passou a jogar água quente nele enquanto
dormia. Quando a terapeuta perguntava a causa de não sair da cama da mãe
apesar dos espancamentos, ele respondia que era porque esperava pelo afeto
materno.
Estes foram os primeiros relatos feitos pelo adolescente durante as sessões.
Contava tudo com raiva, medo, tristeza e principalmente sem compreender porque
era tratado desta forma pela mãe e avós maternos. Muitas vezes dizia que a mãe
era responsável pela sua educação; que era hoje um homem porque ela tinha lhe
dado o que vestir e o que comer. Dizia que deveria ser grato. A mãe repetia para ele
constantemente estes argumentos. Nestes momentos a terapeuta colocava
questões como "o que você entende por educar e cuidar?" "Como é possível cuidar
e espancar? Amar e jogar água fervendo? Proteger e mandar ir embora sozinho?"
Inicialmente, o adolescente ficava sem responder e, no decorrer das sessões,
passou a dizer claramente que não se sentia cuidado e nem amado. Passou a
questionar a forma como era tratado pelos "cuidadores".
Pode-se observar claramente que o adolescente foi abusado fisicamente e que
esta forma de controle coercitivo trás consequências negativas extremamente
severas. Gershoff, (2002), Simons, Wu, Lin, Gordon e Gonger (2000), Haapasoloa
e Pokelaa (1999), Strauss, (1994) e Huesmann e Eron (1984) que estudam as
consequências do espancamento em crianças e adolescentes mostram o alto nível
de correlação entre abuso físico e comportamento infrator, uso de drogas e
comportamento antissocial de uma maneira geral. A criança não entende que seu
comportamento é inadequado, entende sim, que ele é inadequado (Gomide, 2004).
2. Revelação do crime
Batista (os nomes são fictícios), 21 anos, mulato, brasileiro, solteiro, cursava
o terceiro grau, era prestador autônomo de serviços, de origem católica. O
paciente tinha estatura e peso médios e, geralmente, vestia-se com simplicidade.
Impressões Iniciais
Na primeira sessão, Batista chegou com uma hora de atraso. Entrou na sala
da psicoterapia, aguardando a orientação do psicoterapeuta sobre onde deveria
sentar-se. Inicialmente, perguntou pela estagiária que o havia atendido na
triagem, preocupando-se com a possibilidade de ter que passar, ainda, para
outro terapeuta. É normal que o paciente faça um vínculo já com o primeiro
profissional que o atende. Logo depois, Batista disse que não estava à vontade
e que nunca havia feito terapia. Somente após esclarecimentos sobre a
PDB(Psicoterapia Dinâmica Breve) e o contrato, passou a expressar-se melhor.
Batista aparentava bom nível de inteligência e falava sobre diversos temas.
Perguntou sobre hipnose e o seu uso na terapia; falou de sua impulsividade e
personalidade, ocorrendo uma ideação paranóide(1). O terapeuta escutava-o
com atenção e preocupação.
Batista era um menino que se considerava feliz até os 4 anos, época de muitas
brigas entre seus pais. Sua mãe, após trair seu pai, apanhou do mesmo e foi
expulsa de casa. O paciente disse que não conseguia sentir nada ao lembrar de
tudo isso, mas pensava que deveria sentir. Após esse fato, sua infância mudou
bastante, para pior. Seu pai conheceu uma outra mulher, que veio a ser sua
madrasta. O paciente tinha o costume de brincar com insetos mortos, os quais
gostava de enterrar. Quando criança ajudava seu pai no trabalho, a quem
gostava muito de fazer perguntas. Batista era chamado de “CDF” pelos colegas
e outros garotos da escola, fato que odiava. Até uma certa idade, urinava na
calça, o que fazia-o sentir-se inferior ao seu irmão.
Nesta época, seu pai penteava o seu cabelo com bastante força, para que ele
não fosse discriminado na escola por sua ascendência materna negra. Morava
numa cidade do litoral e trabalhava numa discoteca. Quando expressou vontade
de prestar vestibular, não foi estimulado pelos seus familiares. Na ocasião, tinha
problemas de relacionamentos com as pessoas e sentia a falta de uma
namorada. Há alguns anos, seu pai sofreu um derrame e ficou com os membros
paralisados. Quando Batista sentia-se deprimido queria ficar sozinho e parado,
sem fazer coisa alguma. Quando sentia-se assim com os amigos, só escutava.
Irritava-se quando estes lhe perguntavam a razão daquele estado; ele dizia que
estava cansado, que estava com dor de cabeça, ou algo parecido.
Gostava de fazer tudo por prazer. Às vezes, fazia gestos e sentia coisas
estranhas: tremedeira, inquietude, sentimento de caos e vazio, batia em sua
própria cabeça ou plantava bananeira e perdia a noção do passado e só tinha
consciência do presente. Sentia-se muito inseguro e superficial. Cursava a
universidade e tinha uma namorada (Débora), há cerca de três anos.
Hipóteses de trabalho
3. Foco: Trabalhar o luto pela perda da mãe e o consequente bloqueio das emoções
4. Atendimentos propostos inicialmente: 25; prorrogação:10; total: 35.
Tem a ver um pouco com a loucura: você fazer o que tem vontade. Parece que a única coisa que
te para é a morte...Teve uma que extrapolou, numa discussão com a Débora; nós não
conseguimos nos entender; comecei a me bater; Sabe, é ruim mas é bom. Eu tenho medo de
ter, mas também tenho um pouco de vontade de ter. Se nunca mais aparecer, eu tenho muito
dó...perda. Lidar com a perda é muito problemático para mim...Parece que as coisas mais
profundas vão se revelando.
Término do processo
É bom fazer terapia, pois nessas horas eu me sinto melhor. Agora, eu sei mais quem eu sou. Eu
me apoiei em alguma coisa...e isso me dá alívio; Eu estou contente por ter passado um tempo e
agora eu vir para cá, sem ficar achando que não vale a pena. Antes, eu entendia bem menos o
que estava fazendo aqui. Você vai se descobrindo.
Conclusões
Fonte: (se você gostou desse estudo de caso leia o ótimo artigo-fonte para mais
detalhes )
CUNHA, Paulo Jannuzzi; AZEVEDO, MASB de. Um caso de transtorno de
personalidade borderline atendido em psicoterapia dinâmica
breve. Psicoterapia: Teoria e Pesquisa, v. 17, n. 1, p. 5-11, 2001.
Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v17n1/5400.pdf>
http://www.psicnet.psc.br/v2/site/dicionario/registro_default.asp?ID=178