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Álgebra Abstrata

Antônio de Andrade e Silva

Orlando Stanley Juriaans


ii

Aos nossos pais.


Prefácio

Este texto surgiu da experiência dos autores quando ministraram algumas


vezes a disciplina Álgebra Abstrata para os cursos de Licenciatura e Bachale-
rado em Matemática.
O principal objetivo deste texto é fazer uma apresentação rigorosa e clara
das provas dos teoremas e exemplos da Álgebra Abstrata no nível de gra-
duação, desenvolvendo, também, a capacidade de modelagem de problemas e
provas envolvendo grupos e aneis, homomorfismos de grupos e aneis, teoremas
de estruturas para grupos e aneis, bem como, os teoremas de Sylow, grupos
solúveis e nilpotentes. Além disso, apresentaremos os ideais primos e maximais,
domínios de fatoração única e Euclidianos, aneis de polinômios e teoria de
corpos e de Galois.
É nossa expectativa que este texto assuma o carater de espinha dorsal de
uma experiência permanentemente renovável, sendo, portanto, bem vindas as
críticas e/ou sugestões apresentadas por todos - professores ou alunos quantos
dele fizerem uso.
Para desenvolver a capacidade do estudante de pensar por si mesmo em
termos das novas definições, incluímos no final de cada seção uma extensa lista
de exercícios, onde a maioria dos exercícios dessas listas foram selecionados
dos livros citados no final do texto. Devemos, porém, alertar aos leitores
que os exercícios variam muito em grau de dificuldade, sendo assim, não é
necessário resolver todos numa primeira leitura. Alguns exercícios aparecem
para completar as provas do texto e dar prática aos conceitos e resultados
apresentados. Além disso, outros exercícios são incluídos antecipando assuntos
a serem desenvolvidos subsequentemente.

iii
iv

O texto é dividido em três partes:

Primeira Parte
O material contido nesta primeira parte tem como objetivo principal cobrir
o conteúdo de um curso de Licenciatura em Matemática e/ou áreas afins.
No capítulo 1 apresentaremos a linguagem, definições e conceitos de grupo.
Além disso, serão vistos os conceitos de subgrupos, subgrupos gerados, grupos
cíclicos, grupos diedrais e grupos alternados, com ênfase em grupos de ordem
finita que serão necessários para cursos subsequentes.
No capítulo 2 apresentaremos um tipo especial de funções, as quais são
chamadas de “homomorfismo de grupos” e que é um dos objetos fundamentais
da álgebra abstrata. Além disso, serão vistos os conceitos de classes laterais,
subgrupos normais e grupos quocientes.
No capítulo 3 apresentaremos a linguagem e definições abstratas de aneis,
subaneis, subaneis gerados, domínios de integridade, aneis com divisão e cor-
pos.
No capítulo 4 apresentaremos os conceitos de homomorfismo de aneis e
teoremas de isomorfismos, ideais em um anel, o qual é análogo ao conceito de
subgupos normais em um grupo, e aneis quocientes. Além disso, apresentare-
mos os conceitos e propriedades de ideais primos. ideais maximais e anel de
frações.

Segunda Parte
Nesta segunda parte completaremos o conteúdo para o curso de Bachare-
lado em Matemática e/ou Mestrado em Matemática e áreas afins.
No capítulo 5 apresentaremos o conceito de produto direto e semidireto de
grupos. Além disso, apresentaremos uma técnica para desenvolver teoremas
de estruturas para grupos (não abelianos) finito, os teoremas de representação
de grupos que serão útil na classificação de grupos não abelianos finitos. Além
disso, apresentaremos uma recíproca parcial do Teorema de Lagrange, os Teo-
remas de Sylow.
v

No capítulo 6 apresentaremos com mais detalhes o grupo das simetrias e


classificamos todos os seus subgrupos normais. Além disso, apresentaremom
os conceitos propridades básicas de grupos solúveis, supersolúvis e nilpotentes.
No capítulo 7 apresentaremos o conceito de divisibilidade sobre um anel
qualquer. Além disso, apresentaremom os conceitos propridades básicas aneis
de fatoração única, aneis de ideais principais e aneis Euclidianos.
No capítulo 8 apresentaremos o conceito e propriedades de aneis de polinô-
mios, critériois de irredutibilidades e aneis Noetherianos.

Terceira Parte
Nesta terceira parte faremos um estudo sistemático, segundo Dedekind e
Artin, da Teoria de Corpos e de Galois.
No capítulo 9 apresentaremos os conceitos básicos da Teoria de Corpos
tais como: Extensão de corpos, grau de uma extensão, elementos algébricos e
trancendentes, bem como, extensão algébricas e os principais resultados.
No capítulo 10 apresentaremos os conceitos de corpos de decomposições,
corpos algebricamente fechados, fecho algébrico, elementos sepaáveis, estensões
separáveis e o teorema do elemento primitivo.
No capítulo 11 apresentaremos o que é chama-se atualmente de Teoria de
Galois, que originalmente foi chamada de teoria de equações, a interrelação
entre a Extensões de Corpos e certos grupos associados a.ela, chamados de
grupos de Galois. Além disso, o teorema fundamental da Teoria de Galois.
Finalmente, no capítulo 12 apresentaremos as aplicações da Teoria de Ga-
lois para resolver os mais famosos problemas da antiguidade. Além disso,
construiremos os corpos finitos e extensões ciclotômicas.
Agradecemos aos colegas e alunos que direta ou indiretamente contribuíram
para a realização deste trabalho.

“EDUCAR É OBRIGAÇÃO DE TODOS, MAS OPÇÃO DE POUCOS.”


vi

Antônio de Andrade e Silva


Orlando Stanley Juriaans
Sumário

Prefácio ix

I Teoria dos Grupos e Aneis xi

1 Grupos 1
1.1 Operações Binárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.3 Subgrupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
1.4 Grupos Cíclicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
1.5 Grupos Diedrais e Alternados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

2 Teoremas de Estruturas para Grupos 91


2.1 Classes Laterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
2.2 Homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
2.3 Grupos Quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
2.4 Teoremas de Isomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139

3 Aneis 157
3.1 Aneis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
3.2 Subaneis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184

4 Homomorfismos e Aneis Quocientes 201


4.1 Homomorfismos de Aneis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
4.2 Aneis Quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211

vii
viii SUMÁRIO

4.3 Teoremas de Isomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 228


4.4 Ideais Primos e Maximais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238
4.5 Aneis de Frações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 258

II Teoria Avançada dos Grupos e Aneis 275

5 Os Teoremas de Sylow 277


5.1 Produto Direto e Semidireto de Grupos . . . . . . . . . . . . . . 277
5.2 Ação de Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 296
5.3 Classes de Conjugação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 318
5.4 p-Grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 325
5.5 Teoremas de Sylow . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340
5.6 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346

6 Grupos Solúveis e Nilpotentes 363


6.1 Grupos de Permutações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363
6.2 Grupos Solúveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 386
6.3 Grupos Nilpotentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 401
6.4 Séries de Composição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 411

7 Aneis de Fatoração Única e Euclidianos 423


7.1 Aneis de Fatoração Única . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 423
7.2 Máximo Divisor Comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 440
7.3 Aneis Euclidianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 450

8 Aneis de Polinômios e Noetherianos 471


8.1 Polinômios e o Algoritmo da Divisão . . . . . . . . . . . . . . . 471
8.2 Critérios de Irredutibilidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 490
8.3 Aneis Noetherianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 507

III Teoria de Corpos e de Galois 521

9 Extensões Algébricas 523


SUMÁRIO ix

9.1 Extensão de Corpos e Grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 524


9.2 Elementos Algébricos e Transcendentes . . . . . . . . . . . . . . 533
9.3 Extensões Algébricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 551

10 Extensões Separáveis 565


10.1 Corpos de Decomposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 565
10.2 Extensões Separáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 580

11 Teoria de Galois 595


11.1 Extensões Normais e Galoisianas . . . . . . . . . . . . . . . . . 595
11.2 Grupos de Galois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 609
11.3 Independência de Caracteres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 615
11.4 Teorema Fundamental da Teoria de Galois . . . . . . . . . . . . 626

12 Aplicações 639

Bibliografia 647

Índice 647
x SUMÁRIO
Parte I

Teoria dos Grupos e Aneis

xi
Capítulo 1

Grupos

O principal objetivo deste capítulo é levar o aluno a compreender o conceito


de grupo de um ponto de vista axiomático, isto é, o conceito abstrato de grupo
como objeto com uma estrutura algébrica específica. Além disso, serão vistos
os conceitos de subgrupos, subgrupos gerados, grupos cíclicos, grupos diedrais e
grupos alternados, com ênfase em grupos de ordem finita que serão necessários
para cursos subsequentes.

1.1 Operações Binárias


Seja G um conjunto não vazio qualquer. Uma operação binária (ou uma
composição interna) ∗ sobre G é qualquer função

∗ : G × G −→ G.

Note que a palavra binária significa duas variáveis. Notação: ∗(a, b) = a∗b, ab,
a×b ou a+b, e assim por diante, chama-se de produto ou de soma, dependendo
da notação escolhida.

Observação 1.1 A prova de que uma operação (binária) ∗ sobre um conjunto


G está bem definida (não depende dos representantes a e b) pode ser feita como
segue: dados (a, b), (c, d) ∈ G × G,

(a, b) = (c, d) ⇒ a = c e b = d ⇒ a ∗ b = c ∗ d.

1
2 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Um sistema algébrico ou uma estrutura algébrica é um conjunto não vazio


G munido de uma ou mais operações binárias e será denotado por (G, ∗) ou
(G, ∗, ◦, . . .).
Uma operação binária ∗ sobre G é:

1. comutativa se
a ∗ b = b ∗ a, ∀ a, b ∈ G.

2. anticomutativa se

a ∗ b = b ∗ a ⇒ a = b, ∀ a, b ∈ G.

3. associativa se

a ∗ (b ∗ c) = (a ∗ b) ∗ c, ∀ a, b, c ∈ G.

Neste caso, podemos omitir os parênteses e simplesmente escrever, a∗b∗c,


sem ambiguidade.

4. Um elemento u ∈ G é uma unidade para a operação binária ∗ se

a ∗ u = u ∗ a = a, ∀ a ∈ G.

Um elemento unidade u é frequentemente chamado de elemento identi-


dade ou elemento neutro.

5. A oposta de uma operação binária ∗ sobre G é definida por

a ∗op b = b ∗ a, ∀ a, b ∈ G.

6. Se ◦ é outra operação binária sobre G, então ∗ é distributiva:

(a) à esquerda sobre ◦ se

a ∗ (b ◦ c) = (a ∗ b) ◦ (a ∗ c), ∀ a, b, c ∈ G.

(b) à direita sobre ◦ se

(a ◦ b) ∗ c = (a ∗ c) ◦ (b ∗ c), ∀ a, b, c ∈ G.
1.1. OPERAÇÕES BINÁRIAS 3

Assim, se ∗ é distributiva à esquerda e à direita sobre ◦, dizemos que ∗


é distributiva sobre ◦.

Exemplo 1.2 A soma usual “+” é uma operação binária sobre Z, Q, R e


C, respectivamente. Note que ela é comutativa e associativa.

Exemplo 1.3 O produto usual “·” é uma operação binária sobre Z∗ , Q∗ , R∗


e C∗ , respectivamente, com Z∗ = Z − {0}. Note que ele é comutativa e asso-
ciativa.

Exemplo 1.4 A subtração usual “−” é uma operação binária sobre Z, Q, R


e C. Note que ela não é comutativa e nem associativa, por exemplo,

3 − 5 = −2 6= 2 = 5 − 3 e 3 − (5 − 7) = 5 6= −9 = (3 − 5) − 7.

Exemplo 1.5 A subtração usual “−” não é uma operação binária sobre Z+ ,
Q+ e R+ , com Z+ = {n ∈ Z : n ≥ 0}. Por exemplo, 3 − 5 = −2 ∈/ Z+ , ou
seja, esta operação não está bem definida sobre Z+ .

Seja ∗ uma operação binária sobre G. Chamamos a ∗ b o produto de a e b,


nesta ordem. Dados a1 , . . . , an ∈ G, podemos formar o produto dos elemen-
tos a1 , . . . , an , nesta ordem, de várias maneiras inserindo vários parênteses e
aplicando sucessivamente a operação binária ∗. Mas os parênteses devem ser
localizados adequadamente, de modo que obtemos um produto significativo,
isto é, sem ambiguidade.

Exemplo 1.6 Os produtos significativos de a, b e c, nesta ordem, são:

a ∗ (b ∗ c) e (a ∗ b) ∗ c.

Enquanto a ∗ b ∗ c não é um produto significativo, pois nada nos garante que a


operação binária ∗ seja associativa.

Exemplo 1.7 Os produtos significativos de a, b, c e d, nesta ordem, são:

(a ∗ (b ∗ c)) ∗ d; ((a ∗ b) ∗ c) ∗ d; (a ∗ b) ∗ (c ∗ d);


a ∗ (b ∗ (c ∗ d)) e a ∗ ((b ∗ c) ∗ d).
4 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Mais geralmente, seja f (a1 , . . . , an ) qualquer produto significativo dos ele-


mentos a1 , . . . , an ∈ G, nesta ordem. Então é claro que

f (a1 , . . . , an ) = f1 (a1 , . . . , ak ) ∗ f2 (ak+1 , . . . , an ),

com f1 (a1 , . . . , ak ) e f2 (ak+1 , . . . , an ), produtos significativos, 1 ≤ k < n. Por


exemplo, se n = 3, então

f (a1 , a2 , a3 ) = f1 (a1 ) ∗ f2 (a2 , a3 ) e f (a1 , a2 , a3 ) = f1 (a1 , a2 ) ∗ f2 (a3 ).

O produto canônico dos elementos a1 , . . . , an ∈ G, nesta ordem, é definido,


indutivamente, por
(
Yn
a1 , se n = 1
ai = ¡Qn−1 ¢
i=1 i=1 ai ∗ an , se n > 1.

Por exemplo, o produto canônico de a1 , a2 , a3 , a4 ∈ G, nesta ordem, é

Y
4
ai = ((a1 ∗ a2 ) ∗ a3 ) ∗ a4 .
i=1

Proposição 1.8 (Lei Associativa Generalizada) Sejam G um conjunto


não vazio e ∗ uma operação binária associativa sobre G. Então
Y
n
f (a1 , . . . , an ) = ai , ∀ a1 , . . . , an ∈ G.
i=1

Prova. Vamos usar indução sobre n. Se n = 1 ou 2, nada há para ser


provado. Suponhamos que n > 2 e que o resultado seja válido para todo m,
com 1 ≤ m < n. Como

f (a1 , . . . , an ) = f1 (a1 , . . . , ak ) ∗ f2 (ak+1 , . . . , an ),

para algum k, 1 ≤ k < n, temos, pela hipótese de indução, que

Y
k Y
n−k
f1 (a1 , . . . , ak ) = ai e f2 (ak+1 , . . . , an ) = ak+j .
i=1 j=1
1.1. OPERAÇÕES BINÁRIAS 5

Logo, Ã k ! Ãn−k !
Y Y
f (a1 , . . . , an ) = ai ∗ ak+j
i=1 j=1

Assim, há duas possibilidades:


1.a Possibilidade. Se k = n − 1, então
Ãn−1 !
Y Y
n
f (a1 , . . . , an ) = ai ∗ an = ai .
i=1 i=1

2.a Possibilidade. Se k < n − 1, então


à k ! ÃÃn−k−1 ! !
Y Y
f (a1 , . . . , an ) = ai ∗ ak+j ∗ an (por definição)
i=1 j=1
ÃÃ k ! Ãn−k−1 !!
Y Y
= ai ∗ ak+j ∗ an (associatividade)
i=1 j=1
Ãn−1 !
Y
= ai ∗ an (pela hipótese de indução)
i=1
Y
n
= ai , (por definição)
i=1

que é o resultado desejado. ¥

Observação 1.9 Seja ∗ uma operação binária associativa sobre G. Dados


a1 , . . . , an ∈ G existe um único produto, nesta ordem, que pode ser escrito
como a1 ∗ · · · ∗ an , sem qualquer parênteses ou ambiguidade.

EXERCÍCIOS

1. Determine quais das seguintes operações são operações binárias ∗ sobre


N:
6 CAPÍTULO 1. GRUPOS

(a) A operação ∗ definida por a ∗ b = a2 .


(b) A operação ∗ definida por a ∗ b = 2a + 3b.
(c) A operação ∗ definida por a ∗ b = a − b.
(d) A operação ∗ definida por a ∗ b = a + b + 1.
(e) A operação ∗ definida por a ∗ b = ab .

2. Determine quais das seguintes operações são operações binárias ∗ sobre


R2 :

(a) A operação ∗ definida por


(
( a+c
2
, b+d
2
), se (a, b) 6= (c, d)
(a, b) ∗ (c, d) =
(a, b), se (a, b) = (c, d).

(b) A operação ∗ definida por (a, b) ∗ (c, d) = (a + c, b + d).


(c) A operação ∗ definida por (a, b) ∗ (c, d) = (ac, bd).
(d) A operação ∗ definida por (a, b) ∗ (c, d) = (ac − bd, bc + ad).
(e) A operação ∗ definida por (a, b) ∗ (c, d) = (ac, ad + bc).

3. Determine se as operações binárias ∗ sobre Z é associativa (comutativa)


em cada um dos seguintes casos:

(a) A operação ∗ definida por a ∗ b = a − b.


(b) A operação ∗ definida por a ∗ b = a2 + b2 .
(c) A operação ∗ definida por a ∗ b = 2(a + b).
(d) A operação ∗ definida por a ∗ b = −a − b.

4. Determine se as operações binárias ∗ sobre R é associativa (comutativa)


em cada um dos seguintes casos:

(a) a ∗ b = a2 b.
(b) a ∗ b = min{a, b}.
1.1. OPERAÇÕES BINÁRIAS 7

(c) a ∗ b = ab + ba .
(d) a ∗ b = 1.
(e) a ∗ b = a + b2 .

5. Determine se as operações binárias ∗ sobre R é associativa (comutativa)


em cada um dos seguintes casos:

(a) a ∗ b = 3 a3 + b3 . (f ) a ∗ b = a + b − ab.
(b) a ∗ b = ab + a + b. (g) a ∗ b = a + b − 3.

(c) a ∗ b = a. (h) a ∗ b = a2 + b2 + 1.
(d) a ∗ b = a + b + a2 b. (i) a ∗ b = a + log10 (10b−a + 1).
(e) a ∗ b = max{a, b}. (j) a ∗ b = |a| b, quando a, b ∈ R∗ .
6. Determine se as operações binárias ∗ sobre R∗+ é associativa (comutativa)
em cada um dos seguintes casos:
a+b
(a) a ∗ b = 3ab. (e) a ∗ b = 1+ab .
ab
(b) a ∗ b = ab . (f ) a ∗ b = a+b+1 .
ab

(c) a ∗ b = a+b . (g) a ∗ b = a2 + b2 + 1.
(d) a ∗ b = ab + 1. (h) a ∗ b = a log10 b.
7. Determine quais das seguintes operações binárias são associativa (comu-
tativa):
a+b
(a) A operação ∗ sobre Q definida por a ∗ b = 5
.
(b) A operação ∗ sobre Z2 definida por (a, b) ∗ (c, d) = (ad + bc, bd).
(c) A operação ∗ sobre Q∗ definida por a ∗ b = ab .
(d) A operação ∗ sobre Q definida por a ∗ b = a − b + ab.

8. Sejam S um conjunto não vazio qualquer munido de uma operação


binário associativa ∗ e e, f ∈ S. Mostre que se a ∗ e = a e f ∗ a = a, para
todo a ∈ S, então e = f . Além disso, se a ∗ b = e = c ∗ a, então b = c.

9. Suponhamos que uma operação binária ∗ sobre G tenha uma unidade e


satisfaça a identidade

a ∗ (b ∗ c) = (a ∗ c) ∗ b, ∀ a, b, c ∈ G.
8 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Mostre que ∗ é associativa e comutativa.

10. Sejam ∗ uma operação binária associativa sobre G e x ∈ G. Mostre que


a operação binária ◦ sobre G definida por

a◦b=a∗x∗b

é associativa. Se ∗ é comutativa, é ◦ comutativa?

11. Seja G um conjunto munido de uma operação binária ∗. Dizemos que


a ∈ G é um elemento idempotente para ∗ se a ∗ a = a.

(a) Suponhamos que ∗ seja associativa. Mostre que ∗ é anticomutativa


se, e somente se, a ∗ a = a e a ∗ b ∗ a = a, para todos a, b ∈ G.
(b) Mostre se ∗ é associativa e anticomutativa, então a ∗ b ∗ c = a ∗ c,
para todos a, b, c ∈ G.

1.2 Grupos
Note que o conjunto de todos os números inteiros

Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .}

com soma usual satisfaz as seguintes condições:

a. k + (m + n) = (k + m) + n, para todos k, m, n ∈ Z.

b. Existe 0 ∈ Z tal que n + 0 = 0 + n = n, para todo n ∈ Z.

c. Para cada n ∈ Z, existe −n ∈ Z tal que n + (−n) = −n + n = 0.

Isto motiva a seguinte definição.


Um grupo é um conjunto G munido de uma operação binária ∗ tal que os
seguintes axiomas são satisfeitos:

1. Associatividade,

a ∗ (b ∗ c) = (a ∗ b) ∗ c, ∀ a, b, c ∈ G.
1.2. GRUPOS 9

2. Existe e ∈ G tal que

a ∗ e = e ∗ a = a, ∀ a ∈ G.

3. Para cada a ∈ G, existe b ∈ G tal que

a ∗ b = b ∗ a = e.

Assim, um grupo é um par (G, ∗), onde G é um conjunto e ∗ é uma operação


binária sobre G. Na maioria das vezes, dizemos simplesmnte “o grupo G”, sem
mencionar qual a operação binária está sendo considerada.

Observação 1.10 Seja G um grupo qualquer:

1. O axioma (2), assegura que o conjunto G é sempre não vazio.

2. O elemento e em (2) é único. De fato, seja f ∈ G outro elemento


identidade de G. Então

f = f ∗ e e f ∗ e = e ⇒ f = f ∗ e = e.

3. O elemento b em (3) é único e é chamado de elemento inverso de a em


G e será denotado por a−1 . De fato, seja c ∈ G outro elemento inverso
de a em G. Então

b = b ∗ e = b ∗ (a ∗ c) = (b ∗ a) ∗ c = e ∗ c = c.

4. Se em um grupo G o axioma

a ∗ b = b ∗ a, ∀ a, b ∈ G,

é verificado, dizemos que G é um grupo abeliano ou um grupo comuta-


tivo.

5. Quando G = {e}, dizemos que G é um grupo trivial.


10 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Com o objetivo de simplificar a notação usaremos ab ao invés de a ∗ b, salvo


menção explicita em contrário. A cardinalidade de um grupo G, em símbolos
|G|, é chamada a ordem do grupo G.

Exemplo 1.11 O conjunto G = Z (Q, R ou C) munido com a operação


binária “ + ” é um grupo abeliano infinito.

Exemplo 1.12 Seja d ∈ Z livre de quadrados. Mostre que o conjunto


√ n √ o
G = Q[ d] = a + b d : a, b ∈ Q, onde a ∈ Q∗ ou b ∈ Q∗

munido com a operação binária



z · w = (a1 a2 + b1 b2 d) + (a1 b2 + a2 b1 ) d,
√ √
onde z = a1 + b1 d, w = a2 + b2 d ∈ G, é um grupo abeliano infinito (prove
isto!).

Exemplo 1.13 O conjunto

G = C∗ = {a + bi : a, b ∈ R, onde a ∈ R∗ ou b ∈ R∗ e i2 = −1}

munido com a operação binária

z · w = (ac − bd) + (ad + bc)i,

onde z = a + bi, w = c + di ∈ G, é um grupo abeliano infinito (prove isto!).

Exemplo 1.14 Seja Mn (R) o conjunto de todas as matrizes n × n sobre R.


Mostre que o conjunto

G = GL n (R) = {A ∈ Mn (R) : det(A) 6= 0}

munido com a multiplicação usual de matrizes é um grupo não abeliano infinito,


chamado de grupo linear geral de grau n.
1.2. GRUPOS 11

Solução. Dados A, B ∈ G. Então AB ∈ Mn (R). Mas, pelo Teorema de


Binet-Cauchy, obtemos

det(AB) = det(A) det(B) 6= 0.

Logo, AB ∈ G, isto é, o produto usual de matrizes é uma operação binária


sobre G. É claro que essa operação é associativa e a matriz identidade In é
o elemento identidade de G. Se A ∈ Mn (R) é tal que det(A) 6= 0, então
a Regra de Cramer prova que a transformação linear associada a matriz A
admite inversa. Logo, A admite inversa A−1 e, assim,
1
det(A−1 ) = 6= 0.
det(A)

Portanto,
A−1 ∈ G e AA−1 = A−1 A = In ,

ou seja, G é um grupo.
Finalmente, se " # " #
1 0 1 1
A= e B= ,
1 1 0 1
então A, B ∈ G. Mas
" # " #
1 1 2 1
AB = 6= = BA,
1 2 1 1

isto é, G é um grupo não abeliano. Além disso, a função f : R → G definida


por f (a) = Aa , onde
" #
1 a
Aa = ∈ G, ∀ a ∈ R,
0 1

é claramente injetora. Portanto, G é um grupo não abeliano infinito. ¥

Exemplo 1.15 Sejam

G = Zn = {0, 1, 2, . . . , n − 1} ⊆ Z
12 CAPÍTULO 1. GRUPOS

e n um número inteiro positivo fixado. Mostre que o conjunto G munido com


a operação binária
a ⊕ b = a + b,

em que a + b indica o resto da divisão a + b por n, é um grupo abeliano finito,


chamado o grupo aditivo dos números inteiros de módulo n. Note que
(
a + b, se a + b < n
a⊕b=
a + b − n, se a + b ≥ n.

Solução. Dados a, b ∈ G. Então a + b ∈ Z. Mas, pelo Algoritmo da Divisão,


existem únicos q, r ∈ Z tais que

a + b = qn + r, com 0 ≤ r < n.

Logo,
a ⊕ b = r ∈ G,

isto é, ⊕ é uma operação binária sobre G. Lembre-se que r é também denotado


por (a + b) (mod n).
Dados a, b, c ∈ G. Então, no grupo aditivo dos números inteiros Z, temos
que

a + (b + c) = (a + b) + c = a + b + c.

Agora, dividindo a + b + c por n, obtemos

a + b + c = qn + r, com 0 ≤ r < n.

Logo, a ⊕ b ⊕ c = r. Dividindo b + c por n, temos que

b + c = q1 n + r1 , com 0 ≤ r1 < n,

ou seja, b ⊕ c = r1 . Dividindo a + r1 por n, obtemos

a + r1 = nq2 + r2 , com 0 ≤ r2 < n,


1.2. GRUPOS 13

isto é, a ⊕ r1 = r2 . Como

a + b + c = a + q1 n + r1
= a + r1 + q1 n
= q2 n + r2 + q1 n
= (q1 + q2 )n + r2

temos, pela unicidade do resto, que r = r2 . Portanto,

a ⊕ (b ⊕ c) = a ⊕ r1 = r2 = r = a ⊕ b ⊕ c.

De modo inteiramente análogo, prova-se que

(a ⊕ b) ⊕ c = r = a ⊕ b ⊕ c.

Logo,
a ⊕ (b ⊕ c) = (a ⊕ b) ⊕ c, ∀ a, b, c ∈ G.
É fácil verificar que 0 = n é o elemento identidade de G e −a = n − a é o
elemento inverso de a. Assim, G = Zn é um grupo de ordem n.
Finalmente, dados a, b ∈ G, obtemos

a ⊕ b = a + b = b + a = b ⊕ a.

Portanto, G = Zn é um grupo abeliano finito. ¥

Exemplo 1.16 Seja G = Q o grupo aditivo dos números racionais. Dados


x, y ∈ G, definimos
x ∼ y ⇔ y − x ∈ Z.
Mostre que ∼ é uma relação de equivalência sobre G (prove isto!). Além disso,
o conjunto
G
G= = {x : x ∈ G},
Z
com x = x + Z a classe de equivalência de x, munido com a operação binária

x ⊕ y = (x + Z) ⊕ (y + Z) = (x + y) + Z = x + y,

é um grupo abeliano infinito, chamado de grupo dos números racionais de


módulo um.
14 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Solução. Dados (x, y), (z, w) ∈ G × G, obtemos

(x, y) = (z, w) ⇒ x = z e y = w
⇒ x+Z=z+Z e y+Z=w+Z
⇒ z − x ∈ Z e w − y ∈ Z.

Logo,
(z − x) + (w − y) ∈ Z ⇒ (z + w) − (x + y) ∈ Z,
ou seja,

x ⊕ y = x + y = (x + y) + Z
= (z + w) + Z = z + w
= z ⊕ w.

Portanto, ⊕ é uma operação binária sobre G.


Dados x, y, z ∈ G,

x ⊕ (y ⊕ z) = x ⊕ (y + z) = x + (y + z)
= (x + y) + z = (x + y) ⊕ z
= (x ⊕ y) ⊕ z.

Existe 0 = 0 + Z = Z ∈ G tal que

x ⊕ 0 = 0 ⊕ x = x, ∀ x ∈ G.

Para cada x ∈ G, existe −x ∈ G tal que

x ⊕ (−x) = x − x = 0 = −x + x = −x ⊕ x.

Portanto, G é um grupo. Dados x, y ∈ G, obtemos

x ⊕ y = x + y = y + x = y ⊕ x,

isto é, G é um grupo abeliano.


Finalmente, sejam p e q números primos distintos. Então
1 1
r 6= s, com r = e s= ,
p q
1.2. GRUPOS 15

pois se
1 1
r=s⇔ − ∈ Z,
q p
então existe n ∈ Z tal que
1 1
− = n ⇔ p − q = npq ⇔ p = (np + 1)q,
q p

isto é, q divide p. Assim, p = q, o que é impossível. Portanto, G é um grupo


abeliano infinito. ¥

Exemplo 1.17 Sejam S um conjunto não vazio qualquer e

G = P (S) = {σ : S −→ S : σ é uma função bijetora}.

Mostre que o conjunto G munido com a composição usual de funções é um


grupo não abeliano se |S| ≥ 3.

Solução. Dados σ, τ ∈ G. Então σ ◦ τ é uma função de S em S. Para


cada z ∈ S, existe y ∈ S tal que z = σ(y), pois σ é sobrejetora. De modo
inteiramente análogo, existe x ∈ S tal que y = τ (x). Logo,

(σ ◦ τ )(x) = σ(τ (x)) = σ(y) = z,

isto é, σ ◦ τ é sobrejetora.
Dados x,y ∈ S, se

(σ ◦ τ )(x) = (σ ◦ τ )(y) ⇔ σ(τ (x)) = σ(τ (y)),

então, por definição de σ e τ , temos que τ (x) = τ (y) e x = y, isto é, σ ◦ τ é


injetora. Portanto, σ ◦ τ ∈ G, isto é, a composição usual de funções é uma
operação binária sobre G. É claro que essa operação é associativa e a função
identidade IS é o elemento identidade de G.
Note que se σ ∈ G e y ∈ S, então existe um único x ∈ S tal que y = σ (x).
Assim, podemos definir σ−1 : S −→ S por

x = σ −1 (y) ⇔ y = σ(x).
16 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Sejam x ∈ S qualquer e y = σ(x). Então

(σ −1 ◦ σ)(x) = σ −1 (σ(x)) = σ −1 (y) = x,

isto é, σ −1 ◦ σ = IS . Como σ é sobrejetora temos que existe z ∈ S tal que


x = σ(z). Logo,

(σ ◦ σ −1 )(x) = (σ ◦ σ −1 )(σ(z)) = σ(σ −1 ◦ σ)(z)


= σ(IS (z)) = σ(z) = x,

isto é, σ ◦ σ −1 = IS . Portanto, σ −1 ∈ G e σ −1 ◦ σ = σ ◦ σ−1 = IS . Em resumo:


σ ∈ G se, e somente se, as seguintes condições são satisfeitas:

1. σ(x) ∈ S, para todo x ∈ S.

2. Dado y ∈ S, existe x ∈ S tal que y = σ(x).

3. Dados x, y ∈ S, se σ(x) = σ(y), então x = y.

Observe que se |S| ≥ 3, então G é um grupo não abeliano. ¥

O grupo do Exemplo 1.17, é conhecido como o grupo das permutações de


S. Em particular, se S = In = {1, 2, . . . , n}, então P (S) chama-se o grupo de
simetria de grau n e será denotado por Sn .

Exemplo 1.18 Para cada n ∈ N. Mostre que |Sn | = n!.

Primeira Solução. Dado σ ∈ Sn . Então existem n escolhas para σ(1), mas


somente n − 1 escolhas para σ(2), pois σ(1) não pode ser escolhida novamente.
Não podemos escolher σ(1) ou σ(2) novamente, de modo que existem n − 2
escolhas para σ(3) e assim por diante. Finalmente, existe uma única escolha
para σ(n). Logo, cada escolha de σ(i) pode ocorrer com cada escolha de σ(j).
Portanto, o número total de permutações distintas de Sn é igual a:

n(n − 1)(n − 2) · · · 3 · 2 · 1 = n!.


1.2. GRUPOS 17

Segunda Solução. Vamos usar indução sobre n. Se n = 1 ou 2 nada há para


ser provado. Suponhamos que o resultado seja válido para todo n > 2. Para
cada k ∈ In , consideremos a permutação τ k : In+1 → In+1 definida por

τ k (k) = n + 1, τ k (n + 1) = k e τ k (x) = x, ∀ x ∈ In+1 − {k, n + 1}.

A permutação τ k chama-se transposição. É fácil verificar que τ 2k = I e τ k =


τ −1
k .
Afirmação. Os elementos Iσ, τ 1 σ, . . . , τ n σ são todos distintos em Sn+1 ,
para todo σ ∈ Sn .
De fato, se existissem i, j ∈ In e σ, φ ∈ Sn tais que τ i σ = τ j φ, então

(τ i σ)(n + 1) = τ i (n + 1) = i e (τ j φ)(n + 1) = τ j (n + 1) = j.

Assim, i = j e

σ = Iσ = (τ −1 −1 −1 −1
i τ i )σ = τ i (τ i σ) = τ i (τ i φ) = (τ i τ i )φ = Iφ = φ.

Se φ = τ i σ, então

n + 1 = φ(n + 1) = (τ i σ)(n + 1) = τ i (n + 1) = i,

o que é impossível. Portanto, os elementos Iσ, τ 1 σ, . . . , τ n σ são todos distintos


em Sn+1 , para todo σ ∈ Sn .
Agora, dado φ ∈ Sn+1 . Então φ(n + 1) = n + 1 ou φ(n + 1) = i, para
algum i ∈ In . Se φ(n + 1) = n + 1, então φ ∈ Sn . Se φ(n + 1) = i, para algum
i ∈ In , então (τ i φ)(n + 1) = n + 1. Assim, τ i φ = σ, para algum σ ∈ Sn . Logo,
φ = τ −1
i σ = τ i σ. Portanto, determinamos todas as permutações de Sn+1 .
Finalmente, a cada σ ∈ Sn temos associado n+1 permutações Iσ, τ 1 σ, . . . , τ n σ
em Sn+1 . Portanto, pela hipótese de indução, o número total de permutações
em Sn+1 é
(n + 1)n! = (n + 1)!,
que é o resultado desejado. ¥

Note que uma permutação σ ∈ Sn é unicamente determinada pelo conjunto


de pares ordenados (gráfico de σ)

{(x, σ(x)) : x ∈ {1, 2, . . . , n}}.


18 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Logo, σ pode ser escrita sob a forma matricial:


à ! à !
1 2 ··· n x
σ= = ,
σ(1) σ(2) · · · σ(n) σ(x)

em que a ordem das colunas não importa. Dados σ, τ ∈ Sn , digamos


à ! à !
x x
σ= e τ= .
σ(x) τ (x)

Então, reordenando as colunas de τ até a primeira linha coincidir com a se-


gunda linha de σ, obtemos
à ! à !
σ(x) σ(x)
τ= = .
τ (σ(x)) (τ ◦ σ)(x)

Portanto,
à ! à ! à !
x σ(x) x
=τ ◦σ = ◦ ,
(τ ◦ σ)(x) (τ ◦ σ)(x) σ(x)

ou seja, se as colunas são adequadamente ordenadas, então a composição é


essencialmente a lei do cancelamento. Por exemplo, se S = {1, 2, 3},
à ! à !
1 2 3 1 2 3
σ= e τ= ,
2 3 1 2 1 3

então
à ! à !
1 2 3 1 2 3
τ ◦σ = ◦
2 1 3 2 3 1
à ! à !
2 3 1 1 2 3
= ◦
1 3 2 2 3 1
à !
1 2 3
=
1 3 2
1.2. GRUPOS 19

e
à ! à !
1 2 3 1 2 3
σ◦τ = ◦
2 3 1 2 1 3
à ! à !
2 1 3 1 2 3
= ◦
3 2 1 2 1 3
à !
1 2 3
= .
3 2 1

Observe que σ ◦ τ 6= τ ◦ σ.
Finalmente, Ã ! Ã !
2 3 1 1 2 3
σ −1 = =
1 2 3 3 1 2
e à ! à !
2 1 3 1 2 3
τ −1 = = = τ.
1 2 3 2 1 3

Exemplo 1.19 Sejam G e H grupos. Mostre que o conjunto

G × H = {(a, b) : a ∈ G e b ∈ H}

munido com a operação binária

(a, b) ∗ (x, y) = (ax, by)

é um grupo, com |G × H| = |G| |H|. Em particular, G × H é abeliano se, e


somente se, G e H também o são. Este exemplo pode ser estendido de modo
natural para grupos G1 , . . . , Gn .

Solução. É fácil verificar que essa operação é associativa, que (eG , eH ) é o


elemento identidade de G × H e que (a−1 , b−1 ) é o elemento inverso de (a, b)
em G × H. ¥

Exemplo 1.20 Sejam G um grupo e S um conjunto não vazio qualquer.


Mostre que o conjunto

GS = F(S, G) = {f : S → G : f é uma função}


20 CAPÍTULO 1. GRUPOS

munido com a operação binária

(f ¯ g)(x) = f (x)g(x), ∀ x ∈ S e f, g ∈ F(S, G),

é um grupo, chamado de grupo das funções com domínio S e valores em G.

Solução. É fácil verificar que essa operação é associativa, a função eS definida


0
por eS (x) = eG , para todo x ∈ S, é o elemento identidade de GS e a função f
0
definida por f (x) = f (x)−1 , para todo x ∈ S, é o elemento inverso de f em
GS . ¥

Proposição 1.21 Sejam G um grupo e a, b, c, d ∈ G.

1. Se ab = e, então b = a−1 e a = b−1 . Em particular, e ∈ G é o único


elemento de G tal que e2 = e ∗ e = e.

2. (c−1 )−1 = c e (cd)−1 = d−1 c−1 .

3. Se ca = cb ou ad = bd, então a = b.

Prova. (1) Se ab = e, então


¡ ¢
b = eb = a−1 a b = a−1 (ab) = a−1 e = a−1 .

Em particular, seja x ∈ G tal que x2 = x. Então

e = x−1 x = x−1 x2 = x−1 (xx) = (x−1 x)x = ex = x.

(2) Pondo a = c−1 e b = c no item (1), obtemos

ab = c−1 c = e ⇒ c = (c−1 )−1 .

Agora, pondo a = cd e b = d−1 c−1 no item (1), temos que

ab = (cd)(d−1 c−1 ) = c(dd−1 )c−1 = cec−1 = cc−1 = e


⇒ d−1 c−1 = (cd)−1 .

(3) Se ca = cb, então

a = ea = (c−1 c)a = c−1 (ca) = c−1 (cb) = (c−1 c)b = eb = b.


1.2. GRUPOS 21

Provar que se ad = bd, então a = b fica como um exercício. ¥

Seja G um conjunto munido de uma operação binária ∗. Dizemos que G é


um quase-grupo se para quaisquer a, b ∈ G, existem únicos x, y ∈ G tais que

a∗x=b e y∗a=b

ou, equivalentemente, para quaisquer a, c ∈ G, a equação

a∗b=c

determina unicamente b ∈ G e, para quaisquer b, c ∈ G, a mesma equação


determina unicamente a ∈ G. Se, além disso, G tiver o elemento identidade,
dizemos que G é um loop.

Exemplo 1.22 Seja G um quase-grupo. Mostre que

ab = ac e ba = ca ⇒ b = c, ∀ a, b, c ∈ G.

Em particular, as funções La : G −→ G e Ra : G −→ G definidas por


La (x) = ax e Ra (x) = xa, respectivamente, são bijetoras, para cada a ∈ G.
Por exemplo, a solução da equação ax = b é x = La−1 (b).

Solução. Pela unicidade da equação a ∗ x = b, obtemos

ab = ac ⇒ b = c

e pela unicidade da equação y ∗ a = b, temos que

ba = ca ⇒ b = c,

que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 1.23 Seja G um conjunto munido de uma operação binária tal que
G possui elemento inverso e

a−1 (ab) = b = (ba)a−1 , ∀ a, b ∈ G.

Mostre que G é um quase-grupo.


22 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Solução. Consideremos a equação ax = b. Então

x = a−1 (ax) = a−1 b

é uma solução da equação. Seja x1 outra solução da equação. Então

x1 = a−1 (ax1 ) = a−1 b = x.

De modo inteiramente análogo, prova-se que a equação ya = b possui uma


única solução. Portanto, G é um quase-grupo. ¥

Observação 1.24 Note que G = {a, b, c} munido de uma operação binária ∗


e as relações entre os elementos dadas pela tábua

∗ a b c
a a c b
b c b a
c b a c

é um quase-grupo. Mas, não é um loop, pois cada elemento é seu próprio


inverso e
x−1 (xy) = y = (yx)x−1 , ∀ x, y ∈ G,
no entanto, não possui elemento identidade.

Seja G um conjunto munido de uma operação binária ∗. Dizemos que G é


um semigrupo se a operação binária ∗ for associativa. Se, além disso, G tiver
o elemento identidade, dizemos que G é um monoide.

Observação 1.25 Note que

G = 2N = {2n : n ∈ N} = {2, 4, 6, . . .}

munido com a multiplicação usual é um semigrupo abeliano. Mas não é um


monoide.

Exemplo 1.26 Seja G um conjunto qualquer munido com uma operação binária
a ∗ b = a, para todos a, b ∈ G. Mostre que G é um semigrupo.
1.2. GRUPOS 23

Solução. Dados a, b, c ∈ G, obtemos

(a ∗ b) ∗ c = a ∗ b = a ∗ (b ∗ c).

Portanto, G é um semigrupo. Note que qualquer elemento fixado a0 de G é


uma identidade à direita, pois b ∗ a0 = b, para todo b ∈ G. Portanto, para
qualquer b o elemento a0 é um inverso à esquerda de b, pois a0 ∗ b = a0 . Em
particular, se G = Z, então 1 é um elemento identidade à direita e também
um inverso à esquerda de qualquer elemento de G. ¥

Exemplo 1.27 Sejam S um conjunto não vazio qualquer e

S S = {f : S → S : f é uma função}

Mostre que o conjunto S S munido com a composição usual de funções é um


monoide.

Solução. Claramente essa operação é associativa e a função identidade IS é


o elemento identidade de S S . Mas não é um grupo, pois nada garante que a
função inversa exista. ¥

Exemplo 1.28 Seja G um semigrupo. Mostre que as seguintes condições são


equivalentes:

1. aba = a, para todos a, b ∈ G;

2. Qualquer elemento de G é idempotente e abc = ac, para todos a, b, c ∈ G;

3. Existe uma bijeção entre G e o semigrupo L×R preservando as operações


binárias, em que L e R são semigrupos nos quais qualquer elemento de
L é um inverso à esquerda e qualquer elemento de R é um inverso à
direita;

4. Existem conjuntos não vazios A, B e uma operação binária

(a1 , b1 ) ∗ (a2 , b2 ) = (a1 , b2 )

sobre A × B, que induz uma bijeção entre G e o semigrupo A × B preser-


vando as operações binárias.
24 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Solução. (1 ⇒ 2) Dado a ∈ G, obtemos

a3 = aaa = a e a4 = a3 a = a2 .

Logo,
a = aa2 a = a4 = a2 ,

ou seja, a é um elemento idempotente de G.


Finalmente, dados a, b, c ∈ G, obtemos

a = aba, c = cbc e b = b(ac)b.

Assim,
ac = (aba)(cbc) = a(b(ac)b)c = abc.

Portanto, abc = ac, para todos a, b, c ∈ G.


(2 ⇒ 3) Para um c ∈ G fixado, sejam

L = cG = {ca : a ∈ G} e R = Gc = {ca : a ∈ G}.

Então é fácil verificar que L e R são semigrupos.


Agora, dados x, y ∈ L, existem a, b ∈ G tais que x = ca e y = cb. Logo,

yx = (ca)(cb) = ca(cb) = c(cb) = c2 b = ac = x,

ou seja, y é um inverso à esquerda x. De modo inteiramente análogo, prova-se


que qualquer elemento de R é um inverso à direita.
Finalmente, consideremos a função ϕ : G → L × R definida por

ϕ(x) = (xc, cx).

Dados x, y ∈ G, se ϕ(x) = ϕ(y), então

(xc, cx) = (yc, cy) ⇒ xc = yc e cx = cy.

Logo,
x = x2 = xcx = ycx = ycy = y 2 = y,
1.2. GRUPOS 25

Assim, ϕ é injetora. Dado (ac, cb) ∈ L × R, existe ab ∈ G tal que

ϕ(ab) = (abc, cab) = (ac, cb),

isto é, ϕ é sobrejetora.

ϕ(xy) = (xyc, cxy) = (xc, cy)


= (xcxc, cycy) = (xc, cy)(xc, cy)
= ϕ(x)ϕ(y), ∀ x, y ∈ G.

Portanto, ϕ é uma bijeção que preserva as operações binárias dos semigrupos.


(3 ⇒ 4) Basta tomar A = L e B = R e observar que

(a1 , b1 ) ∗ (a2 , b2 ) = (a1 a2 , b1 b2 ) = (a1 , b2 ).

(4 ⇒ 1) Pondo G = A × B e dados a = (x, y) ∈ G e b = (z, w) ∈ G,


obtemos

aba = (x, y)(z, w)(x, y) = (x, y)(z, y)


= (x, y) = a,

ou seja, aba = a, para todos a, b ∈ G. ¥

Seja G um grupo qualquer. Vamos definir uma composição externa ∗ sobre


G, ∗ : Z × G → G, por

⎪ n−1
⎨ a a, se n > 0
n
n∗a=a = e, se n = 0

⎩ −1 −n n+1 −1
(a ) = a a , se n < 0.

O elemento an chama-se a potência n-ésima do elemento a. Note que

a−n = (a−1 )n = (an )−1 , ∀ n ∈ Z.

Por exemplo, se n ≥ 0, então, indutivamente, obtemos

an (a−1 )n = e e an a−n = e.

Logo, pela unicidade do elemento inverso, obtemos o resultado.


26 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Proposição 1.29 Sejam G um grupo e a ∈ G fixado. Então:

1. am an = am+n , para todos m, n ∈ Z.

2. (am )n = amn , para todos m, n ∈ Z.

Prova. Provaremos apenas o item (1). Para isto, vamos dividir a prova em
vários casos:
1.o Caso. Se m > 0 e n > 0 (m + n > 0), neste caso, vamos fixar m e usar
indução sobre n. Seja

S = {n ∈ N : am an = am+n }.

Então 1 ∈ S, pois am+1 = am a. Suponhamos que o resultado seja válido para


n > 1, isto é, n ∈ S. Então

am+(n+1) = am+n a = (am an )a = am (an a) = am an+1 .

Logo, n + 1 ∈ S. Portanto, S = N.
2.o Caso. Se m < 0 e n < 0 (m + n < 0), então −m > 0 e −n > 0. Logo,

am an = (a−1 )−m (a−1 )−n = (a−1 )(−m)+(−n) = (a−1 )−(m+n) = am+n .

3.o Caso. Se m > 0, n < 0 e m + n > 0, então

am = a(m+n)−n = am+n a−n .

Logo,
am an = (am+n a−n )an = am+n (a−n an ) = am+n e = am+n .

4.o Caso. Se m > 0, n < 0 e m + n = 0, então

am = a(m+n)−n = am+n a−n = ea−n = a−n .

Logo,
am an = a−n an = e = am+n .
1.2. GRUPOS 27

5.o Caso. Se m > 0, n < 0 e m + n < 0, então

an = (a−1 )−n = (a−1 )m+(−m−n))


= (a−1 )m−(m+n)
= (a−1 )m (a−1 )−(m+n)
= (a−1 )m am+n .

Logo,
am an = am (a−1 )m am+n = (am a−m )am+n = eam+n = am+n .
Portanto, am an = am+n , para todos m, n ∈ Z. ¥

Exemplo 1.30 Seja G um grupo tal que (ab)2 = (ba)2 , para todos a, b ∈ G.
Mostre que se G possui a seguinte propriedade: x ∈ G e x2 = e implicar que
x = e, então G é grupo abeliano.

Solução. Dados a, b ∈ G, obtemos

a2 = (ab−1 b)2 = (bab−1 )2 = ba2 b−1 ou a2 b = ba2 .

Pondo x = aba−1 b−1 , temos que

x2 = ab(a−1 b−1 a)(ba−1 b−1 ) = ab(aa−2 b−1 a)(ba−1 b−1 )


= ab(ab−1 a−2 a)(ba−1 b−1 ) = ab(ab−1 a−1 )(ba−1 b−1 )
= ab(abb−2 a−1 )(ba−1 b−1 ) = (ab)2 (a−1 b−2 )(ba−1 b−1 )
= (ab)2 (a−1 b−1 )2 = (ba)2 (a−1 b−1 )2 = e,

Logo, x = e, isto é, ab = ba. Portanto, G é um grupo abeliano. ¥

Proposição 1.31 Seja G um conjunto munido de uma operação binária ∗ tal


que os seguintes axiomas são satisfeitos:

1. a(bc) = (ab)c, para todos a, b, c ∈ G.

2. Existe e ∈ G tal que ea = a, para todo a ∈ G.

3. Para cada a ∈ G, existe a−1 ∈ G tal que a−1 a = e.


28 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Então G é um grupo.

Prova. Dado a ∈ G, devemos provar que o inverso à esquerda a−1 de a é


também um inverso à direita a, isto é, aa−1 = e. Pondo b = aa−1 , obtemos
¡ ¢¡ ¢ ¡ ¢
b2 = aa−1 aa−1 = a a−1 a a−1 = aea−1 = aa−1 = b.

Assim,
e = b−1 b = b−1 b2 = b−1 (bb) = (b−1 b)b = eb = b,
isto é, aa−1 = e.
Finalmente, devemos provar que o elemento identidade à esquerda e é tam-
bém um elemento identidade à direita, isto é, ae = a, para todo a ∈ G. Dado
a ∈ G, obtemos
¡ ¢ ¡ ¢
ae = a a−1 a = aa−1 a = ea = a.
Portanto, G é um grupo. ¥

Exemplo 1.32 Seja G um quase-grupo e semigrupo. Mostre que G é um


grupo.

Solução. Dado a ∈ G, existe uma solução e da equação

xa = a, isto é ea = a.

Por outro lado, para qualquer b ∈ G, existe c ∈ G tal que ac = b. Logo,

eb = e(ac) = (ea)c = ac = b,

ou seja, e é o elemento identidade à esquerda de G.


Finalmente, dado a ∈ G, existe d ∈ G tal que da = e. Logo, d = a−1 é
o elemento inverso à esquerda de G. Portanto, pela Proposição 1.31, G é um
grupo. ¥

Proposição 1.33 Seja G um semigrupo. Então as seguintes condições são


equivalentes:

1. Para quaisquer a, b ∈ G, as equações ax = b e ya = b possuem soluções


x, y ∈ G;
1.2. GRUPOS 29

2. G é um grupo;

3. Para quaisquer a, b ∈ G, as equações ax = b e ya = b possuem soluções


únicas x, y ∈ G;

4. Para um c ∈ G fixado, as funções Lc : G −→ G e Rc : G −→ G definidas


por Lc (x) = cx e Rc (x) = xc, respectivamente, são bijetoras.

Prova. (1 ⇒ 2) Seja e ∈ G uma solução da equação ya = a, de modo que


ea = a, para todo a ∈ G. Como a equação ax = b possui solução temos que

eb = e(ax) = (ea)x = ax = b, ∀ b ∈ G.

Assim, e é o elemento identidade à esquerda de G.


Finalmente, a equação ya = e possui solução. Logo, cada elemento a ∈ G
possui um inverso à esquerda. Portanto, pela Proposição 1.31, G é um grupo.
(2 ⇒ 3) Vamos provar apenas que a equação ax = b possui solução x ∈ G.
Primeiro provaremos que existe pelo menos uma solução. É claro que x0 = a−1 b
é solução da equação ax = b, pois
¡ ¢
ax0 = a a−1 b = (aa−1 )b = eb = b.

Reciprocamente, seja x1 outra solução da equação ax = b. Então ax1 = b.


Logo,
x1 = ex1 = (a−1 a)x1 = a−1 b = x0 .

Portanto, qualquer solução da equação ax = b é da forma a−1 b.


(3 ⇒ 1) Nada há para ser provado.
(2 ⇒ 4) Dados x, y ∈ G, se Lc (x) = Lc (y), então

cx = cy ⇒ x = (c−1 c)x = c−1 (cx) = c−1 (cy) = (c−1 c)y = y,

Logo, Lc é injetora. Dado b ∈ G, existe x = c−1 b ∈ G tal que Lc (x) = cx = b,


isto é, Lc é sobrejetora. Portanto, Lc é bijetora. De modo inteiramente análogo,
prova-se que Rc é bijetora.
(4 ⇒ 2) Segue das definições. ¥
30 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Observação 1.34 Seja G um grupo. Então uma solução da equação ax = b


em G não é necessariamente uma solução da equação ya = b em G, por
exemplo, em G = S3 possui soluções diferentes.

Exemplo 1.35 Seja

G = Z•n = {a ∈ Z : 1 ≤ a < n e mdc(a, n) = 1}.

Mostre que o conjunto G munido com a operação binária

a ¯ b = ab,

em que ab indica o resto da divisão de ab por n, é um grupo abeliano finito,


chamado o grupo das unidades de Zn

Solução. Dados a, b ∈ G. Então ab ∈ Z. Mas, pelo Algoritmo da Divisão,


existem únicos q, r ∈ Z tais que

ab = qn + r, com 0 ≤ r < n.

Como mdc(a, n) = 1 = mdc(b, n) implica que mdc(ab, n) = 1 temos que

a ¯ b = r ∈ G,

isto é, ¯ é uma operação binária sobre G. É fácil verificar que

a ¯ (b ¯ c) = (a ¯ b) ¯ c, ∀ a, b, c ∈ G.

Portanto, G é um semigrupo. Para um c ∈ G fixado, consideramos a função


Lc : G −→ G definida por Lc (x) = c ¯ x. Dados x, y ∈ G, se Lc (x) = Lc (y),
então
c ¯ x = c ¯ y ⇒ c(x − y) = cx − cy = n,

ou seja, n divide c(x − y) em Z. Como mdc(c, n) = 1 temos, pelo Lema de


Euclides, que n divide (x − y) em Z. Logo,

x − y = n ⇒ x = y.
1.2. GRUPOS 31

Assim, Lc é injetora. Consequentemente, Lc é bijetora, pois G é um conjunto


finito. De modo inteiramente análogo, prova-se que a função Rc : G −→ G
definida por Rc (x) = x ¯ c é bijetora. Portanto, pela Proposição 1.33, G é um
grupo abeliano finito. ¥

É usual dar-se a operação binária de um grupo finito G por meio de sua


tabela de multiplicação ou tabela de Cayley com n linhas e n colunas. Assim,
se G = {a1 , . . . , an }, então

∗ a1 a2 ··· an
a1 a21 a1 a2 ··· a1 an
a2 a2 a1 a22 ··· a2 an
.. .. .. ..
. . . ··· .
an an a1 an a2 ··· a2n
Usualmente, fazemos a1 = e, o elemento identidade do grupo G. Note que
2
existem n(n ) operações possíveis para preencher a tabela.

Observação 1.36 Uma tabela de multiplicação de ordem “n” representa um


grupo se cada elemento de G aparece exatamente uma vez em cada linha e cada
coluna. Por exemplo, se dois elementos em uma linha fossem iguais, digamos
ai aj = ai ak , então

aj = eaj = (a−1 −1 −1 −1
i ai )aj = ai (ai aj ) = ai (ai ak ) = (ai ai )ak = eak = ak .

Neste caso, as equações ax = b e ya = b possuem soluções, para todos a, b ∈ G.


Em particular, G é um grupo abeliano se sua tabela for simétrica.

Exemplo 1.37 Mostre que existe exatamente um grupo de ordem 3.

Solução. Suponhamos que exista um grupo G de ordem 3, com elemento


identidade e. Se a ∈ G, com a 6= e, então a2 6= a e a2 6= e, pois se, por
exemplo, a2 = a, então

e = a−1 a = a−1 a2 = a−1 (aa) = (a−1 a)a = ea = a,


32 CAPÍTULO 1. GRUPOS

o que é impossível. Pondo b = a2 , obtemos G = {e, a, b} e a tabela, pois ab = e


e um elemento aparece exatamente uma vez em cada linha e em cada coluna:

∗ e a b
e e a b
a a b e
b b e a
que é o resultado desejado. ¥

EXERCÍCIOS

1. Mostre que existe apenas dois grupos de ordem 4.

2. Mostre que G = R−{−1} munido com a operação binária a∗b = a+b+ab


é um grupo.

3. Sejam G um grupo e x um elemento fixado de G. Mostre que G munido


com a nova operação binária a ∗ b = axb é um grupo.

4. Seja G = Z × Z. Mostre que G munido com a operação binária

(a, b) ∗ (c, d) = (a + c, (−1)c b + d)

é um grupo. É G um grupo abeliano?

5. Seja G um grupo qualquer. Mostre que G × G munido com a operação


binária
(a, b) ∗ (c, d) = (ac, c−1 bcd)
é um grupo. Quando G × G é um grupo abeliano?

6. Seja G um grupo com elemento identidade eG . Mostre que a operação


binária / : G × G → G definida por a/b = ab−1 (a ÷ b = ab−1 ) satisfaz
às seguintes condições:
1.2. GRUPOS 33

(a) Para quaisquer a, b ∈ G, a/b = eG se, e somente se, a = b.


(b) Para qualquer a ∈ G, a/eG = a.
(c) Para quaisquer a, b ∈ G, eG /(a/b) = b/a.
(d) Para quaisquer a, b, c ∈ G, (a/c)/(b/c) = a/b.

Reciprocamente, seja G um conjunto com uma operação binária / : G ×


G → G e um elemento eG ∈ G satisfazendo os quatro axiomas acima.
Mostre que G, com a nova operação binária ∗ : G × G → G definida por
a ∗ b = a/(eG /b), é um grupo.

7. Seja G = {a ∈ Q : 0 ≤ a < 1} um conjunto munido de uma operação


binária (
a + b, se 0 ≤ a + b < 1
a⊕b=
a + b − 1, se 1 ≤ a + b < 2,
com “+” a soma usual em Q. Mostre que G é um grupo abeliano infinito.
Qual a relação deste grupo com o grupo do Exemplo 1.16?

8. Sejam G um semigrupo e u um elemento que não está em G.

(a) Mostre que o conjunto H = G ∪ {u}, com a operação binária de G


e au = ua = a, para todo a ∈ H, é um monoide.
(b) Mostre que se G é um monoide e existe n ∈ N tal que an = e, para
todo a ∈ G, então G é um grupo.

9. Seja G um semigrupo satisfazendo os seguintes axiomas:

(a) Existe e ∈ G tal que ae = a para todo a ∈ G.


(b) Para cada a ∈ G, existe x ∈ G tal que ax = e.

Mostre que G é um grupo.

10. Seja G um semigrupo satisfazendo os seguintes axiomas:

(a) Existe e ∈ G tal que ea = a para todo a ∈ G.


34 CAPÍTULO 1. GRUPOS

(b) Dado a ∈ G, existe a−1 ∈ G tal que aa−1 = e.

Mostre, com um exemplo, que G não é um grupo.

11. Seja G um semigrupo finito. Mostre que G possui um elemento idempo-


tente.

12. Sejam G um semigrupo e a ∈ G. Mostre que se existem e, f ∈ G tais


que ex = x, para todo x ∈ G, e fa = e, então

ab = ac ⇒ b = c, ∀ b, c ∈ G.

13. Seja G um semigrupo.

(a) Mostre que se existe e ∈ G tal que ea = a, para todo a ∈ G e


ba = e, para algum b ∈ G, então G é um grupo.
(b) Mostre que se existe e ∈ G tal que ae = a, para todo a ∈ G e
ab = e, para algum b ∈ G, então G é um grupo.

14. Seja G um semigrupo contendo um elemento idempotente e ∈ G com a


seguinte propriedade: Para qualquer a ∈ G existe pelo menos x ∈ G tal
que xa = e e existe no máximo y ∈ G tal que ay = e. Mostre que G é
um grupo.

15. Seja G um semigrupo com a seguinte propriedade: Para qualquer a ∈ G,


existe um único at ∈ G tal que aat a = a.

(a) Mostre que se e é um elemento idempotente de G, então et = e.


(b) Mostre que se x, a ∈ G e at x = at , então x = aat .
(c) Mostre que at aat = at e (at )t = a, para todo a ∈ G.
(d) Mostre que x = (bat )t é solução da equação xb = a, para todos
a, b ∈ G.
(e) Mostre que G é um grupo.

16. Seja G um semigrupo abeliano satisfazendo os seguintes axiomas:


1.2. GRUPOS 35

1. Para qualquer a ∈ G, existe b ∈ G tal que ba = a.


2. Se ba = a, então existe c ∈ G tal que ca = b, para todos a, b ∈ G.

(a) Mostre que se ba = a = b0 a, então b = b0 .


(b) Mostre que se ba = a, então b2 = b.
(c) Mostre que se ba = a e cd = d, então b = c.
(d) Mostre que G é um grupo.

Mostre, com um exemplo, que G não é um grupo se G é um semigrupo


não abeliano.

17. Seja G um grupo tal que a2 = e, para todo a ∈ G. Mostre que G é um


grupo abeliano.

18. Seja G um monoide e a ∈ G.

(a) Mostre que se ab = e e ca = e, então b = c e b = a−1 .


(b) Mostre que ab = ba = e se, e somente se, aba = a e ab2 a = e.

19. Seja G um semigrupo tal que b2 a = a, para todos a, b ∈ G. Mostre que


G é um grupo abeliano.

20. Seja G um semigrupo finito tal que

ab = ac ⇒ b = c e ba = ca ⇒ b = c, ∀ a, b, c ∈ G.

Mostre que G é um grupo. Mostre, com um exemplo, que essa conclusão


pode ser falsa se G é um semigrupo infinito.

21. Sejam G um monoide e ∼ uma relação de equivalência sobre G tal que

a ∼ x e b ∼ y ⇒ ab ∼ xy, ∀ a, b, x, y ∈ G.

Mostre que o conjunto


G
G= = {a : a ∈ G},

36 CAPÍTULO 1. GRUPOS

em que a é a classe de equivalência de a, munido com a operação binária


a ∗ b = ab é um monoide. Em particular, se G é um grupo (abeliano),
então G também o é.

22. Sejam G um grupo e a1 , . . . , an ∈ G.

(a) Mostre que se a1 · · · an = e, então

ak · · · an a1 · · · ak−1 = e, k = 1, . . . , n.

(b) Mostre que se G é de ordem n, então existem índices 1 ≤ i ≤ j ≤ n


tais que
ai ai+1 · · · aj = e.

23. Sejam p um número primo fixado,


na o ½ ¾
p a
R = ∈ Q : mdc(b, p) = 1 e Rp = ∈ Q : n ∈ Z+ .
b pn

Mostre que Rp e Rp são grupos abelianos sob a operação de adição de Q.

24. Seja p um número primo fixado. Mostre que o conjunto


½ ¾
∞ a
Z(p ) = + Z : a ∈ Z e n ∈ Z+
pn
Q
é um grupo abeliano infinito sob a operação de adição de Z
(confira
Exemplo 1.16).

25. Sejam G um grupo, a, b ∈ G e k ∈ N fixado.


n
(a) Mostre que se aba−1 = bk , então an ba−n = bk , para todo n ∈ N.
(b) Mostre que se (ab)n = an bn , para algum n = n(a, b) ∈ N fixado,
com n > 1, então

(ab)n−1 = bn−1 an−1 , an bn−1 = bn−1 an e (aba−1 b−1 )n(n−1) = e.

26. Sejam G um grupo e a, b ∈ G.


1.2. GRUPOS 37

(a) Mostre que a equação xax = b possui uma solução x ∈ G se, e


somente se, ab é um quadrado em G.
(b) Mostre que a equação x2 ax = a−1 possui uma solução x ∈ G se, e
somente se, a é um cubo em G.

27. Seja G um grupo. Mostre que as seguintes condições são equivalentes:

(a) G é um grupo abeliano;


(b) (ab)n = an bn , para todos a, b ∈ G e n ∈ Z+ ;
(c) (ab)n = an bn , (ab)n+1 = an+1 bn+1 e (ab)n+2 = an+2 bn+2 , para todos
a, b ∈ G e n ∈ Z+ ;
(d) (ab)2 = a2 b2 , para todos a, b ∈ G;
(e) (ab)−1 = a−1 b−1 , para todos a, b ∈ G.

Mostre, com um exemplo, que (c ⇒ a) é falsa se três é substituído por


dois.

28. Sejam m, n ∈ N fixados e G um grupo tal que am bm = bm am e an bn =


bn an , para todos a, b ∈ G. Mostre que se mdc(m, n) = 1, então G é um
grupo abeliano.

29. Seja G um semigrupo. Mostre que G é um grupo se, e somente se, toda
equação sobre G do tipo axb = c possui uma única solução em G.

30. Construa uma tabela de multiplicação para os grupos S3 , Z•7 e Z•24 .

31. Seja R = R ∪ {∞}, onde o símbolo ∞ satisfaz as seguintes regras:


1 1 ∞
= ∞, = 0, =1 e 1−∞=∞=∞−1
0 ∞ ∞
Consideremos as funções I, σ i , τ j : R → R, i = 1, 2 e j = 1, 2, 3, definidas
por
1 x
I(x) = x, τ 1 (x) = , τ 2 (x) = 1 − x, τ 3 (x) = ,
x x−1
1 x−1
σ 1 (x) = e σ 2 (x) = .
1−x x
38 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Construa uma tabela de multiplicação para

G = S3 = {I, τ 1 , τ 2 , τ 3 , σ 1 , σ 2 }

com a composição usual de funções e conclua que G é um grupo não


abeliano finito.

32. Sejam as matrizes


" # " # " # " #
1 0 i 0 0 −1 0 −i
1= ,I = ,J = e K= ,
0 1 0 −i 1 0 −i 0

com i2 = −1. Construa uma tabela de multiplicação para

Q8 = {±1, ±I, ±J, ±K}

com a multiplicação usual de matrizes e conclua que Q8 é um grupo não


abeliano finito, chamado de grupo dos quatérnios.

33. Seja G um grupo tal que (ab)3 = a3 b3 e (ab)5 = a5 b5 , para todos a, b ∈ G.


Mostre que G é um grupo abeliano.

34. Seja G = {a ∈ R : −1 < a < 1} um conjunto munido de uma operação


binária
a+b
a¯b= .
1 + ab
Mostre que G é um grupo abeliano infinito.

35. Seja

G = {σa,b : R → R : σ a,b (x) = ax + b, a, b ∈ R e a 6= 0}.

Mostre que G com a composição usual de funções é um grupo não


abeliano infinito.

36. Sejam G o grupo do Exercício 35 e

H = {σ a,b ∈ G : a ∈ Q∗ , b ∈ R}.

Mostre que H é um grupo com a operação induzida por G e que σ a,b ◦


τ ◦ σ −1
a,b ∈ H, para todo σ a,b ∈ G e τ ∈ H.
1.2. GRUPOS 39

37. Seja G = R∗ × R. Mostre que G munido de uma operação binária

(a, b) ¯ (c, d) = (ac, ad + b)

é um grupo não abeliano infinito. Qual a relação deste grupo com o


grupo do Exercício 35?

38. Seja (" # )


a b
G= ∈ M2 (R) : a 6= 0
0 1
Mostre que G com a operação usual de multiplicação de matrizes é um
grupo não abeliano infinito. Qual a relação deste grupo com o grupo do
Exercício 37?

39. Seja T = {z ∈ C∗ : |z| = 1}. Mostre que T com a multiplicação usual


de números complexos é um grupo abeliano infinito, chamado de grupo
circular.

40. Sejam G um semigrupo e

C = {a ∈ G : ab = ac e ba = ca ⇒ b = c, ∀ b, c ∈ G}

(a) Mostre que C é fechado sob a operação de G.


(b) Mostre que se G é um monoide, então

G• = {a ∈ G : ab = ba = e, para algum b ∈ G}

é um grupo contido em C.
(c) Para cada um dos monoides G = M2 (Z) e G = M2 (R+ ), determine
G• .

41. Seja G um grupo finito. Mostre que para cada a ∈ G existe um inteiro
positivo n = n(a) tal que an = e. Conclua que existe m ∈ N tal que
am = e, para todo a ∈ G.
40 CAPÍTULO 1. GRUPOS

42. Sejam G um grupo finito de ordem n e m ∈ N tal que mdc(m, n) = 1.


Mostre que cada a ∈ G pode ser escrito sob a forma a = bm , para algum
b ∈ G.
Q
43. Sejam {Gi }i∈I uma família indexada de grupos e G = i∈I Gi o produto
cartesiano dos Gi . Mostre que G munido com a operação binária

(ai )i∈I ∗ (bi )i∈I = (ai bi )i∈I

é um grupo, chamado o produto direto externo dos Gi .

44. Seja G = {a1 = e, a2 , . . . , an } um grupo abeliano tal que aj , com j > 1,


é o único elemento de G tal que a2j = e.

(a) Mostre que a1 a2 · · · an = aj .


(b) Mostre o Teorema de Wilson: Se p é um número primo, então
(p − 1)! ≡ −1 (mod p).

1.3 Subgrupos
Sejam (G, ∗) um grupo e H um subconjunto não vazio de G. Dizemos que
H é estável ou fechado sob a operação ∗ se a ∗ b ∈ H, para todos a, b ∈ H.
Neste caso, dizemos ∗ induz uma operação binária sobre H.
Sejam G um grupo e H um subconjunto não vazio de G. Dizemos que H
é um subgrupo de G, em símbolos H ≤ G, quando H munido com a operação
binária induzida por G for um grupo.

Observação 1.38 Seja G um grupo qualquer:

1. G admite pelo menos dois subgrupos, a saber, o próprio G e o subgrupo


trivial {e}.

2. Os subgrupos H de G, com H 6= {e} e H 6= G, são chamados de sub-


grupos próprios.
1.3. SUBGRUPOS 41

Sejam G um grupo e A, B subconjuntos de G. Definimos

AB = {ab : a ∈ A e b ∈ B} e A−1 = {a−1 : a ∈ A}.

Note que se A = {a}, então escrevemos aB ao invés de {a}B. Então é fácil


verificar que
A(BC) = (AB)C, ∀ A, B, C ⊆ G.

Proposição 1.39 (Critério de Subgrupo) Sejam G um grupo e H um sub-


conjunto não vazio de G. Então H é um subgrupo de G se, e somente se, as
seguintes condições são satisfeitas:

1. eG ∈ H, com eG o elemento identidade de G.

2. Se a, b ∈ H, então ab ∈ H, isto é, HH = H. (fechamento)

3. Se a ∈ H, então a−1 ∈ H, isto é, H −1 = H. (existência de inverso)

Prova. Suponhamos que H seja um subgrupo de G. Seja f o elemento


identidade de H. Então devemos provar que eG = f . Como f 2 = f e f ∈ G
temos que

eG = f −1 f = f −1 f 2 = (f −1 f )f = eG f = f.

Assim, as condições (1), (2) e (3) são claras.


Reciprocamente, dados a, b, c ∈ H, temos que a(bc) = (ab)c, em G. Logo,
pela condição (2), obtemos a(bc) = (ab)c, em H.
Finalmente, dado a ∈ H, temos, pela condição (3), que a−1 ∈ H. Assim,
pelas condições (1) e (2), aa−1 = a−1 a = eG , em H. Portanto, H é um
subgrupo de G. ¥

Corolário 1.40 Sejam G um grupo e H um subconjunto não vazio de G.


Então H é um subgrupo de G se, e somente se, ab−1 ∈ H, para todos a, b ∈ H.

Prova. Fica como um exercício. ¥


42 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Observação 1.41 Sejam G um grupo, H um subgrupo de G e K um subgrupo


de H. Então K é um subgrupo de G. Além disso, se H e K são subgrupos de
G e H ⊆ K, então H é um subgrupo de K.

Exemplo 1.42 Seja G = Z o grupo aditivo dos números inteiros. Então

H = nZ = {na : a ∈ Z}
= {. . . , −2n, −n, 0, n, 2n, . . .}

é um subgrupo de G, onde n ∈ Z+ fixado.

Solução. É claro que 0 ∈ H, pois 0 = n0. Se h, k ∈ H, então existem a, b ∈ Z


tais que h = na e k = nb. Logo,

h + k = na + nb = n(a + b) ∈ H,

pois a + b ∈ Z.
Finalmente, se h ∈ H, então existe a ∈ Z tal que h = na. Logo, −h =
n(−a) ∈ H, pois −a ∈ Z. Portanto, H é um subgrupo de G. ¥

Exemplo 1.43 Sejam G = P (S) o grupo das permutações de G e s0 ∈ S


fixado. Então
H = {σ ∈ G : σ(s0 ) = s0 }
é um subgrupo de G (prove isto!).

Sejam G um grupo e a, b ∈ G. Dizemos que o elemento ba = aba−1 é o


conjugado de b por a. Mais geralmente, sejam S um subconjunto não vazio de
G e a um elemento de G. Dizemos que o conjunto

S a = aSa−1 = {asa−1 : s ∈ S}

é o conjugado de S por a. Além disso, dizemos que a ∈ G normaliza S se


aSa−1 = S. Intuitivamente, uma conjugação de um elemento (de um conjunto)
significa ver o elemento (o conjunto) de um outro ponto de vista, isto é, de um
ponto de vista “mais fácil.” Finalmente, dizemos que a e b são conjugados se
existir x ∈ G tal que b = xax−1 .
1.3. SUBGRUPOS 43

Exemplo 1.44 Sejam G um grupo e S um subconjunto não vazio de G. Então

CG (S) = {a ∈ G : asa−1 = s, ∀ s ∈ S}
= {a ∈ G : as = sa, ∀ s ∈ S}

é um subgrupo de G, chamado o subgrupo centralizador de S em G.

Solução. É claro que e ∈ CG (S), pois es = se, para todo s ∈ S. Se a, b ∈


CG (S), então as = sa, para todo s ∈ S e bt = tb, para todo t ∈ S. Logo,

(ab)s = a(bs) = a(sb) = (as)b = (sa)b = s(ab), ∀ s ∈ S.

Assim, ab ∈ CG (S).
Finalmente, se a ∈ CG (S), então as = sa, para todo s ∈ S. Logo,

a−1 s = a−1 (asa−1 ) = (a−1 a)sa−1 = sa−1 , ∀ s ∈ S.

Assim, a−1 ∈ CG (S). Portanto, CG (S) é um subgrupo de G. ¥

Exemplo 1.45 Sejam G um grupo e S um subconjunto não vazio de G. Então

NG (S) = {a ∈ G : S a = S} = {a ∈ G : aSa−1 = S}

é um subgrupo de G, chamado o subgrupo normalizador de S em G (prove


isto!).

Exemplo 1.46 Seja G um grupo. Então

Z(G) = {a ∈ G : ab = ba, ∀ b ∈ G}

é um subgrupo de G, chamado o centro de G (prove isto!). Além disso,


\
Z(G) = CG (a) e Z(G) ⊆ CG (S) ⊆ NG (S), ∀ S ⊆ G.
a∈G

Exemplo 1.47 Sejam G um grupo, H um subgrupo de G e a ∈ G fixado.


Então
H a = aHa−1 = {aha−1 : h ∈ H}
é um subgrupo de G, com |H| = |aHa−1 |.
44 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Solução. É claro que e ∈ H a , pois e ∈ H e e = aea−1 . Se x, y ∈ H a , então


existem h, k ∈ H tais que x = aha−1 e y = aka−1 . Logo,
¡ ¢¡ ¢
xy = aha−1 aka−1 = a(ha−1 ak)a−1 = a(hk)a−1 ∈ H a ,

pois hk ∈ H. Se x ∈ H a , então existe h ∈ H tal que x = aha−1 . Logo,

x−1 = (aha−1 )−1 = (a−1 )−1 h−1 a−1 = ah−1 a−1 ∈ H,

pois h−1 ∈ H. Portanto, aHa−1 é um subgrupo de G.


Finalmente, é fácil verificar que a função ϕ : H → aHa−1 definida por
ϕ(h) = aha−1 é bijetora. Portanto, |H| = |aHa−1 |. ¥

Exemplo 1.48 Sejam n ∈ Z∗ fixado e H = {r ∈ Q : nr = 2}. Então H não


é um subgrupo do grupo aditivo dos números racionais Q.

Solução. Como 0 ∈ / H temos que H não é um subgrupo do grupo aditivo dos


números racionais. ¥

Observação 1.49 Note que H = Z+ não é um subgrupo do grupo aditivo dos


números inteiros, embora 0 ∈ H. Portanto, e ∈ H é uma condição necessária
mas não suficiente para que H seja um subgrupo de G.

Proposição 1.50 Sejam G um grupo e {Hi }i∈I uma família indexada de sub-
grupos de G. Então \
K= Hi
i∈I

é um subgrupo de G. Neste caso, K é o maior subgrupo de G contido em cada


Hi .

Prova. É claro que e ∈ K, pois e ∈ Hi , para todo i ∈ I. Se a, b ∈ K, então


a, b ∈ Hi , para todo i ∈ I. Logo, ab−1 ∈ Hi , para todo i ∈ I. Assim, ab−1 ∈ K.
Portanto, K é um subgrupo de G.
Finalmente, seja L um subgrupo de G tal que L ⊆ Hi , para todo i ∈ I.
Então \
L⊆ Hi = K.
i∈I
1.3. SUBGRUPOS 45

Portanto, K é o maior subgrupo de G contido em cada Hi . ¥

Sejam G um grupo, S um subconjunto de G e F a família de todos os


subgrupos de G contendo S. Como G ∈ F temos que F 6= ∅. Seja
\
H= K.
K∈F

Então, pela Proposição 1.50, H é um subgrupo de G e S ⊆ H.


Finalmente, seja L qualquer subgrupo de G tal que S ⊆ L. Então L ∈ F
e H ⊆ L. Portanto, H é o menor subgrupo de G contendo S. O subgrupo
H é chamado o subgrupo de G gerado por S e será denotado por H = hSi.
Neste caso, temos a existência de um menor subgrupo de G contendo S. Se
S = {a1 , a2 , . . . , an }, então

hSi = h{a1 , a2 , . . . , an }i = ha1 , a2 , . . . , an i .

Se existir um subconjunto finito {a1 , a2 , . . . , an } de G tal que

G = ha1 , a2 , . . . , an i ,

dizemos que G é um grupo finitamente gerado e {a1 , a2 , . . . , an } é um conjunto


de geradores de G. Em particular, se H e K são subgrupos de G, então o
subgrupo hH ∪ Ki = hH, Ki será denotado por H ∨ K e chamado de adjunção
de H e K.

Proposição 1.51 Sejam G um grupo e S um subconjunto não vazio qualquer


de G. Então
­ ®
hSi = {a1 a2 · · · an : n ∈ N, ai ∈ S ou a−1
i ∈ S} = S ∪ S
−1
.

Prova. Seja

L = {a1 a2 · · · am : m ∈ N, ai ∈ S ou a−1
i ∈ S}

= {at11 at22 · · · atmm : m ∈ N, ai ∈ S e ti ∈ {−1, 1}}


= {at11 at22 · · · atnn : n ∈ N, ai ∈ S e ti ∈ Z}.
46 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Então é claro que S ⊆ L e e ∈ L, pois e = aa−1 , para todo a ∈ S. Se x, y ∈ L,


então existem m, n ∈ N tais que

x = a1 a2 · · · am e y = b1 b2 · · · bn ,

onde ai ∈ S ou a−1 −1
i ∈ S e bj ∈ S ou bj ∈ S. Logo,

xy −1 = a1 a2 · · · am b−1 −1 −1
n bn−1 · · · b1 ,

onde ai ∈ S ou a−1 −1
i ∈ S e bj ∈ S ou bj ∈ S. Assim, xy
−1
∈ L. Portanto, L é
um subgrupo de G.
Finalmente, seja K qualquer subgrupo de G tal que S ⊆ K. Então

a1 a2 · · · an ∈ K, onde n ∈ N, ai ∈ S ou a−1
i ∈ S.

Logo, L ⊆ K. Portanto, L é o menor subgrupo de G contendo S. Assim,


L ⊆ hSi. Como S ⊆ L temos que hSi ⊆ L, isto é, L = hSi. ¥

Corolário 1.52 Sejam G um grupo e S = {Hi }i∈I uma família indexada de


subgrupos de G. Então
* +
[
hSi = Hi = hHi : i ∈ Ii
i∈I
= {h1 h2 · · · hn : n ∈ N e hk ∈ Hik , para algum ik ∈ I}.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Sejam G um grupo e S um subconjunto não vazio qualquer de G. Uma


expressão da forma

at11 at22 · · · atnn , onde n ∈ N, ai ∈ S e ti ∈ Z,

chama-se uma palavra nos elementos de S. Note que o elemento identidade de


G pode ser visto como a palavra a0 , para todo a ∈ S.

Observação 1.53 A Proposição 1.51 pode ser usada como um guia para de-
terminar todos os subgrupos de um grupo finito.
1.3. SUBGRUPOS 47

Exemplo 1.54 Determine todos os subgrupos de S3 .

Solução. Sejam S3 = {I, σ, σ 2 , τ , στ , σ 2 τ }, com

à ! ! à à !
1 2 3 1 2 3 1 2 3
I = , σ= , σ2 = ,
1 2 3 2 3 1 3 1 2
à ! à ! à !
1 2 3 1 2 3 1 2 3
τ = , στ = , σ2τ =
1 3 2 2 1 3 3 2 1
e sua tabela de multiplicação (optativa)

◦ I σ σ2 τ στ σ2τ
I I σ σ2 τ στ σ2τ
σ σ σ2 I στ σ2τ τ
σ2 σ2 I σ σ2τ τ στ
τ τ σ2τ στ I σ2 σ
στ στ τ σ2τ σ I σ2
σ2τ σ2τ στ τ σ2 σ I
Primeiro determinaremos todos os subgrupos de S3 contendo τ . O menor
subgrupo de S3 contendo τ é
hτ i = {I, τ }, pois τ 2 = I.
Vamos escolher ϕ ∈ S3 e determinar hτ , ϕi. Se ϕ = στ , então hτ , στ i contém
I, τ , στ , (στ ) ◦ τ = σ, σ ◦ (στ ) = σ 2 τ e (σ 2 τ ) ◦ τ = σ 2 .
Portanto, hτ , στ i = S3 . De modo inteiramente análogo, trabalha com ϕ = σ 2 τ ,
ϕ = σ e ϕ = σ 2 . Assim, os únicos subgrupos de S3 contendo τ são hτ i e S3 .
Continuando dessa maneira, obtemos todos os subgrupos de S3 . ¥
Exemplo 1.55 Seja p um número primo fixado. Determine todos os subgru-
pos do grupo
½ ¾
∞ a
Z(p ) = + Z : a ∈ Z e n ∈ Z+
pn
½ ¾
a n
= + Z : a ∈ Z , 0 ≤ a < p e n ∈ Z+ .
pn
48 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Solução. É claro que


¿ À ½ ¾
1 k n
Cn = +Z = +Z:0≤k ≤p −1
pn pn
½ ¾
1 2 pn − 1
= 0, n , n , . . . , , ∀ n ∈ N,
p p pn
é um subgrupo próprio de Z(p∞ ), com |Cn | = pn . Note que Cn ⊆ Cn+1 , para
todo n ∈ Z+ .
Reciprocamente, seja H um subgrupo próprio de Z(p∞ ). Vamos provar
primeiro que se
a
+ Z ∈ H − {Z}, com mdc(a, p) = 1,
pm
então
µ½ ¾ ¶
b 1 2 pn − 1
+ Z ∈ H, ∀ b ∈ Z, com n ≤ m, 0, n , n , . . . , ⊆H .
pn p p pn
De fato, como mdc(a, p) = 1 temos que existem r, s ∈ Z tais que ar + spm = 1.
Logo, para todo b ∈ Z e n ≤ m, obtemos
b a
b = b · 1 = abr + bspm ⇒ n = (bpm−n r) m + bspm−n .
p p
Assim, µ ¶
b m−n a
+ Z = bp r + Z ∈ H.
pn pm
Portanto, existe um menor inteiro k ∈ N (H 6= Z(p∞ )) tal que
½ ¾
a
H= + Z : a ∈ Z e m ≤ k e H ⊆ Ck ,
pm
que é o resultado desejado. ¥

Sejam F um conjunto parcialmente ordenado e C um subconjunto de F.


Dizemos que C é uma cadeia de F se dados A, B ∈ C, então A ≤ B ou B ≤ A.
Um elemento M ∈ F é chamado um elemento maximal de F se nenhum dos
elementos de F é estritamente maior do que M, em símbolos
∀ A ∈ F, (M ≤ A ⇒ M = A).
Ou, equivalentemente, não existe elemento A ∈ F, com M < A. Um elemento
A ∈ F é chamado o maior elemento de F se X ≤ A, para todo X ∈ F.
1.3. SUBGRUPOS 49

Exemplo 1.56 Seja F = {A1 , A2 , A3 , A4 } ordenado pela inclusão, com A1 =


{0, 1}, A2 = {1, 2}, A3 = {0, 2} e A4 = {0, 1, 2, 3}. Então A4 é o maior
elemento de F. Seja G = {A1 , A2 , A3 , A5 }, com A5 = {1, 2, 3}. Então G não
contém maior elemento, mas A1 , A3 e A5 são elementos maximais de G.

Exemplo 1.57 Qualquer conjunto parcialmente ordenado finito possui um


elemento maximal.

Solução. Seja F um conjunto finito. Escolhendo um elemento qualquer A1


de F. Se A1 é um elemento maximal, acabou. Caso contrário, escolhendo um
elemento qualquer A2 de F, com A1 ⊆ A2 . Continuando assim, obtemos uma
cadeia de elementos de F,

A1 ⊆ A2 ⊆ · · · ⊆ An ⊆ · · ·

Como F possui um número finito de elementos temos que essa cadeia para,
digamos em Ak . Portanto, Ak é um elemento maximal de F. ¥

Exemplo 1.58 Nem todo conjunto parcialmente ordenado possui um elemen-


to maximal.

Solução. Sejam An = {0, 1, . . . , n}, para cada n ∈ Z+ , e F = {An : n ∈ Z+ }.


Então F não possui um elemento maximal. De fato, se M ∈ F, então existe
n ∈ Z+ tal que M = An e M ⊆ An+1 , mas M 6= An+1 . ¥

Lema 1.59 (Lema de Zorn) Seja F uma família de conjuntos parcialmente


S
ordenado pela inclusão. Suponhamos que para qualquer cadeia C em F, A∈C A
seja um elemento de F. Então F possui pelo menos um elemento maximal.

Sejam G um grupo e M um subgrupo de G. Dizemos que M é um subgrupo


maximal de G se M 6= G e se K é um subgrupo de G tal que M ⊆ K ⊆ G, então
M = K ou K = G. Por exemplo, se G = {e, a, b, c}, com a2 = b2 = c2 = e,
então M = {e, a} é um subgrupo maximal de G.

Exemplo 1.60 Seja G um grupo finitamente gerado não trivial. Mostre que
G possui um subgrupo maximal.
50 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Solução. Sejam G = ha1 , a2 , . . . , an i e F a família de todos os subgrupos H


de G, com H 6= G. Então F 6= ∅, pois {e} ∈ F. Dados H, K ∈ F, definimos

H ¹ K ⇔ H ⊆ K.

Então ¹ é uma relação de ordem parcial sobre F (prove isto!). Seja

C = {Hi : i ∈ I}

uma cadeia qualquer de F. Então


[
M= Hi
i∈I

é um subgrupo de G. De fato, é claro que M 6= ∅, pois e ∈ Hi , para todo i ∈ I.


Dados a, b ∈ M, existem i, j ∈ I tais que a ∈ Hi e b ∈ Hj . Como C é uma
cadeia temos que Hi ⊆ Hj ou Hj ⊆ Hi , digamos Hi ⊆ Hj . Logo, a, b ∈ Hj
e ab−1 ∈ Hj , pois Hj é um subgrupo de G. Portanto, ab−1 ∈ M e M é um
subgrupo de G. É claro que M é uma cota superior de C.
Afirmação. M ∈ F.
De fato, se M = G, então ai ∈ M, i = 1, . . . , n. Logo, existem j1 , . . . , jn ∈ I
tais que ai ∈ Hji , i = 1, . . . , n. Como C é uma cadeia temos que existe k ∈ I
tal que k ≥ sup{j1 , . . . , jn }. Logo, ai ∈ Hk , i = 1, . . . , n. Assim, Hk = G, o
que é impossível.
Finalmente, pelo Lema de Zorn, M é um elemento maximal de F. Portanto,
M é um subgrupo maximal de G. ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam G um grupo e H um subconjunto não vazio finito de G. Mostre


que H é um subgrupo de G se, somente se, ab ∈ H, para todos a, b ∈ H.
Mostre, com um exemplo, que essa conclusão pode ser falsa se H é um
subconjunto infinito.
1.3. SUBGRUPOS 51

2. Sejam G um grupo e H um subconjunto não vazio de G. Para a, b ∈ G,


definimos
a ∼ b ⇔ a−1 b ∈ H.
Mostre que ∼ é uma relação de equivalência sobre G se, e somente se, H
é um subgrupo de G.

3. Sejam G um grupo.

(a) Mostre, para um a ∈ G fixado, que as funções La : G → G definida


por La (x) = ax e Ra : G → G definida por Ra (x) = xa−1 são
bijetoras.
(b) Mostre que Lab = La ◦ Lb e Rab = Ra ◦ Rb , para todos a, b ∈ G.
(c) Mostre que La ◦ Rb = Rb ◦ La , para todos a, b ∈ G.
(d) Mostre que Gl = {La : a ∈ G} é um subgrupo de P (G).
(e) Mostre que Gr = {Ra : a ∈ G} é um subgrupo de P (G).

4. Sejam G = GLn (R),

H = {A = (aij ) ∈ G : aij = 0, se i > j} e


L = {A = (aij ) ∈ G : aij = 0, se i > j e aii = 1}.

Mostre que H e L são subgrupos de G.

5. Seja G um grupo qualquer.

(a) Mostre que


à !
[ [
A Bi = ABi , ∀ A, Bi ⊆ G.
i∈I i∈I

(b) Mostre que


à !
\ \
A Bi ⊆ ABi , ∀ A, Bi ⊆ G.
i∈I i∈I
52 CAPÍTULO 1. GRUPOS

6. Sejam a ∈ R fixada, com a > 0, e


⎧ " # ⎫
⎨ 1 1 −t ⎬
H = A(t) = q : −a < t < a
⎩ t ⎭
1 − at 2 − a2 1
2

Mostre que H é um subgrupo de GL2 (R), chamado de grupo de Lorentz.

7. Seja G um grupo. Mostre que CG (Z(G)) = G. Conclua que NG (Z(G)) =


G.

8. Sejam G um grupo e S, T subconjuntos não vazios de G tais que S ⊆ T .


Mostre que CG (T ) ⊆ CG (S).

9. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G.

(a) Mostre que H é um subgrupo de NG (H). Mostre, com um exemplo,


que isto não é necessariamente verdade se H não é um subgrupo de
G.
(b) Mostre que H é um subgrupo de CG (H) se, e somente se, H é
abeliano. Conclua que CG (H) = H se, e somente se, H é abeliano
maximal.
(c) Mostre que se H é um subgrupo de K e K é um subgrupo de CG (H),
então H é um subgrupo de Z(K).

10. Sejam G um grupo, H um subgrupo de G e S subconjunto não vazio de


G. Mostre que
NH (S) = NG (S) ∩ H.
Conclua que NH (S) é um subgrupo de H.

11. Sejam G um grupo e n ∈ N, com n ≥ 2. Sejam

H n = {a ∈ G : an = e} e Hn = {an : a ∈ G}.

Mostre que se G é um grupo abeliano, então H n e Hn são subgrupos de


G. Mostre, com um exemplo, que esta afirmação é falsa se G não é um
grupo abeliano.
1.3. SUBGRUPOS 53

12. Sejam G um grupo qualquer e

H = {x1 · · · xn xn · · · x1 : onde n ∈ N e xi ∈ G}.

Mostre que H é um subgrupo de G.

13. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Mostre que hHi = H.

14. Sejam G um grupo e S, T subconjuntos não vazios de G, onde S ⊆ T .


Mostre que hSi é um subgrupo de hT i. Mostre, com um exemplo, que
hSi = hT i, onde S ⊆ T e S 6= T .

15. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Mostre que hH − {e}i = H.

16. Determine explicitamente os seguintes subgrupos de GL2 (R)


*" #+ *" #+
1 0 1 1
H= e K= .
1 1 0 1

17. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G. Mostre que HK é um


subgrupo de G se, e somente se, HK = KH. Neste caso, HK = hH ∪Ki.
Mostre, com um exemplo, que HK não é necessariamente um subgrupo
de G.

18. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G tais que H a = aHa−1 ⊆ H,


para todo a ∈ K. Mostre que HK é um subgrupo de G. Além disso,
mostre que se G é um grupo finito e G = HH a , para algum a ∈ G, então
G = H.

19. Sejam G um grupo e H, K, L subgrupos de G. Mostre que se H ⊆ L,


então
(HK) ∩ L = H(K ∩ L).
Conclua que se G = HK, então L = H(K ∩ L).

20. Sejam G um grupo abeliano e H, K subgrupos de G. Mostre que

H ∨ K = {ab : a ∈ H e b ∈ K}.

Estenda esse resultado para qualquer número finito de subgrupos de G.


54 CAPÍTULO 1. GRUPOS

21. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G. Mostre que H ∪ K é um


subgrupo de G se, e somente se, H ⊆ K ou K ⊆ H.

22. Sejam G um grupo e {Hi }i∈I uma família indexada de subgrupos de G.


Determine condições necessárias e suficientes para que
[
K= Hi
i∈I

seja um subgrupo de G.

23. Sejam G um grupo e F a família de todos os subgrupos de G. Dados


H, K ∈ F, definimos
H ¹ K ⇔ H ⊆ K.
Mostre que ¹ é uma ordem parcial sobre F,
* +
[ \
sup F = H e inf F = H,
H∈F H∈F

isto é, F é um reticulado completo.

24. Sejam G um grupo e H, K subgrupos próprios de G. Mostre que existe


a ∈ G tal que a ∈
/ H ∪ K.

25. Sejam G um grupo e H um subgrupo próprio de G. Mostre que

hG − Hi = G.

26. Determine o grupo Q8 gerado pelas matrizes


" # " #
0 1 i 0
A= e B= ,
−1 0 0 −i

com i2 = −1.

27. Determine o grupo D4 gerado pelas matrizes


" # " #
0 1 0 1
C= e D= ,
−1 0 1 0
1.3. SUBGRUPOS 55

28. Sejam G um grupo e

H = {a ∈ G : a = a−1 }.

Mostre que se G é grupo abeliano, então H é subgrupo de G. Determine


um grupo G tal que H não seja um subgrupo de G.
Q
29. Sejam {Gi }i∈I uma família indexada de grupos e G = i∈I Gi o produto
direto externo dos Gi . Mostre que o conjunto
X
H= Gi
i∈I

de todos os elementos (ai )i∈I ∈ G tais que ai = eGi , para todos exceto
um número finito de i ∈ I, é um subgrupo de G, chamado a soma direta
externa dos Gi .

30. Sejam G um grupo e σ : G → S uma função arbitrária. Mostre que

H = {p ∈ G : σ(xp) = σ(x), para todo x ∈ G}

é um subgrupo de G.

31. Determine um conjunto S tão pequeno quanto possível tal que

Z × Z = hSi.

32. Sejam G um grupo e a, b ∈ G. Mostre que CG (aba−1 ) = aCG (b)a−1 .

33. Sejam G um grupo e a, b ∈ G.

(a) Mostre que ab e ba são conjugados.


(b) Mostre que se ab ∈ Z(G), então ab = ba.

34. Seja G um grupo.

(a) Mostre que a função κa : G → G definida por κa (x) = axa−1 é


bijetora, para todo a ∈ G.
56 CAPÍTULO 1. GRUPOS

(b) Mostre que κab = κa ◦ κb , para todos a, b ∈ G.

35. Sejam G um grupo finito e S um subconjunto de G com mais da metade


dos elementos de G. Mostre que cada a ∈ G pode ser escrito sob a forma
a = st, onde s, t ∈ S.

36. Sejam G um grupo e H subgrupo de G. Mostre que G − H é finito se, e


somente se, G é finito ou G = H.
Q
37. Sejam {Gi }i∈I uma família indexada de grupos e G = i∈I Gi o produto
direto externo dos Gi . Mostre que
Y
Z(G) = Z(Gi ).
i∈I

38. Seja S um conjunto não vazio qualquer. Mostre que o conjunto G = 2S


de todos os subconjuntos de S munido com a operação binária

A 4 B = (A − B) ∪ (B − A) = A ∪ B − (A ∩ B), ∀ A, B ∈ G,

é um grupo abeliano.

39. Mostre que o conjunto G = {(x, y) ∈ Q2 : x2 + y 2 = 1} munido com a


operação binária

(x, y) ∗ (z, w) = (xz − yw, xw + yz)

é um subgrupo de R2 . Mostre que se x, y ∈ [0, 1], com x < y, então


existe r ∈ Q tal que
1 − r2
x< < y.
1 + r2

40. Seja G um grupo não abeliano qualquer. Mostre que G contém um sub-
grupo abeliano maximal. Mostre, com um exemplo, que essa conclusão
pode ser falsa se G é um grupo abeliano.
1.4. GRUPOS CÍCLICOS 57

1.4 Grupos Cíclicos


Seja G um grupo. Dizemos que G é grupo cíclico se existir a ∈ G tal que
G = hai, isto é,

G = {at11 · · · atnn : n ∈ N, ai ∈ {a} e ti ∈ {−1, 1}}


= {at1 · · · atn : n ∈ N e ti ∈ {−1, 1}}
Sn
= {a i=1 ti : n ∈ N e ti ∈ {−1, 1}}
= {am : m ∈ Z}.

Observação 1.61 Qualquer grupo cíclico possui pelo menos dois geradores, a
saber, a e a−1 , pois
a−n = (a−1 )n , ∀ n ∈ Z.

Além disso, G = hai é um grupo abeliano, pois se x, y ∈ G, então existem


m, n ∈ Z tais que x = am e y = an . Logo,

xy = am an = am+n = an+m = an am = yx.

Para finalizar, se a operação binária sobre G for denotada aditivamente, então

G = hai = {ma : m ∈ Z}.

Exemplo 1.62 Mostre que o grupo aditivo dos números inteiros Z é cíclico.

Solução. É claro que

h1i = {n · 1 : n ∈ Z} ⊆ Z.

Por outro lado, dado n ∈ Z, temos, pela Lei da Tricotomia, que

n > 0 ou n = 0 ou n < 0.

Se n > 0, então

n = 1 + 1 + · · · + 1 = n · 1 ⇒ n ∈ h1i .
n-parcelas
58 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Se n = 0, então
n = 0 = 0 · 1 ∈ h1i .
Se n < 0, então m = −n > 0. Logo,

m = −n ∈ h1i ⇒ n ∈ h1i .

Portanto,
Z ⊆ h1i = h−1i ,
isto é, Z é um grupo cíclico. ¥

Exemplo 1.63 Mostre que o grupo aditivo dos números racionais Q não é
cíclico.

Solução. Suponhamos, por absurdo, que Q seja cíclico. Então existe r = m


n

∗ 1
Q tal que Q = hri. Como s = pn ∈ Q, com p um número primo, temos que
existe k ∈ Z tal que s = kr. Logo,
1 m
s = kr ⇔ = k ⇔ p(km) = 1 ⇒ p | 1,
pn n
o que é uma contradição. Portanto, Q não é um grupo cíclico. ¥

Sejam G um grupo e a ∈ G. Definimos a ordem do elemento a como sendo


a ordem do subgrupo cíclico gerado por a de G e será denotada por |a| = |hai|.

Proposição 1.64 Sejam G um grupo e a ∈ G. Se a ordem de a for finita,


então |a| é igual ao menor inteiro positivo k tal que ak = e. Neste caso,

hai = {e, a, . . . , ak−1 }.

Prova. Como

hai = {an : n ∈ Z} = {. . . , a−2 , a−1 , e, a, a2 , . . .}

é um conjunto finito temos que existem m, n ∈ Z, com n > m, tais que


am = an , ou seja, a função χ : Z → hai definida por χ(n) = an não é injetora.
Sendo a−m ∈ G, obtemos

an−m = an+(−m) = an a−m = am a−m = am−m = a0 = e.


1.4. GRUPOS CÍCLICOS 59

Logo,
S = {n ∈ N : an = e} 6= ∅.

Assim, pelo Princípio da Boa Ordenação, S contém um menor elemento, di-


gamos k ∈ S. Donde ak = e.
Afirmação. Os elementos e, a, . . . , ak−1 são todos distintos.
De fato, se ar = as , com 0 ≤ r < s < k, então

as−r = as+(−r) = as a−r = ar a−r = a0 = e,

o que contradiz a minimalidade de k, pois 0 < s − r < k.


É claro que
{e, a, . . . , ak−1 } ⊆ hai .

Por outro lado, dado b ∈ hai, existe m ∈ Z tal que b = am . Assim, pelo
Algoritmo da Divisão, existem únicos q, r ∈ Z tais que

m = qk + r, com 0 ≤ r < k.

Logo,
¡ ¢q
b = am = aqk+r = ak ar = eq ar = ar ∈ {e, a, . . . , ak−1 }.

Portanto,
hai ⊆ {e, a, . . . , ak−1 },

que é o resultado desejado. ¥

Proposição 1.65 Sejam G um grupo e a ∈ G. Se a ordem de a for infinita,


então an 6= e e am =
6 an , para todos m, n ∈ Z, com m 6= n.

Prova. A função χ : Z −→ G definida por χ(n) = an é injetora, pois se


existissem m, n ∈ Z, com m 6= n, e χ(m) = χ(n), então

am = an ⇒ an−m = an a−m = am a−m = e,

ou seja, a possui ordem finita, o que é uma contradição. ¥


60 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Observação 1.66 Sejam G um grupo e a ∈ G de ordem infinita. Então os


subgrupos de hai estão em correspondência biunívoca com os números 1, 2, . . .
­ ® ­ ®
pois ak = a|k| , para todo k ∈ Z, e a função ϕ : N → hai definida por
­ ®
ϕ(k) = ak é bijetora.

Teorema 1.67 Seja G um grupo cíclico. Então qualquer subgrupo de G é


cíclico.

Prova. Sejam G = hai e H um subgrupo de G. Se H = {e}, então H = hei.


Se H 6= {e}, então existe m ∈ Z tal que am ∈ H e a−m ∈ H, pois H é um
subgrupo de G. Logo,

S = {n ∈ N : an ∈ H} 6= ∅.

Assim, pelo Princípio da Boa Ordenação, S contém um menor elemento, di-


gamos k ∈ S. Donde ak ∈ H.
­ ®
Afirmação. H = ak .
­ ®
De fato, é claro que ak ⊆ H, pois H é um subgrupo de G e ak ∈ H. Por
outro lado, dado b ∈ H, existe m ∈ Z tal que b = am . Logo, pelo Algoritmo
da Divisão, existem únicos q, r ∈ Z tais que

m = qk + r, com 0 ≤ r < k.

Se r > 0, então
¡ ¢−q ¡ ¢−q
ar = am−qk = am a−qk = am ak = b ak ∈ H,

o que contradiz a minimalidade de k. Assim, r = 0 e


¡ ¢q ­ ®
b = am = akq = ak ∈ ak .
­ ®
Portanto, H ⊆ ak . ¥

Observação 1.68 Se G = hai e H é um subgrupo de G, com H 6= {e}, então


­ ®
H = ak , em que k é o menor inteiro positivo tal que ak ∈ H.

Exemplo 1.69 Determine todos os subgrupos do grupo G = Z2 = Z × Z.


Conclua que G contém subgrupos diferentes de mZ × nZ.
1.4. GRUPOS CÍCLICOS 61

Solução. Seja H um subgrupo qualquer de G. Então

K = {a ∈ Z : (a, b) ∈ H, para algum b ∈ Z} e L = {b ∈ Z : (0, b) ∈ H}

são subgrupos cíclicos de Z (prove isto!). Logo, existem a0 , b1 ∈ Z tais que

K = ha0 i e L = hb1 i .

Assim, pela definição de K, podemos encontrar b0 ∈ Z tal que

x0 = (a0 , b0 ) ∈ H.

Afirmação. H = hx0 , x1 i, onde x1 = (0, b1 ) ∈ H.


De fato, dado x = (a, b) ∈ H, então a ∈ K, de modo que a = ma0 , para algum
m ∈ Z. Assim,

x − mx0 = (0, b − mb0 ) ∈ H ⇒ b − mb0 ∈ L.

Logo, b − mb0 = nb1 , para algum n ∈ Z. Portanto,

x = (a, b) = (ma0 , mb0 + nb1 ) = mx0 + nx1 ,

isto é, H = hx0 , x1 i. ¥

Proposição 1.70 Seja G um grupo. Então:

1. Se a ∈ G é de ordem finita m > 0, então an = e se, e somente se, m


­ ® ­ ®
divide n. Conclua que ak = amdc(m,k) .
­ ®
2. Se G = hai é um grupo cíclico de ordem finita m > 0, então G = ak
se, e somente se, mdc(m, k) = 1.

3. Se G = hai é um grupo cíclico de ordem finita m > 0, então, para cada


d ∈ N tal que d divide m, existe um único subgrupo H de G, com ordem
d. Neste caso,
­ ®
H = ak = {e, ak , a2k , . . . , a(d−1)k },

em que m = dk.
62 CAPÍTULO 1. GRUPOS
­ ®
Prova. Vamos provar apenas os itens (2) e (3): (2) Suponhamos que G = ak .
Como a ∈ G temos que existe r ∈ Z tal que a = (ak )r = akr . Logo,

akr−1 = akr a−1 = aa−1 = e.

Assim, pelo item (1), kr − 1 = sm, para algum s ∈ Z. Portanto,

kr + (−s)m = 1,

isto é, mdc(m, k) = 1.
Reciprocamente, suponhamos que mdc(m, k) = 1. Então existem r, s ∈ Z
tais que
kr + sm = 1.
Logo,
­ ®
a = a1 = akr+sm = akr asm = (ak )r (am )s = (ak )r ∈ ak .
­ ® ­ ®
Portanto, G ⊆ ak , ou seja, G = ak .
­ ®
(3) (Existência) Se m = kd, então H = ak possui ordem d. De fato, seja
l = |H|. Então
¡ ¢l
e = ak = akl ⇒ m | kl ⇒ kd | kl ⇒ d | l ⇒ d ≤ l.

Por outro lado,


¡ ¢d
e = am = akd = ak ⇒ l | d ⇒ l ≤ d.

Portanto, l = d.
(Unicidade) Seja K um subgrupo qualquer de G de ordem d. Então, pelo
Teorema 1.67, K = han i, para algum n ∈ Z. Logo,

e = (an )d = and ⇒ m | nd ⇒ kd | nd ⇒ k | n.

Assim, existe r ∈ Z tal que n = rk. Portanto,


¡ ¢r
an = ark = ak ∈ H,

isto é, K ⊆ H. Como |H| = |K| e K ⊆ H temos que H = K. ¥


1.4. GRUPOS CÍCLICOS 63

Observação 1.71 Sejam G = hai um grupo cíclico de ordem finita m > 0 e


d um divisor de m. Então o número de subgrupos distintos de G é igual ao
número de divisores distintos de m, pois dado b ∈ G, digamos b = ak . Assim,
b ∈ han i se, e somente se, existe x ∈ Z tal que ak = anx , ou seja, m divide
nx−k. Logo, um tal x existe se, e somente se, d divide k, com d = mdc(m, n).
Portanto, n o
m
han i = aid : i = 0, 1, . . . , − 1 .
d
­ ®
Em particular, han i = amdc(m,n) , para todo n ∈ Z. Neste caso, a função
­ ®
ϕ : D(m) → Sub(G) definida por ϕ(d) = ak é bijetora, onde D(m) é o
conjunto de todos os divisores positivos de m e Sub(G) é o conjunto de todos
os subgrupos de G.

Exemplo 1.72 Sejam G um grupo abeliano e a, b ∈ G, com ordens m e n,


respectivamente.

1. Mostre que existe um elemento de ordem k = mmc(m, n).

2. Mostre que se a ordem maximal dos elementos de G é igual a N, então


aN = e, para todo a ∈ G.

Solução. (1) Vamos dividir a prova em dois casos:


1.o Caso. mdc(m, n) = 1 e k = mn. Sejam c = ab e |c| = l. Então

cl = (ab)l = al bl = e ⇒ al = b−l .

Logo,
aln = (al )n = (b−l )n = (bn )−l = e−l = e ⇒ m | nl.

Assim, pelo Lema de Euclides, m divide l. De modo inteiramente análogo


prova-se que n divide l. Portanto, k divide l, isto é, k ≤ l. Por outro lado,
como
ck = (ab)k = ak bk = (am )n (bn )m = en em = e

temos que l divide k, isto é, l ≤ k. Portanto, k = l e |c| = k.


64 CAPÍTULO 1. GRUPOS

2.o Caso. mdc(m, n) > 1 e k = mmc(m, n). Seja {p1 , . . . , pr } o conjunto


dos números primos ocorrendo na decomposição de m e n, respectivamente.
Então
m = pm mr
1 · · · pr
1
e n = pn1 1 · · · pnr r , onde mi , ni ∈ Z+ .
Logo,
k = pk11 · · · pkr r ,
com ki = max{mi , ni }, i = 1, . . . , r. Sejam

d = pd11 · · · pdr r e e = pe11 · · · perr ,

em que ( (
mi , se mi ≤ ni 0, se mi ≤ ni
di = e ei =
0, se mi > ni ni , se mi > ni .
Então d divide m e e divide n. Logo, ad e be possuem ordens md e ne , respec-
tivamente (prove isto!). Como (mi − di = 0 ou ni − ei = 0) e ( md e ne ) não
possuem fatores primos comum temos que
³m n´
mdc , = 1.
d e
Assim, pelo primeiro caso, c = ad be possui ordem
mn mn
= = k = mmc(m, n),
d e de
pois
max{mi , ni } = (mi + ni ) − (di + ei ).
Portanto, em qualquer caso, G contém um elemento de ordem

k = mmc(m, n).

(2) Seja a um elemento de G, com |a| = N. Para um b ∈ G fixado, com


|b| = k, obtemos, pelo item (1), um elemento de ordem mmc(k, N) ≥ N.
Assim, pela maximalidade de N, temos que N = mmc(k, N). Como k divide
N temos que existe r ∈ Z tal que N = kr. Logo,

bN = bkr = (bk )r = er = e.

Portanto, cN = e, para todo c ∈ G, pois b foi escolhido arbitrariamente. ¥


1.4. GRUPOS CÍCLICOS 65

EXERCÍCIOS

1. Mostre que qualquer subgrupo H do grupo aditivo dos números inteiros


Z é da forma
H = nZ = {na : a ∈ Z} = hni ,
para algum n ∈ Z+ . Conclua que a função ϕ : Z+ → Sub(Z) definida por
ϕ(n) = hni é bijetora, onde Sub(Z) é o conjunto de todos os subgrupos
de Z.

2. Mostre que Zn é um grupo cíclico, para todo n ∈ N. Determine todos os


subgrupos de Zn .

3. Determine todos os subgrupos de Z45 .

4. Sejam G um grupo e a ∈ G de ordem finita m > 0.

(a) Mostre que ar = as se, e somente se, m divide r − s.


¯ ¯
(b) Mostre que ¯ad ¯ = md , para cada d ∈ N tal que d divide m.
(c) Mostre que ak e a−k possuem ordem
m mmc(k, m)
ou .
mdc(k, m) k

5. Seja G um grupo. Mostre que G não possui subgrupos próprios se, e


somente se, G é um grupo cíclico finito de ordem um número primo p.

6. Sejam G um grupo finito e a ∈ G. Mostre que se |a| = |G|, então G


é um grupo cíclico. Mostre, com um exemplo, que o resultado não é
necessariamente verdade se G é um grupo infinito.

7. Seja G um grupo cíclico. Mostre que G não pode ser escrito como uma
união de subgrupos próprios de G.

8. Seja G um grupo abeliano de ordem pq, com mdc(p, q) = 1. Mostre que


se existem a, b ∈ G tais que |a| = p e |b| = q, então G é um grupo cíclico.
66 CAPÍTULO 1. GRUPOS

9. Seja G um grupo abeliano. Mostre que se G é gerado por um número


finito de elementos de ordem finita, então G é finito.

10. Seja G um grupo. Mostre que se G possui somente um número finito de


subgrupos, então G é finito.

11. Sejam m, n ∈ Z∗ e H = {rm + ns : r, s ∈ Z}. Mostre que H é um


subgrupo do grupo aditivo dos números inteiros Z. Conclua que existe
um menor inteiro positivo d tal que H = hdi e d = mdc(m, n).

12. Sejam G um grupo finito e a um elemento de G de ordem n. Mostre que


se n é um número ímpar, então a = (a2 )k , para algum k ∈ Z.

13. Sejam G, H grupos e x = (a, e), y = (e, b) ∈ G × H. Mostre que xy = yx


e que |(a, b)| = mmc(|a| , |b|).

14. Seja m, n ∈ Z∗ .

(a) Mostre que m divide n se, e somente se, hni = nZ ⊆ mZ = hmi.


(b) Mostre que m divide n se, e somente se, Zm ⊆ Zn .

15. Sejam G um grupo e a, b ∈ G fixados.

(a) Mostre que |b| = |aba−1 |.


(b) Mostre que |ab| = |ba|.
¯ ¯ ¯ ¯
(c) Mostre que se |a| = m, então ¯ak ¯ = ¯am−k ¯, para todo k ∈ Z.
(d) Mostre que se |a| = 5 e a3 b = ba3 , então ab = ba.

16. Sejam G um grupo e k ∈ N, com k > 1. Mostre que se a ∈ G é o único


elemento tal que |a| = k, então a ∈ Z(G) e k = 2.

17. Sejam G um grupo e a, b, c ∈ G fixados.

(a) Mostre que se ab2 a−1 = ba, então a = b.


(b) Mostre que se |a| = 2 e ab2 a−1 = b3 , então |b| = 5.
1.4. GRUPOS CÍCLICOS 67

(c) Mostre que se |a| = 5 e aba−1 = b2 , então |b| = 31.


(d) Mostre que se ab2 a−1 = b3 e ba2 b−1 = a3 , então a = e = b.
(e) Mostre que se a−1 ba = b2 , b−1 cb = c2 e c−1 ac = a2 , então a = b =
c = e.

18. Sejam G um grupo e a, b ∈ G fixados. Mostre que se |a| = m, |b| = n e


ab = ba, então pode ocorrer que |ab| < mmc(m, n).

19. Seja G um grupo. Mostre que se existe n ∈ N tal que an bn = bn an , para


todos a, b ∈ G, então o conjunto

H = {b ∈ G : mdc(|b| , n) = 1}

é um subgrupo abeliano de G.

20. Sejam G = GL2 (R),


" # " # " #
1 0 1 1 0 −1
A = , B= , C= e
0 −1 0 −1 1 0
" #
0 1
D =
−1 −1
elementos de G. Calcule |A|, |B|, |C|, |D|, |AB| e |CD|.

21. Sejam G = Z2 × Z e a = (0, 1), b = (1, −1) ∈ G. Determine |a|, |b| e |ab|.

22. Sejam G = GL2 (R) e


" # " #
0 1 0 2
A= ,B = 1
∈ G.
1 0 2
0
Calcule |A|, |B| e |AB|. Conclua que hA, Bi é um grupo infinito.

23. Seja G um grupo abeliano. Mostre que o conjunto

T (G) = {a ∈ G : |a| < ∞}

é um subgrupo de G, chamado o subgrupo de torção de G. Mostre, com


um exemplo, que o resultado não é necessariamente verdade se G não é
um grupo abeliano.
68 CAPÍTULO 1. GRUPOS

24. Mostre que os seguintes grupos não são cíclicos:

(a) G = Z2 × Z2 .
(b) G = Z2 × Z.
(c) G = Z × Z.

25. Sejam G um grupo, p ∈ N um número primo e n ∈ Z+ . Mostre que se


n
a ∈ G é tal que ap = e, então |a| = pm , para algum m ≤ n.

26. Sejam p, n ∈ N, com p um número primo ímpar. Use o Teorema Binomial


para provar que
n−1 n−2
(1 + p)p ≡ 1 (mod pn ), mas (1 + p)p 6≡ 1 (mod pn ).

Conclua que o elemento 1 + p possui ordem pn−1 no grupo multiplicativo


Z•pn .

27. Seja n ∈ N, com n ≥ 3. Use o Teorema Binomial para provar que


n−2 n−3
(1 + 22 )2 ≡ 1 (mod 2n ), mas (1 + 22 )p 6≡ 1 (mod 2n ).

Conclua que o elemento 5 possui ordem 2n−2 no grupo multiplicativo


Z•2n .

28. Seja n ∈ N, com n ≥ 3. Mostre que o grupo multiplicativo Z•2n não é um


grupo cíclico.

29. Seja G um grupo finito de ordem n. Mostre que se mdc(k, n) = 1, então


a função ϕ : G → G definida por ϕ(a) = ak é bijetora. Mostre, com um
exemplo, que ϕ não é necessariamente bijetora se mdc(k, n) 6= 1.

30. Sejam G um grupo e a ∈ G.

(a) Mostre que CG (hai) = CG (a).


(b) Mostre que hai é um subgrupo de NG (hai).

Mostre, com um exemplo, que hai não é necessariamente igual a NG (hai).


1.4. GRUPOS CÍCLICOS 69

31. Sejam G um grupo finito e a ∈ G.

(a) Mostre que se b ∈ NG (hai), então bab−1 = am , para algum m ∈ Z.


(b) Mostre que se bab−1 = am , para algum m ∈ Z, então b ∈ NG (hai).

32. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Mostre que o conjunto

Qua(H) = {a ∈ G : K a = K, para todo subgrupo K de H}

é um subgrupo do NG (H), chamado o quase-centralizador de H em G.


Conclua que se G é um grupo finito, então

Qua(H) = {a ∈ G : ha = hn , ∀ h ∈ H e para algum n ∈ Z}.

33. Sejam G um grupo cíclico finito de ordem n e k ∈ Z tal que mdc(k, n) =


1. Mostre que se a, b ∈ G e ak = bk , então a = b. Mostre, com um
exemplo, que existe um m ∈ Z e um grupo tais que am = bm , mas a 6= b.

34. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G, com K = aHa−1 , para todo


a ∈ G. Mostre que se L é um subgrupo cíclico de G tal que H, K ⊆ L,
então H = K.

35. Sejam G um grupo e {Hi }i∈N uma família de subgrupos de G tais que
Hn ⊂ Hn+1 , para todo n ∈ N. Mostre que
[
H= Hn
n∈N

não é um grupo cíclico.

36. Mostre que o grupo aditivo dos números racionais Q possui subgrupos
não cíclicos.

37. Mostre que o grupo multiplicativo dos números racionais Q∗ é gerado


pelo conjunto
½ ¾ ½ ¾
1 1 1 1 1
S= : p é um número primo = , , , ,... .
p 2 3 5 7
70 CAPÍTULO 1. GRUPOS

38. Mostre que cada subgrupo finitamente gerado do grupo aditivo dos núme-
ros racionais Q é um grupo cíclico.

39. (Existência de grupos finitos de qualquer ordem) Sejam n ∈ N


fixado e
Un = {z ∈ C∗ : z n = 1}.

(a) Mostre que Un é um subgrupo cíclico de C∗ .


(b) Mostre que se m divide n, então Um é um subgrupo de Un .
(c) Seja U o grupo de todas as raízes da unidade em C, isto é,

U = {z ∈ C∗ : z n = 1, para algum n ∈ Z+ }.

Mostre que
[
U= Un .
n∈Z+

40. Sejam p um número primo,


n
Z = {z ∈ C∗ : z p = 1, para algum n ∈ Z+ }

e
k
Ck = {z ∈ Z : z p = 1}, ∀ k ∈ Z+ .

(a) Mostre que Ck é um subgrupo de Cm se, e somente se, k ≤ m.


(b) Mostre que Ck é um subgrupo cíclico de Z e

C0 = {1} ⊆ C1 ⊆ C2 ⊆ · · · ⊆ Cn ⊆ · · ·

(c) Mostre que cada subgrupo próprio de Z é igual a Ck , para algum


k ∈ Z+ .
(d) Mostre que
[
Z= Cn
n∈Z+

e que Z não é um grupo finitamente gerado.


1.4. GRUPOS CÍCLICOS 71

41. Sejam p um número primo fixado e H um subgrupo de Z(p∞ ).

(a) Mostre que Z(p∞ ) é gerado pelo conjunto


½ ¾
1
S= +Z:n∈N .
pn

(b) Mostre que todo elemento de Z(p∞ ) possui ordem finita pk , para
algum k ∈ Z+ .
(c) Mostre que se pelo menos um elemento de H possui ordem pm e
nenhum elemento de H possui ordem maior do que pm , então H é
igual ao subgrupo cíclico gerado pela classe de equivalência
1
+ Z.
pm

(d) Mostre que se não existir cota superior nas ordens dos elementos de
H, então H = Z(p∞ ).
(e) Mostre que os únicos subgrupos próprios de Z(p∞ ) são os subgrupos
cíclicos finito ¿ À
1
Cn = + Z , ∀ n ∈ N.
pn
Conclua que
[
C0 = {0} ⊆ C1 ⊆ C2 ⊆ · · · ⊆ Cn ⊆ · · · e Z(p∞ ) = Cn .
n∈Z+

42. Mostre que o grupo aditivo dos números racionais Q é a união de uma
sequência crescente de grupos cíclicos infinto.

43. Seja G um grupo abeliano. Dizemos que G é um grupo divisível se para


cada a ∈ G e cada n ∈ Z∗ existir x ∈ G tal que xn = a, isto é, a função
ϕ : G → G definida por ϕ(x) = xn é sobrejetora, para cada n ∈ Z∗ .

(a) Mostre que o grupo aditivo dos números racionais Q é um grupo


divisível.
72 CAPÍTULO 1. GRUPOS

(b) Mostre que nenhum grupo abeliano não trivial finito é um grupo
divisível.
(c) Mostre que Z(p∞ ) é um grupo divisível.

44. Seja G um grupo abeliano. Mostre que G é um grupo divisível tal que
todo elemento de G∗ tenha ordem infinita (livre de torção) se, e somente
se, G é um espaço vetorial sobre Q.

45. Sejam G e K grupos abelianos não triviais. Mostre que G × K é um


grupo divisível se, e somente se, G e K também o são.

46. Mostre que o grupo aditivo dos números racionais Q não possui subgru-
pos próprios divisíveis.

1.5 Grupos Diedrais e Alternados


Sejam A = (x1 , . . . , xn ), B = (y1 , . . . , yn ) ∈ Rn . A distância (Euclidiana)
entre A e B é dada por
p
d(A, B) = kA − Bk = (x1 − y1 )2 + · · · + (xn − yn )2 .

Uma isometria de Rn é uma função σ : Rn −→ Rn bijetora que preserva


distância, isto é,

kσ(A) − σ(B)k = kA − Bk , ∀ A, B ∈ Rn e σ(Rn ) = Rn .

Vamos denotar o conjunto de todas as isometrias de Rn por Isom(Rn ).

Proposição 1.73 Isom(Rn ) é um subgrupo de P (Rn ), o grupo das permu-


tações de Rn , chamado o grupo Euclidiano de Rn .

Prova. É claro que I ∈ Isom(Rn ). Sejam σ, τ ∈ Isom(Rn ). Então

σ ◦ τ ∈ P (Rn )
1.5. GRUPOS DIEDRAIS E ALTERNADOS 73

k(σ ◦ τ )(A) − (σ ◦ τ )(B)k = kσ(τ (A)) − σ(τ (B))k


= kτ (A) − τ (B)k
= kA − Bk , ∀ A, B ∈ Rn ,

ou seja, σ ◦ τ ∈ Isom(Rn ).
Finalmente, se σ ∈ Isom(Rn ), então σ −1 ∈ P (Rn ). Assim,
° −1 ° ° °
°σ (A) − σ −1 (B)° = °σ(σ −1 (A)) − σ(σ−1 (B))°
= kA − Bk , ∀ A, B ∈ Rn ,

isto é, σ −1 ∈ Isom(Rn ). Portanto, Isom(Rn ) é um subgrupo de P (Rn ). ¥

Exemplo 1.74 Seja G = Isom(R).

1. Mostre que se σ, τ ∈ G, σ(a) = τ (a) e σ(b) = τ (b), para quaisquer


a, b ∈ R, com a 6= b. então σ = τ . Em particular, se σ fixa dois pontos
distintos, então σ = I.

2. Mostre que

G = {σ : R → R : σ(x) = mx + b, m ∈ {−1, 1} e b = σ(0)} .

Além disso, G = hr, ti, em que r(x) = −x é uma reflexão na origem e


t(x) = x + b é uma translação.

Solução. (1) Seja c um elemento qualquer de R. Então


¯ ¯
|c − a| = |τ (c) − τ (a)| = |τ (c) − σ(a)| = ¯σ −1 τ (c) − a¯ .

Logo,
σ −1 τ (c) − a = ±(c − a).
Suponhamos, por absurdo, que σ −1 τ (c) 6= c. Se σ −1 τ (c) − a = c − a, então
σ −1 τ (c) = c, o que é uma contradição. Assim, σ −1 τ (c) − a = −c + a, isto é,
σ −1 τ (c) = −c+2a. De modo inteiramente análogo, obtemos σ −1 τ (c) = −c+2b.
74 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Logo, 2a = 2b, ou seja, a = b, o que é uma contradição. Portanto, σ−1 τ (c) = c


e σ −1 τ = I, pois c foi escolhido arbitrariamente. Portanto, σ = τ .
(2) É claro que a função σ : R → R definida por σ(x) = mx + b, onde
m ∈ {−1, 1} e b = σ(0), é uma isometria de R. Portanto,

{σ : R → R : σ(x) = mx + b, m ∈ {−1, 1} e b = σ(0)} ⊆ G.

Por outro lado, seja σ ∈ G e suponhamos que σ(0) = b. Então

1 = |1 − 0| = |σ(1) − σ(0)| = |σ(1) − b| .

Logo, σ(1) = b ± 1. Assim, há dois casos a serem considerados:


1.o Caso. Se σ(1) = b + 1. Seja τ : R → R definida por τ (x) = x + b.
Então τ ∈ G. Logo, σ(0) = τ (0) e σ(1) = τ (1). Assim, pelo item (1), σ = τ
2.o Caso. Se σ(1) = b − 1. Seja τ : R → R definida por τ (x) = −x + b.
Então τ ∈ G. Logo, σ(0) = τ (0) e σ(1) = τ (1). Assim, pelo item (1), σ = τ .
Portanto, em qualquer caso, σ(x) = mx + b, onde m ∈ {−1, 1} e b = σ(0).
Finalmente, cada σ ∈ G pode ser escrita sob a forma σ = t ◦ r, com r2 = I.
Portanto, G = hr, ti. ¥

Exemplo 1.75 Seja G = Isom(R2 ).

1. Mostre que se σ ∈ G fixa dois pontos distintos A e B em R2 , então σ


fixa todo os pontos da reta suporte de A e B, isto é, σ = I ou σ é uma
reflexão.

2. Mostre que se σ ∈ G fixa três pontos não colineares A, B e C em R2 ,


então σ = I é a identidade.

3. Mostre que existe no máximo um elemento σ ∈ G tal que σ(A) = A0 ,


σ(B) = B 0 e σ(C) = C 0 , onde ABC e A0 B 0 C 0 são triângulos congruentes
em R2 .

4. Mostre que cada elemento de G pode ser escrito de modo único como a
composição de uma reflexão, uma rotação e uma translação.
1.5. GRUPOS DIEDRAIS E ALTERNADOS 75

Solução. (1) Seja P um ponto qualquer de R2 . Então

kA − P k = kA − σ(P )k e kB − P k = kB − σ(P )k .

Logo, σ(P ) = P ou (τ ◦ σ)(P ) = P , em que τ é uma reflexão com eixo a reta


suporte de A e B. Portanto, σ = I ou σ = τ .
(2) Se σ ∈ G fixa três pontos não colineares A, B e C em R2 , então pelo
item (1) σ fixa a reta suporte de A e B. Logo, σ é a identidade I ou σ é
uma reflexão τ com eixo a reta suporte de A e B. Como τ (C) 6= C temos que
σ = I.
(3) Primeiro observe que se A e B são pontos quaisquer em R2 , então existe
t ∈ G tal que t(A) = B. De fato, sejam t−A e tB translações em R2 . Então
t = tB ◦ t−A tem a propriedade desejada, pois

t(A) = (tB ◦ t−A )(A) = tB (O) = B.

Como
kA0 − B 0 k = kA − Bk = kt(A) − t(B)k = kA0 − t(B)k

temos que B 0 e t(B) estão na mesma circunferência de centro A0 . Logo, existe


uma rotação rθ com centro A0 tal que (rθ ◦ t)(B) = B 0 . Assim,

(rθ ◦ t)(A) = A0 e (rθ ◦ t)(B) = B 0 .

Sendo

kA0 − C 0 k = kA − Ck = k(rθ ◦ t)(A) − (rθ ◦ t)(C)k = kA0 − (rθ ◦ t)(C)k

kB 0 − C 0 k = kB − Ck = k(rθ ◦ t)(B) − (rθ ◦ t)(C)k = kB 0 − (rθ ◦ t)(C)k ,

temos que (rθ ◦ t)(C) = C 0 ou (τ ◦ (rθ ◦ t))(C) = C 0 , em que τ é uma reflexão


com eixo a reta suporte de A0 e B 0 . Portanto, σ = rθ ◦ t ou σ = τ ◦ (rθ ◦ t) tem
a propriedade desejada.
A unicidade segue do item (2).
76 CAPÍTULO 1. GRUPOS

(4) Sejam σ ∈ G e, sem perda de generalidade, podemos escolher O = (0, 0),


B = (1, 0), C = (0, 1) em R2 . Suponhamos que σ(O) = A. Então

(t−A ◦ σ)(O) = O.

Pondo B 0 = (t−A ◦ σ)(B), obtemos

1 = kO − Bk = k(t−A ◦ σ)(O) − (t−A ◦ σ)(B)k = kO − B 0 k = kB 0 k .

Logo, B 0 está em uma circunferência de centro O e raio 1. Assim, existe θ ∈ R


tal que B 0 = (cos θ, sen θ) ∈ R2 . Então

r−θ (B 0 ) = B e r−θ (O) = O.

Pondo C 0 = (r−θ ◦ (t−A ◦ σ))(C), obtemos



kO − C 0 k = 1 e kB − C 0 k = 2,

pois (r−θ ◦ (t−A ◦ σ))(O) = O e (r−θ ◦ (t−A ◦ σ))(B) = B. Então C 0 = C ou


C 0 = −C. Seja (
(x, y), se C 0 = C
τ (x, y) =
(x, −y), se C 0 = −C.
Finalmente, fazendo ϕ = τ ◦ r−θ ◦ t−A , obtemos

(ϕ ◦ σ)(O) = O, (ϕ ◦ σ)(B) = B e (ϕ ◦ σ)(C) = C.

Portanto, pelo item (2), ϕ ◦ σ = I, isto é, σ = tA ◦ rθ ◦ τ . ¥

Seja S uma figura qualquer em Rn , com n ≥ 2. Dizemos que uma função


σ : S −→ S é uma simetria de S se σ preserva distância e σ(S) = S, isto é,

kσ(A) − σ(B)k = kA − Bk , ∀ A, B ∈ S e σ(S) = S.

Note que σ(S) = S é equivalente as seguintes condições:

1. Se A ∈ S, então σ(A) ∈ S, pois σ(S) = S.

2. Se σ(B) ∈ S, então B ∈ S, pois σ −1 (σ(S)) = S.


1.5. GRUPOS DIEDRAIS E ALTERNADOS 77

Proposição 1.76 Seja

Γ(S) = {σ ∈ P (S) : σ é uma simetria}.

Então Γ(S) é um subgrupo de P (S). Em particular, qualquer elemento de Γ(S)


pode ser escrito como a composição de uma reflexão e uma rotação.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Um polígono regular é um polígono S, com n ≥ 3, lados de comprimento


iguais no qual os ângulos interiores, entre lados adjacentes, são todos iguais.
Por exemplo, quando n = 5, temos o pentágono regular dado na Figura 1.1.

Figura 1.1: Pentágono regular.

Lema 1.77 Qualquer polígono regular S está inscrito em um único círculo.


Neste caso, o centro do circulo é chamado de origem de S.

Prova. Sejam A1 , A2 , . . . , An os vértices do polígono regular S. Tracemos o


círculo C que passa pelos pontos A1 , A2 e A3 . Seja O o centro de C. Então
o triângulo OA2 A3 é isósceles, pois d(O, A2 ) = d(O, A3 ). Logo, os ângulos
\
OA \ \ \
2 A3 e OA3 A2 são iguais. Assim, por hipótese, os ângulos A1 A2 A3 e A2 A3 A4
são iguais, consequentemente, os ângulos A\ \
1 A2 O e OA3 A4 são iguais. Como
d(A1 , A2 ) = d(A3 , A4 ) e d(O, A2 ) = d(O, A3 ) temos que os triângulos OA1 A2
78 CAPÍTULO 1. GRUPOS

e OA4 A3 são congruentes. Portanto, d(O, A1 ) = d(O, A4 ) e A4 é um ponto de


C. Prosseguindo assim, temos que A5 , . . . , An são pontos de C. ¥

Lema 1.78 Sejam S um polígono regular e O a origem de S. Então σ(O) =


O, para todo σ ∈ Γ(S).

Prova. Seja A ∈ S tal que kA − Ok = kAk = r. Então

kσ(A) − σ(O)k = kA − Ok = kAk = r, ∀ σ ∈ Γ(S).

Como σ(S) = S temos que S também está inscrito no círculo de centro σ(0) e
raio r. Portanto, pelo Lema 1.77, σ(O) = O. ¥

Lema 1.79 Sejam S um polígono regular e σ ∈ Γ(S). Então σ(A) é um


vértice de S, para todo vértice A de S.

Prova. Sejam O a origem de S e r o raio do círculo C, no qual S está inscrito.


Então

kσ(A)k = kσ(A) − Ok = kσ(A) − σ(O)k = kA − Ok = r.

Como os únicos pontos de S em C são os vértices temos que σ(A) é um vértice


de S, pois σ(A) ∈ C. ¥

Seja S um polígono regular, com n ≥ 3 lados. O grupo Γ(S) chama-se o


grupo diedral de grau n e será denotado por

Dn = Γ(S).

Sejam {A1 , A2 , . . . , An } o conjunto de vértices de S, com origem O, e σ j a


rotação de S sobre a origem no sentido anti-horário através de um ângulo

2π(j − 1)
n
radiamos, de modo que

σ j (A1 ) = Aj , j = 1, . . . , n.
1.5. GRUPOS DIEDRAIS E ALTERNADOS 79

Por exemplo, quando n = 5, σ 3 é dada pela Figura 1.2.


Figura 1.2: Rotação de 5
.

Seja τ a reflexão de S através da reta que passa na origem O e no vértice


A1 , de modo que τ (A1 ) = A1 e τ (A2 ) = An . Por exemplo, quando n = 5, τ é
dada pela Figura 1.3.

Figura 1.3: Reflexão τ .

Afirmação. Os elementos σ 1 = I, σ 2 , . . . , σ n , σ 1 τ , σ 2 τ , . . . , σ n τ são todos


distintos.
80 CAPÍTULO 1. GRUPOS

De fato, como
Aj = σ j (A1 ) = σ k (A1 ) = Ak

temos que σ j 6= σ k se j 6= k. Suponhamos, por absurdo, que σ j = σ k τ . Então

Aj = σ j (A1 ) = σ k τ (A1 ) = σ k (A1 ) = Ak .

Logo, j = k e σ j = σ j τ implica que τ = I, o que é uma contradição. Assim,


σ j e σ k τ são distintos.
Finalmente, se σ j τ = σ k τ , então σ j = σ k . Portanto, o grupo Dn contém
pelo menos 2n elementos. Por outro lado, seja σ ∈ Dn . Então, pelo Lema 1.79,
temos que σ(A1 ) = Aj , j = 1, . . . , n. Assim, existe exatamente n possibilidades
para σ(A1 ). Logo, σ(A2 ) possui somente duas possibilidades, pois σ(A2 ) é um
vértice e
kσ(A2 ) − Aj k = kσ(A2 ) − σ(A1 )k = kA2 − A1 k

implica que σ(A2 ) = Aj−1 ou σ(A2 ) = Aj+1 (vértices adjacentes a Aj , isto é, i


é adjacente a j se, e somente se, j − i ≡ ±1 (mod n)). Portanto, se σ(A1 ) e
σ(A2 ) são determinados, então σ(Ak )‚ k = 3, . . . , n, são também determinados.
Assim, existem no máximo dois elementos σ ∈ Dn tais que σ(A1 ) = Aj , pois
vértices adjacentes permanecem adjacentes sobre qualquer simetria. Logo,
existem no máximo 2n elementos em Dn . Portanto,

Dn = Γ(S) = {I, σ 2 , . . . , σ n , τ , σ 2 τ , . . . , σ n τ } e |Dn | = 2n.

Observação 1.80 Se σ j (A1 ) = Aj , então σ j (A2 ) = Aj+1 , . . . , σ j (An ) = Aj−1 ,


pois os inteiros representando os vértices são lidos módulo n. Assim, σ j cor-
responde a permutação
à !
1 2 ··· n
σ= ∈ Sn
j j + 1 ··· j − 1

e τ corresponde a permutação
à !
1 2 3 ··· k ··· n − 1 n
α= ∈ Sn
1 n n − 1 ··· n + 2 − k ··· 3 2
1.5. GRUPOS DIEDRAIS E ALTERNADOS 81

se n é um número ímpar e corresponde a permutação


à !
1 2 3 ··· k + 1 ··· n − 1 n
α= ∈ Sn
1 n n − 1 ··· k + 1 ··· 3 2

se n é um número par.

Exemplo 1.81 Calcule o Z(D4 ).

Solução. Sejam σ = σ 2 a rotação e τ a reflexão do grupo diedral D4 . Então


é fácil verificar que σ 4 = I, τ 2 = I e τ σ = σ −1 τ = σ3 τ . Assim,

D4 = {I, σ, σ 2 , σ 3 , τ , στ , σ 2 τ , σ 3 τ }

e τ , σ, σ 3 ∈
/ Z(D4 ). Note que

τ σ 2 = (τ σ)σ = (σ3 τ )σ = σ 3 (τ σ) = σ 3 (σ 3 τ ) = σ 6 τ = σ2 τ ,

ou seja, σ 2 comuta com τ . De modo inteiramente análogo, prova-se que σ 2


comuta com todos os outros elementos de D4 . Logo, σ 2 ∈ Z(D4 ).
Finalmente,

(στ )σ = σ(τ σ) = σ(σ 3 τ ) = τ 6= σ 2 τ = σ(στ ),


(σ 2 τ )σ = σ 2 (τ σ) = σ 2 (σ 3 τ ) = στ 6= σ 3 τ = σ(σ 2 τ ),
(σ 3 τ )σ = σ 3 (τ σ) = σ 3 (σ 3 τ ) = σ 2 τ 6= τ = σ(σ3 τ ).

Portanto, Z(D4 ) = {I, σ 2 }. ¥

Vamos finalizar está seção apresentando um dos mais importante subgrupo


de Sn , “o grupo alternado de grau n.” Para isto, sejam x1 , . . . , xn variáveis
independentes, com xi xj = xj xi , e

P = P (x1 , . . . , xn ) ∈ Z[x1 , . . . , xn ]

o polinômio
Y Y
n−1 Y
n
P = (xi − xj ) = (xi − xj ),
1≤i<j≤n i=1 j=i+1
82 CAPÍTULO 1. GRUPOS

isto é, o produto de todos os fatores (xi − xj ), com i < j. Por exemplo, quando
n = 3,
P = (x1 − x2 ) (x1 − x3 ) (x2 − x3 ).

Veremos que o polinômio P serve para codificar todas as transposições em Sn .


Para cada σ ∈ Sn , definimos o polinômio P σ por
Y
P σ = P (xσ(1) , . . . , xσ(n) ) = (xσ(i) − xσ(j) ).
1≤i<j≤n

Por exemplo, se à !
1 2 3
σ= ∈ S3 ,
2 3 1
então
¡ ¢
P σ = (xσ(1) − xσ(2) ) xσ(1) − xσ(3) (xσ(2) − xσ(3) )
= (x2 − x3 ) (x2 − x1 ) (x3 − x1 ) = P.

Como P contém um fator (xi − xj ), para todos i, j ∈ {1, . . . , n}, com i < j,
temos que P σ contém um fator

(xi − xj ) ou (xj − xi ) = −(xi − xj ),

para todos i, j ∈ {1, . . . , n}, com i < j. Sendo σ bijetora existem únicos k,
l ∈ {1, . . . , n}, com k 6= l, tais que σ(k) = i e σ(l) = j. Se k < l, então o fator
(xσ(k) − xσ(l) ) = (xi − xj ) aparece em P σ . Se k > l, então o fator

(xσ(l) − xσ(k) ) = (xj − xi ) = −(xi − xj )

aparece em P σ . Observe que fatores distintos (xi − xj ) e (xk − xl ) dão origem


a fatores distintos ±(xσ(i) − xσ(j) ) e ±(xσ(k) − xσ(l) ), pois se σ(i) = σ(k) e
σ(j) = σ(l), então i = k e j = l. Portanto,

P σ = (−1)N P,

em que N é o número de fatores (xj − xi ), com i < j.


1.5. GRUPOS DIEDRAIS E ALTERNADOS 83

Observação 1.82 O número N é também chamado de número de inversões


(transposição) necessárias para trazer de volta o conjunto

{σ(1), σ(2), . . . , σ(n)}

a sua ordem natural. Por exemplo, se


à ! à !
1 2 3 1 2 3
σ= = ∈ S3
σ(1) σ(2) σ(3) 2 3 1

então N = 2, pois fixado 2 temos uma inversão (21); fixado 3 temos uma in-
versão (31). Uma maneira alternativa para determinar o número de inversões
da permutação σ é ilustrada no esquema da Figura 1.4. Neste caso, o número
de cruzamentos corresponde ao número de inversões de σ.

Figura 1.4: Número de inversões de σ.

Esse procedimento vale para Sn .

Lema 1.83 Seja τ ∈ Sn a permutação definida por

τ (i) = j, τ (j) = i e τ (x) = x, ∀ x ∈ {1, 2, . . . , n} − {i, j},

isto é, uma transposição


à !
1 2 ··· i ··· j ··· n−1 n
τ= ∈ Sn , com i < j.
1 2 ··· j ··· i ··· n−1 n

Então P τ = −P .

Prova. Note que τ altera somente os fatores de P que contêm i ou j. Assim,


para um fator (xi − xj ), obtemos

(xi − xj )τ = (xτ (i) − xτ (j) ) = (xj − xi ) = −(xi − xj ).


84 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Se um fator de P não contém xi e nem xj , então ele permanece inalterado


quando lhe aplicamos τ . Todos os outros fatores podem ser agrupados aos
pares:

(xi − xk ) (xj − xk ) , com i < j < k;


(xi − xk ) (xk − xj ) , com i < k < j;
(xk − xi ) (xk − xj ) , com k < i < j.

É fácil verificar que estes fatores permanecem inalterados quando lhe aplicamos
τ , por exemplo,

[(xi − xk ) (xk − xj )]τ = (xτ (i) − xτ (k) )(xτ (k) − xτ (j) )


= (xj − xk ) (xk − xi ) = (xi − xk ) (xk − xj ) .

Portanto, P τ = −P . ¥

Observação 1.84 Uma maneira alternativa para provar o Lema 1.83 é: con-
sideremos o esquema da Figura 1.5.

Figura 1.5: Número de inversões de τ .

Então é fácil verificar que existem N = 1 + 2(j − i − 1) cruzamentos. Como


N é um número ímpar temos que P τ = (−1)N P = −P .

Seja σ ∈ Sn . Dizemos que σ é uma permutação par se P σ = P e uma


permutação ímpar se P σ = −P . Neste caso, definimos o sinal de σ como
(
+1, se σ é par
sgn(σ) =
−1, se σ é ímpar.

Assim, σ é par se, e somente se, P σ = P se, e somente se, P = (−1)N P se,
somente se, N é um número par, isto é, σ é par se, e somente se, o número
1.5. GRUPOS DIEDRAIS E ALTERNADOS 85

de inversões N de σ é par. Também, σ é ímpar se, e somente se, o número de


inversões N de σ é ímpar. Portanto,

sgn(σ) = (−1)N .

Exemplo 1.85 Se
à ! à !
1 2 3 1 2 3
σ= ,τ = ∈ S3 ,
2 3 1 1 3 2

então P σ = P e P τ = −P , isto é, σ é par e τ é ímpar. Mais geralmente, a


transposição τ do Lema 1.83, é sempre ímpar.

Uma definição alternativa do sinal de uma permutação é dada pelo Lema


1.83 e o seguinte teorema:

Teorema 1.86 Qualquer permutação σ ∈ Sn , com σ 6= I, pode ser escrita


como um produto de transposições.

Prova. Vamos usar indução sobre n. Se n = 1, nada há para ser provado.


Suponhamos que o resultado seja válido para todo k, com 1 ≤ k ≤ n − 1. Seja
σ ∈ Sn , com σ 6= I, tal que σ(n) = k. Consideremos a transposição τ ∈ Sn tal
que τ (n) = k e τ (k) = n. Então τ σ ∈ Sn e

(τ σ)(n) = τ (k) = n.

Assim, podemos ver τ σ como um elemento de Sn−1 . Logo, por hipótese de


indução, existem transposições τ 1 , . . . .τ m ∈ Sn tais que

τ σ = τ 1 · · · τ m,

de modo que
σ = τ −1 τ 1 · · · τ m = τ τ 1 · · · τ m ,
que é o resultado desejado. ¥

Lema 1.87 Se σ, τ ∈ Sn , então P στ = (P τ )σ . Conclua que se σ = τ 1 · · · τ m é


um produto de transposições, então P σ = (−1)m P .
86 CAPÍTULO 1. GRUPOS

Prova. Note que (στ )(i) = σ(τ (i)), para todo i = 1, . . . , n. Suponhamos que
P τ = (−1)N1 P . Então P στ possui exatamente N1 fatores da forma

(xσ(j) − xσ(i) ),

com i < j, pois


Y Y
P στ = (xστ (i) − xστ (j) ) = (xσ(τ (i)) − xσ(τ (j)) ).
1≤i<j≤n 1≤i<j≤n

Logo,
Y
P στ = (−1)N1 (xσ(p) − xσ(q) )
1≤p<q≤n

= (−1)N1 (−1)N2 P
¡ ¢
= (−1)N2 (−1)N1 P = (P τ )σ .

Portanto, P στ = (P τ )σ , para todos σ, τ ∈ Sn . ¥

Proposição 1.88 Sejam σ, τ ∈ Sn .

1. Se σ e τ são pares, então στ é par.

2. Se σ e τ são ímpares, então στ é par.

3. Se σ é par e τ ímpar, então στ é ímpar.

4. Se σ é par, então σ −1 é par.

5. Se σ é ímpar, então σ −1 é ímpar.

Prova. Consequência direta do Lema 1.87, por exemplo, se σ é par, então


−1 σ −1 −1
P = PI = Pσ = (P σ )σ = Pσ ,

isto é, σ −1 é par. ¥

Seja
An = {σ ∈ Sn : P σ = P }.
1.5. GRUPOS DIEDRAIS E ALTERNADOS 87

Então, pela Proposição 1.88, An é um subgrupo de Sn , o qual chama-se o grupo


alternado de grau n.
Finalmente, note que para qualquer k, com k < n, o conjunto

Hk = {σ ∈ Sn : σ(x) = x, ∀ x ∈ {1, . . . , n} − {1, . . . , k}}

é um subgrupo de Sn (prove isto!)

EXERCÍCIOS

1. Determine o grupo das simetrias Γ(S), com S uma das letras A, H, R e


N.

2. (Grupo de Klein) Determine o grupo das simetrias Γ(S), com S um


retângulo de lados desiguais. Construa sua tabela de multiplicação.

3. Sejam H = {σ ∈ S3 : σ(1) = 1} e K = {σ ∈ S3 : σ(2) = 2}. Determine


HK e KH.

4. Seja σ ∈ Sn , com σ 6= I. Mostre que a relação ∼ sobre {1, 2, . . . , n}


definida por

i ∼ j ⇔ j = σ m (i), para algum m ∈ Z,

é uma relação de equivalência. Descreva as classes de equivalências!

5. Sejam σ = σ2 a rotação (σ i = σ i+1 ) e τ a reflexão do grupo diedral Dn .

(a) Mostre que σ n = I e τ 2 = I.


(b) Mostre que στ = τ σ −1 .
(c) Mostre que σ m τ = τ σ −m , para todo m ∈ N.
(d) Verifique as relações
( (
σiσj = σk (σ i τ )σ j = σl τ
e
σ i (σ j τ ) = σ k τ (σ i τ )(σ j τ ) = σ l
88 CAPÍTULO 1. GRUPOS

em que (i + j) ≡ k (mod n) e (i + (n − j)) ≡ l (mod n). Neste caso,


obtemos uma tabela compacta para Dn :

Dn σj τj
σi σ i+j τ i+j
τi τ i−j σ i−j

em que τ i = σ i τ , i = 1, . . . , n. Conclua que

Dn = hσ, τ i = {σ i τ j : i = 0, 1, . . . , n − 1 e j = 0, 1}.

6. Sejam n ∈ N, com n ≥ 3, e G = Dn o grupo diedral. Mostre que


(
{I}, se n é um número ímpar
Z(G) = n .
{I, σ 2 }, se n é um número par

7. Seja Dn o grupo diedral de grau n ≥ 3. Mostre que o conjunto

H = {σ ∈ Dn : σ 2 = I}

não é um subgrupo de Dn .

8. Seja Bn = {τ ∈ Sn : P τ = −P } o conjunto das permutações ímpares.

(a) Mostre que Bn = τ An = An τ , para todo τ ∈ Bn .


·
n!
(b) Mostre que An ∩ Bn = ∅ e Sn = An ∪ Bn . Conclua que |An | = 2
.
(c) Mostre que σAn σ −1 = An , para todo σ ∈ Sn .

9. Sejam p um número primo e S = Z∗p .

(a) Mostre, para um a ∈ S fixado, que a função σ a : S → S definida


por σ a (x) = r, com r ≡ ax (mod p), é bijetora.
(b) Mostre que σa σ b = σ ab = σ c , para todos a, b, c ∈ S, com c ≡
ab (mod p).
(c) Mostre que a função f : S → {σ a : a ∈ S} definida por f (a) = σa é
bijetora e f (ab) = f (a)f (b).
1.5. GRUPOS DIEDRAIS E ALTERNADOS 89

10. Determine todos os elementos de A4 . Mostre que o grupo de Klein é um


subgrupo de A4 .

11. Mostre que


Y σ(i) − σ(j)
sgn(σ) = , ∀ σ ∈ Sn .
1≤i<j≤n
i−j

Qn
12. Mostre que n i=1 (σ(i) − i) é um número par, para todo σ ∈ Sn .

13. Seja S∞ o conjunto de todos os elementos σ ∈ P (N) tais que σ(x) = x,


para todos exceto um número finito de x ∈ N. Mostre que S∞ é um
subgrupo de P (N).

14. Sejam n ∈ N e

Gn = {σ ∈ P (N) : σ(x) = x, ∀ x ∈ N, com x > n}.

Mostre que
[
S∞ = Gn .
n∈N

15. Seja G = Isom(R) o grupo de todas as isometrias de R tal que

σ(Z) = Z, ∀ σ ∈ G,

o qual é chamado o grupo diedral infinito e será denotado por D∞ .

(a) Mostre que se σ(x) 6= x, para todo x ∈ R, então σ(x) = x + n, para


algum n ∈ Z.
(b) Mostre que se σ ∈ G possui exatamente um ponto fixo x0 , então
x0 ∈ Z ou x0 = 12 (m + n), para alguns m, n ∈ Z. Neste caso, σ é
uma reflexão em x0 .
(c) Mostre que se σ ∈ G possui mais um ponto fixado, então σ = I.

16. Seja G um grupo.


90 CAPÍTULO 1. GRUPOS

(a) Mostre que se G é finito e H um subgrupo próprio de G, então


existe um subgrupo maximal de G contendo H.
(b) Mostre que o subgrupo de todas as rotações do grupo diedral é um
subgrupo maximal.
(c) Mostre que se G = hai é um grupo finito de ordem m > 0, então
H é um subgrupo maximal de G se, e somente se, G = hap i, para
algum número primo p dividindo m.

17. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Mostre que existe um


subgrupo maximal M de G tal que M ∩ H = {e}.
Capítulo 2

Teoremas de Estruturas para


Grupos

Neste capítulo vamos estudar um tipo especial de funções, as quais são


chamadas de “homomorfismo de grupos” e que é um dos objetos fundamentais
da álgebra abstrata. Além disso, serão vistos os conceitos de classes laterais,
subgrupos normais e grupos quocientes.

2.1 Classes Laterais


Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Dados a, b ∈ G, dizemos que
a é congruente à esquerda (à direita) a b módulo H se a−1 b ∈ H (ba−1 ∈ H),
em símbolos,
a ≡ b (mod H) ⇔ a−1 b ∈ H (ba−1 ∈ H).

Proposição 2.1 Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Então:

1. A congruência à esquerda (à direita) módulo H é uma relação de equi-


valência sobre G.

2. A classe de equivalência à esquerda (à direita) de a em G é igual ao


conjnuto

a = aH = {ah : h ∈ H} (a = Ha = {ha : h ∈ H}).

91
92 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

3. |aH| = |H| = |Ha|, para todo a ∈ G.

Prova. (1) Dados a, b, c ∈ G, obtemos a ≡ a (mod H), pois e = a−1 a ∈ H.


Se a ≡ b (mod H), então a−1 b ∈ H. Logo, b−1 a = (a−1 b)−1 ∈ H, pois H é um
subgrupo de G. Assim, b ≡ a (mod H).
Finalmente, se a ≡ b (mod H) e b ≡ c (mod H), então a−1 b ∈ H e b−1 c ∈
H. Logo,
a−1 c = a−1 (bb−1 )c = (a−1 b)(b−1 c) ∈ H,
pois H é um subgrupo de G. Assim, a ≡ c (mod H).
(2) Como
a = {b ∈ G : b ≡ a (mod H)}
temos que

b ∈ a ⇔ b ≡ a (mod H)
⇔ a−1 b ∈ H ⇔ ∃ h ∈ H tal que b = ah
⇔ b ∈ aH.

Portanto, a = aH.
(3) Basta provar que a função ϕ : H → aH definida por ϕ(h) = ah é
bijetora. ¥

O conjunto

aH = {ah : h ∈ H} (Ha = {ha : h ∈ H})

chama-se a classe lateral à esquerda (à direita) de H em G e o elemento a


chama-se um representante da classe lateral.

Exemplo 2.2 Sejam G = S3 e H = {I, τ }, com


à !
1 2 3
τ= .
1 3 2

Então σH = {σ, στ } e Hσ = {σ, τ σ}, com


à ! à ! à !
1 2 3 1 2 3 1 2 3
σ= , στ = e τσ = .
2 3 1 2 1 3 3 2 1
2.1. CLASSES LATERAIS 93

Note que σH 6= Hσ. No entanto, se G é um grupo abeliano, então aH = Ha,


para todo subgrupo H de G e a ∈ G. Mostre, com um exemplo, que a recíproca
é falsa.

Proposição 2.3 Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Então:

1. G é igual a união das classes laterais aH, ou seja,


[
G= aH.
a∈G

2. Duas classes laterais à esquerda (à direita) de H em G são disjuntas ou


iguais. Neste caso, [
bH = G − aH, a 6= b
a∈G

3. Para quaisquer a, b ∈ G, aH = bH se, e somente se, a−1 b ∈ H se, e


somente se, b ∈ aH.

4. Se L = {aH : a ∈ G} e R = {Ha : a ∈ G}, então |L| = |R|.

Prova. Vamos provar apenas os itens (2) e (4): (2) Se aH ∩ bH 6= ∅, então


existe c ∈ aH e c ∈ bH. Agora, dado x ∈ aH, obtemos x ≡ a (mod H).
Como c ≡ a (mod H) e c ≡ b (mod H) temos que x ≡ c (mod H) e c ≡
b (mod H). Assim, x ≡ b (mod H), ou seja, x ∈ bH. Logo, aH ⊆ bH. De
modo inteiramente análogo, prova-se que bH ⊆ aH. Portanto, aH = bH.
(4) É fácil verificar que a função ϕ : L → R definida por ϕ(aH) = Ha−1 é
bijetora. ¥

Pelos itens (1) e (2) da Proposição 2.3, o conjunto de todas as classes


laterais à esquerda de H em G forma uma partição de G e será denotado por
G G
= = {aH : a ∈ G}.
H ≡
A cardinalidade do conjunto das classes laterais de H em G é chamada o índice
de H em G e será denotado por [G : H]. Assim,
G
= {a{e} : a ∈ G} = {{a} : a ∈ G} e [G : {e}] = |G| .
{e}
94 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Note, pelo item (4) da Proposição 2.3, que o índice não depende da classe
lateral.
Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Uma família indexada de
elementos de G,
α = {ai }i∈I = {ai : i ∈ I} ⊆ G,
é um conjunto minimal de representantes de classes laterais à esquerda (ou
uma transversal à esquerda) de H em G se o conjunto α contém exatamente
um elemento de cada classe lateral à esquerda ai H, para todo i ∈ I, ou,
equivalentemente, para cada elemento a de G, existe um único i0 ∈ I tal que
a = ai0 h, para algum h ∈ H, ou ainda, a restrição da função
G
π:G→
H
definida por π(a) = aH, ao conjunto α é bijetora. Portanto,

|I| = |α| = [G : H]

e α contém exatamente um elemento de H, pois H = eH.

Teorema 2.4 Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G, onde K ⊆ H.


Então
[G : K] = [G : H][H : K].
Note que se quaisquer dois desses índices são finitos, então o terceiro também
o é.

Prova. Pela Proposição 2.3, obtemos


[

G= ai H, onde α = {ai }i∈I ⊆ G
i∈I

e
[

H= bj K, onde β = {bj }j∈J ⊆ H.
j∈J

Portanto, Ã !
[ [ [ [
G= ai H = ai bj K = ai bj K.
i∈I i∈I j∈J (i,j)∈I×J
2.1. CLASSES LATERAIS 95

Agora, basta provar que as classes laterais à esquerda ai bj K de K em G são


disjuntas. Se
x ∈ ai bj K ∩ ar bs K, (ai bj K = ar bs K)
então existe k ∈ K tal que ai bj = ar bs k. Como bj , bs , k ∈ H temos que

ai H = ai bj H = ar bs kH = ar H.

Logo, i = r e bj = bs k. Assim, bj K = bs kK = bs K e j = s. Portanto, as


classes laterais ai bj K são disjuntas e

[G : K] = |I × J| = |I| |J| = [G : H][H : K].

Neste caso, provamos que a função


G H G
ϕ: × → , definida por ϕ(ai H, bj K) = ai bj K,
H K K
é bijetora.
A última afirmação do teorema é clara. ¥

Corolário 2.5 (Teorema de Lagrange) Sejam G um grupo e H um sub-


grupo de G. Então |G| = [G : H] |H|. Em particular, se G um grupo finito,
então |H| divide |G|.

Prova. Basta fazer K = {e} no Teorema 2.4. ¥

Exemplo 2.6 Seja p um número primo. Mostre que se G é um grupo de


ordem p2 , então G é um grupo abeliano.

Solução. Seja H = hai, para qualquer a ∈ G. Então, pelo Teorema de


Lagrange, |H| divide |G|, ou seja, a ordem de qualquer elemento de G divide
p2 . Logo, a ordem de qualquer elemento de G é igual 1, p ou p2 . Se G contém
um elemento a de ordem p2 , então G = hai é um grupo cíclico. Portanto, G é
um grupo abeliano.
Agora, suponhamos que qualquer elemento de G − {e} tenha ordem p.
Então ap = e, para todo a ∈ G − {e}. Se G não fosse abeliano, então existiria
a, b ∈ G tais que ab 6= ba. Pondo H = hai e K = hbi, obtemos H 6= K, pois
96 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

a∈/ K, H ∩ K = {e} e G = HK. Logo, K = aKa−1 , K não é conjugado de


H e G 6= K(xKx−1 ), pois se x ∈ G, então existiria h ∈ H e k ∈ K tais que
x = hk e
xKx−1 = hkKk −1 h−1 = hKh−1 .
Assim,
aba−1 b−1 ∈ K.
De modo inteiramente análogo, obtemos

aba−1 b−1 ∈ H.

Portanto,
aba−1 b−1 ∈ H ∩ K = {e},
isto é, ab = ba, o que é uma contradição. ¥

Proposição 2.7 Sejam G um grupo e H, K subgrupos finitos de G. Então


|H| |K|
|HK| = .
|H ∩ K|

Prova. Já vimos que L = H ∩ K é um subgrupo de H. Logo, pelo Teorema


de Lagrange, obtemos

|H| |H| [ n
n = [H : L] = = e H= ai L,
|L| |H ∩ K| i=1

onde ai ∈ H. Como LK = K temos que


Ãn !
[ [
n [
n
HK = ai L K = ai LK = ai K
i=1 i=1 i=1

é uma união disjunta, pois se ai K = aj K, então a−1 −1


j ai ∈ K. Logo, aj ai ∈
H ∩ K = L se, e somente se, ai L = aj L e i = j. Portanto,
P
n |H| |H| |K|
|HK| = |ai K| = n |K| = |K| = ,
i=1 |H ∩ K| |H ∩ K|

que é o resultado desejado. ¥


2.1. CLASSES LATERAIS 97

A função φ : N → N definida por


(
1, se n = 1
φ(n) = •
|Zn | , se n > 1

chama-se função de Euler. Por exemplo, φ(6) = 2 e φ(p) = p − 1, com p um


número primo, pois

Z•6 = {1, 5} e Z•p = {1, 2, . . . , p − 1}.

Sejam G um grupo cíclico finito de ordem n e

g(G) = {a ∈ G : hai = G}

o conjunto de geradores de G. Então, pelo item (2) da Proposição 1.70, obte-


mos
|g(G)| = φ(n).

Proposição 2.8 Seja n ∈ N. Então


X
n= φ(d).
d|n

Prova. Seja G um grupo cíclico finito de ordem n. Então para cada divisor d
de n temos, pelo item (3) da Proposição 1.70, que existe um único subgrupo
Hd de ordem d. Logo,
|g(Hd )| = φ(d).

Como cada elemento de G gera exatamente um dos subgrupos Hd temos que

[

G= g(Hd ).
d|n

Portanto,
X
n = |G| = φ(d),
d|n

que é o resultado desejado. ¥


98 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Note que se p e q são números primos distintos, então, pela Proposição 2.8,
obtemos

φ(pq) = pq − (φ(p) + φ(q) + φ(1))


= pq − (p − 1) − (q − 1) − 1
= φ(p)φ(q).

Lema 2.9 Seja G um grupo finito de ordem n. Se para cada divisor d de n


existir no máximo um subgrupo cíclico de G de ordem d, então G é um grupo
cíclico.

Prova. Para cada divisor d de n, seja

λ(d) = |{a ∈ G : |a| = d}|

o número de elementos de G de ordem d. Então, pelo Teorema de Lagrange,


λ(d) = 0, se d não divide n, ou λ(d) = φ(d), se d divide n. Assim, para cada
divisor d de n, temos que
λ(d) ≤ φ(d).
Como cada elemento de G tem a ordem completamente determinada por cada
divisor d de n temos, por hipótese, que
[
• X X
G = {a ∈ G : |a| = d} e n = |G| = λ(d) ≤ φ(d) = n.
d|n d|n d|n

Logo, X X
λ(d) = φ(d).
d|n d|n

Assim, λ(d) = φ(d), para cada divisor d de n, pois se λ(d) < φ(d), então
X X
λ(d) < φ(d),
d|n d|n

o que é impossível. Em particular,

λ(n) = φ(n) ≥ 1,

isto é, G contém pelo menos um elemento de ordem n. Portanto, G é um


grupo cíclico de ordem n. ¥
2.1. CLASSES LATERAIS 99

Proposição 2.10 (Teorema de Euler) Sejam a, n ∈ Z, com n > 1 e

mdc(a, n) = 1.

Então
aφ(n) ≡ 1 (mod n).

Prova. Já vimos que Z•n é um grupo multiplicativo finito. Como

mdc(a, n) = 1

temos que a ∈ Z•n . Logo, pelo Teorema de Lagrange, obtemos



aφ(n) = a|Zn | = 1.

Portanto, aφ(n) ≡ 1 (mod n). ¥

Observação 2.11 O Teorema de Euler pode ser usado para determinar o in-
verso módulo n de cada elemento a ∈ Z•n , pois

aφ(n) ≡ 1 (mod n) ⇔ a−1 ≡ aφ(n)−1 (mod n).

Corolário 2.12 (Teorema de Fermat) Sejam a, p ∈ Z, com p um número


primo. Então
ap ≡ a (mod p).

Prova. Fica como um exercício. ¥

Proposição 2.13 Sejam G um grupo e a ∈ G, com

|a| = mn e mdc(m, n) = 1.

Então existem únicos b, c ∈ G tais que

a = bc = cb, com |b| = m e |c| = n.


100 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Prova. (Existência) Como mdc(m, n) = 1 temos que existem r, s ∈ Z tais que


rm + sn = 1. Logo,

a = a1 = arm+sn = arm asn = asn arm .

Pondo b = asn e c = arm , obtemos a = cb = bc. Sendo mdc(s, m) = 1


(prove isto!) temos, pelo item (2) da Proposição 1.70, que |b| = m. De modo
inteiramente análogo prova-se que |c| = n.
(Unicidade) Suponhamos que a = xy = yx, com |x| = m e |y| = n. Então

bc = xy ⇔ x−1 b = yc−1 .

Logo,
ax = (xy)x = x(yx) = xa, ay = (yx)y = y(xy) = ya,
ab = ba e ac = ca. É fácil verificar que

bx = xb, by = yb, cx = xc e cy = yc.

Assim,

(x−1 b)m = x−m bm = e e (x−1 b)n = (yc−1 )n = y n c−n = e.

Portanto, x−1 b = e, pois mdc(m, n) = 1, b = x e c = y. ¥

Corolário 2.14 Sejam m, n ∈ N, com mdc(m, n) = 1. Então

φ(mn) = φ(m)φ(n).

Prova. Como Zmn = hai temos, pela Proposição 2.13, que existem únicos
b, c ∈ Zmn tais que

a = bc, com |b| = m e |c| = n.

Logo, a função σ : Zmn → Zm ×Zn definida por σ(a) = (b, c) é bijetora. Assim,
é fácil verificar que a restrição de σ a Z•mn ,

b : Z•mn → Z•m × Z•n ,


σ
2.1. CLASSES LATERAIS 101

é bijetora. Portanto,

φ(mn) = |Z•mn | = |Z•m × Z•n | = |Z•m | |Z•n | = φ(m)φ(n),

que é o resultado desejado. ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Mostre que se S é um


subconjunto não vazio de G, então SH = H se, e somente se, S ⊆ H.

2. Seja G um grupo finito. Mostre que a ordem de qualquer elemento de G


divide a ordem de G.

3. Seja G um grupo finito de ordem prima. Mostre que G é um grupo


cíclico.

4. Seja G um grupo finito.

(a) Mostre que o número de elementos a ∈ G tal que a2 6= e é par.


(b) Mostre que se a ordem de G é um número par, então existe a ∈ G,
com a 6= e, tal que a2 = e.
(c) Mostre que se a ordem de G é um número par, então existe pelo
menos um a ∈ G tal que a 6= b2 , para algum b ∈ G.
(d) Mostre que para qualquer a ∈ G existe x ∈ G tal que x2 = a se, e
somente se, a ordem G é um número ímpar.

5. Sejam G um grupo e S um conjunto qualquer. Mostre que se σ : G → S


é uma função sobrejetora tal que σ(ab) = σ(a)σ(b), para quaisquer a, b ∈
G, então S é um grupo.
102 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

6. Sejam G um grupo, H um subgrupo de G e α ⊆ G Mostre que α é uma


transversal de H em G se, e somente se, G = αH e ab−1 ∈
/ H, para todos
a, b ∈ α, com a 6= b. Conclua que a função ϕ : α × H → G definida por
ϕ(a, h) = ah é bijetora.

7. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G tais que G = HK e H ∩ K =


{e}. Mostre que K é uma transversal de H em G. Neste caso, dizemos
que K é o complementar de H em G.

8. (Identidade de Dedekind) Sejam G um grupo e H, K subgrupos de


G tais que G = HK. Mostre que se L é qualquer subgrupo de G tal que
H ⊆ L ⊆ G, então
L = H(K ∩ L).

9. Sejam G um grupo finito e H subgrupo não trivial de G tal que H a ∩H =


{e}, para todo a ∈ G − H. Mostre que
¯ ¯
¯[ ¯ 1
¯ a¯
¯ H ¯ ≥ |G| + 1.
¯ ¯ 2
a∈G

Conclua que se H é um subgrupo próprio de G, então


[
H a 6= G.
a∈G

10. Sejam G um grupo e {Hi : i ∈ I} uma família indexada de subgrupos de


G. Mostre que à !
\ \
Hi a = Hi a, ∀ a ∈ G.
i∈I i∈I

11. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G tal que [G : H] = 2. Mostre


que aH = Ha, para todo a ∈ G.

12. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G, com |H| = p e p um número


primo. Mostre que H ∩ K = {e} ou H é um subgrupo de K.

13. Dê um exemplo de um grupo não abeliano, no qual todos os subgrupos


próprios são cíclicos.
2.1. CLASSES LATERAIS 103

14. Seja G um grupo finito de ordem n > 2. Mostre que G não possui
subgrupo H, com |H| = n − 1.

15. Seja G um grupo finito com a seguinte propriedade: Para quaisquer dois
subgrupos H e K de G têm-se H ⊆ K ou K ⊆ H. Mostre que G é um
grupo cíclico cuja ordem é uma potência de algum número primo.

16. Mostre que um grupo de ordem 30 pode ter no máximo 7 subgrupos de


ordem 5.

17. Sejam G um grupo finito de ordem n e k ∈ Z∗ . Mostre que para cada


b ∈ G existe a ∈ G tal que b = ak se, e somente se, mdc(n, k) = 1.

18. Mostre que se n ∈ N e n = pr11 pr22 · · · prkk é sua fatoração em fatores primos
distintos com ri > 0, então
Yk µ ¶
1
φ(n) = n 1− = pr11 −1 · · · prkk −1 (p1 − 1) · · · (pk − 1).
i=1
pi

19. Sejam G um grupo e H, K subgrupos finitos de G.

(a) Para (a, b), (c, d) ∈ H × K, definimos

(a, b) ∼ (c, d) ⇔ ab = cd.

Mostre que ∼ é uma relação de equivalência sobre H × K.


(b) Mostre que |HK| é o número de classes de equivalência em H × K.
(c) Mostre que
¯ ¯
¯ ¯
|H ∩ K| = ¯(a, b)¯ = |{(c, d) ∈ H × K : ab = cd}|

(d) Conclua que


|H| |K|
|HK| = .
|H ∩ K|

20. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G.

(a) Mostre que [HK : H] = [K : H ∩ K].


104 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

(b) Mostre que se H e K são finitos, então


|H| |K|
|HK| = .
|H ∩ K|

21. Sejam G um grupo finito e H, K subgrupos de G. Mostre que se


p p
|H| > |G| e |K| > |G|,

então H ∩ K 6= {e}.

22. Seja G um grupo de ordem pq, com p, q números primos e p < q. Mostre
que G contém no máximo um subgrupo de ordem q.

23. Seja G um grupo de ordem pk m, com p um número primo e mdc(p, m) =


1. Mostre que se H é um subgrupo de G de ordem pk e K é um subgrupo
de G de ordem pd , com 0 < d ≤ k e K 6⊂ H, então HK não é um
subgrupo de G.

24. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G. Mostre que

[H : (H ∩ K)] ≤ [G : K].

Conclua que se [G : K] é finito, então

[H : (H ∩ K)] = [G : K] ⇔ G = HK.

25. (Teorema de Poincaré) A interseção de um número finito de subgrupos


de índice finito é de índice finito.

26. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G tais que [G : H] = m e


[G : K] = n. Mostre que

mmc(m, n) ≤ [G : (H ∩ K)] ≤ mn.

Conclua que se mdc(m, n) = 1, então

[G : (H ∩ K)] = [G : H][G : K].

Neste caso, G = HK.


2.1. CLASSES LATERAIS 105

27. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G. Mostre que

[K : (H ∩ K)] ≤ [H ∨ K : H)].

Conclua que um grupo de ordem 6 possui no máximo um subgrupo de


ordem 3.

28. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G, com |H| = m e |K| = n.

(a) Mostre que se mdc(m, n) = 1, então H ∩ K = {e}.


(b) Mostre que se |G| = mn e mdc(m, n) = 1, então G = HK.

29. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G. Mostre que se

H ∩ K = {e}, H ⊆ NG (K) e K ⊆ NG (H),

então hk = kh, para todo h ∈ H e k ∈ K.

30. Sejam G um grupo e {Hi : i ∈ I} uma família indexada de subgrupos de


G. Mostre que
Y \
[G : K] ≤ [G : Hi ], com K = Hi .
i∈I i∈I

31. Seja G um grupo.

(a) Se {Hn : n ∈ N} é uma cadeia de subgrupos de G tal que Hn+1 ⊆


Hn , para todo n ∈ N. Mostre que
Y \
[G : K] ≤ [Hn : Hn+1 ], com K = Hn .
n∈N n∈N

(b) (Problema em Aberto) O item (a) continua válido se a sequência


{Hn : n ∈ N} for substituída por uma família indexada {Hi : i ∈ I},
com I um conjunto totalmente ordenado?

32. Sejam G um grupo, H, K subgrupos de G e a, b ∈ G.

(a) Mostre que HaK = HbK ou HaK ∩ HbK = ∅.


106 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

(b) Mostre que


[

G= HaK.
a∈G

(c) Mostre que


−1
[HaK : H] = [K : H a ∩ K] e [HaK : K] = [H : H ∩ K a ].

2.2 Homomorfismos
Sejam G e H grupos. Uma função σ : G → H é um homomorfismo de
grupos se
σ(ab) = σ(a)σ(b), ∀ a, b ∈ G.
Intuitivamente, um homomorfismo de grupos σ de G em H é uma função que
preserva as operações dos grupos. O conjunto de todos os homomorfismos de
G em H será denotado por

Hom (G, H) = {σ : G −→ H : σ é um homomorfismo de grupos}.

Note que o conjunto Hom (G, H) é sempre não vazio, pois ele contém o homo-
morfismo σ : G −→ H definido por σ(a) = e, para todo a ∈ G, chamado de
homomorfismo nulo.
Seja σ : G −→ H um homomorfismo de grupos. Dizemos que σ é um
monomorfismo (uma imersão) se σ é injetora e que σ é um epimorfismo (uma
submersão) se σ é sobrejetora. Dizemos que σ é um isomorfismo (é casado) se
σ é bijetora. Quando existir um isomorfismo entre G e H, dizemos que G e H
são isomorfos e será denotado por G ' H. Intuitivamente, um isomorfismo σ
de G sobre H é uma regra que consiste em renomear os elementos de G, isto
é, o nome do elemento sendo σ(a) ao invés de a ∈ G.
Um endomorfismo de um grupo G é um homomorfismo de grupos

σ : G −→ G.

O conjunto de todos os endomorfismos de G será denotado por

End (G) = {σ : G −→ G : σ é um homomorfismo}.


2.2. HOMOMORFISMOS 107

Note que o conjunto End (G) contém o homomorfismo I : G −→ G definido


por I(a) = a, para todo a ∈ G, chamado de endomorfismo identidade.
Um automorfismo de um grupo G é um isomorfismo σ : G −→ G. O
conjunto de todos os automorfismo de G será denotado por

Aut (G) = {σ : G −→ G : σ é um isomorfismo}.

Observação 2.15 Se G = C∗ é o grupo multiplicativo dos números complexos


e n ∈ Z fixado, com n > 1, então a função σn : G → G definida por σn (z) = z n
é um endomorfismo sobrejetor, mas não é um automorfismo.

Proposição 2.16 Sejam G e H grupos. Então:

1. O conjunto End (G) munido com a operação usual de composição de


funções é um monoide.

2. O conjunto Aut (G) munido com a operação usual de composição de


funções é um subgrupo de P (G). Em particular,

Aut (G) = End (G) ∩ P (G) .

3. Se σ ∈ Hom (G, H), então σ(eG ) = eH e σ(a−1 ) = σ(a)−1 , para todo


a ∈ G.

Prova. Vamos provar apenas o item (2). É claro que I ∈ Aut (G). Sejam
σ, τ ∈ Aut (G). Então σ ◦ τ ∈ P (G) e

(σ ◦ τ )(ab) = σ(τ (ab))


= σ(τ (a)τ (b))
= σ(τ (a))σ(τ (b))
= (σ ◦ τ )(a)(σ ◦ τ )(b), ∀ a, b ∈ G.

Assim, σ ◦ τ ∈ Aut (G).


Finalmente, se σ ∈ Aut (G), então σ −1 ∈ P (G). Assim, dados c, d ∈ G,
existem únicos a, b ∈ G tais que

c = σ(a) ⇔ a = σ−1 (c) e d = σ(b) ⇔ b = σ −1 (d).


108 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Como σ(ab) = σ(a)σ(b) = cd temos que

σ −1 (cd) = σ −1 (σ(ab))
= ab
= σ −1 (c)σ −1 (d).

Logo, σ −1 ∈ Aut (G). Portanto, Aut (G) é um subgrupo de P (G). ¥

Observação 2.17 Seja G = hSi, com S = {ai : ai ∈ G e i ∈ I}. Então cada


σ ∈ End (G) é completamente determinado por σ(ai ), para todo i ∈ I. Em
particular, G = hσ(S)i, para todo σ ∈ Aut (G).

Exemplo 2.18 Sejam G um grupo e a ∈ G fixado. Mostre que existe um


único homomorfismo de grupos σ : Z → G tal que σ(1) = a. Em particular, se
G é grupo abeliano, então Hom (Z, G) é isomorfo a G.

Solução. É claro que a função σ : Z → G definida por σ(n) = an é homomor-


fismo de grupos com σ(1) = a.
Reciprocamente, seja σ : Z → G qualquer homomorfismo de grupos. Então

σ(0) = e e σ(n + 1) = σ(n)σ(1), ∀ n ∈ Z.

Além disso, σ(−k) = σ(k)−1 , para todo k ∈ Z. Agora, suponhamos que


σ(1) = a. Então, indutivamente, obtemos σ(n) = an , para todo n ∈ Z.
Finalmente, é fácil verificar que Hom (Z, G) munido com a operação binária
σ + τ definida por

(σ + τ )(n) = σ(n)τ (n), ∀ n ∈ Z,

é um grupo abeliano.
Agora, a função f : Hom (Z, G) → G definida por f (σ) = σ(1) é um
isomorfismo, pois dados σ, τ ∈ Hom (Z, G), obtemos

f (σ + τ ) = (σ + τ )(1) = σ(1)τ (1) = f (σ)f (τ ).

Assim, f é um homomorfismo de grupos. ¥


2.2. HOMOMORFISMOS 109

Exemplo 2.19 Sejam n ∈ Z fixado e σn : Z −→ Z a função definida por


σn (a) = na, para todo a ∈ Z.

1. Mostre que σn ∈ End (Z).

2. Mostre que se σ ∈ End (Z), então existe um único n ∈ Z tal que σ = σ n .

3. Mostre que End (Z) é isomorfo a Z.

4. Mostre que σn ∈ Aut (Z) se, e somente se, n ∈ {−1, 1}. Conclua que
Aut (Z) é isomorfo a Z2 .

Solução. Note que os itens (1), (2) e (3) são consequências do Exemplo 2.18,
com G = Z. Para provar o item (4). Suponhamos que σn ∈ Aut (Z). Então
é fácil verificar que Z = hσn (1)i = hni. Portanto, n ∈ {−1, 1}. A recíproca é
clara.
Finalmente, a função ϕ : {−1, 1} → Aut (Z) definida por ϕ(n) = σ n tem
as propriedades desejadas. ¥

Exemplo 2.20 A função σ : Z −→ Zn definida por σ(a) = a, para todo


a ∈ Z, é um epimorfismo (prove isto!).

Exemplo 2.21 A função σ : GLn (R) −→ R∗ definida por σ(A) = det(A),


para todo A ∈ GLn (R), é um epimorfismo (prove isto!).

Exemplo 2.22 Sejam G um grupo qualquer, a ∈ G fixado e κa : G −→ G a


função definida por κa (x) = axa−1 , para todo x ∈ G.

1. Mostre que κa ∈ Aut (G), chamado de automorfismo interno de G e os


automorfismos σ de Aut (G), com σ 6= κa , são chamados de automorfis-
mos externos de G.

2. Mostre que se
Inn (G) = {κa ∈ Aut (G) : a ∈ G},
então Inn (G) é um subgrupo de Aut (G).

3. Mostre que σ ◦ κa ◦ σ −1 ∈ Inn (G), para todo σ ∈ Aut (G).


110 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Solução. Vamos provar apenas os itens (1) e (3): (1) Dados x, y ∈ G, obtemos

κa (xy) = axya−1 = (axa−1 )(aya−1 ) = κa (x)κa (y).

Logo, κa é um endomorfismo. Como

κa (x) = κa (y) ⇒ axa−1 = aya−1 ⇒ x = y

temos que κa é um monomorfismo.


Finalmente, dado y ∈ G, devemos encontrar x ∈ G tal que κa (x) = y.
Logo, existe x = a−1 ya ∈ G tal que
¡ ¢
κa (x) = axa−1 = a a−1 ya a−1 = y.

Portanto, κa é um epimorfismo.
(3) Como

(σ ◦ κa ◦ σ −1 )(x) = (σ ◦ κa )(σ −1 (x))


= σ(aσ −1 (x)a−1 )
= σ(a)xσ(a)−1
= κσ(a) (x), ∀ x ∈ G,

temos que σ◦κa ◦σ −1 = κσ(a) ∈ Inn (G), para todo σ ∈ Aut (G), pois σ(a) ∈ G,
para todo a ∈ G. ¥

Seja σ : G −→ H um homomorfismo de grupos. A imagem de σ é o


conjunto

Im σ = {h ∈ H : h = σ(a), para algum a ∈ G}


= {σ(a) : a ∈ G}
= σ(G).

O núcleo de σ é o conjunto

ker σ = {a ∈ G : σ(a) = eH } = σ −1 (eH ).

Se L é um subconjunto de H, então a imagem inversa (ou pullback) de L é o


conjunto
σ −1 (L) = {a ∈ G : σ(a) ∈ L}.
2.2. HOMOMORFISMOS 111

Proposição 2.23 Sejam G, H grupos e σ ∈ Hom (G, H). Então:

1. Im σ é um subgrupo de H.

2. ker σ é um subgrupo de G. Em particular, aNa−1 ⊆ N, para todo a ∈ G,


com N = ker σ.

3. Para quaisquer a, b ∈ G, σ(a) = σ(b) se, e somente se, a−1 b ∈ ker σ.

4. σ é um monomorfismo se, e somente se, ker σ = {e}.

5. σ é um epimorfismo se, e somente se, Im σ = H. Neste caso, dizemos


que H é a imagem homomórfica de G.

6. σ é um isomorfismo se, e somente se, existir σ −1 ∈ Hom (H, G) tal que


σ−1 ◦ σ = IG e σ ◦ σ −1 = IH se, e somente se, ker σ = {e} e Im σ = H.

Prova. Vamos provar apenas o item (2). É claro que eG ∈ ker σ. Dados
a, b ∈ ker σ, obtemos

σ(ab−1 ) = σ(a)σ(b−1 ) = σ(a)σ(b)−1 = eH e−1


H = eH .

Logo, ab−1 ∈ ker σ. Portanto, ker σ é um subgrupo de G.


Finalmente, se y ∈ aNa−1 , então existe x ∈ N tal que y = axa−1 . Logo,

σ(y) = σ(axa−1 )
= σ(a)σ(x)σ(a)−1
= σ(a)eH σ(a)−1
= σ(a)σ(a)−1 = eH .

Assim, y ∈ N. Portanto, aNa−1 ⊆ N, para todo a ∈ G. ¥

Exemplo 2.24 Sejam G1 e G2 grupos. Então existem quatros homomorfismos


de grupos:
π i : G1 × G2 → Gi e λi : Gi → G1 × G2
definidos por π i (a1 , a2 ) = ai , λ1 (a1 ) = (a1 , e2 ) e λ2 (a2 ) = (e1 , a2 ), com π i
epimorfismos e λi monomorfismos, i = 1, 2 (prove isto!).
112 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Exemplo 2.25 Sejam n ∈ N fixado e Un = {z ∈ C∗ : z n = 1}. Mostre que Un


é isomorfo a Zn . Conclua que Um é um subgrupo de Un se, e somente se, m
divide n.

Solução. Seja z ∈ Un . Então |z|n = |z n | = |1| = 1 e |z| = 1. Logo,

z = eiθ = cos θ + i sen θ, para algum θ ∈ [0, 2π].

Assim, substituindo z = eiθ em z n = 1, obtemos einθ = 1. Portanto, nθ é um


múltiplo de 2π, ou seja,
2πk
θ= ,
n
¡ ¢
para algum k ∈ Z. Pondo ω = exp 2π n
i , obtemos
µ ¶
k 2kπ
ω = exp i e Un = hωi = {1, ω, . . . , ω n−1 },
n
pois se k > n, então, pelo Algoritmo da Divisão,

ω k = ω qn+r = (ωn )q ω r = 1q ω r = ω r ,

com 0 ≤ r < n. Um gerador do grupo cíclico Un é chamado de raiz n-ésima


primitiva da unidade. Seja σ : Zn → Un a função definida por σ(k) = ω k .
Então é fácil verificar que σ é um isomorfismo. ¥

Exemplo 2.26 Sejam p um número primo e

C0 = {0} ⊆ C1 ⊆ C2 ⊆ · · · ⊆ Cn ⊆ · · ·

uma cadeia de grupos cíclicos de ordem pn , para cada n ∈ Z+ . Mostre que se


[
G= Cn ,
n∈Z+

então G é isomorfo a Z(p∞ ).

Solução. Vamos provar primeiro que: podemos escolher elementos an tais que
Cn = han i e pan+1 = an , para cada n ∈ Z+ . Suponhamos, como hipótese de
indução, que escolhemos a0 , a1 , . . . , an tais que pai+1 = ai , i = 0, . . . , n − 1 e
2.2. HOMOMORFISMOS 113

Ci = hai i, i = 0, . . . , n. Seja Cn+1 = hai. Então H = hpai é um grupo cíclico


de ordem pn , pois
pn (pa) = pn+1 a = 0.

Assim, pelo item (3) da Proposição 1.70, H = Cn . Logo, pelo item (2) da
Proposição 1.70, an = r(pa), para algum r ∈ Z, com mdc(p, r) = 1. Como
|an | = pn temos que Cn+1 = hrai. Pondo an+1 = ra, obtemos pan+1 = an .
Portanto, é possível escolher elementos a0 , a1 , . . . , an , . . . tais que Cn = han i e
pan+1 = an , para cada n ∈ Z+ . Seja σ : G → Z(p∞ ) a função definida por
x
σ(xan ) = + Z, ∀ x ∈ Z.
pn

Então σ está bem definida, pois dados xam , yan ∈ G, com m ≤ n, obtemos
pn−m an = am . Logo,

xam = yan ⇒ (y − xpn−m )an = 0.

Assim, y − xpn−m = kpn , para algum k ∈ Z, pois |an | = pn . Portanto,

y xpn−m + kpn x
+ Z = + Z = + Z ⇒ σ(xam ) = σ(yan ).
pn pn pm

Agora, vamos provar que σ é um homomorfismo de grupos. Dados a, b ∈ G,


existe n ∈ Z+ tal que a, b ∈ Cn . Logo, existem x, y ∈ Z tais que a = xan e
b = yan . Assim,

σ(a + b) = σ(xan + yan )


= σ((x + y)an )
x+y
= +Z
pn
µ ¶ µ ¶
x y
= +Z + n +Z
pn p
= σ(a) + σ(b).

Portanto, σ é um homomorfismo de grupos. É claro que σ é um epimorfismo


(prove isto!).
114 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Finalmente,

a ∈ ker σ ⇔ σ(a) = Z
⇔ ∃ x ∈ Z e n ∈ Z+ , tais que σ(xan ) = Z
x
⇔ n + Z = Z.
p

Logo, pn é um divisor de x. Portanto, a = xan = 0, isto é, ker σ = {0} e σ é


um monomorfismo. ¥

Teorema 2.27 (Teorema de Cayley) Qualquer grupo G é isomorfo a um


subgrupo do grupo das permutações P (G).

Prova. Para um a ∈ G fixado temos, pelo Exercício 3 da Seção 1.3, que


La ∈ P (G) e que Gl = {La : a ∈ G} é um subgrupo de P (G). Seja L :
G → Gl a função definida por L(a) = La . Então L está bem definida e é um
homomorfismo de grupos, pois dados a, b ∈ G, obtemos

Lab (x) = (ab)x = a(bx) = La (bx) = La (Lb (x)) = (La ◦ Lb )(x), ∀ x ∈ G,

isto é, Lab = La ◦ Lb . Logo,

L(ab) = Lab = La ◦ Lb = L(a) ◦ L(b).

Agora, é fácil verificar que L é bijetora. ¥

Teorema 2.28 Seja G um loop. Se Gl = {La : a ∈ G} é um subgrupo de


P (G), então G é um grupo.

Prova. Basta provar que a operação binária é associativa. Dados a, b, c ∈ G.


Primeiro note que

(La ◦ Lb )(e) = La (b) = ab e Lab (e) = ab.

Assim, por hipótese, Lab = La ◦ Lb . Logo,

Lab (c) = (La ◦ Lb )(c) ⇒ (ab)c = a(bc).


2.2. HOMOMORFISMOS 115

Portanto, G é um grupo. ¥

Note que o isomorfismo L do Teorema de Cayley pode ser visualizado ex-


plicitamente quando G é um grupo finito, pois se

G = {x1 , x2 , . . . , xn },

então à ! à !
x1 x2 · · · xn x
La = = , ∀ a ∈ G.
ax1 ax2 · · · axn La (x)
É importante observar que se a = xi , então

xi x1 , xi x2 , . . . , x2i , . . . , xi xn

é a i-ésima linha da Tabela de Cayley de G e que qualquer homomorfismo do


grupo G no grupo de simetrias Sn (P (G)) chama-se uma representação por
permutação de G.

Exemplo 2.29 Seja G = hai um grupo cíclico de ordem 4. Determine o


subgrupo
Gl = {Lx : x ∈ G}
de P (G) ' S4 .

Solução. Vamos identificar os elementos de G com os inteiros 1, 2, 3 e 4,


respectivamente. Então Le = I e

La (e) = ae = a ⇔ La (1) = 2
La (a) = aa = a2 ⇔ La (2) = 3
La (a2 ) = aa2 = a3 ⇔ La (3) = 4
La (a3 ) = aa3 = e ⇔ La (4) = 1.

Logo,
à ! à !
e a a2 a3 1 2 3 4
La = = .
La (e) La (a) La (a2 ) La (a3 ) 2 3 4 1
116 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

De modo inteiramente análogo, obtemos


à ! à !
1 2 3 4 1 2 3 4
La2 = = L2a e La3 = = L3a .
3 4 1 2 4 3 2 1

Portanto, o isomorfismo L de G sobre Gl é definido por L(e) = Le , L(a) = La ,


L(a2 ) = La2 e L(a3 ) = La3 . ¥

Exemplo 2.30 Seja G = {e, a, b, c} o grupo de Klein. Determine o subgrupo

Gl = {Lx : x ∈ G}

de P (G) ' S4 .

Solução. Vamos identificar os elementos de G com os inteiros 1, 2, 3 e 4,


respectivamente. Então Le = I e

La (e) = ae = a ⇔ La (1) = 2
La (a) = aa = e ⇔ La (2) = 1
La (b) = ab = c ⇔ La (3) = 4
La (c) = ac = b ⇔ La (4) = 3.

Logo,
à ! à !
e a b c 1 2 3 4
La = = .
La (e) La (a) La (b) La (c) 2 1 4 3

De modo inteiramente análogo, obtemos


à ! à !
1 2 3 4 1 2 3 4
Lb = e Lc = = Lb ◦ La .
3 4 1 2 4 3 2 1

Portanto, o isomorfismo L de G sobre Gl é definido por L(e) = Le , L(a) = La ,


L(b) = Lb e L(c) = Lc . ¥

Proposição 2.31 Seja G = hai um grupo cíclico de ordem n. Para um k ∈ Z


fixado, consideremos o endomorfismo σk : G → G definido por σ k (a) = ak .
2.2. HOMOMORFISMOS 117

1. σ k = σ m se, e somente se, m ≡ k (mod n).

2. Se σ ∈ End (G), então existe um único k ∈ {0, 1, . . . , n − 1} tal que


σ = σk .

3. Se d = mdc(m, n), então ker σ m = ker σ d e Im σ m = Im σ d .

4. σ k ∈ Aut (G) se, e somente se, mdc(n, k) = 1.

5. Se σ ∈ Aut(G), então σ = σk , com mdc(n, k) = 1.

6. A função ϕ : U(Zn ) → Aut(G) definida por ϕ(k) = σ k é um isomorfismo.


Neste caso, Aut(G) é um grupo cíclico de ordem φ(n).

7. σ(H) = H, para todo subgrupo H de G e σ ∈ Aut (G).

8. Se H é um subgrupo de G e σH = σ|H , para todo σ ∈ Aut (G), então a


função ϕ : Aut(G) → Aut(H) definida por ϕ(σ) = σ H é um homomor-
fismo de grupos.

Prova. Vamos provar apenas os itens (4) e (8): (4) Suponhamos que σk ∈
Aut (G). Então
¯ ¯
n = |a| = |σ k (a)| = ¯ak ¯ .

Seja d = mdc(n, k). Então


¡ k ¢ nd k k n
a = (an ) d = e d = e ⇒ n divide ⇒ d = 1.
d
Logo, mdc(n, k) = 1.
Reciprocamente, suponhamos que mdc(n, k) = 1, então existem r, s ∈ Z
tais que
rn + sk = 1.

Assim,
b = b1 = brn+sk = (bk )s , ∀ b ∈ G.

Logo,
b ∈ ker σ k ⇒ σ k (b) = e ⇒ bk = e ⇒ b = (bk )s = es = e,
118 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

isto é, σ k é injetora. Dado b ∈ G, existe c = bs ∈ G tal que σ k (c) = b, isto é,


σ k é sobrejetora. É claro que σ k é um homomorfismo de grupos.
(8) Dados σ, τ ∈ Aut (G), obtemos

(σ ◦ τ )H (x) = ((σ ◦ τ )|H )(x) = (σ ◦ τ )(x)


= σ(τ (x)) = σ|H (τ |H (x))
= (σ|H ◦ τ |H )(x)
= (σ H ◦ σ H )(x), ∀ x ∈ H.

Logo, (σ ◦ τ )H = σ H ◦ σ H e

ϕ(σ ◦ τ ) = (σ ◦ τ )H = σ H ◦ σ H = ϕ(σ) ◦ ϕ(τ ).

Portanto, ϕ é homomorfismo de grupos. ¥

Proposição 2.32 (Teorema do Transporte) Sejam S um conjunto não


vazio qualquer, G um grupo qualquer e σ : S → G uma função bijetora qual-
quer. Para quaisquer x, y ∈ S, definimos

x ∗ y = σ −1 (σ(x)σ(y)).

Então:

1. S munido com a operação binária ∗ é um grupo.

2. ∗ é a única operação binária sobre S tal que σ é um isomorfismo de S


sobre G.

Prova. (1) Dados x, y, z ∈ S, obtemos

x ∗ (y ∗ z) = σ −1 (σ(x)σ(y ∗ z))
= σ −1 (σ(x)σ[σ −1 (σ(y)σ(z))])
= σ −1 (σ(x)[σ(y)σ(z)])
= σ −1 ([(σ(x)σ(y))]σ(z))
= σ−1 (σ[σ−1 (σ(x)σ(y))]σ(z))
= σ−1 (σ(x ∗ y)σ(z))
= (x ∗ y) ∗ z.
2.2. HOMOMORFISMOS 119

Logo,
x ∗ (y ∗ z) = (x ∗ y) ∗ z,

ou seja, ∗ é associativa sobre S. Agora, dado x ∈ S, devemos encontrar y ∈ S


tal que
x ∗ y = y ∗ x = x.

Assim,

x = x ∗ y = σ −1 (σ(x)σ(y)) ⇒ σ(x)σ(y) = σ(x) ⇒ σ(y) = eG .

Logo, y = σ −1 (eG ) ∈ S é o elemento identidade de S.


Finalmente, dado x ∈ S, devemos encontrar y ∈ S tal que

x ∗ y = y ∗ x = σ −1 (eG ).

Neste caso,

σ −1 (eG ) = x ∗ y = σ −1 (σ(x)σ(y)) ⇒ σ(x)σ(y) = eG .

Portanto, y = σ(x)−1 ∈ S é o elemento inverso de cada x ∈ S. Consequente-


mente, (S, ∗) grupo.
(2) Suponhamos que exista outra operação binária · sobre S tal que σ seja
um isomorfismo de S sobre G. Então

σ −1 (σ(x)σ(y)) = σ −1 (σ(x)) · σ −1 (σ(y))


= (σ −1 ◦ σ)(x) · (σ −1 ◦ σ)(y)
= x · y.

Portanto, · = ∗. Agora, dados x, y ∈ S, obtemos

σ(x ∗ y) = σ(σ −1 (σ(x)σ(y))) = (σ ◦ σ −1 )(σ(x)σ(y)) = σ(x)σ(y).

Portanto, σ é um homomorfismo de grupos. ¥

Exemplo 2.33 Defina uma operação binária sobre S = R − {−1}, de modo


que S seja isomorfo ao grupo multiplicativo dos números reais R∗ .
120 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Solução. É fácil verificar que a função σ : S → R∗ definida por σ(x) = x + 1


é bijetora, com σ −1 (x) = x − 1. Assim, pelo Teorema do Transporte, a função
∗ : S × S → S definida por
x ∗ y = σ −1 (σ(x)σ(y))
= σ −1 ((x + 1)(y + 1))
= σ −1 (xy + x + y + 1)
= xy + x + y
é uma operação binária sobre S tal que σ é um isomorfismo de S sobre R∗ . ¥
Exemplo 2.34 Defina uma operação binária sobre
S 3 = {(a, b, c, d) ∈ R4 : a2 + b2 + c2 + d2 = 1},
de modo que S 3 seja isomorfo ao grupo das unidades do grupo dos quatérnios
G = Q∗8 = {z + wj : z, w ∈ C},
munido com a operação binária
(z1 + w1 j) · (z2 + w2 j) = (z1 z2 − w1 w2 ) + (z1 w2 + z2 w1 )j.
Solução. É fácil verificar que
U = U(G) = {z + wj ∈ G : |z|2 + |w|2 = 1}
é um subgrupo de G. Como a função σ : S 3 → U definida por
σ(a, b, c, d) = (a + bi) + (c + di)j
é claramente bijetora temos, pelo Teorema do Transporte, que a função
∗ : S3 × S3 → S3
definida por
(a1 , b1 , c1 , d1 ) ∗ (a2 , b2 , c2 , d2 ) = σ −1 (σ(a1 , b1 , c1 , d1 )σ(a2 , b2 , c2 , d2 ))
= (a1 a2 − b1 b2 , a1 b2 + a2 b1 ,
c1 c2 − d1 d2 , c1 d2 + c2 d1 )
é uma operação binária sobre S 3 tal que σ é um isomorfismo de S 3 sobre o
grupo U . ¥
2.2. HOMOMORFISMOS 121

Proposição 2.35 (Teorema da Imersão) Sejam S um conjunto não vazio


qualquer e G um grupo qualquer. Então para cada função injetora ϕ : S → G
existe um grupo H contendo S e um isomorfismo ψ de H sobre G tal que
ψ|S = ϕ.

Prova. Existe um conjunto infinito T tal que |T | > |G|, pois se G for finito,
tome T = Z e se G for infinito, tome T = 2G . Como |S| = |ϕ(S)| ≤ |G| temos
que |G − ϕ(S)| < |T − S|, pois
• •
G = ϕ(S) ∪ (G − ϕ(S)) e T = S ∪ (T − S).

Logo, existe uma função injetora σ de G − ϕ(S) em T − S. Seja



H = S ∪ (σ(G − ϕ(S))) .

Então a função ψ : H → G definida por


(
ϕ(x), se x ∈ S
ψ(x) = −1
σ (x), se x ∈ H − S

é bijetora e ψ|S = ϕ (prove isto!). Portanto, pelo Teorema do Transporte, a


função ∗ : H × H → H definida por x ∗ y = ψ−1 (ψ(x)ψ(y)) é uma operação
binária sobre H tal que ψ é um isomorfismo de H sobre G. ¥
122 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

EXERCÍCIOS

1. Seja σ : G → H um homomorfismo de grupos. Mostre que σ(an ) =


σ(a)n , para todo n ∈ Z.

2. Seja σ : G → H um homomorfismo de grupos. Mostre que σ−1 (L) é


um subgrupo de G, para todo subgrupo L de H. Conclua que ker σ ⊆
σ −1 (L).

3. Seja σ : G → H um homomorfismo de grupos.

(a) Mostre que se N e K são subgrupos de G, então N ⊆ σ−1 (σ(N)),

σ(N ∩ K) ⊆ σ(N) ∩ σ(K) e σ(N ∨ K) = σ(N) ∨ σ(K).

(b) Mostre que se L e M são subgrupos de H, então σ(σ−1 (L)) ⊆ L,

σ −1 (L ∩ M) = σ −1 (L) ∩ σ −1 (M)

e
σ −1 (L) ∨ σ −1 (M) ⊆ σ −1 (L ∨ M).

4. Seja G um grupo. Mostre que as seguintes condições são equivalentes:

(a) G é um grupo abeliano;


(b) A função σ : G → G definida por σ(a) = a−1 é um homomorfismo
de grupos;
(c) A função σ : G → G definida por σ(a) = a2 é um homomorfismo
de grupos;
(d) A função σ : G × G → G definida por σ(a, b) = ab é um homomor-
fismo de grupos.
2.2. HOMOMORFISMOS 123

5. Seja G um grupo com |G| ≥ 3 e a2 6= e, para algum a ∈ G. Mostre que


|Aut G| ≥ 2.

6. Seja G um grupo finitamente gerado. Mostre que qualquer imagem ho-


momórfica de G é finitamente gerada.

7. Seja σ : G → H um isomorfismo de grupos.

(a) Mostre que |G| = |H|.


(b) Mostre que G é grupo abeliano se, e somente se, H é um grupo
abeliano.
(c) Mostre que |a| = |σ(a)|, para cada a ∈ G.

Mostre, com um exemplo, que o item (c) é falso se σ não for um isomor-
fismo.

8. Sejam G e H grupos finitos, com |G| e |H| relativamente primos. Mostre


que o único homomorfismo de grupos σ : G → H é o homomorfismo
nulo.

9. Seja σ : G → H um epimorfismo de grupos.

(a) Mostre que se G é um grupo cíclico, então H também o é.


(b) Mostre que se G é um grupo abeliano, então H também o é.

10. Sejam G e H grupos isomorfos. Mostre que Aut (G) e Aut (H) são grupos
isomorfos.

11. Mostre que a função σ : R → C∗ definida por σ(x) = eix é um homomor-


fismo de grupos. Determine seu núcleo e sua imagem.

12. Mostre que a função σ : C∗ → R∗ definida por σ(z) = |z| é um homo-


morfismo de grupos. Determine seu núcleo e sua imagem.

13. Mostre que os grupos multiplicativos R∗ e C∗ não são isomorfos.

14. Mostre que os grupos aditivos Q e R não são isomorfos.


124 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

15. Mostre que os grupos aditivos Z e Q não são isomorfos.

16. Mostre que os grupos D4 e Q8 não são isomorfos.

17. Mostre que os grupos D12 e S4 não são isomorfos.

18. Sejam S e T conjuntos não vazios quaisquer. Mostre que se |S| = |T |,


então os grupos P (S) e P (T ) são isomorfos.

19. Determine todos os endomorfismos (automorfismos) do grupo aditivo dos


números racionais Q. (Confira o Exemplo 2.19.)

20. Determine todos os endomorfismos (automorfismos) do grupo aditivo


Z × Z.

21. Sejam m, n ∈ N fixados e a função σ : Z × Z → Z definida por σ(x, y) =


mx + ny, para todo (x, y) ∈ Z × Z. Mostre que se d = mdc(m, n), então
Dn mE n ³n m´ o
Im σ = dZ e ker σ = ,− = k ,− :k∈Z .
d d d d

22. Seja σ : G → H um homomorfismo de grupos, com |σ(a)| < ∞ e a ∈ G.

(a) Mostre que |a| é infinita ou se |a| é finita, então |σ(a)| divide |a|.
(b) Mostre que se σ é um epimorfismo, H é um grupo finito e
mdc(|a| , |H|) = 1, então a ∈ ker σ.

23. Sejam G = hai, H um grupo e b ∈ H fixado. Mostre que |b| divide |a|
se, e somente se, existe um único homomorfismo de grupos σ : G → H
tal que σ(a) = b e σ(ak ) = bk , para todo k ∈ Z.

24. Determine todos os homomorfismo de Zm em Zn .

25. Sejam G, H grupos e σ ∈ Hom (G, H). Mostre que se x0 é uma solução
particular da equação σ(x) = b, então x = ax0 é a solução geral da
equação, para algum a ∈ ker σ.
2.2. HOMOMORFISMOS 125

26. Seja G um grupo. Então σ ∈ End (G) se, e somente se,


H = {(a, σ (a)) : a ∈ G}
é um subgrupo de G × G.

27. Sejam σ, τ : G → K homomorfismos de grupos. Mostre que o conjunto


H = {a ∈ G : σ(a) = τ (a)}
é um subgrupo de G. Mostre que se G = hSi e σ(a) = τ (a), para todo
a ∈ S, então σ = τ .

28. Seja G um grupo infinito. Mostre que G é um grupo cíclico se, e somente
se, G é isomorfo a cada um de seus subgrupos próprios.

29. Defina uma operação binária sobre S = R∗+ = (0, ∞), de modo que S
seja isomorfo ao grupo aditivo dos números reais R.

30. Defina uma operação binária sobre S = {x ∈ R : −1 < x < 1}, de modo
que S seja isomorfo ao grupo aditivo dos números reais R.

31. Defina uma operação binária sobre S = {x ∈ R : −1 < x < 1}, de modo
que S seja isomorfo ao grupo multiplicativo dos números reais R∗ .

32. Seja G um grupo. Mostre que a função ϕ : G → Aut(G) definida por


ϕ(a) = κa é um homomorfismo de grupos. (Confira Exemplo 2.22.)

33. Seja σ ∈ Sn − An fixado. Mostre que a função ϕ : An → An definida por


ϕ(τ ) = στ σ −1 é um automorfismo externo de An .

34. Seja
C0 = {0} ⊆ C1 ⊆ C2 ⊆ · · · ⊆ Cn ⊆ · · ·
uma cadeia de grupos cíclicos tais que
Cn = han i e (n + 1)an+1 = an , ∀ n ∈ N.
Mostre que se [
G= Cn ,
n∈Z+

então G é isomorfo ao grupo aditivo dos números racionais Q.


126 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

2.3 Grupos Quocientes


O principal objetivo desta seção é dar condições necessárias e suficientes
para que o conjunto quociente
G
N
seja um grupo, o qual é um método importante na construção de grupos.
Sejam G = S3 e N = {I, τ }, com
à !
1 2 3
τ= .
1 3 2
Então existem três classes laterais à esquerda de N em G, a saber,

N = I · N, σN = {σ, στ } e σ 2 N = {σ 2 , σ 2 τ },

com
à ! à ! à !
1 2 3 1 2 3 1 2 3
σ = , σ2 = , στ = e
2 3 1 3 1 2 2 1 3
à !
1 2 3
σ2τ = .
3 2 1
Note que
N(σN ) = {σ, σ 2 , τ σ, τ σ 2 }
tem quatro elementos ao invés de dois. Logo, pelo item (3) da Proposição 2.1,
N(σN) não é uma classe lateral de N em G. Em particular,
G
= {N, σN, σ 2 N}
N
não é grupo.
Sejam G um grupo e N um subgrupo de G. Dizemos que N é um subgrupo
normal (ou subgrupo invariante) em G, em símbolos N E G, se

aha−1 ∈ N, ∀ a ∈ G e h ∈ N,

ou, equivalentemente,

κa (N) ⊆ N, ∀ κa ∈ Inn(G).
2.3. GRUPOS QUOCIENTES 127

Note que qualquer grupo G contém pelo menos dois subgrupos normais, a
saber, N = {e} e N = G, pois

aea−1 = e ∈ N, ∀ a ∈ G,

e
ana−1 ∈ N, ∀ a ∈ G e n ∈ N.

Exemplo 2.36 Qualquer subgrupo de um grupo abeliano é normal. Mostre,


com um exemplo, que a recíproca é falsa.

Solução. Sejam G um grupo abeliano e N um subgrupo de G. Dado a ∈ G e


h ∈ N, obtemos
aha−1 = aa−1 h = eh = h ∈ N.
Portanto, N é um subgrupo normal em G. Agora, mostre que no grupo dos
quatérnios G = Q8 qualquer subgrupo é normal, mas G não é um grupo
abeliano. ¥

Exemplo 2.37 Mostre que se σ : G → K é um homomorfismo de grupos,


então ker σ é um subgrupo normal em G (confira item (2) da Proposição 2.23).

Exemplo 2.38 Sejam G = GL2 (R) e

T = {A = [aij ] ∈ G : aij = 0, se i > j}

o conjunto das matrizes triangulares superiores invertíveis. Mostre que T não


é um subgrupo normal em G. Em particular, sejam G = GL2 (Q) e
(" # )
1 n
N= ∈G:n∈Z .
0 1

Mostre que existe A ∈ G tal que ANA−1 ⊂ N.

Solução. Se " # " #


0 1 1 1
A= ∈G e B= ∈ T,
1 0 0 1
128 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

então " #
−1 1 0
ABA = ∈
/ T.
1 1
Portanto, T não é um subgrupo normal em G.
Finalmente, se " #
2 0
A=
0 1
então " # " #
1 n 1 2n
A A−1 = ∈ N.
0 1 0 1
Portanto, ANA−1 ⊂ N. ¥

Seja G um grupo qualquer. Dizemos que G é um grupo simples se os únicos


subgrupos normais em G são {e} e G.

Exemplo 2.39 O grupo Zp é um grupo simples, para todo número primo p.

Solução. Seja N um subgrupo normal em Zp . Então, pelo Teorema de La-


grange, |N | divide |Zp | = p. Logo, |N| = 1 ou |N| = p. Portanto, N = {0} ou
N = Zp .

Proposição 2.40 Seja G um grupo. Então:

1. N é um subgrupo normal em G se, e somente se aN = N a, para todo


a ∈ G.

2. N é um subgrupo normal em G se, e somente se aNa−1 = N, para todo


a ∈ G.

3. Se N e K são subgrupos normais em G, então N ∩ K é um subgrupo


normal em G.

4. Se N é um subgrupo normal em G e K é um subgrupo de G, então N ∩K


é um subgrupo normal em K.
2.3. GRUPOS QUOCIENTES 129

5. Se N e K são subgrupos normais em G, então NK é um subgrupo normal


em G.

6. Se N é um subgrupo normal em G e K é um subgrupo de G, então N é


um subgrupo normal em N ∨ K.

7. Se N é um subgrupo normal em G e K é um subgrupo de G, então


NK = N ∨ K = KN.

8. Se N e K são subgrupos normais em G, com N ∩ K = {e}, então


hk = kh, para todo h ∈ N e k ∈ K.

Prova. Vamos provar apenas os item (1) e (7): (1) Seja x ∈ aN. Então existe
h ∈ N tal que x = ah. Logo,

x = ah = (aha−1 )a ∈ Na,

pois aha−1 ∈ N. Portanto, aN ⊆ Na. De modo inteiramente análogo, prova-se


que Na ⊆ aN.
Reciprocamente, dado a ∈ G e h ∈ N. Como ah ∈ aN = Na temos que
existe m ∈ N tal que ah = ma. Logo,

aha−1 = maa−1 = me = m ∈ N.

Portanto, N é um subgrupo normal em G.


(7) É claro que NK ⊆ N ∨ K. Por outro lado, pela Proposição 1.51, cada
x ∈ N ∨ K pode ser escrito sob a forma

x = k1 h1 · · · kt ht ,

onde t ∈ N, hi ∈ N e ki ∈ K. Como ki hi ki−1 ∈ N temos que ki hi = mki , para


algum m ∈ N. Assim,
x = h(k1 · · · kt ) ∈ NK.
Logo, N ∨ K ⊆ NK. Portanto, NK = N ∨ K. ¥

Exemplo 2.41 Sejam G um grupo e N um subgrupo de G tal que [G : N] = 2.


Mostre que N é um subgrupo normal em G.
130 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Solução. Por hipótese existem exatamente duas classes laterais de N em G,


a saber, N = eN e aN, para todo a ∈ G − N . Como
• • • •
G = N ∪ (G − N) = N ∪ aN e G = N ∪ (G − N) = N ∪ Na

temos que aN = G − N = aN. Portanto, N é um subgrupo normal em G.

Teorema 2.42 Sejam G um grupo e N um subgrupo de G. Então N é um


G
subgrupo normal em G se, e somente se, a operação binária ∗ sobre N definida
por (aN) ∗ (bN) = abN, para todos a, b ∈ G, está bem definida.

Prova. Suponhamos que N seja um subgrupo normal em G. Dados a, b, c, d ∈


G,

aN = cN e bN = dN ⇒ abN = a(bN) = a(dN) = a(Nd)


= (aN)d = (cN)d = (Nc)d = Ncd = cdN
⇒ (aN) ∗ (bN) = (cN) ∗ (dN),

isto é, a operação binária ∗ está bem definida.


Reciprocamente, dado a ∈ G e h ∈ N, obtemos eN = N = hN. Logo,

a−1 N = ea−1 N = (eN) ∗ (a−1 N) = (hN) ∗ (a−1 N) = ha−1 N


⇒ ha−1 ∈ a−1 N
⇒ aha−1 ∈ N.

Portanto, N é um subgrupo normal em G. ¥

Corolário 2.43 Sejam G um grupo e N um subgrupo normal em G. Então


G
N
munido com a operação binária

(aN) ∗ (bN) = abN, ∀ a, b ∈ G,

é um grupo, chamado de grupo quociente ou grupo fator de G por N.

Prova. É fácil verificar que ∗ é associativa, que N = eN é o elemento identi-


G
dade de N e que a−1 N = (aH)−1 é o elemento inverso de aN em N G
. ¥
2.3. GRUPOS QUOCIENTES 131

Exemplo 2.44 Sejam n ∈ Z+ e Zn o grupo aditivo dos inteiros de módulo n.


Então
Z
= Zn ,
nZ
pois

a = {b ∈ Z : b ≡ a (mod n)}
= {a + nk : k ∈ Z}
= a + nZ.

Mais geralmente, se G = hai e N é um subgrupo de G, com N 6= {e}, então


G
N = han i, com n o menor inteiro positivo tal que an ∈ N. Neste caso, N é
um grupo cíclico de ordem n isomorfo a Zn .

Exemplo 2.45 Sejam G um grupo e

S = {[a, b] : a, b ∈ G},

em que [a, b] = aba−1 b−1 chama-se o comutador de a e b.

1. Mostre que G0 = [G, G] = hSi é um subgrupo normal em G, chamado o


subgrupo derivado (ou subgrupo comutador) de G.
G
2. Mostre que G0
é abeliano.
G
3. Mostre que N é um subgrupo normal em G e N
é um grupo abeliano se,
e somente se, G0 ⊆ N.

Solução. (1) Dado h ∈ G0 , existem n ∈ N e ai , bi ∈ G tais que

h = h1 · · · hn ,

onde hi = [ai , bi ] ∈ S e i = 1, . . . , n. Assim, dado a ∈ G,

aha−1 = ah1 · · · hn a−1


= (ah1 a−1 ) · · · (ahn a−1 ) ∈ G0 ,
132 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

pois

ahi a−1 = a[ai , bi ]a−1 = aai bi a−1 −1 −1


i bi a

= (aai a−1 )(abi a−1 )(aa−1 −1 −1 −1


i a )(abi a )

= [(aai a−1 ), (abi a−1 )] ∈ G0 , i = 1, . . . , n.

Portanto, G0 é um subgrupo normal em G.


(2) Dados a, b ∈ G, obtemos

G0 aG0 b = G0 ab = G0 (aba−1 b−1 )ba = G0 ba


= G0 bG0 a,

pois aba−1 b−1 ∈ G0 . Portanto, GG0 é um grupo abeliano.


G
(3) Suponhamos que N seja um subgrupo normal em G e N
seja um grupo
abeliano. Então, dados a, b ∈ G, obtemos

Nab = NaNb = NbNa = Nba


⇒ aba−1 b−1 = ab(ba)−1 ∈ N.

Logo, G0 ⊆ N.
Reciprocamente, dado h ∈ N e a ∈ G, obtemos

aha−1 = (aha−1 h−1 )h ∈ N,

pois aha−1 h−1 ∈ G0 ⊆ N. Assim, N é um subgrupo normal em G.


Finalmente, dados a, b ∈ G, obtemos

NaNb = Nab = N(aba−1 b−1 )ba = Nba


= NbNa.

Portanto, G
N
é grupo abeliano. ¥

Observação 2.46 Sejam G um grupo e a, b ∈ G. Como ab = [a, b]ba temos


que |G0 | pode ser vista como uma “medida” de quanto o grupo G deixa de ser
abeliano. Neste caso, o grupo quociente GG0 é chamado de abelianização de G.
2.3. GRUPOS QUOCIENTES 133

Teorema 2.47 Qualquer subgrupo normal é núcleo de um homomorfismo.

Prova. Sejam G um grupo e σ : G → K um homomorfismo de grupos. Então,


pelo item (2) da Proposição 2.23, N = ker σ é um subgrupo normal em G.
Reciprocamente, seja N um subgrupo normal em G. Então a função
G
π:G³
N
definida por π(a) = aN é um epimorfismo, pois dados a, b ∈ G,

π(ab) = abN = (aN)(bN) = π(a)π(b)

ker π = {a ∈ G : π(a) = eN = N}
= {a ∈ G : aN = N}
= {a ∈ G : a ∈ N}
= N.

Portanto, N = ker π. ¥

A fumção π chama-se de epimorfismo canônica ou projeção canônica. Salvo


menção explícita em contrário, daqui por diante,
G
G³ , onde N E G,
N
sempre denotará o epimorfismo canônica.

EXERCÍCIOS

1. Sejam G um grupo e N um subgrupo de G. Mostre que N é um subgrupo


normal em G se, e somente se, para todos a, b ∈ G, ab ∈ N implica que
a−1 b−1 ∈ N.
134 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

2. Sejam G um grupo e K, N subgrupos de G.

(a) Mostre que se N é um subgrupo normal em G, então NK é um


subgrupo de G e N é um subgrupo normal em NK.
(b) Mostre que se N e K são subgrupos normais em G, então N K é
um subgrupo de G. Generalize para um número finito qualquer de
subgrupos normais em G.
G
(c) Mostre que se N é um subgrupo normal em G e N
um grupo
abeliano, então
K
K ∩N
é um grupo abeliano.

3. Sejam G um grupo finito e K, N subgrupos de G, onde N é um subgrupo


normal em G e ¯ ¯
¯G¯
mdc(|K| , ¯¯ ¯¯) = 1.
N
Mostre que K é um subgrupo de N.

4. Sejam G um grupo e N o único subgrupo de G de ordem n. Mostre que


N é um subgrupo normal em G.

5. Sejam G um grupo finito e N um subgrupo normal em G tal que


µ ¯ ¯¶
¯G¯
mdc |N| , ¯¯ ¯¯ = 1.
N

Mostre que N é o único subgrupo de G de ordem |N|.

6. Sejam G um grupo e N um subgrupo de G.

(a) Mostre que se N ⊆ Z(G), então N é um subgrupo normal em G.


(b) Mostre que se |N| = 2 e N é um subgrupo normal em G, então
N ⊆ Z(G).
(c) Mostre que se N é um grupo abeliano, então NZ(G) é um subgrupo
abeliano de G.
2.3. GRUPOS QUOCIENTES 135

(d) Mostre que se x ∈ G − Z(G), então hx, Z(G)i é um subgrupo


abeliano de G.
G
(e) Mostre que se N ⊆ Z(G) e N
é um grupo cíclico, então G é grupo
abeliano.
(f) Mostre que se G é um grupo não abeliano, N um subgrupo normal
G
em G e N um grupo cíclico, então N 6⊂ Z(G).
G
(g) Mostre, com um exemplo, que N ⊆ Z(G) e N
um grupo abeliano,
mas G não é um grupo abeliano.

7. Sejam G um grupo e N um subgrupo de G tal que a2 ∈ N, para todo


G
a ∈ G. Mostre que N é um subgrupo normal em G e N é um grupo
abeliano.

8. Mostre que o grupo das permutações pares A4 não possui subgrupo de


ordem 6.

9. Seja G = {a1 , a2 , . . . , a2n+1 } um grupo finito de ordem ímpar. Mostre


que a1 a2 · · · a2n+1 ∈ G0 .

10. Sejam n, p ∈ N, com p um número primo. Determine a ordem da classe


lateral p no grupo multiplicativo Z•pn −1 . Conclua que n divide φ(pn − 1).

11. Sejam G um grupo cíclico infinito e H um subgrupo não trivial de G.


Mostre que [G : H] é finito.
Q
12. Mostre que a ordem de cada elemento do grupo quociente Z
é finita.

13. Sejam G um grupo abeliano divisível e H um subgrupo próprio de G.


G
Mostre que H é grupo divisível.

14. Sejam G um grupo e N um subgrupo normal em G tal que [G : N] = n.


Mostre que an ∈ N, para todo a ∈ G. Determine todos os subgrupos do
grupo multiplicativo dos números reais R∗ , com índice finito.

15. Mostre que o grupo aditivo dos números racionais Q não possui subgru-
pos próprios de índice finito.
136 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

16. Seja G o grupo multiplicativo dos números reais R∗ .

(a) Determine todos os subgrupos finitos de G.


(b) Determine todos os subgrupos de G que possuem índice finito.
(c) Determine um subgrupo de G que nem é finito e nem possui índice
finito.

17. Mostre que GL2 (R) não é um subgrupo normal em GL2 (C).

18. Sejam G um grupo finito e N um subgrupo normal em G tal que [G :


N] = p, para algum número primo p. Mostre que para cada subgrupo K
de G

K ≤ N ou G = NK e [K : N ∩ K] = p, não ambos.

19. Sejam G um grupo e N = hSi, com S = {a2 : a ∈ G}. Mostre que N é


um subgrupo normal em G.

20. Sejam G um grupo e n ∈ N fixado. Mostre que se N = {an : a ∈ G} é


um subgrupo de G, então N é um subgrupo normal em G.

21. Sejam G um grupo, N um subgrupo normal em G e S ⊆ G. Mostre que


G
se N = hπ(S)i, então G = hN ∪ Si, em que π é a projeção canônica.

22. Sejam G um grupo e N um subgrupo de G.

(a) Mostre que N é um subgrupo normal em NG (N).


(b) Mostre que NG (aNa−1 ) = aNG (N)a−1 , para todo a ∈ G.
(c) Mostre que se K é um subgrupo de G tal que N é um subgrupo
normal em K, então K ⊆ NG (N).
(d) Mostre que NG (N) é o maior subgrupo de G no qual N é um sub-
grupo normal.
(e) Mostre que N é um subgrupo normal em G se, e somente se,
NG (N) = G.
2.3. GRUPOS QUOCIENTES 137

(f) Mostre que se N é um subgrupo normal em G, então CG (N) é um


subgrupo normal em G.

23. Sejam G um grupo e K, N subgrupos de G tais que N é um subgrupo


G
de K, N é um subgrupo normal em G e N é um grupo abeliano. Mostre
que K é um subgrupo normal em G.

24. Sejam G um grupo e K, L, N subgrupos de G tais que K é normal em


N e L normal em G. Mostre que LK é um subgrupo normal em LN.

25. Sejam G um grupo e N um subgrupo cíclico normal em G. Mostre que


cada subgrupo de N é um subgrupo normal em G.

26. Seja π : R2 → R a função definida por π(x, y) = x + y. Mostre que π é


um homomorfismo de grupos aditivos e descreva geometricamente ker π
e π −1 (a) (fibras de a), para todo a ∈ R.

27. Seja G um grupo finito tal que (ab)3 = a3 b3 , para todos a, b ∈ G e 3 não
divide a ordem de G.

(a) Mostre que x3 y 2 = y 2 x3 , para todos x, y ∈ G.


(b) Mostre que x2 ∈ Z(G), para todo x ∈ G.
(c) Mostre que G é um grupo abeliano.

28. Sejam G um grupo com a seguinte propriedade: existe n ∈ N, com n > 1,


tal que (ab)n = an bn , para todos a, b ∈ G. Mostre que o conjunto

N = Gn = {an : a ∈ G}

é um subgrupo normal em G e a ordem de cada elemento do grupo


G
quociente N é finita.

29. Sejam G grupo e N um subgrupo normal em G tal que [G : N] = 4.

(a) Mostre que G contém um subgrupo de índice 2.


138 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

G
(b) Mostre que se N não é um grupo cíclico, então existem subgrupos
próprios normais H, K e L em G tais que

G = H ∪ K ∪ L.

30. Sejam G grupo e H um subgrupo de G. Dizemos que H é um subgrupo


característico em G se

σ(H) ⊆ H, ∀ σ ∈ Aut (G) .

(a) Mostre que qualquer subgrupo característico em G é um subgrupo


normal.
(b) Mostre que se K é um subgrupo característico em H e H é um
subgrupo característico em G, então K é um subgrupo característico
em G.
(c) Mostre que se K é um subgrupo característico em H e H é um
subgrupo normal em G, então K é normal em G.
(d) Mostre que se H é o único subgrupo de G de ordem n, então H é
subgrupo característico em G.

Mostre, com um exemplo, que a recíproca do item (a) é falsa.

31. Seja G um grupo qualquer. Mostre que G0 é um subgrupo característico


em G.

32. Sejam n ≥ 3 e

Dn = hσ, τ i = {σ i τ j : i = 0, 1, . . . , n − 1 e j = 0, 1}.

Mostre que H = hσi é um subgrupo característico em Dn .

33. Mostre que o grupo aditivo dos números racionais Q não possui subgru-
pos característicos não próprios.

34. Seja G um grupo qualquer. Mostre que o conjunto

FC(G) = {x ∈ G : [G : CG (x)] < ∞}

é um subgrupo característico em G.
2.4. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 139

35. Sejam G um grupo qualquer e CG (x) um subgrupo abeliano de G, para


todo x ∈ G − Z(G).

(a) Mostre que CG (x) é subgrupo maximal de G.


(b) Mostre que se M é um subgrupo abeliano maximal de G, então
Z(G) ⊆ M.
(c) Mostre que se M e N são subgrupos abelianos maximais de G, com
M 6= N, então Z(G) = M ∩ N.
(d) Mostre que o item (c) vale para qualquer subgrupo H de G tal que
Z(G) ⊆ H.

Z(p∞ )
36. Seja H um subgrupo de Z(p∞ ), onde H 6= Z(p∞ ). Mostre que H
é
isomorfo a Z(p∞ ).

R
37. Mostre que os grupos T = {z ∈ C∗ : |z| = 1} e Z
são isomorfos.

2.4 Teoremas de Isomorfismos


Nestas seção vamos estudar alguns teoremas de estruturas para grupos.
Para isso, vamos considerar o problema da função universal : Dado um grupo
G, existe um grupo K e um homomorfismo grupos π : G → K com a seguinte
propriedade? Dado qualquer grupo H e qualquer homomorfismo de grupos
ϕ : G → H, existe um único homomorfismo de grupos ψ : K → H tal que
ψ ◦ π = ϕ. Veremos a seguir que o grupo quociente de G por um subgrupo
normal N em G é a única solução, a menos de isomorfismo, do problema da
função universal.

Teorema 2.48 (Teorema Principal da Projeção) Sejam G um grupo, N


um subgrupo normal em G e π a projeção canônica. Então o par ordenado
µ ¶
G

N
140 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

possui a seguinte propriedade universal: Dado qualquer grupo H e qualquer


homomorfismo de grupos ϕ : G → H, onde N ⊆ ker ϕ, existe um único
homomorfismo de grupos
G
ψ: →H
N
tal que ψ ◦ π = ϕ, confira Figura 2.1. Além disso,

1. Se (K, π 1 ) é outro par com essa propriedade universal, então K é iso-


G
morfo a N .
ker ϕ
2. Im ψ = Im ϕ e ker ψ = N
.

3. ψ é um isomorfismo se, e somente se, ϕ é um epimorfismo e N = ker ϕ.

Figura 2.1: Teorema Principal da Projeção.

Prova. (Existência) Note que ψ ◦ π = ϕ significa que

ϕ(a) = (ψ ◦ π)(a) = ψ(π(a)) = ψ(aN), ∀ a ∈ G.

Assim, vamos definir a função


G
ψ: →H
N
por ψ(aN) = ϕ(a). Então ψ está bem definda e é um homomorfismo grupos,
pois dados a, b ∈ G, obtemos

aN = bN ⇒ b−1 a ∈ N ⊆ ker ϕ ⇒ ϕ(a) = ϕ(b) ⇒ ψ(aN) = ψ(bN)


2.4. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 141

e
ψ(aNbN) = ψ(abN) = ϕ(ab) = ϕ(a)ϕ(b) = ψ(aN)ψ(bN).

(Unicidade) Seja
G
ψ0 : →H
N
outro homomorfismo de grupo tal que ψ0 ◦ π = ϕ. Então

G
ψ0 (aN) = ϕ(a) = ψ(aN), ∀ aN ∈ .
N

Portanto, ψ0 = ψ.
Finalmente, para provar o item (1), vamos primeiro construir os diagramas:

¡G ¢
Figura 2.2: Unicidade do par N
, π .

G
No primeiro diagrama fizemos H = K e no segundo diagrama fizemos H = N
.
Logo,
ψ1 ◦ π = π 1 e ψ2 ◦ π 1 = π.

Assim,
π 1 = ψ1 ◦ π = ψ1 ◦ (ψ2 ◦ π 1 ) = (ψ1 ◦ ψ2 ) ◦ π 1 .

Mas, pela comutatividade do terceiro diagrama, temos que IK : K −→ K é o


único homomorfismo de grupos tal que π 1 = IK ◦ π 1 . Portanto,

ψ1 ◦ ψ2 = IK .

Por um argumento simétrico, prova-se que ψ2 ◦ ψ1 = I G . ¥


N
142 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Corolário 2.49 (Primeiro Teorema de Isomorfismo) Seja ϕ : G → K


um homomorfismo de grupos. Então
G
' Im ϕ.
ker ϕ
Em particular, se G é grupo finito, então |G| = |ker ϕ| |Im ϕ|. Neste caso,
|ker ϕ| divide |G| e |Im ϕ| divide |G|.

Prova. Como ϕ : G → Im ϕ é um epimorfismo temos, pelo Teorema 2.48, com


N = ker ϕ e H = Im ϕ, que
G
' Im ϕ,
ker ϕ
que é o resultado desejado. ¥

Observação 2.50 O grupo


G
ker ϕ
é, às vezes, chamado de coimagem de ϕ. Se Im ϕ é um subgrupo normal em
K, então o grupo
K
Im ϕ
é chamado de conúcleo de ϕ.

Corolário 2.51 Sejam σ : G → H um homomorfismo de grupos, N um sub-


grupo normal em G, M um subgrupo normal em H, onde σ(N) ⊆ M. Então
a função
G H
ψ: →
N M
definida por ϕ(aN) = σ(a)M é um homomorfismo de grupos. Além disso,
ϕ é um isomorfismo se, e somente se, Im σ ∨ M = H e σ −1 (M) ⊆ N. Em
particular, se σ é um epimorfismo tal que σ(N) = M e ker σ ⊆ N, então ϕ é
um isomorfismo.

Prova. Basta aplicar o Teorema 2.48 a função ϕ = π 1 ◦ σ, com


H
π1 : H ³
M
o epimorfismo canônico. ¥
2.4. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 143

Exemplo 2.52 Seja G um grupo cíclico. Então G ' Z ou G ' Zn , para


algum n ∈ N.

Solução. Seja G = hai um grupo cíclico. Então, pelo Exemplo 2.18, existe um
único epimorfismo ϕ : Z → G tal que ϕ(1) = a. Logo, pelo Primeiro Teorema
de Isomorfismo,
Z
' G.
ker ϕ
Como ker ϕ = {0} ou ker ϕ = nZ, para algum n ∈ N, temos que G ' Z ou
G ' Zn , para algum n ∈ N. ¥

Exemplo 2.53 Sejam G = hai um grupo cíclico de ordem pn , H um subgrupo


de G de ordem pk , com 0 ≤ k ≤ n, e σ ∈ Aut(H) fixado.

1. Mostre que existe ϕ ∈ Aut(G) tal que ϕ|H = σ.


φ(pn )
2. Mostre que existem φ(pk )
automorfismos ϕ ∈ Aut(G) tais que ϕ|H = IH .

Solução. (1) Pelo item (3) da Proposição 1.70, H = hat i = hbi, com t = pn−k .
Assim, pelo item (4) da Proposição 2.31,

σ(b) = σ m (b) = bm , com mdc(m, p) = 1.

Portanto, a função ϕ : G → G definida por ϕ(a) = am é um automorfismo de


G tal que ϕ|H = σ.
(2) Pelo item (8) da Proposição 2.31, a função ψ : Aut(G) → Aut(H)
definida por ψ(ρ) = ρ|H = ρH é um homomorfismo de grupos. Mas pelo item
(1), ψ é um epimorfismo. Assim, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,

Aut(G)
' Aut(H).
ker ψ

Como

ker ψ = {ρ ∈ Aut(G) : ψ(ρ) = IH }


= {ρ ∈ Aut(G) : ρH = IH }
144 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

temos, pelo Teorema de Lagrange, que


¯ ¯
¯ Aut(G) ¯ |Aut(G)| |Aut(G)| φ(pn )
|Aut(H)| = ¯¯ ¯= e |ker ψ| = = ,
ker ψ ¯ |ker ψ| |Aut(H)| φ(pk )
que é o resultado desejado. ¥

Corolário 2.54 (Segundo Teorema de Isomorfismo) Sejam G um grupo


e K, N subgrupos de G, em que N é um subgrupo de NG (K). Então
NK N
KN ≤ G, K E NK, N ∩ K E N e ' .
K N ∩K
Prova. Basta aplicar o Primeiro Teorema de Isomorfismo a função ϕ = π ◦ λ,
com
NK
λ : N → NK e π : NK ³
K
a inclusão e o epimorfismo canônico, respectivamente, pois ker ϕ = N ∩ K. ¥

Corolário 2.55 (Terceiro Teorema de Isomorfismo) Sejam G um grupo


e K, N subgrupos normais em G, em que N é um subgrupo de K. Então
G
K G G
E e N ' ,
N N K K
N
uma “lei do cancelamento.”

Prova. Aplicando o Corolário 2.51 a função identidade I : G → G, onde


I(N) = N é um subgrupo de K, obtemos um epimorfismo
G G
ϕ: →
N K
definido por ϕ(aN) = aK. Como

K = ϕ(aN) ⇔ K = aK ⇔ a ∈ K

temos que
K
ker ϕ = {aN : a ∈ K} = .
N
2.4. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 145

Portanto, aplicando o Primeiro Teorema de Isomorfismo a ϕ, obtemos


G G
K G G
ker ϕ = E e N = N ' Im ϕ = ,
N N K ker ϕ K
N
que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 2.56 Sejam m, n ∈ N, d = mdc(m, n) e k = mmc(m, n). Mostre


que dk = mn.

Solução. Primeiro vamos provar que

mZ + nZ = dZ, mZ ∩ nZ = kZ

e rZ é um subgrupo de sZ se, e somente se, s divide r.


Se x ∈ mZ ∩ nZ, então existem u, v ∈ Z tais que x = um e x = vn, ou seja,
m divide x e n divide x. Logo, k divide x, ou ainda, x ∈ kZ. Portanto,

mZ ∩ nZ ⊆ kZ.

Por outro lado, se x ∈ kZ, então existe w ∈ Z tal que x = wk. Como
k = mmc(m, n) temos que existem s, t ∈ Z tais que k = sm e k = tn. Logo,
x = (ws)m e x = (wt)n, isto é, x ∈ mZ ∩ nZ. Portanto,

kZ ⊆ mZ ∩ nZ.
dZ Z
Consequentemente, H = nZ é um subgrupo de G = nZ
. Assim, pelo Terceiro
Teorema de Isomorfismo,
Z
G nZ Z
= dZ ' .
H nZ
dZ
Portanto, [G : H] = d e, pelo Teorema de Lagrange, |H| = nd . Logo, concluímos
que
Z n ³n ´ o
H ' n e H = 0, d, 2d, . . . , − 1 d = dG E G.
d
Z d
Mas, pelo Segundo Teorema de Isomorfismo,
mZ + nZ mZ mZ
H= ' = .
nZ mZ ∩ nZ kZ
146 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

De modo inteiramente análogo, prova-se que


mZ Z
' k .
kZ m
Z

Portanto,
Z Z
n ' k
d
Z m
Z
e dk = mn.. ¥

Teorema 2.57 (Teorema da Correspondência) Seja ϕ : G → H um epi-


morfismo. Então:

1. Se N é um subgrupo de G, então ϕ(N) é um subgrupo de H.

2. Se L é um subgrupo de H, então ϕ−1 (L) é um subgrupo de G.

3. Se K é um subgrupo de G tal que ker ϕ ⊆ K, então K = ϕ−1 (ϕ(K)).

4. Sejam F a família de todos os subgrupos de G contendo ker ϕ e F 0 a


família de todos os subgrupos de H. Então existe uma correspondência
biunívoca entre F e F 0 . Além disso, sob essa correspondência subgrupos
normais em G corresponde a subgrupos normais em H e

[G : K] = [ϕ(G) : ϕ(K)] = [H : ϕ(K)], ∀ K ∈ F.

Prova. Vamos provar apenas o item (4). Sejam ψ : F → F 0 a função definida


por ψ(N) = ϕ(N) e ψ0 : F 0 → F a função definida por ψ0 (L) = ϕ−1 (L). Então
pelos itens (1) e (2), ψ e ψ0 estão bem definidas. Agora, pelo item (3), obtemos

(ψ0 ◦ ψ)(K) = ϕ−1 (ϕ(K)) = K = IF (K), ∀ K ∈ F.

Logo, ψ0 ◦ ψ = IF . Como ϕ é sobrejetora temos que ϕ(ϕ−1 (L)) = L, para todo


L ∈ F 0 (prove isto!). Assim,

(ψ ◦ ψ0 )(L) = ϕ(ϕ−1 (L)) = L = IF 0 (L), ∀ L ∈ F 0 .

Potanto, ψ ◦ ψ0 = IF 0 e ψ é bijetora. ¥
2.4. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 147

Figura 2.3: Teorema da Correspondência

Corolário 2.58 Sejam G um grupo e N um subgrupo normal em G. Então


G K
para cada subgrupo L de existe um único subgrupo K de G tal que L = .
N N
Além disso, sejam H e K subgrupos de G. Então
∙ ¸
H K K H
H ≤K⇔ ≤ e [K : H] = :
N N N N

Prova. Basta notar que

K = {a ∈ G : aN ∈ L} e L = {aN : a ∈ K}

G
são subgrupos de G e , respectivamente. ¥
N
Exemplo 2.59 Determine todos os subgrupos do grupo
Z
Z12 = .
12Z
Mais geralmente, mostre que para cada divisor m de n existe um único subgrupo
em Zn .

Solução. É clara que a função ϕ : Z → Z12 definida por ϕ(x) = x + 12Z


é um epimorfismo. Assim, pelo Corolário 2.58 e o diagrama abaixo, temos o
resultado. ¥
148 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Figura 2.4: Reticulado do grupo Z12 .

Teorema 2.60 (N/C Lema) Sejam G um grupo e H um subgrupo de G.


Então:
1. CG (H) é um subgrupo normal em NG (H) e
NG (H)
' K ≤ Aut (H) ⊆ P (H).
CG (H)
2. Inn(G) é um subgrupo normal em Aut (G) e
G
' Inn(G).
Z(G)
Prova. (1) Para um a ∈ NG (H) fixado, é fácil verificar que a função κa :
H → H definida por κa (x) = axa−1 é um isomorfismo de grupos. Logo, a
função ϕ : NG (H) → Aut(H) definida por ϕ(a) = κa está bem definida e é um
homomorfismo de grupos. Como
ker ϕ = {a ∈ NG (H) : ϕ(a) = I} = CG (H)
temos que CG (H) é um subgrupo normal em NG (H) e, pelo Primeiro Teorema
de Isomorfismo, que
NG (H)
' Im ϕ = K ≤ Aut (H) .
CG (H)
(2) Basta fazer G = NG (H) na prova do item (1). ¥
2.4. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 149

Proposição 2.61 Seja G um grupo não abeliano qualquer. Então


G
Aut(G) e
Z(G)
não podem ser grupos cíclicos. Em particular, os menores grupos com essa
propriedade são:
G G
' Z2 × Z2 e ' S3 .
Z(G) Z(G)
Por exemplo, tome G = Q8 e G = S3 .

Prova. Fica como um exercício. ¥

Exemplo 2.62 Seja G um grupo não abeliano tal que


G
G 6' S3 e ' S3 .
Z(G)
Mostre que existe ϕ ∈ Aut(G) tal que ϕ ∈
/ Inn(G). Em particular,

|Aut(G)| ≥ 12.

Solução. Como S3 = hσ, τ i, com σ3 = I = τ 2 e στ = τ σ −1 , temos que

G = {T, aT, a2 T, bT, abT, a2 bT },

com T = Z(G) e |T | ≥ 2. Assim, há dois casos a serem considerados:


1.o Caso. Se T 6' Z2 × Z2 , então a função ϕ : G → G definida por
ϕ(a) = a−1 , ϕ(b) = b−1 e ϕ(z) = z −1 , para todo z ∈ T , tem as propriedades
desejadas.
2.o Caso. Se T ' Z2 × Z2 , então a função ϕ : G → G definida por
ϕ(a) = a, ϕ(b) = bz0 e ϕ(z) = z, para todos z0 , z ∈ T , com z0 6= e fixado, tem
as propriedades desejadas. ¥

Exemplo 2.63 Seja G um grupo não abeliano tal que


G
' Z2 × Z2 .
Z(G)
Mostre que existe ϕ ∈ Aut(G) tal que ϕ ∈
/ Inn(G). Em particular,

|Aut(G)| ≥ 8.
150 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

Solução. Como Z2 ×Z2 = hx, yi, com x = (1, 0), y = (0, 1) e 2x = 2y = (0, 0),
temos que
G = {T, aT, bT, abT },

com T = Z(G), |T | ≥ 2 e G0 = T . Assim, há dois casos a serem considerados:


1.o Caso. Se T 6' Z2 × Z2 , então a função ϕ : G → G definida por
ϕ(a) = a−1 , ϕ(b) = b−1 e ϕ(z) = z −1 , para todo z ∈ T , tem as propriedades
desejadas. Note que

ϕ2 = I, ϕ ∈ CAut(G) (Inn(G)) e ϕy (x) = x[x, y].

2.o Caso. Se T ' Z2 × Z2 e a2 , b2 ∈ G0 , então temos duas possibilidades:


1.a Possibilidade. Se a2 = b2 , então a função ϕ : G → G definida por
ϕ(a) = b, ϕ(b) = a e ϕ(z) = z, para todo z ∈ T , tem as propriedades desejadas.
2.a Possibilidade. Se a2 6= b2 e b2 6= e, então a função ϕ : G → G definida
por ϕ(a) = ab, ϕ(b) = b e ϕ(z) = z, para todo z ∈ T , tem as propriedades
desejadas. ¥

Exemplo 2.64 Determine Aut(G), com G = Z4 × Z2 . Conclua que Aut(G)


é isomorfo ao grupo diedral

D4 = hσ, τ i , σ 4 = I = τ 2 e στ = τ σ −1 .

Solução. Seja ϕ ∈ Aut(G). Como G = Z4 × Z2 = ha, bi, com a = (1, 0),


b = (0, 1); |a| = 4 e |b| = 2, temos que ϕ é completamente determinado por
ϕ(a) e ϕ(b). Logo,

ϕ(a) = a, ϕ(a) = a3 , ϕ(a) = ab ou ϕ(a) = a3 b

e
ϕ(b) = b ou ϕ(b) = a2 b.

Portanto, |Aut(G)| ≤ 8. Por outro lado, se σ 1 (a) = ab e σ 1 (b) = a2 b; τ 1 (a) =


a3 e τ 1 (b) = a2 b, então

σ 41 = I = τ 21 , σ 1 τ 1 = τ 1 σ −1
1 e Aut(G) = hσ1 , τ 1 i .
2.4. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 151

Assim, a função ψ : Aut(G) → D4 definida por ψ(σ 1 ) = σ e ψ(τ 1 ) = τ é um


epimorfismo. Portanto,
|Aut(G)| ≥ 8
e Aut(G) ' D4 . ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam N um subgrupo normal em G e K um subgrupo normal em L.


Mostre que N × K é um subgrupo normal em G × L e
G×L G L
' × .
N ×K N K

2. Sejam G um grupo e N, K subgrupos normais em G tais que N ∩ K =


{e}. Mostre que NK é isomorfo a N × K.

3. Mostre que o conjunto

SLn (R) = {A ∈ GL n (R) : det(A) = 1}

é um subgrupo normal em GL n (R).

4. Mostre que o grupo alternado An é um subgrupo normal em Sn .

5. Sejam σ : G → H um homomorfismo de grupos, N = ker σ e K um sub-


grupo de G. Mostre que σ −1 (σ(K)) = KN. Conclua que σ −1 (σ(K)) =
K se, e somente se, N é um subgrupo de K.

6. Sejam ϕ : G → H um homomorfismo de grupos e K um subgrupo de G.


Mostre que se σ = ϕ|K , então ker σ = ker ϕ ∩ K.

7. Determine todos os subgrupos de Zn .


¯ ¯
¯ G ¯
8. Seja G um grupo não abeliano qualquer. Mostre que ¯ Z(G) ¯ 6= p, para
todo número primo p.
152 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

9. Mostre que o grupo G = {x ∈ R : −1 < x < 1} com a operação binária


x+y
x¯y =
1 + xy
é isomorfo a grupo aditivo dos números reais R.

10. Sejam Dn = hσ, τ i o grupo diedral de grau n e k inteiro positivo dividindo


n.

(a) Mostre que hσ k i é um subgrupo normal em Dn .


(b) Mostre que
Dn
' Dk .
hσ k i
Q
11. Mostre que cada subgrupo finito do grupo quociente Z
é cíclico.

12. Sejam G = hai um grupo cíclico de ordem m e H = hbi um grupo cíclico


de ordem n. Mostre que existe um homomorfismo de grupos σ de G em H
tal que σ(a) = ak se, e somente se, mk é um múltiplo de n. Conclua que
se mk = dn, então σ é um isomorfismo se, e somente se, mdc(m, d) = 1.

13. Sejam G1 , G2 grupos e π 1 : G1 × G2 → G1 , π 2 : G1 × G2 → G2 epi-


morfismos. Então o par ordenado (π 1 , π 2 ) possui a seguinte propriedade
universal: Dado qualquer grupo K e qualquer par de homomorfismos de
grupos ϕ1 : K → G1 e ϕ2 : K → G2 , existe um único homomorfismo de
grupos
ψ : K → G1 × G2

tal que π1 ◦ ψ = ϕ1 e π2 ◦ ψ = ϕ2 . Mostre que ker ψ = ker ϕ1 ∩ ker ϕ2 .


Conclua que existe uma bijeção entre Hom(K, G1 × G2 ) e Hom(K, G1 ) ×
Hom(K, G2 ).

14. Sejam G1 , G2 grupos e λ1 : G1 → G1 × G2 , λ2 : G2 → G1 × G2 monomor-


fismos. Então o par ordenado (λ1 , λ2 ) possui a seguinte propriedade
universal: Dado qualquer grupo K e qualquer par de homomorfismos
de grupos ϕ1 : G1 → K e ϕ2 : G2 → K tais que ϕ1 (g1 )ϕ2 (g2 ) =
2.4. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 153

ϕ2 (g2 )ϕ1 (g1 ), para todo g1 ∈ G1 e g2 ∈ G2 , existe um único homo-


morfismo de grupos
ψ : G1 × G2 → K
tal que ψ ◦ λ1 = ϕ1 e ψ ◦ λ2 = ϕ2 . Conclua que existe uma bijeção entre
Hom(G1 × G2 , K) e Hom(G1 , K) × Hom(G2 , K).

15. Sejam π i e λi dadas nos Exercícios 13 e 14. Mostre que

π i ◦ λi = IGi , π i ◦ λj = 0, quando i 6= j, e π 1 ◦ λ1 + π2 ◦ λ2 = I.

16. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Mostre que se ϕ ∈ Aut(G)


é tal que ϕ(H) = H, então

ϕ(CG (H)) = CG (H) e ϕ(NG (H)) = NG (H).

17. Seja G = A4 × Z2 . Mostre que existe ϕ ∈ End(G) tal que

ϕ(Z(G)) 6= Z(G).

18. Determine Aut(G), com G = Z2 × Z2 . Conclua que Aut(G) é isomorfo


a S3 .

19. Determine Aut(G), com G = S3 . Conclua que Aut(G) é isomorfo a S3 .

20. Determine Aut(G), com G = D4 . Conclua que Aut(G) é isomorfo a D4 .

21. Sejam G, H grupos e ϕ : G × H −→ G × H um homomorfismo de grupos


definido por ϕ (g, h) = (g, σ (g)), com σ um homomorfismo de grupos de
G em H. Então K = ϕ (G × H) é um subgrupo normal em G × H se, e
somente se, Im σ ⊆ Z (H).

22. Seja G um grupo qualquer. Mostre que cada homomorfismo de grupos


ϕ : Gk −→ G possui a decomposição
Y
k
ϕ (a1 , . . . , ak ) = ϕ (e, . . . , ai , . . . , e) ,
i=1

com os fatores no produto tomados em qualquer ordem.


154 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

23. Sejam G um grupo e N um subgrupo normal próprio em G. Mostre que


G
N é um subgrupo maximal de G se, e somente se, N é um grupo simples.

24. Sejam G um grupo e N, K subgrupos normais maximais e distintos em


G. Mostre que N ∩ K é um subgrupo normal maximal em N e também
em K.

25. Sejam G um grupo e H um subgrupo maximal de G. Mostre que se H


é um subgrupo normal em G, então [G : H] = p, para algum primo p.

26. (Teorema de Burnside) Seja G um grupo finito com a seguinte pro-


priedade: Existe σ ∈ Aut(G) tal que

(a) σ(a) = a se, e somente se, a = e;


(b) σ2 = I.

Mostre que G é um grupo abeliano.

27. Sejam G um grupo abeliano e σ : G → M um homomorfismo de grupos.


Mostre que

[G : H] = [σ(G) : σ(H)][ker σ : H ∩ ker σ],

para todo subgrupo H de G.

28. Seja σ : G → H um homomorfismo de grupos. Mostre que G é grupo


simples se, e somente se, σ é constante (σ(a) = e, para todo a ∈ G) ou
σ é injetor.

29. Sejam G um grupo simples com pelo menos três elementos e σ : G → H


um homomorfismo de grupos. Mostre que se H contém um subgrupo
normal N de índice 2, então σ(G) é um subgrupo de N.

30. Seja G um grupo abeliano finito gerado por dois elementos. Mostre que
Aut(G) é não abeliano.

31. Seja G um grupo abeliano finito, com |G| > 2. Mostre que |Aut(G)| é
par.
2.4. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 155

32. Seja G um grupo não abeliano. Mostre que Aut(G) é um grupo não
cíclico.

33. Sejam G um grupo e n ∈ N. Mostre que se a função ϕ : G → G definida


por ϕ(x) = xn é um automorfismo, então an−1 ∈ Z(G), para todo a ∈ G.

34. Seja G um grupo qualquer.

(a) Para um σ ∈ Aut(G) fixado tal que a−1 σ(a) ∈ Z(G), para todo
a ∈ G, mostre que a função φσ : G → Z(G) definida por φσ (a) =
a−1 σ(a) é um homomorfismo de grupos. Um automorfismo σ com
esta propriedade chama-se automorfismo central de G. Neste caso,

Aut C (G) = {σ ∈ Aut(G) : a−1 σ(a) ∈ Z(G), ∀ a ∈ G}

é o conjunto de todos os automorfismos centrais.


(b) Mostre que σ ∈ AutC (G) é um automorfismo central se, e somente
se, σ comuta com todo os automorfismo interno de G.
(c) Mostre que AutC (G) é um subgrupo normal em Aut(G). Em par-
ticular, se Z(G) = {e}, então Aut C (G) = {I}.
(d) Para um φ ∈ Hom(G, Z(G)) fixado, mostre que a função σ φ : G →
G definida por σ φ (a) = aφ(a) é homomorfismo de grupos.
(e) Mostre que σφ é um automorfismo central se, e somente se, φ(a) 6=
a−1 , para todo a ∈ G − {e}.

35. Seja G um grupo não abeliano simples. Mostre que Aut(G) = Inn(G).

36. Sejam A = (a1 , . . . , an ) e B = (b1 , . . . , bn ) dois pontos em Rn . Um


caminho de A para B é uma função contínua f : [0, 1] → Rn definida por

f (t) = (x1 (t), . . . , xn (t))

tal que f (0) = A e f (1) = B. Seja S um subconjunto de Rn , dados


A, B ∈ S, definimos A ∼ B se A e B podem ser ligados por um caminho
inteiramente contido em S.
156 CAPÍTULO 2. TEOREMAS DE ESTRUTURAS PARA GRUPOS

(a) Mostre que ∼ é uma relação de equivalência sobre S.


(b) Um subconjunto S de Rn é chamado conexo por caminho se A ∼ B,
para todos A, B ∈ S. Mostre que qualquer subconjunto S de Rn
pode ser escrito como uma união disjunta de subconjuntos conexos
por caminho com a seguinte propriedade: Dois pontos em subcon-
juntos distintos não podem ser ligados por um caminho inteiramente
contido em S.
(c) Quais dos lugares geométricos em R2 são conexos por caminhos.

C = {(x, y) : x2 + y 2 = 1}, L = {(x, y) : xy = 0}

e
H = {(x, y) : xy = 1}.

37. Vamos identificar M2 (R) com R4 e seja G = GL2 (R) um subconjunto de


R4 .

(a) Mostre que se A, B, C, D ∈ G e existem caminhos em G ligando


A e B, C e D, respectivamente, então existe um caminho em G
ligando AC e BD.
(b) Mostre que o subconjunto

N = {A ∈ G : A ∼ I}

é um subgrupo normal em G o qual é chamado de componente


conexa em G.

38. Mostre que o grupo H = SL2 (R) é gerado pelas matrizes

Vij (c) = I2 + cEij , com i 6= j e c ∈ R∗ .

39. Mostre que o grupo H = SL2 (R) é conexo por caminho.


Capítulo 3

Aneis

A teoria de grupos preocupa-se com as propriedades gerais de determinados


objetos que possuem uma estrutura algébrica definida por uma única operação
binária. Enquanto, o estudo de aneis preocupa-se com objetos possuindo duas
operações binárias, chamadas “adição” e “multiplicação,” relacionadas pelas
leis distributivas.
O principal objetivo deste capítulo é apresentar os conceitos de aneis, sub-
aneis, subaneis gerados, domínios de integridade, aneis com divisão e corpos
que serão necessários para cursos subsequentes.

3.1 Aneis
Um anel é um conjunto A munido com duas operações binárias
+ : A × A −→ A · : A × A −→ A
e
(a, b) 7−→ a + b (a, b) 7−→ a · b
chamadas adição e multiplicação tais que os seguintes axiomas são satisfeitos:
1. (A, +) é um grupo abeliano aditivo.

2. (A, ·) é um semigrupo.

3. Leis distributivas:
a · (b + c) = a · b + a · c e (a + b) · c = a · c + b · c, ∀ a, b, c ∈ A.

157
158 CAPÍTULO 3. ANEIS

4. Se um anel A satisfaz a condição: existe 1 ∈ A tal que

1 · a = a · 1 = a, ∀ a ∈ A,

dizemos que A é um anel com identidade ou anel unitário. Salva menção


explícita em contrário, a palavra anel com identidade significa que 1 6= 0,
pois se 1 = 0, então, pela Proposição 3.9 a seguir,

a = 1 · a = 0 · a = 0, ∀ a ∈ A,

ou seja, A = {0}. Portanto, A contém pelo menos dois elementos distin-


tos.

5. Se um anel A satisfaz a condição:

a · b = b · a, ∀ a, b ∈ A,

dizemos que A é um anel comutativo.

Exemplo 3.1 Seja A um grupo abeliano aditivo qualquer. Mostre que A mu-
nido com a operação binária

a · b = 0, ∀ a, b ∈ A,

é um anel comutativo sem identidade chamado de anel trivial.

Exemplo 3.2 O conjunto A = Z (Q, R ou C) munido com as operações


usuais de “ + ” e “ · ” é um anel comutativo com identidade.

Exemplo 3.3 Mostre que A = 2Z com as operações usuais de adição e mul-


tiplicação de Z é um anel comutativo sem identidade.

Exemplo 3.4 Seja d um número inteiro livre de quadrados fixado. Mostre


que o conjunto
√ √
A = Z[ d] = {a + b d : a, b ∈ Z}
munido com as operações binárias

z + w = (a1 + a2 ) + (b1 + b2 ) d
3.1. ANEIS 159

e

z · w = (a1 a2 + b1 b2 d) + (a1 b2 + a2 b1 ) d,
√ √
onde z = a1 + b1 d, w = a2 + b2 d ∈ A, é um anel comutativo com identidade
(prove isto!). Além disso,
√ √
a1 + b1 d = a2 + b2 d ⇔ a1 = a2 e b1 = b2 ,

pois
(a1 − a2 )2 = (b2 − b1 )2 d ⇔ a1 − a2 = 0 e b2 − b1 = 0.

Exemplo 3.5 Seja A = Mn (R) o conjunto de todas as matrizes n × n sobre


R. Então A com a adição e a multiplicação usual de matrizes é um anel não
comutativo com identidade (prove isto!).

Exemplo 3.6 O conjunto

A = C([0, 1], R) = {f : [0, 1] → R : f é uma função contínua}

munido com as operações binárias

(f + g)(x) = f (x) + g(x) e (f · g)(x) = f (x)g(x), ∀ x ∈ [0, 1],

é um anel comutativo com identidade. Mais geralmente, sejam A um anel


qualquer e X um conjunto não vazio qualquer. Mostre que o conjunto

AX = F(X, A) = {f : X → A : f é uma função}

munido com as operações binárias acima é um anel.

Solução. Dados f, g, h ∈ A.
(1) Como a adição é associativa em R temos que

[f + (g + h)](x) = f (x) + (g + h)(x)


= f (x) + (g(x) + h(x))
= (f (x) + g(x)) + h(x)
= (f + g)(x) + h(x)
= [(f + g) + h](x), ∀ x ∈ [0, 1].
160 CAPÍTULO 3. ANEIS

Logo, f + (g + h) = (f + g) + h.
(2) Seja “0” a função nula, isto é, 0(x) = 0, para todo x ∈ [0, 1]. Então

(0 + f )(x) = 0(x) + f (x)


= 0 + f (x)
= f (x), ∀ x ∈ [0, 1].

Assim, 0+ f = f + 0 = f .
(3) Seja −f definida por (−f )(x) = −f (x), para todo x ∈ [0, 1]. Então

[f + (−f )](x) = f (x) + (−f )(x)


= f (x) − f (x)
= 0
= 0(x), ∀ ∈ [0, 1].

Logo, f + (−f ) = (−f ) + f = 0.


(4) Como a adição é comutativa em R temos que

(f + g)(x) = f (x) + g(x)


= g(x) + f (x)
= (g + f )(x), ∀ x ∈ [0, 1].

Assim, f + g = g + f .
(5) Como a multiplicação é associativa em R temos que

[f · (g · h)](x) = f (x)(g · h)(x)


= f (x)(g(x)h(x))
= (f (x)g(x))h(x)
= (f · g)(x)h(x)
= [(f · g) · h](x), ∀ x ∈ [0, 1].

Logo, f · (g · h) = (f · g) · h.
3.1. ANEIS 161

(6) Como a adição e a multiplicação são distributivas em R temos que

[(f + g) · h](x) = (f + g)(x)h(x)


= (f (x) + g(x))h(x)
= f (x)h(x) + g(x)h(x)
= (f · h)(x) + (g · h)(x)
= [f · h + g · h](x), ∀ x ∈ [0, 1].

Assim, (f + g) · h = f · h + g · h. De modo inteiramente análogo prova-se que


f · (g + h) = f · g + f · h.
(7) Seja “1” a função constante igual a 1, isto é, 1(x) = 1, para todo
x ∈ [0, 1]. Então

(1 · f )(x) = 1(x)f (x)


= 1f (x)
= f (x), ∀ x ∈ [0, 1].

Logo, 1 · f = f · 1 = f , isto é, A é um anel com identidade.


(8) Como a multiplicação é comutativa em R temos que

(f · g)(x) = f (x)g(x)
= g(x)f (x)
= (g · f )(x), ∀ x ∈ [0, 1].

Portanto, f · g = g · f , isto é, A é um anel comutativo. ¥

Exemplo 3.7 Sejam

A = Zn = {0, 1, 2, ..., n − 1} ⊆ Z

e n um inteiro positivo fixado. Então A munido com as operações binárias

a ⊕ b = a + b e a ¯ b = ab,

com x indicando o resto da divisão x por n, é um anel comutativo com iden-


tidade finito (prove isto!), chamado o anel dos inteiros de módulo n.
162 CAPÍTULO 3. ANEIS

Sejam A um anel comutativo com identidade, G um grupo e F(G, A) o


conjunto de todas as funções de G em A (o anel AG ). O suporte de um
elemento f ∈ F(G, A) é o conjunto de todos os elementos x ∈ G tais que
ax = f (x) ∈ A∗ , isto é,

supp(f ) = {x ∈ G : ax = f (x) 6= 0} ⊆ G.

Seja ( )
X
A[G] = f= ax x : ax ∈ A e |supp(f )| < ∞
x∈G

o conjunto das somas formais (finitas) sobre A tais que supp(f ) seja finito.
Dados
X X
f= ax x, g = by y ∈ A[G],
x∈G y∈G

dizemos que
f = g ⇔ ax = bx , ∀ x ∈ G.

Exemplo 3.8 Mostre que o conjunto A[G] munido com as operações binárias
X X
f +g = (ax + bx ) x e f ∗ g = cz z,
x∈G z∈G

com
X
cz = ax by
xy=z
X X
= ax bx−1 z = azy−1 by ,
x∈G y∈G

é um anel com identidade


X
1A[G] = ax x
x∈G
em que (
1, se x = e
ax =
0, se x 6= e,
chamado de anel de grupo.
3.1. ANEIS 163

Solução. As operações são bem definidas, pois dados f, g ∈ F(G, A),

supp(f + g) ⊆ supp(f ) ∪ supp(g) e supp(f g) ⊆ supp(f ) ∩ supp(g).

Note que os elementos de A[G] podem ser escritos formalmente de maneira


diferentes, por exemplo,

ax x + 0y = ax x ou ax x + ay x = (ax + ay )x.

Assim, eliminando as componentes zero da soma formal f , podemos escrever


X
n
f= fi xi ,
i=1

com n = |supp(f )| e fi = axi = f (xi ). Como A é um anel com identidade


temos que ax = xa, para todo a ∈ A e x ∈ G, confira a seguir. Logo,

(ai x)(bj y) = ai bj xy, ∀ x, y ∈ G.

Dados f, g, h ∈ A[G], é fácil verificar que (A[G], +) é um grupo abeliano aditivo


com elemento identidade 0 e −f o elemento inverso de f . Sendo
à !
X X X
(f ∗ (g ∗ h))n = fi (gh)m = fi gj hk
i+m=n i+m=n j+k=m
X
= fi (gj hk )
i+j+k=n

e
à !
X X X
((f ∗ g) ∗ h)n = (fg)m hk = fi gj hk
k+m=n k+m=n i+j=m
X
= (fi gj )hk
i+j+k=n

teremos (f ∗ g) ∗ h = f ∗ (g ∗ h). De modo inteiramente análogo, prova-se que

(f + g) ∗ h = f ∗ h + g ∗ h e f ∗ (g + h) = f ∗ g + f ∗ h.

Portanto, A[G] é um anel com identidade. ¥


164 CAPÍTULO 3. ANEIS

Observe que a função λ : A → A[G] definida por


X
λ(a) = ax x,
x∈G

em que (
a, se x = e
ax =
0, se x 6= e,
é um monomorfismo de aneis. Neste caso, λ(A) ⊆ Z(A[G]) (“centro” de A[G]),
pois
à ! à !
X X
λ(a) ∗ g = ax x ∗ bx y
x∈G y∈G
à !
X X
= ax by z
z∈G xy=z
à !
X X
= by ax z
z∈G xy=z
= g ∗ λ(a),

onde na terceira igualdade usamos que ax = 0 se x 6= e. Assim, A[G] com a


composição externa ¯ sobre A[G],

¯ : A × A[G] → A[G],

definida por
X
a ¯ f = λ(a) ∗ f = f ∗ λ(a) = (aax )x,
x∈G

satisfaz as seguintes propriedades:

1. (a + b) ¯ f = a ¯ f + b ¯ f , para todos a, b ∈ A e f ∈ A[G].

2. a ¯ (f + g) = a ¯ f + a ¯ g, para todos f, g ∈ A[G] e a ∈ A.

3. a ¯ (b ¯ f ) = (ab) ¯ f , para todos a, b ∈ A e f ∈ A[G].

4. 1 ¯ f = f , para todo f ∈ A[G].


3.1. ANEIS 165

5. a ¯ (f ∗ g) = (a ¯ f ) ∗ g = f ∗ (a ¯ g), para todos f, g ∈ A[G] e a ∈ A.

Portanto, o anel A[G] munido com esta composição externa chama-se uma
álgebra sobre A, em que as operações ∗ e ¯ estão relacionadas pela propriedade
(5). Logo, identificando A com sua imagem λ(A) em A[G], ou seja, a ↔ ae,
obtemos ax = xa em A[G], para todo a ∈ A e x ∈ G, pois pela propriedade
(5), com f = x e g = e,

ax = a(xe) = x(ae) = xa.

Além disso, A[G] é um anel comutativo se, e somente se, G for um grupo
comutativo.
Note, também, que a função λ1 : G → A[G] definida por
X
λ1 (x) = ay y,
y∈G

em que (
1, se y = x
ay =
0, se y 6= x,
é um monomorfismo de grupos. Assim, podemos identificar G com sua imagem
λ1 (G) em A[G], isto é, x ↔ 1x. Neste caso, o elemento identidade e de G é o
elemento identidade 1A[G] de A[G].
A partir dessas identificações podemos concluir que cada elemento de A[G]
pode ser escrito de modo único sob a forma

f = a0 + a1 x1 + · · · + an xn ,

com os xi distintos.

Proposição 3.9 Seja A um anel. Então:

1. a0 = 0 = 0a, para todo a ∈ A.

2. (−a)b = −(ab) = a(−b), para todos a, b ∈ A.

3. (−a)(−b) = ab, para todos a, b ∈ A.


166 CAPÍTULO 3. ANEIS

4. Se A é um anel com identidade, então a identidade é única e (−1)a = −a.

5. Se a1 , . . . , am , b1 , . . . , bn ∈ A, então
X
m X
n
(a1 + · · · + am )(b1 + · · · + bn ) = ai bj .
i=1 j=1

Prova. Vamos provar apenas os itens (1), (2) e (5): (1) Como (A, +) é um
grupo temos que existe 0 ∈ A tal que

a + 0 = 0 + a = a, ∀ a ∈ A.

Em particular, 0 + 0 = 0. Logo,

a0 = a(0 + 0) = a0 + a0.

Portanto, pela unicidade do elemento neutro, temos que a0 = 0.


(2) Note que
ab + (−a)b = [a + (−a)]b = 0b = 0.
Portanto, pela unicidade do elemento inverso, temos que (−a)b = −ab.
(5) Para m = 1, vamos usar indução sobre n. Se n = 2, então segue da
definição de anel. Suponhamos que o resultado seja válido para n, isto é,
X
n
a1 (b1 + · · · + bn ) = a1 bj .
j=1

Logo,
X
n
a1 (b1 + · · · + bn + bn+1 ) = a1 bj + a1 bn+1
j=1

X
n+1
= a1 bj .
j=1

Agora, fixamos n e usamos uma segunda indução sobre m. Suponhamos que


o resultado seja válido para m, isto é,
X
m X
n
(a1 + · · · + am )(b1 + · · · + bn ) = ai bj .
i=1 j=1
3.1. ANEIS 167

Portanto,
ÃÃ m ! !Ã n ! Ã m !Ã n ! Ã n !
X X X X X
ai + am+1 bj = ai bj + am+1 bj
i=1 j=1 i=1 j=1 j=1
XX
m n X
n
= ai bj + am+1 bj
i=1 j=1 j=1

XX
m+1 n
= ai bj ,
i=1 j=1

que é o resultado desejado. ¥

Lema 3.10 (Teorema Binomial) Sejam A um anel comutativo com identi-


dade e a, b ∈ A. Então
à !
Xn
n
(a + b)n = an−k bk , ∀ n ∈ N.
k=0
k

Prova. Vamos usar indução sobre n. Seja


( Ã ! )
X n
n
S = n ∈ N : (a + b)n = an−k bk .
k=0
k

Então 2 ∈ S, pois

(a + b)2 = (a + b)(a + b)
= a(a + b) + b(a + b)
= a2 +Ã2ab +
! b2
X2
2
= a2−k bk .
k=0
k

Suponhamos que o resultado seja válido para n > 1, isto é, n ∈ S. Então


à !
Xn
n
(a + b)n = an−k bk .
k=0
k
168 CAPÍTULO 3. ANEIS

Logo,
à n à ! !
X n
a(a + b)n = a an−k bk
k=0
k
à !
Xn
n
= an+1 + an−k+1 bk
k=1
k
e
à n à ! !
X n
(a + b)n b = an−k bk b
k=0
k
à !
Xn
n
= an−k+1 bk + bn+1 .
k=1
k−1
Como

(a + b)n+1 = (a + b)n (a + b)
= (a + b)n a + (a + b)n b
= a(a + b)n + (a + b)n b

temos que
à ! à !
X
n
n Xn
n
n+1 n+1 n−k+1 k
(a + b) = a + a b + an−k+1 bk + bn+1
k=1
k k=1
k−1
"Ã ! Ã !#
Xn
n n
n+1
= a + + an−k+1 bk + bn+1
k=1
k k−1
à !
Xn
n+1
n+1
= a + an−k+1 bk + bn+1
k
à k=1 !
X n+1
n+1
= an+1−k bk .
k=0
k
Logo, n + 1 ∈ S. Portanto, S = N. ¥

Seja A um anel. Um elemento a ∈ A é um divisor de zero à esquerda (à


direita) de A se existir b ∈ A∗ tal que

ab = 0 (ba = 0).
3.1. ANEIS 169

Um divisor de zero a ∈ A, com a 6= 0, chama-se divisor de zero próprio de


A. Note que se A contém pelo menos dois elementos, então 0 é um divisor de
zero.

Exemplo 3.11 Seja


(" # )
a x
A= : a, b ∈ Z e x ∈ Z3
0 b

Então A um anel não comutativo com identidade. Note que se


" # " #
3 0 0 1
A= e B= ,
0 1 0 0

então AB = O. Logo, A é um divisor de zero à esquerda, mas não é um


divisor de zero à direita, pois
" #" # " #
a x 3 0 3a x
O = =
0 b 0 1 0 b
⇒ a = b = 0 ∈ Z e x = 0 ∈ Z3 .

Portanto, um divisor de zero à esquerda não necessita ser um divisor de zero


à direita. Por outro lado, B2 = O implica que B é um divisor de zero tanto à
esquerda quanto à direita.

Exemplo 3.12 Sejam A um anel comutativo com identidade e G um grupo


finito. Mostre que o anel de grupo A[G] possui divisores de zeros e elementos
idempotentes.

Solução. Seja x ∈ G um elemento de ordem k > 1. Então

(e − x)(e + x + · · · + xk−1 ) = e − xk = e − e = 0,

com e − x 6= 0 e e + x + · · · + xk−1 =
6 0, pois ae 6= 0, para todo a ∈ A∗ .
Finalmente, pondo
1 X
a= x 6= 0,
|G| x∈G
170 CAPÍTULO 3. ANEIS

obtemos ay = a, para todo y ∈ G, pois xy ∈ G. Em particular,


à !
1 X 1 X 1 X 1
a2 = a x = ax = a= |G| a = a,
|G| x∈G |G| x∈G |G| x∈G |G|

que é o resultado desejado. ¥

Seja A um anel com identidade. Um elemento u ∈ A é uma unidade ou


um elemento invertível de A se existir v ∈ A, em símbolos v = u−1 , tal que

uv = vu = 1.

Vamos denotar o conjunto de todas as unidades de A por U(A) ou A• . Note


que se u, v ∈ U(A), então existem r, s ∈ A tais que

ur = ru = 1 e vs = sv = 1.

Logo,
(uv)(sr) = u(vs)r = u · 1 · r = ur = 1.

Assim, o produto é uma operação binária sobre U(A). Consequentemente,


U(A) é um grupo multiplicativo e será chamado de grupo das unidades de A.
Neste caso, os elementos de A∗ − U(A) são chamados de elementos próprios.
Portanto, concluímos que os elementos de um anel com identidade qualquer
são divididos em três classes: zero, unidades e elementos próprios.
Sejam A um anel qualquer e a ∈ A∗ . Dizemos que a é um elemento regular
de A se para cada b ∈ A as equações

ax = b e ya = b

tenham no máximo uma solução x e y em A ou, equivalentemente, as seguintes


condições são satisfeitas:

ab = ac ⇒ b = c e ba = ca ⇒ b = c, ∀ b, c ∈ A. (Leis do Cancelamento)

Note que um elemento regular não é um divisor de zero à esquerda e nem à


direita. Além disso, se 1 ∈ A e A contém pelo menos dois elementos, então 1
3.1. ANEIS 171

é um elemento regular. Por exemplo, se A = Z × Z, então (a, b) ∈ Z é regular


se, e somente se, a 6= 0 e b 6= 0. Por outro lado, pelo Exemplo 3.14, obtemos

U(A) = {(1, 1), (−1, 1), (1, −1), (−1, −1)}.

Portanto, nem todo elemento regular é um elemento unidade.

Observação 3.13 Um divisor de zero nunca pode ser uma unidade, pois se
u ∈ U(A) e au = 0, para algum a ∈ A∗ , então uv = 1, para algum v ∈ U(A),
de modo que
a = a1 = a(uv) = (au)v = 0v = 0,

o que é uma contradição. De modo inteiramente análogo prova-se para ua = 0.

Exemplo 3.14 Mostre que 0 é o único divisor de zero no anel Z e U(Z) =


{−1, 1}.

Solução. Seja a ∈ Z um divisor de zero. Então, por definição, a é um divisor


de 0. Como 0 divide b, para todo b ∈ Z, temos que 0 é um divisor de a.
Portanto, a = 0. Agora, seja u ∈ U(Z). Então existe v ∈ U(Z) tal que uv = 1.
Logo,
|uv| = |1| = 1 ⇒ |u| = 1 e |v| = 1,

pois se |u| < 1, então

0 < |v| ≤ 1 ⇒ 0 < |uv| ≤ |u| < 1 ⇒ 1 < 1,

o que é uma contradição. Portanto, u ∈ {−1, 1}. ¥

Exemplo 3.15 Seja A = Zn .

1. Mostre que a ∈ Z∗n é um divisor de zero se, e somente se,

mdc(a, n) = d > 1.

2. Mostre que u ∈ U(Zn ) se, e somente se, mdc(u, n) = 1.


172 CAPÍTULO 3. ANEIS

Solução. Vamos provar apenas o item (1). Se a ∈ Z∗n é um divisor de zero,


então a é um divisor de n. Logo, mdc(a, n) = a > 1.
Reciprocamente, se d = mdc(a, n) e d > 1, então n = bd, com 0 < b < n.
Portanto,
n n a
a ¯ b = a ¯ = a · = n · = 0,
d d d
isto é, a é divisor de zero. ¥

Exemplo 3.16 Seja A = C([0, 1], R).

1. Mostre que

U(A) = {f ∈ A : f (x) 6= 0, ∀ x ∈ [0, 1]}.

2. Mostre que A contém uma quantidade infinita de divisores de zeros.

3. Mostre que A contém uma quantidade infinita de elementos que não são
unidades e nem divisores de zeros.

Solução. Vamos provar apenas o itens (2) e (3): (2) Seja a ∈ (0, 1) fixado e
consideremos a função fa ∈ A∗ definida por
(
0, se x ∈ [0, a]
fa (x) =
x − a, se x ∈ [a, 1].

Então existe ga ∈ A∗ definida por


(
a−1
a
x + 1 − a, se x ∈ [0, a]
ga (x) =
0, se x ∈ [a, 1]

tal que fa ga = 0.
(3) Seja a ∈ (0, 1) fixado e consideremos a função fa ∈ A∗ definida por

fa (x) = x − a.

Então fa ∈/ U(A), pois fa (a) = 0. Por outro lado, se existisse g ∈ A∗ tal que
fa g = 0, então (fa g)(x) = 0, para todo x ∈ [0, 1]. Assim, g(x) = 0, para
3.1. ANEIS 173

todo x ∈ [0, 1] − {a}. Logo, pela continuidade de g, obtemos g = 0, o que é


impossível. Portanto, fa não é uma unidade e nem um divisor de zero. ¥

Seja A um anel com identidade. Dizemos que A é uma anel com divisão se

(A , ·) é um grupo. Um corpo é um anel com divisão comutativo, isto é, é um
anel comutativo com identidade tal que U(A) = A∗ .
Note que, para cada x ∈ A∗ , se

Ax = {ax : a ∈ A},

então A é um anel com divisão se, e somente se, Ax = A.

Exemplo 3.17 O espaço vetorial de dimensão quatro sobre R,

H = {a + bi + cj + dk : a, b, c, d ∈ R},

munido com igualdade e soma usual de vetores; a multiplicação é determinada


pelas leis distributivas e a Tábua de Multiplicação

· 1 i j k
1 1 i j k
i i −1 k −j
j j −k −1 i
k k j −i −1

é um anel com divisão que não é um corpo, chamado de anel dos quatérnios ou
álgebra dos quatérnios. A palavra quatérnio significa o elemento de qualquer
conjunto com quatro pessoas ou objetos.

Solução. Vamos provar apenas que qualquer elemento α ∈ H∗ possui um


inverso. Seja
α = a + bi + cj + dk, onde a, b, c, d ∈ R.

Então devemos provar que existe

β = x + yi + zj + tk ∈ H∗ , onde x, y, z, t ∈ R,
174 CAPÍTULO 3. ANEIS

tal que αβ = 1. Mas isto é equivalente a resolver o sistema de equações lineares




⎪ ax − by − cz − dt = 1

⎨ bx + ay − dz + ct = 0

⎪ cx + dy + az − bt = 0


dx − cy + bz + at = 0.

Resolvendo o sistema, obtemos


1
β= (a − bi − cj − dk), onde a, b, c, d ∈ R.
a2 + b2 + c2 + d2
Finalmente, como ij 6= ji temos que H não é um corpo. ¥

Exemplo 3.18 O anel A = Q (R, C ou Q[ p]) é um corpo. Enquanto, o

anel A = Z (Z[ p] ou C([0, 1], R)) não é um corpo.

Seja A um anel. Dizemos que A é um domínio se (A∗ , ·) é um monoide.


Um domínio de integridade ou um anel inteiro é um domínio comutativo Note
que A é um domínio (de integridade) se, e somente se, dados a, b ∈ A,

ab = 0 ⇒ a = 0 ou b = 0

ou, equivalentemente, dados a, b ∈ A,

a 6= 0 e b 6= 0 ⇒ ab 6= 0,

ou seja, se a, b ∈ A∗ , então ab ∈ A∗ .
Seja A um anel com identidade. Dizemos que A é um anel reduzido se
2
a = 0, então a = 0. Por exemplo, se A e B são domínios, então R = A × B é
um anel reduzido.

Exemplo 3.19 Mostre que Zn é um domínio de integridade se, e somente se,


n é um número primo.

Solução. Suponhamos que n não seja um número primo. Então existem


r, s ∈ Z tais que
n = rs, com 1 < r, s < n.
3.1. ANEIS 175

Logo,
r ¯ s = rs = n = 0, com r 6= 0 e s 6= 0,
o que é uma contradição. Portanto, n é um número primo.
Reciprocamente, dados a, b ∈ Zn , se a ¯ b = 0, então n é um divisor de ab.
Logo, pelo Lema de Euclides, n divide a ou n divide b. Assim, a = 0 ou b = 0.
Portanto, Zn é um domínio de integridade. ¥

Exemplo 3.20 Já vimos, no Exemplo 3.16, que o anel A = C([0, 1], R) possui
divisores de zeros. Portanto, A não é um domínio de integridade.

A subtração ou a diferença em um anel com identidade A é definida de


modo usual como
a − b = a + (−1)b.
Portanto,

a(b − c) = ab − ac e (a − b)c = ac − bc, ∀ a, b, c ∈ A.

Proposição 3.21 Sejam A um domínio de integridade e a, b, c ∈ A. Se ab =


ac, então a = 0 ou b = c.

Prova. Se ab = ac, então

a(b − c) = ab − ac = ac − ac = 0.

Logo, por hipótese, a = 0 ou b − c = 0. Portanto, a = 0 ou b = c. ¥

Corolário 3.22 Qualquer domínio de integridade finito é um corpo.

Prova. Seja A um domínio de integridade finito. Como 1 6= 0 temos que A


contém pelo menos dois elementos. Para a ∈ A∗ , é fácil verificar que a função
La : A → A definida por La (x) = ax é injetora. Como A é finito temos que La
é bijetora. Em particular, existe b ∈ A tal que ab = 1, isto é, a ∈ U(A). Sendo
a um elemento arbitrário de A∗ temos que A é um corpo. ¥

Sejam A um anel e a ∈ A. Dizemos que a é um elemento nilpotente de A


se existir n ∈ N tal que an = 0. Note que qualquer elemento nilpotente de A∗
é um divisor de zero, mas a recíproca é falsa, por exemplo, 2 é um divisor de
zero em Z6 que não é nilpotente.
176 CAPÍTULO 3. ANEIS

Exemplo 3.23 Sejam A um anel comutativo com identidade. Se a, b ∈ A são


elementos nilpotentes, então a + b, a − b e ab são nilpotentes.

Solução. Suponhamos que a e b sejam nilpotentes. Então existem m, n ∈ N


tais que
am = 0 e bn = 0.

Pondo k = m + n − 1 (ou k = 2 max{m, n}), obtemos


à !
Xk
k
k
(a + b) = ak−l bl
l=0
l
à ! à !
X
n−1
k Xk
k
= ak−l bl + ak−t bt
l=0
l t=n
t
= 0,

pois k − l = (m − 1) + (n − l) ≥ m e t ≥ n. Portanto, a + b é nilpotente. ¥

Exemplo 3.24 Sejam A um anel com identidade e x ∈ A.

1. Mostre que se existe um único a ∈ A tal que xa = x, então ax = x.

2. Mostre que se x 6= 0 e existe um único y ∈ A tal que xyx = x, então


xy = 1 = yx.

3. Mostre que se x 6= 0 e existem pelo menos dois elementos a, b ∈ A tais


que ax = 1 = bx, então x possui uma quantidade infinita de inverso à
esquerda.

Solução. (1) Como

x(a + ax − x) = xa + xax − x2 = x + x2 − x2 = x

temos, por hipótese, que a + ax − x = a. Portanto, ax = x.


(2) Se xa = 0 e a ∈ A, então

x(y + a)x = xyx + xax = x.


3.1. ANEIS 177

Logo, por hipótese, y + a = y, isto é, a = 0. Assim, xa = 0 implica que a = 0.


Consequentemente,
xyx = x ⇒ x(yx − 1) = xyx − x = 0 ⇒ yx − 1 = 0.
Portanto, yx = 1. De modo inteiramente análogo, prova-se que xy = 1.
(3) Como (xa − 1)x = 0 temos que
zi x = 0, onde i ∈ Z+ e zi = xi (xa − 1).
Logo,
(a + zi )x = 1, ∀ i ∈ Z+ .
Afirmação. Os zi são distintos.
De fato, suponhamos, por absurdo, que zi = zj , com i 6= j, digamos j > i.
Então
xi (xa − 1) = xj (xa − 1).
Assim, multiplicando ambos os lados dessa equação à esquerda por aj , obtemos
xa = 1, pois
aj xj = 1 e aj xi (xa − 1) = aj−i ai xi (xa − 1) = 0.
Portanto, x é uma unidade de A, o que é uma contradição. ¥

Seja A um anel com identidade. Vamos definir uma composição externa ∗


sobre A,
∗ : Z × A → A,
por ⎧

⎨ (n − 1)a + a, se n > 0
na = 0, se n = 0


(−n)(−a) = (n + 1)a − a, se n < 0.
Neste caso,
na = a + · · · + a = (1A + · · · + 1A )a = (n · 1A )a,
para todo a ∈ A, é o produto de dois elementos de A. Os elementos n · 1A
chamam-se os inteiros de A. É importante observar que se o anel A não possuir
elemento identidade, então na não é um produto em A, mas um símbolo que
representa uma soma de elementos de A.
178 CAPÍTULO 3. ANEIS

Proposição 3.25 Sejam A um anel com identidade e a, b ∈ A.

1. n(a + b) = na + nb, para todo n ∈ Z.

2. n(−a) = −(na) = (−n)a, para todo n ∈ Z.

3. m(na) = (mn)a = n(ma), para todos m, n ∈ Z.

4. (m + n)a = ma + na, para todos m, n ∈ Z.

5. (na)b = n(ab) = a(nb), para todo n ∈ Z.

6. (mn)(ab) = (ma)(nb) = (na)(mb), para todos m, n ∈ Z.

Prova. Vamos provar apenas os itens (2) e (5): (2) Como a + (−a) = 0, para
todo a ∈ A, temos que

0 = n0 = n(a + (−a)) = na + n(−a).

Logo, pela unicidade do inverso, n(−a) = −(na), para todo n ∈ Z.


(5) Dado n ∈ Z, temos, pela Lei da Tricotomia, que

n > 0 ou n = 0 ou n < 0.

Se n > 0, então por um argumento de indução, obtemos

n(ab) = (n − 1)(ab) + ab
= ((n − 1)a)b + ab
= [(n − 1)a + a]b
= (na)b.

Se n = 0, então
0(ab) = 0 = 0b = (0a)b.
Se n < 0, então −n > 0 e

n(ab) = −[(−n)(ab)]
= −[(−na)b]
= (na)b.
3.1. ANEIS 179

Portanto, (na)b = n(ab) = a(nb), para todo n ∈ Z. ¥

EXERCÍCIOS

1. Mostre que a propriedade de comutatividade para a adição de anel com


identidade é redundante, isto é, pode ser provada a partir das outras
propriedades.

2. Seja A = {0, a, b, c} munido com as operações binárias + e ·, em que as


relações entre os elementos são dadas pelas tábuas

+ 0 a b c · 0 a b c
0 0 a b c 0 0 0 0 0
a a 0 c b e a 0 a b c
b b c 0 a b 0 0 0 0
c c b a 0 c 0 a b c

Mostre que A é um anel sem identidade e não comutativo.

3. Seja A um anel. Mostre que A◦ com a operação binária

a ◦ b = ba, ∀ a, b ∈ A,

é um anel, chamado de anel recíproco ou anel oposto de A.

4. Seja A um anel tal que a + b = ab, para todos a, b ∈ A. Mostre que


A = {0}.

5. Sejam A um anel não comutativo com identidade. Em que condições o


anel A, com a nova operação binária

a ∗ b = ab + ba, ∀ a, b ∈ A,

é um anel comutativo com identidade?


180 CAPÍTULO 3. ANEIS

6. Mostre que uma estrutura de anel sobre Z é dada por

a ⊕ b = a + b + 1 e a ~ b = ab + a + b.

7. Seja A um anel com identidade e sem divisores de zero.

(a) Mostre que ab = 1 se, e somente se, ba = 1, para todos a, b ∈ A.


(b) Mostre que se a2 = 1, então a = 1 ou a = −1.

8. Seja A um anel com identidade finito. Mostre que qualquer elemento


regular de A é uma unidade.

9. Seja A um domínio de integridade. Mostre que

(a) 0 é o único elemento nilpotente.


(b) 1 é o único elemento idempotente não nulo.

10. Sejam A um anel comutativo com identidade e a ∈ A um elemento


nilpotente.

(a) Mostre que a é zero ou um divisor de zero, não ambos.


(b) Mostre que ra é nilpotente, para todo r ∈ A.
(c) Mostre que u + a é um elemento unidade em A, onde u ∈ U (A).

11. Sejam A um anel comutativo com identidade e G um grupo finito. Mostre


que G ⊆ U (A[G]).

12. Sejam F um corpo, X um conjunto não vazio qualquer e A = F X o anel


das funções. Mostre que A contém um elemento nilpotente diferente da
função nula.

13. Sejam A um anel e e ∈ A tal que e2 = e. Mostre que

(xe − exe)2 = 0 e (ex − exe)2 = 0, ∀ x ∈ A.

Mostre que
eAe = {exe : x ∈ A}
é um anel com identidade e.
3.1. ANEIS 181

14. Seja A um anel. Mostre que A é um anel comutativo se, e somente se,

(a + b)2 = a2 + 2ab + b2 , ∀ a, b ∈ A.

15. Seja A um anel. Mostre que A é um anel comutativo se, e somente se,

a2 − b2 = (a + b)(a − b), ∀ a, b ∈ A.

16. Seja A um anel tal que (A, +) é um grupo cíclico. Mostre que A é um
anel comutativo.

17. Seja A = C(R, R) o anel das funções contínuas de uma variável real.

(a) Mostre que f ∈ A é um divisor de zero se, e somente se, o conjunto

S = {x ∈ R : f (x) = 0}

possui interior não vazio.


(b) Determine elementos em A, os quais não são unidades e nem divi-
sores de zeros

18. Seja A um anel com identidade. Dizemos que A é um anel Booleano se


a2 = a, para todo a ∈ A. Mostre se A é um anel Booleano, então:

(a) ab + ba = 0, para todos a, b ∈ A.


(b) a + a = 0, para todo a ∈ A.
(c) A é um anel comutativo.
(d) Se A contém pelo menos três elementos, então A contém um divisor
de zero próprio.

19. Seja A um anel com identidade. Mostre que A é um anel Booleano se, e
somente se, as seguintes condições são satisfeitas:

1. A é comutativo.
2. A não contém elemento nilpotente diferente de zero.
182 CAPÍTULO 3. ANEIS

3. ab(a + b) = 0, para todos a, b ∈ A.

20. Sejam A um anel e a ∈ A, com a2 = 0. Mostre que ab + ba comuta com


a, para todo b ∈ A.
Q
21. Sejam {Ai }i∈I uma família indexada de aneis e A = i∈I Ai o produto
cartesiano dos Ai . Mostre que A munido com as operações binárias

(ai )i∈I ⊕ (bi )i∈I = (ai + bi )i∈I e (ai )i∈I ~ (bi )i∈I = (ai bi )i∈I

é um anel, chamado o produto direto externo dos Ai .

22. Sejam A e B aneis com identidades.

(a) Mostre que U(A × B) = U(A) × U(B).


(b) Mostre que se m, n ∈ N, com mdc(m, n) = 1, então

φ(mn) = φ(m)φ(n),

em que φ é a função de Euler.

23. Seja A um anel sem identidade. Mostre que uma estrutura de anel com
identidade sobre Z × A é dada por

(m, a) + (n, b) = (m + n, a + b)

e
(m, a) · (n, b) = (mn, ma + nb + ab).

24. (Complexificação) Seja A um anel comutativo com identidade. Mostre


que uma estrutura de anel sobre A × A é dada por

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) e (a, b) · (c, d) = (ac − bd, ad + bc).

25. Seja (" # )


a −b
A= : a, b ∈ C
b a
Mostre que A com as operações usuais de adição e multiplicação de ma-
trizes é um anel com divisão. Além disso, determine U(A).
3.1. ANEIS 183

26. Seja A um anel com pelo menos dois elementos tal que para cada a ∈ A∗
existe um único x ∈ A tal que axa = a.

(a) Mostre que A não possui divisores de zeros.


(b) Mostre que xax = x.
(c) Mostre que A possui identidade.
(d) Mostre que A é um anel com divisão.

27. Seja X um conjunto não vazio qualquer. Mostre que o anel ZX


2 é um
anel Booleano.

28. Sejam X um conjunto não vazio qualquer e P (X) = 2X o conjunto de


todos os subconjuntos de X. Mostre que uma estrutura de anel sobre
P (X) é dada por

A + B = (A − B) ∪ (B − A) = A ∪ B − (A ∩ B) e A · B = A ∩ B.

(a) Mostre que P (X) é um anel Booleano com identidade.


(b) Mostre que qualquer elemento Y ∈ P (X), com Y 6= X, é um divisor
de zero.
(c) Se |X| = n, quantas soluções a equação x2 = x possui em P (X)?

29. Seja A um anel comutativo qualquer. Mostre que o conjunto

B = {a ∈ A : a2 = a}

munido com as operações binárias

a ⊕ b = a + b − 2ab e a ¯ b = ab

é um anel Booleano.

30. Dê exemplo de um anel Booleano infinito.


184 CAPÍTULO 3. ANEIS

31. Sejam X = {1, . . . , n}, P (X) um anel Booleano e a função

fi : P (X) → Z2

definida por (
1, se i ∈ A
fi (A) =
0, se i ∈
/A
Mostre que a função f : P (X) → Zn2 definida por

f (A) = (f1 (A), . . . , fn (A))

é bijetora e satisfaz às seguintes condições:

(a) f (A + B) = f (A) + f (B), para todos A, B ∈ P (X).


(b) f (A · B) = f (A) · f (B), para todos A, B ∈ P (X).

32. Seja G um grupo abeliano aditivo. Mostre que A = End(G) com as


operações usuais de adição e composição de funções é um anel com iden-
tidade. Mostre, com um exemplo, que A não é um anel comutativo.

33. Seja f : R → R uma função. Dizemos que f possui suporte compacto se


existirem a, b ∈ R (dependo de f ) tais que f (x) = 0, para todo x ∈
/ [a, b].
Mostre que o conjunto de todas as funções de suporte compacto é um
anel comutativo sem identidade.

34. Seja A = H o anel dos quatérnios.

(a) Determine todas as soluções da equação x2 = x em A.


(b) Determine todas as soluções da equação x2 + 1 = 0 em A.

3.2 Subaneis
Nesta seção apresentaremos métodos para obter aneis novos a partir de
aneis velhos.
3.2. SUBANEIS 185

Seja A um anel. Dizemos que um subconjunto não vazio B de A é um


subanel de A, em símbolos B ≤ A, quando B munido com as operações binárias
induzidas por A for um anel.
Se A anel e B é um subanel de A, dizemos que A é uma extensão (de anel)
de B. Em particular, se A e B possuem o mesmo elemento identidade, dizemos
que A é uma extensão unitária de B.

Observação 3.26 Seja A um anel qualquer.

1. A admite pelo menos dois subaneis, a saber, A e o subanel trivial {0}.

2. Os subaneis B de A, com B 6= {0} e B 6= A, são chamados de subaneis


próprios.

Proposição 3.27 (Critério de Subaneis) Sejam A um anel e B um sub-


conjunto não vazio de A. Então B é um subanel se, e somente se, as seguintes
condições são satisfeitas:

1. 0 ∈ B, com 0 o elemento neutro de A.

2. Se a, b ∈ B, então a − b ∈ B. (B é um subgrupo de A)

3. Se a, b ∈ B, então ab ∈ B. (fechamento)

Prova. Suponhamos que B seja um subanel de A. Seja 00 o elemento neutro


de B. Então devemos provar que 0 = 00 . Como 00 + 00 = 00 e 00 ∈ A temos que

0 = 00 − 00 = (00 + 00 ) − 00 = 00 + (00 − 00 ) = 00 + 0 = 00 .

Assim, as afirmações (1), (2) e (3) são claras.


Reciprocamente, dados a, b, c ∈ B temos que

a(bc) = (ab)c, a(b + c) = ab + ac e (a + b)c = ac + bc,

pois a, b, c ∈ A. Assim, elas valem em B. Portanto, B é um subanel de A. ¥

Observação 3.28 Sejam A um anel, B um subanel de A e C um subanel de


B. Então C é um subanel de A.
186 CAPÍTULO 3. ANEIS

Exemplo 3.29 Seja A = Z o anel dos números inteiros. Mostre que o con-
junto
B = nZ = {na : a ∈ Z}
é um subanel de A, onde n ∈ Z+ .

Solução. É claro que 0 ∈ B, pois 0 = n0. Se a, b ∈ B, então existem m, k ∈ Z


tais que a = nm e b = nk. Logo,

a − b = nm − nk = n(m − k) ∈ B,

pois m − k ∈ Z.
Finalmente,
ab = (nm)(nk) = n(mkn) ∈ B,
pois mkn ∈ Z. Portanto, B é um subanel de A. ¥

Exemplo 3.30 Sejam A um anel e S um subconjunto não vazio de A. Mostre


que o conjunto
CA (S) = {a ∈ A : as = sa, ∀ s ∈ S}
é um subanel de A, chamado o centralizador de S em A. Além disso, se
a ∈ U(A) e a ∈ CA (S), então a−1 ∈ CA (S).

Solução. É claro que 0 ∈ CA (S), pois 0s = 0 = s0, para todo s ∈ S. Se


a, b ∈ CA (S), então as = sa, para todo s ∈ S e bt = tb, para todo t ∈ S. Logo,

(a − b)s = as − bs
= sa − sb
= s(a − b), ∀ s ∈ S.

Assim, a − b ∈ CA (S).
Finalmente,

(ab)s = a(bs) = a(sb)


= (as)b = (sa)b
= s(ab), ∀ s ∈ S.

Logo, ab ∈ CA (S). Portanto, CA (S) é um subanel de A.


3.2. SUBANEIS 187

Exemplo 3.31 Seja A um anel. Mostre que o conjunto

Z(A) = {a ∈ A : ab = ba, ∀ b ∈ A}

é um subanel de A, chamado o centro de A (prove isto!). Além disso, se


a ∈ U(A) e a ∈ Z(A), então a−1 ∈ Z(A).

Exemplo 3.32 O conjunto



Z[i] = Z[ −1] = {a + bi : a, b ∈ Z}

é um subanel do corpo dos números complexos C, chamado de anel dos inteiros


de Gauss (prove isto!). Neste caso,

U(Z[i]) = {1, −1, i, −i}.

Mas o conjunto B ⊆ Z[i] munido com a nova multiplicação

(a + bi) ∗ (c + di) = ac + (ad + bc)i

é um anel que não é um subanel de C.

Exemplo 3.33 Seja p um número primo fixado. Mostre que o conjunto


na o
Bp = : a, b ∈ Z, com b 6= 0 e p - b
b
é um subanel de Q.

Solução. É claro que 0 ∈ Bp . Se r, s ∈ Bp , então


a c
r= e s = , com p - b e p - d.
b d
Logo,
ad − bc ac
r−s= ∈ Bp e rs = ∈ Bp ,
bd bd
pois, pelo Lema de Euclides, p não divide bd. Portanto, Bp é um subanel de
Q. ¥
188 CAPÍTULO 3. ANEIS

Exemplo 3.34 O anel Z2 = {0, 1} não é um subanel do anel Z3 = {0, 1, 2},


pois
1 = 1 + 0 = 1 + 2 = 3 = 0.

Exemplo 3.35 Sejam A um anel e B um subanel de A com identidade 1B 6= 0,


a qual não é identidade de A. Mostre que 1B é um divisor de zero de A.

Solução. Como 1B não é um elemento identidade de A temos que existe a ∈ A


tal que a1B = b 6= a (1B a = b 6= a). Logo,

b1B = (a1B )1B = a(1B 1B ) = a1B ⇒ (b − a)1B = 0

e
1B b = 1B (1B a) = (1B 1B )a = 1B a ⇒ 1B (b − a) = 0.
Assim, 1B é um divisor de zero de A, pois a 6= b. ¥

Exemplo 3.36 Sejam A = Z × Z e

B = Z × {0} = {(a, b) ∈ A : b = 0}.

Então é fácil verificar que B é um subanel com identidade (1, 0) 6= (1, 1). Neste
caso, (1, 0) é um divisor de zero de A, pois (1, 0)(0, 1) = (0, 0).

Proposição 3.37 Sejam A um domínio de integridade e B um subanel de A


com identidade 1B . Então 1A = 1B .

Prova. Como 12B = 1B temos que

1B (1B − 1A ) = 12B − 1B 1A = 12B − 1B = 0.

Logo, por hipótese, 1B − 1A = 0. Portanto, 1A = 1B . ¥

Note que qualquer anel com identidade possui pelo menos dois elementos
idempotentes, a saber, 0 e 1.

Proposição 3.38 Seja A um anel. Então A é um anel com divisão se, e


somente se, as equações ax = b e ya = b possuem soluções, para todos a, b ∈ A,
com a 6= 0.
3.2. SUBANEIS 189

Prova. Suponhamos que A seja um anel com divisão. Então é fácil verificar
que x0 = a−1 b e y0 = ba−1 são soluções das equações ax = b e ya = b.
Reciprocamente, se a, b ∈ A∗ , então ab ∈ A∗ , pois se ab = 0, então abx = 0,
para todo x ∈ A. Como bx = c possui solução temos que ac = 0, para todo
c ∈ A. Logo, a = 0, pois ac = a, para algum c ∈ A, o que é uma contradição.
Assim, A não possui divisores de zeros próprios. Seja x = e ∈ A uma solução
da equação ax = a. Então e 6= 0 e

a(e − e2 ) = ae − ae2 = a − ae = a − a = 0.

Assim, e2 = e e e é um elemento idempotente de A.


Afirmação. ea = a = ae, para todo a ∈ A.
De fato,

(ae − a)e = ae2 − ae = ae − ae = 0


⇒ ae = a.

Finalmente, se a ∈ A∗ , então existe b ∈ A tal que ab = e. Note que

(ba − e)b = bab − eb = b − b = 0


⇒ ba = e.

Portanto, A é um anel com divisão. ¥

Proposição 3.39 Sejam A um anel e {Bi }i∈I uma família indexada de sub-
aneis de A. Então
\
B= Bi
i∈I

é um subanel de A. Neste caso, B é o maior subanel de A contido em cada


Bi .

Prova. É claro que 0 ∈ B, pois 0 ∈ Bi , para todo i ∈ I. Se a, b ∈ B, então


a, b ∈ Bi , para todo i ∈ I. Logo, a − b ∈ Bi e ab ∈ Bi , para todo i ∈ I. Assim,
a − b, ab ∈ B. Portanto, B é um subanel de A. ¥
190 CAPÍTULO 3. ANEIS

Sejam A um anel e S um subconjunto de A. Seja F a família de todos os


subaneis de A contendo S, isto é,

F = {B ≤ A : S ⊆ B}.

Como A ∈ F temos que F 6= ∅. Seja


\
R= B.
B∈F

Então, pela Proposição 3.39, R é um subanel de A e S ⊆ R.


Finalmente, seja L um subanel qualquer de A tal que S ⊆ L. Então L ∈ F
e R ⊆ L. Portanto, R é o menor subanel de A contendo S. O subanel R é
chamado o subanel de A gerado por S e será denotado por

R = [S].

Neste caso, temos a existência de um menor subanel de A contendo S.

Proposição 3.40 Sejam A um anel e S um subconjunto não vazio de A.


Então ( n à mj ! )
X Y
[S] = ± aij : n, mj ∈ N e aij ∈ S .
j=1 i=1

Prova. É fácil verificar que o conjunto


( n à mj ! )
X Y
B= ± aij : n, mj ∈ N e aij ∈ S
j=1 i=1

é um subanel de A contendo S, pois n = m1 = 1 ∈ N e s = a11 ∈ S.


Finalmente, seja R um subanel qualquer de A tal que S ⊆ R. Então
à mj !
Xn Y
± aij ∈ R, onde n, mi ∈ N e aij ∈ S.
j=1 i=1

Logo, B ⊆ R. Portanto, B é o menor subanel de A contendo S. Assim,


B ⊆ [S]. Como S ⊆ B temos que [S] ⊆ B, isto é, B = [S]. ¥
3.2. SUBANEIS 191

Sejam A um anel com identidade e S = {a1 , . . . , am } um subconjunto de


A. Então é fácil verificar que

[S] = [a1 , . . . , am ]
½ n ¾
P Pn
i1 im
= ··· bi1 ,...,im a1 · · · am : bi1 ,...,im ∈ Z e n ∈ Z+ .
im =0 i1 =0

Em particular, se A é um anel com identidade, então [∅] = [{0}] = [{1A }].


Sejam A um anel comutativo com identidade, S um subconjunto de A e B
um subanel de A com a mesma identidade de A. Definimos o subanel de A
obtido de B pela adjunção de S por

B[S] = [B ∪ S].

Então
½ ¾
P
n P
n
B[S] = ··· bi1 ,...,im ai11 · · · aimm : n ∈ Z+ , bi1 ,...,im ∈ B, a1 , . . . , am ∈ S
im =0 i1 =0

Em particular, se S = {a}, então


( n )
X
B[a] = bi ai : bi ∈ B e n ∈ Z+ .
i=0

Seja A um anel com identidade. Então existe um menor subconjunto S de


A tal que

1. 1 ∈ S.

2. Se a ∈ S, então a + 1 ∈ S.

Além disso, a + b ∈ S e ab ∈ S, para todos a, b ∈ S.


De fato, seja F o conjunto de todos os subconjuntos de A que satisfazem
às condições (1) e (2). Então F 6= ∅, pois A ∈ F. Assim,
\
P = S
S∈F

tem as propriedade desejadas. Agora, para um a ∈ P fixado, consideremos o


conjunto
B = {b ∈ A : a + b ∈ P }.
192 CAPÍTULO 3. ANEIS

Então 1 ∈ B e se b ∈ B, então b + 1 ∈ B, pois (a + b) + 1 ∈ P . Logo, P ⊆ B.


Portanto, a + b ∈ P , para todo b ∈ P .
Observe que
P = {n1A : n ∈ N}.

Se 0 ∈ P , então P contém um menor elemento, digamos k1A = 0 e (k − 1)1A 6=


0. Note que k é igual a ordem do elemento 1A no grupo aditivo de A. Neste
caso, o conjunto
P = {0, 1A , 21A , . . . , (k − 1)1A }

chama-se o subanel primo de A. Caso contrário, (0 ∈


/ P ) a ordem de 1A é
infinita.

Proposição 3.41 Seja A um anel com identidade. Então:

1. Se |h1A i| = k 6= ∞, então |hai| divide k, para todo a ∈ A.

2. Se |hai| 6= |h1A i|, então a é um divizor de zero em A.

Prova. Seja n = |hai|. Então, pelo Algoritmo da Divisão, existem únicos


q, r ∈ Z tais que
k = nq + r, com 0 ≤ r < n.

Logo,
ra = (k − nq)a = ka − q(na) = 0,

pois ka = (k · 1A )a. Portanto, r = 0 e n divide k. ¥

Seja A um anel com identidade. A característica de A é definida como:


(
k, se |h1A i| = k 6= ∞
car(A) =
0, se |h1A i| = ∞.

Proposição 3.42 Seja A um domínio de integridade. Então a característica


de A é zero ou um número primo.
3.2. SUBANEIS 193

Prova. Seja k a característica de A. Se k 6= 0, então k · 1A = 0. Suponhamos,


por absurdo, que k não seja primo, digamos k = mn, com 1 < m, n < k. Então

0 = k · 1A = (mn)1A = (m · 1A )(n · 1A ).

Por hipótese, m1A = 0 ou n1A = 0. Logo,

ma = m(1A · a) = (m · 1A )a = 0,

para todo a ∈ A. De modo inteiramente análogo, prova-se que na = 0, para


todo a ∈ A. Assim, característica de A é menor do que ou igual ao

max{m, n} < k,

o que é uma contradição. ¥

EXERCÍCIOS

1. Seja A um anel. Mostre que as seguintes condições são equivalentes:

(a) A não possui divisores de zero;


(b) Vale as leis do cancelamento, isto é,

ab = ac, a 6= 0 ⇒ b = c

e
ba = ca, a 6= 0 ⇒ b = c;

(c) Para qualquer a ∈ A∗ e b ∈ A, cada uma das equações ax = b e


ya = b possuem no máximo uma solução x ou y.

2. Sejam A um anel e a ∈ A. Mostre que

(a) C (a) = {r ∈ A : ar = ra} é um subanel de A.


194 CAPÍTULO 3. ANEIS
T
(b) Z (A) = a∈A C (a).

3. Seja A um anel. Mostre que se A é um anel com divisão, então C (a) é


um anel com divisão, para todo a ∈ A.

4. Mostre que qualquer subanel de um corpo que contém a identidade é um


domínio de integridade.

5. Sejam A = M2 (R) e
(" # )
a b
B= : a, b ∈ R .
0 0

Mostre que B é um subanel de A sem identidade, mas possui uma quan-


tidade infinita de elementos identidade à esquerda.

6. Sejam A um anel e S um subconjunto de A.

(a) Mostre que o conjunto

AnnA (S) = {a ∈ A : as = 0, ∀ s ∈ S}

é um subanel de A, chamado o anulador (à esquerda) de S em A.


(b) Mostre que se S1 e S2 são subconjuntos de A, onde S1 ⊆ S2 , então
AnnA (S2 ) ⊆ AnnA (S1 ).
(c) Se A = M2 (R) e
(" # )
a b
S= : a, b ∈ R ,
0 0

determine AnnA (S).

7. Quais dos subconjuntos abaixo são subaneis de Q?


©m ª
(a) A = n
∈ Q : mdc(m, n) = 1 e n um número ímpar .
©m ª
(b) B = n
∈ Q : mdc(m, n) = 1 e n um número par .
(c) C = {r2 : r ∈ Q}.
3.2. SUBANEIS 195
©m ª
(d) D = n
∈ Q : mdc(m, n) = 1 e m um número ímpar .
©m ª
(e) E = n
∈ Q : mdc(m, n) = 1 e m um número par .

8. Quais dos subconjuntos abaixo são subaneis de C([0, 1], R)?

(a) A = {f ∈ C([0, 1], R) : f (r) = 0, para todo r ∈ Q ∩ [0, 1]}.


(b) B = {f ∈ C([0, 1], R) : f é um polinômio}.
(c) C = {f ∈ C([0, 1], R) : f tenha um número finito de zeros} ∪ {0}.
(d) D = {f ∈ C([0, 1], R) : f tenha um número infinito de zeros}.
(e) E = {f ∈ C([0, 1], R) : limx→1+ f (x) = 0}.
(f) D = {a cos mx + b sen nx : a, b ∈ Q e m, n ∈ Z+ }.

9. Sejam A um anel e B um subanel de A definidos por


⎧⎡ ⎤ ⎫ ⎧⎡ ⎤ ⎫

⎨ a 0 0 ⎪
⎬ ⎪
⎨ a 0 0 ⎪

⎢ ⎥ ⎢ ⎥
A= ⎣ 0 0 b ⎦ : a, b, c ∈ R e B = ⎣ 0 0 0 ⎦ : a ∈ R .

⎩ ⎪
⎭ ⎪
⎩ ⎪

0 0 c 0 0 0

Mostre que B possui elemento identidade, mas A não.

10. Sejam A um anel com identidade e B um subanel de A contendo a


identidade de A. Mostre que U(B) ⊆ U(A). Mostre, com um exemplo,
que a recíproca é falsa.

11. Seja A o grupo dos números racionais de módulo um. Mostre que se A
munido com uma operação binária ∗ for um anel, então A é o anel trivial.

12. Seja A um anel reduzido. Mostre que qualquer elemento idempotente de


A pertence ao Z (A).

13. Seja A uma anel tal que a2 + a ∈ Z (A), para todo a ∈ A. Mostre que A
é um anel comutativo.

14. Seja A um anel com identidade tal que a3 = a, para todo a ∈ A. Mostre
que A é um anel comutativo.
196 CAPÍTULO 3. ANEIS

15. Seja A um anel com identidade tal que a4 = a, para todo a ∈ A. Mostre
que A é um anel comutativo.

16. Sejam F um corpo e A um domínio de integridade, onde F ⊆ A. Mostre


que se a dimensão de A como um espaço vetorial sobre F for finita, então
A é um corpo.
Q
17. Sejam {Ai }i∈I uma família indexada de aneis e A = i∈I Ai o produto
direto externo dos Ai . Mostre que o conjunto
X
Ai
i∈I

de todos os elementos (ai )i∈I ∈ A tais que ai = 0, para todos exceto


um número finito de i ∈ I, é um subanel de A, chamado a soma direto
externo dos Ai .

18. Seja Z o anel dos números inteiros.

(a) Mostre que se ak b = n, onde a, b, k ∈ Z, então ab é um elemento


nilpotente de Zn .
(b) Mostre que se a ∈ Z, então a ∈ Zn é nilpotente se, e somente
se, qualquer divisor primo de n é um divisor de a. Em particular,
determine os elementos nilpotentes de Z72 .

19. Seja Zn o anel dos inteiros de módulo n. Então Zn não possui elementos
nilpotentes não nulos se, e somente se, n é um inteiro livre de quadrados.

20. Seja K um corpo. Dizemos que um subconjunto não vazio F de K é um


subcorpo de K quando F munido com as operações binárias induzidas
por K é um corpo. Mostre que F é um subcorpo de K se, e somente se,
as seguintes condições são satisfeitas:

(a) 0 ∈ F , com 0 o elemento neutro de K.


(b) Se a, b ∈ F , então a − b ∈ F .
(c) Se a, b ∈ F , com b 6= 0, então ab−1 ∈ F .
3.2. SUBANEIS 197

21. Sejam K um corpo e F = {F : F subcorpo de K}. Mostre que


\
P = F
F ∈F

é um subcorpo de K. Neste caso, P chama-se o subcorpo primo de K.

22. Sejam F um corpo qualquer e a, b ∈ F distintos. Mostre que F munido


com as novas operações binárias

(x − a)(y − b)
x⊕y =x+y−a e x¯y =a+
b−a
é um corpo (Geometricamente isto significa uma mudança de origem e
de escala). Mostre que se denotarmos esse novo corpo por K, então um
subconjunto de F que é subanel de K não é necessariamente um subanel
de F .

23. Sejam K um corpo e L = K − {−1, 0, 1}.

(a) Mostre que {Pa : a ∈ L} é uma partição de L, com Pa = {a, a−1 }.


(b) Mostre que se K é um corpo finito, então
Y
a = −1.
a∈K ∗

(c) Mostre o Teorema de Wilson: Se p é um número primo, então

(p − 1)! ≡ −1 (mod p).

24. Seja A = Zn o anel dos inteiros de módulo n.

(a) Determine todas as soluções da equação x2 = x em A, quando


n ∈ {10, 20, 30}.
(b) Determine todas as soluções da equação x2 = x em A, quando
n = pk e p um número primo fixado.

25. Seja A = H o anel dos quatérnios. Determine Z (A).


198 CAPÍTULO 3. ANEIS
√ √
26. Seja N : Z[ d] → Z[ d] a função definida por N (α) = αα = a2 − db2 ,
√ √
onde d ∈ Z − {0, 1} é livre de quadrados e α = a + b d = a − b d a
conjugação de α.

(a) Mostre que N(αβ) = N(α)N(β), para todos α, β ∈ Z[ d].

(b) Mostre que α ∈ U(Z[ d]) se, e somente se, N(α) = ±1.

27. Seja F : C → C a função definida por F (a + bi) = a − bi.

(a) Mostre que F 2 = I.


(b) Mostre que F (α + β) = F (α) + F (β), para todos α, β ∈ C.
(c) Mostre que F (αβ) = F (α)F (β), para todos α, β ∈ C.
(d) Mostre que F (αα) = |α|2 , para todo α ∈ C.
(e) Usando os itens (c) e (d), mostre que

(a2 + b2 )(c2 + d2 ) = (ac − bd)2 + (ad + bc)2 , ∀ a, b ∈ R.

28. Sejam H o anel dos quatérnios e ∗ : H → H a função definida por

(a + bi + cj + dk)∗ = a − bi − cj − dk.

(a) Mostre que α∗∗ = (α∗ )∗ = α, para todo α ∈ H.


(b) Mostre que (α + β)∗ = α∗ + β ∗ , para todos α, β ∈ H.
(c) Mostre que αα∗ = α∗ α é real e positivo, para todo α ∈ H.
(d) Mostre que (αβ)∗ = β ∗ α∗ , para todos α, β ∈ H.

29. Definimos N(α) = αα∗ e T (α) = 2a, para todo α = a+bi+cj +dk ∈ H.

(a) Mostre que α satisfaz a equação

x2 − T (α)x + N(α) = 0.

(b) Mostre que N(αβ) = N(α)N(β), para todos α, β ∈ H.


3.2. SUBANEIS 199

(c) Mostre a Identidade de Lagrange

(a2 + b2 + c2 + d2 )(x2 + y 2 + z 2 + t2 ) = a20 + b20 + c20 + d20 ,

em que
a0 = ax − by − cz − dt
b0 = bx + ay − dz + ct
c0 = cx + dy + az − bt
d0 = dx − cy + bz + at.
(d) Mostre que α ∈ U(H) se, e somente se, N(α) 6= 0.

30. Seja A = M2 (R).

(a) Determine Z (A).


(b) Mostre que
à !
a b
A= ∈ U(A) ⇔ ad − bc 6= 0.
c d

Neste caso, determine A−1 .


(c) Mostre que se A ∈ A∗ é um divisor de zero, então det(A) = 0.
Mostre que se A ∈ A∗ e det(A) = 0, então A é um divisor de zero.
(d) Mostre que se B é o subanel de A gerado por todas as matrizes
simétricas, então B = A.

31. Seja ω = exp( 2πi


3
) a raiz cúbica da unidade.

(a) Mostre que o conjunto A = Z[ω] = {a + bω : a, b ∈ Z} munido com


as operações binárias

α + β = (a + c) + (b + d)ω

e
α · β = (ac − bd) + (ad + bc − bd)ω,
onde α = a+bω, β = c+dω ∈ A, é um subanel do corpo dos números
complexos C, chamado de anel dos inteiros de Eisenstein-Jacobi.
200 CAPÍTULO 3. ANEIS

32. Seja N : Z[ω] → Z[ω] a função definida por N(α) = αα = a2 − ab + b2 ,


com α = a + bω = a + bω 2 a conjugação de α.

(a) Mostre que N(αβ) = N(α)N(β), para todos α, β ∈ Z[ω].


(b) Mostre que α ∈ U(Z[ω]) se, e somente se, N(α) = ±1.
(c) Mostre que U(Z[ω]) = {1, −1, ω, −ω, ω 2 , −ω2 }.

33. Sejam G um grupo finito, com |G| = n > 1, e A um anel comutativo


com identidade.

(a) Mostre que o anel A[G] possui sempre divisores de zeros.


(b) Mostre que G ⊆ U(A[G]).
(c) Mostre que se G = Q8 é o grupo dos quatérnios, então R[G] 6= H.

34. Sejam M = M2 (Z) e A ∈ M ∗ tal que A2 = λA, para algum λ ∈ Z∗ .

(a) Mostre que o conjunto

B = {mA : m ∈ Z}

é um subanel comutativo de M.
(b) Mostre que B possui elemento identidade se, e somente se, λ = ±1.
Neste caso, determine U(B).
(c) Mostre que B não possui divisores de zero próprios.
(d) Mostre que nA divide mA em B se, e somente se, λ = n = ±1.
Determine os elementos a ∈ B que têm a seguinte propriedade:

a | bc ⇒ a | b ou a | c.

(e) Mostre que mA possui um divisor próprio se, e somente se, m = λk,
em que k é um número composto.
Capítulo 4

Homomorfismos e Aneis
Quocientes

Nesta capítulo, de um ponto de vista axiomático, apresentaremos os con-


ceitos de homomorfismo de aneis e teoremas de isomorfismos, ideais em um
anel, o qual é análogo ao conceito de subgrupos normais em um grupo, e aneis
quocientes.

4.1 Homomorfismos de Aneis


Sejam A e B aneis quaisquer. Uma função σ : A → B é um homomorfismo
de aneis se

σ(a + b) = σ(a) + σ(b) e σ(ab) = σ(a)σ(b), ∀ a, b ∈ A.

Intuitivamente, um homomorfismo de aneis σ de A em B é uma função que


preserva as operações dos aneis. Observe que um homomorfismo de aneis
σ : A → B é necessariamente um homomorfismo de grupos abelianos aditivos.
Consequentemente, a mesma terminologia é usada: σ é um monomorfismo
(epimorfismo, isomorfismo, etc.)

Proposição 4.1 Sejam A, B aneis e σ : A → B um homomorfismo de aneis.


Então:

201
202 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

1. σ(0) = 0.

2. σ(−a) = −σ(a), para todo a ∈ A.

3. Se A e B possuem identidades e σ(1A ) = 1B , então σ(na) = nσ(a), para


todo a ∈ A e n ∈ Z.

4. Se A possui identidade e B é um domínio de integridade, então σ ≡ 0


ou σ(1A ) = 1B .

5. Se A é um corpo e B é um domínio de integridade, então σ ≡ 0 ou σ é


injetora.

Prova. Vamos provar apenas o item (4). Como

(σ(1A ))2 = σ(1A )σ(1A ) = σ(1A · 1A ) = σ(1A )

temos que σ(1A ) é um elemento idempotente em B. Logo, por hipótese,


σ(1A ) = 0 ou σ(1A ) = 1B . Se σ(1A ) = 0, então

σ(a) = σ(1A · a) = σ(1A )σ(a) = 0σ(a) = 0, ∀ a ∈ A.

Portanto, σ ≡ 0. ¥

Exemplo 4.2 (Homomorfismo Característico) Seja A qualquer anel com


identidade. Então existe um único homomorfismo de aneis σ : Z → A tal que
σ(1) = 1A . Neste caso,

Im σ = [1A ] = {n · 1A : n ∈ Z}

é o subanel (dos inteiros) de A gerado por 1A .

Solução. Pela Proposição 3.25, a função σ : Z → A definida por σ(n) = n · 1A


é homomorfismo de aneis, com σ(1) = 1A .
Reciprocamente, seja σ : Z → A homomorfismo de aneis qualquer. Então

σ(0) = 0, σ(n + 1) = σ(n) + σ(1) e σ(n) = σ(n)σ(1), ∀ n ∈ Z.

Além disso, σ(−k) = −σ(k), para todo k ∈ Z. Suponhamos que σ(1) = 1A .


Então, indutivamente, obtemos σ(n) = n · 1A , para todo n ∈ Z. ¥
4.1. HOMOMORFISMOS DE ANEIS 203

Exemplo 4.3 Sejam n ∈ Z fixado e σn : Z −→ Z a função definida por


σ n (a) = na, para todo a ∈ Z. Mostre que σn ∈ End (Z) se, e somente se,
n ∈ {0, 1}. Neste caso, End (Z) = {0, I}.

Solução. Dados a, b ∈ Z, obtemos

σ n (ab) = n(ab) e σ n (a)σ n (b) = (na)(nb) = n2 (ab).

Logo, σ n é um homomorfismo de aneis se, e somente se, n2 = n se, e somente se,


n ∈ {0, 1}. Note a diferença entre homomorfismo de grupos e homomorfismo
de aneis. ¥

Exemplo 4.4 A função σ : Z −→ Zn definida por σ(a) = a, para todo a ∈ Z,


é um epimorfismo (prove isto!).

Exemplo 4.5 A função σ : C −→ C definida por σ(a + bi) = a − bi, para todo
a + bi ∈ C, é um automorfismo (prove isto!).

Exemplo 4.6 Mostre que Aut(Z[ d]) = {I, σ}, onde d ∈ Z − {0, 1} é livre
√ √ √ √
de quadrados e σ : Z[ d] −→ Z[ d] é definida por σ(a + b d) = a − b d,
√ √
para todo a + b d ∈ Z[ d].
√ √
Solução. É claro que a função σ : Z[ d] −→ Z[ d] definida por
√ √
σ(a + b d) = a − b d,
√ √
para todo a + b d ∈ Z[ d], é um automorfismo.

Reciprocamente, seja ϕ ∈ Aut(Z[ d]). Então

ϕ(0) = 0, ϕ(1) = 1 e ϕ(−1) = −1.

Assim, dado n ∈ Z, temos, pela Lei da Tricotomia, que

n > 0 ou n = 0 ou n < 0.

Se n > 0, então

ϕ(n) = ϕ(1 + · · · + 1) = ϕ(1) + · · · + ϕ(1) = nϕ(1) = n.


204 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Se n = 0, então ϕ(0) = 0. Se n < 0, então

ϕ(n) = ϕ(−1(−n)) = ϕ(−1)ϕ(−n) = (−1)(−n) = n.

Logo, ϕ(n) = n, para todo n ∈ Z. Como


√ √ √ √ √
(ϕ( d))2 = ϕ( d)ϕ( d) = ϕ( d d) = ϕ(d) = d
√ √ √ √
temos que ϕ( d) = d ou ϕ( d) = − d. Assim,
√ √ √ √ √ √
ϕ(a + b d) = a + b d ou ϕ(a + b d) = a − b d, ∀ a + b d ∈ Z[ d].

Portanto, ϕ = I ou ϕ = σ. ¥

Exemplo 4.7 Mostre que Aut(R) = {I}.

Solução. Seja ϕ ∈ Aut(R). Então, pelo Exemplo 4.6, ϕ(n) = n, para todo
n ∈ Z. Seja n ∈ Z∗ . Então
µ ¶ µ ¶ µ ¶ µ ¶
1 1 1 1 1
1 = ϕ(1) = ϕ n · = ϕ(n)ϕ = nϕ ⇒ϕ = .
n n n n n

Logo, µ ¶ µ ¶
³m´ 1 1 1 m
ϕ =ϕ m· = ϕ(m)ϕ =m· = .
n n n n n
Assim, ϕ(r) = r, para todo r ∈ Q. Dado a ∈ R, com a > 0, existe b ∈ R tal
que b2 = a. Logo,
ϕ(a) = ϕ(b2 ) = (ϕ(b))2 > 0,

isto é, ϕ preserva ordem.


Finalmente, dado x ∈ R, existem sequências (rn ) e (sn ) em Q tais que

rn < x < sn e lim rn = x = lim sn .


n→∞ n→∞

Assim,
rn < ϕ(x) < sn ⇒ ϕ(x) = x.

Portanto, ϕ = I. ¥
4.1. HOMOMORFISMOS DE ANEIS 205

Seja σ : A −→ B um homomorfismo de aneis. A imagem de σ é o conjunto

Im σ = {b ∈ B : b = σ(a), para algum a ∈ A}


= {σ(a) : a ∈ A}
= σ(A).

O núcleo de σ é o conjunto

ker σ = {a ∈ A : σ(a) = 0} = σ−1 (0).

Se C é um subconjunto de B, então a imagem inversa (ou pullback) de C é o


conjunto
σ −1 (C) = {a ∈ A : σ(a) ∈ C}.

Proposição 4.8 Sejam A, B aneis e σ ∈ Hom (A, B). Então:

1. Im σ é um subanel de B.

2. ker σ é um subanel de A. Em particular, ax, xa ∈ ker σ, para todo a ∈ A


e x ∈ ker σ.

3. Para quaisquer a, b ∈ A, σ(a) = σ(b) se, e somente se, b − a ∈ ker σ.

4. σ é um monomorfismo se, e somente se, ker σ = {0}.

5. σ é um epimorfismo se, e somente se, Im σ = B. Neste caso, dizemos


que B é a imagem homomórfica de A.

6. σ é um isomorfismo se, e somente se, existir σ−1 ∈ Hom (B, A) tal que
σ ◦ σ−1 = IB e σ −1 ◦ σ = IA se, e somente se, ker σ = {0} e Im σ = B.

Prova. Vamos provar apenas os itens (1) e (2): É claro que 0 ∈ Im σ. Dados
c, d ∈ Im σ, existem a, b ∈ A tais que c = σ(a) e d = σ(b). Logo,

c − d = σ(a) − σ(b) = σ(a) + σ(−b) = σ(a − b) ∈ Im σ,

pois a − b ∈ A, e
cd = σ(a)σ(b) = σ(ab) ∈ Im σ,
206 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

pois ab ∈ A. Portanto, Im σ é um subanel de A.


(2) É claro que 0 ∈ ker σ. Dados a, b ∈ ker σ, obtemos

σ(a − b) = σ(a) + σ(−b) = σ(a) − σ(b) = 0 − 0 = 0

e
σ(ab) = σ(a)σ(b) = 0 · 0 = 0.

Logo, a − b, ab ∈ ker σ. Portanto, ker σ é um subanel de A.


Finalmente, se x ∈ ker σ e a ∈ A, então

σ(ax) = σ(a)σ(x) = σ(a)0 = 0.

Portanto, ax ∈ ker σ, para todo a ∈ A e x ∈ ker σ. ¥

Exemplo 4.9 Sejam K um corpo, G um grupo finito e V(G, K) o espaço


vetorial de todas as funções de G em K.

1. Consideremos a função ϕu : K[G] → V(G, K) definida por ϕu (x) = ax ,


em que
X
u= ax x.
x∈G

Mostre que
X
ϕu+v = ϕu + ϕv e ϕuv (z) = ϕu (x)ϕv (x−1 z).
x∈G

2. Mostre que V(G, K) é um anel e a função ψ : K[G] → V(G, K) definida


por ψ(u) = ϕu é um isomorfismo de aneis.

Solução. Vamos provar apenas o item (1). Se


X
v= by y,
y∈G

então
ϕu (x) + ϕv (x) = ax + bx = ϕu+v (x), ∀ x ∈ G,
4.1. HOMOMORFISMOS DE ANEIS 207

isto é, ϕu+v = ϕu + ϕv . Como


à ! à !
X X X X
uv = ax by z = ax bx−1 z z
z∈G xy=z z∈G x∈G

temos que
X
ϕuv (z) = ϕu (x)ϕv (x−1 z), ∀ z ∈ G,
x∈G

que é o resultado desejado. ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam A um anel com identidade, B um anel sem divisores de zero e


σ : A → B um homomorfismo de aneis tal que σ(a) 6= 0, para algum
0 6= a ∈ A. Mostre que B é um anel com identidade σ(1).

2. Sejam A um anel, S um conjunto não vazio qualquer e σ : S → A uma


bijeção. Para cada x, y ∈ S, definimos

x ⊕ y = σ −1 (σ(x) + σ(y)) e x ~ y = σ −1 (σ(x)σ(y)),

Mostre que S com estas operações é um anel isomorfo a A.

3. Sejam A um anel comutativo com identidade e a ∈ A fixado.

(a) Mostre que a função La : A → A definida por La (x) = ax é um


homomorfismo de aneis se, e somente se, a2 = a.

(b) Determine todos os endomorfismos dos aneis Z, Zn , Q e Q[ 3 2].

4. Sejam A, B anéis e σ : A → B uma função com as seguintes propriedades:

(a) σ(x + y) = σ(x) + σ(y), para todos x, y ∈ A.


(b) σ(xy) = σ(x)σ(y) ou σ(xy) = σ(y)σ(x), para todos x, y ∈ A.
208 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Mostre que σ(ab) = σ(a)σ(b), para todos a, b ∈ A ou σ(ab) = σ(b)σ(a),


para todos a, b ∈ A.

5. Seja A um anel finito, com p elementos e p um número primo. Mostre


que A é isomorfo a Zp ou ab = 0, para todos a, b ∈ A.

6. Seja A um anel.

(a) Mostre que uma estrutura de anel sobre A × A é dada por

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d), ∀ a, b, c, d ∈ A,

e
(a, b) · (c, d) = (ac, ad + bc), ∀ a, b, c, d ∈ A.

(b) Mostre que a função σ : A × A → M2 (A) definida por


" #
a b
σ(a, b) =
0 a

é um homomorfismo de aneis.
(c) Podemos usar o item (b) para provar o item (a) sem a necessidade
de verificar todos os axiomas de aneis?

7. Sejam A um anel comutativo com identidade e B = A × A sua comple-


xificação.

(a) Mostre que a função λ : A → B definida por λ(a) = (a, 0) é um


monomorfismo. Portanto, podemos identificar A com o subanel
λ(A) de B. Neste caso, pondo i = (0, 1), cada elemento de B pode
ser escrito sob a forma binomial a + bi, para todos a, b ∈ A, onde
i2 = −1 ∈ A. Assim, vamos denotar A × A por A[i] = A ⊕ Ai.
(b) Mostre que a função σ : A[i] → M2 (A) definida por
" #
a −b
σ(a + bi) =
b a

é um homomorfismo de aneis.
4.1. HOMOMORFISMOS DE ANEIS 209

8. Seja σ : A → B um homomorfismo de aneis.

(a) Mostre que se A possui identidade, então σ(1A ) é o elemento identi-


dade de σ(A). Mostre, com exemplo, que B pode não ter elemento
identidade.
(b) Mostre que se
(" # )
a 0
A= :a∈R e B = M2 (R),
0 0

então A e B possuem identidade, mas o homomorfismo inclusão


λ : A → B não satisfaz λ(1A ) = 1B . Mais geralmente, considere a
função λ : Z → B definida por λ(n) = nE11 .

9. Sejam A um anel e G = (A, +) o grupo aditivo de A.

(a) Mostre, para um a ∈ A fixado, que a função La : G → G definida


por La (x) = ax é um endomorfismo de grupos.
(b) Mostre que a função ϕ : A → End(G) definida por ϕ(a) = La é um
homomorfismo de aneis.
(c) Determine o ker(ϕ). Conclua que ker(ϕ) = AnnA (A) o anulador á
esquerda de A.
(d) Mostre que o conjunto

B = {σ ∈ End(G) : σ(xy) = σ(x)y, ∀ x, y ∈ A}

é um subanel de End(G) contendo Im(ϕ). Conclua que B = Im(ϕ)


se, e somente se, A é um anel com identidade.
√ √
10. Mostre que os aneis Z[ 2] e Z[ 3] não são isomorfos.

11. Sejam m, n ∈ N.

(a) Mostre que existe um epimorfismo σ : Zm → Zn se, e somente se, n


divide m.
210 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

(b) Mostre que existe um monomorfismo σ : Zm → Zn se, e somente se,


¡n ¢
m divide n e mdc m , m = 1.
(c) Mostre que se u ∈ U(Zn ), então a função σ : Zn → Zn definida por
σ(x) = ux é bijetora.

12. Seja {p1 , p2 , . . .} o conjunto de todos os números primos.

(a) Mostre, para um n ∈ N fixada, que a projeção canônica

Y
n
π:Z→ Zpi
i=1

é sobrejetora mas não é injetora.


(b) Mostre que a projeção canônica

Y

π:Z→ Zpi
i=1

é injetora mas não é sobrejetora.

13. Sejam A um anel com identidade. Dizemos que um elemento a ∈ A


possui um inverso à direita se existir b ∈ A tal que ab = 1. Neste caso,
a é chamado um inverso à esquerda de b.

(a) Sejam G o grupo abeliano aditivo de todas as sequências (an )n∈Z+ ,


onde an ∈ Z2 , e σ ∈ End(G) definido por

σ(a0 , a1 , a2 , . . .) = (a1 , a2 , a3 , . . .).

Determine todos os inversos à direita de σ no anel End(G).


(b) Seja A um anel com identidade. Mostre que se a ∈ A possui dois in-
versos à direita diferentes, então ele possui uma quantidade infinita
de inversos à direita.
(c) Seja A um anel com identidade. Mostre que se a ∈ A possui um
inverso à direita, então a é um divisor de zero ou uma unidade.
4.2. ANEIS QUOCIENTES 211

14. Sejam A um domínio de integridade de característica um número primo


p e n ∈ Z. Mostre que a função σ : A → A definida por σ(a) = na é um
homomorfismo de aneis se, e somente se, n ≡ 1 (mod p).

15. (Homomorfismo de Frobenius) Seja A um anel comutativo com iden-


tidade de característica um número primo p. Mostre que a função σ :
A → A definida por σ(a) = ap é um homomorfismo de aneis.

16. Seja A um domínio de integridade finito de característica um número


primo p.

(a) Mostre que a função σ : A → A definida por σ(a) = ap é um


automorfismo.
(b) Mostre que Aut(Zp ) = {I}. Conclua que ap ≡ a (mod p), para todo
a ∈ Z.
(c) Mostre o Teorema de Fermat: Se mdc(a, p) = 1, então

ap−1 ≡ 1 (mod p).

17. Sejam A um domínio de integridade de característica diferente de 2 e

H = {a2 : a ∈ U(A)}.

Mostre que H é um subgrupo de U(A), com [U(A) : H] = 2.

4.2 Aneis Quocientes


Sejam A um anel e I um subconjunto não vazio de A. Dizemos que I é um
ideal à esquerda em A se as seguintes condicões são satisfeitas:

1. Se x, y ∈ I, então x − y ∈ I. (I é um subgrupo do grupo aditivo de A)

2. Se a ∈ A e x ∈ I, então ax ∈ I. (fechado para a operação externa


A × I → I).
212 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

De modo inteiramente análogo, definimos ideal à direita em A.


Finalmente, dizemos que I é um ideal em A, em símbolos I E A, se as
seguintes condições são satisfeitas:

1. Se x, y ∈ I, então x − y ∈ I.

2. Se a ∈ A e x ∈ I, então ax ∈ I e xa ∈ I.

Note que se definirmos

aI = {ax : x ∈ I} e Ia = {xa : x ∈ I},

então I é um ideal à esquerda ou à direita em A quando aI ⊆ I ou Ia ⊆ I.

Observação 4.10 Seja A um anel qualquer:

1. Qualquer ideal à esquerda ou à direita em A é um subanel de A. Mas a


recíproca é, em geral, falsa.

2. Qualquer ideal em A é ambos à esquerda e à direita.

3. Se A é um anel comutativo, então qualquer ideal à esquerda ou à direita


é um ideal.

4. Qualquer anel A admite pelo menos dois ideais, a saber, A e o ideal


trivial {0}.

5. Os ideais I em A, com I 6= A, são chamados de ideais próprios.

Exemplo 4.11 Seja A = M2 (R). Então o conjunto


(" # )
a 0
I= : a, b ∈ R
b 0

é um ideal à esquerda em A, mas não é à direita. Enquanto, o conjunto


(" # )
a b
I= : a, b ∈ R
0 0

é um ideal à direita em A, mas não é à esquerda (prove isto!).


4.2. ANEIS QUOCIENTES 213

Exemplo 4.12 Mostre que qualquer ideal I do anel dos números inteiros Z é
da forma
I = (n) = nZ = {na : a ∈ Z},
para algum n ∈ Z+ . Neste caso, subanel é igual a ideal.

Solução. É fácil verificar que o conjunto

(n) = nZ = {na : a ∈ Z}

é um ideal em Z.
Reciprocamente, seja I um ideal em Z. Se I = {0}, então I = (0). Se
I 6= {0}, então existe m ∈ Z tal que m ∈ I e −m ∈ I, pois I é um subgrupo
do grupo aditivo de Z. Logo,

S = {n ∈ N : n ∈ I} 6= ∅.

Assim, pelo Principio da Boa Ordenação, S contém um menor elemento, di-


gamos k ∈ S. Donde k ∈ I.
Afirmação. I = kZ.
De fato, é claro que kZ ⊆ I, pois I é um ideal em A. Por outro lado, dado
m ∈ I, temos, pelo Algoritmo da Divisão, que existem únicos q, r ∈ Z tais que

m = qk + r, com 0 ≤ r < k.

Se r > 0, então r = m + (−q)k ∈ I, o que contradiz a minimalidade de k.


Assim, r = 0 e m = kq ∈ kZ. Portanto, I ⊆ kZ. ¥

Exemplo 4.13 Sejam A = F([0, 1], R) e a ∈ [0, 1] fixado. Mostre que o


conjunto
Ma = {f ∈ A : f (a) = 0}
é um ideal em A.

Solução. É claro que 0 ∈ Ma . Dados h ∈ A e f, g ∈ Ma , obtemos

(f − g)(a) = f (a) − g(a) = 0 − 0 = 0 e (hf )(a) = h(a)f (a) = h(a)0 = 0.

Assim, f − g, hf ∈ Ma . Portanto, Ma é um ideal em A. ¥


214 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Exemplo 4.14 Mostre que se σ : A → B é um homomorfismo de aneis, então


ker σ é um ideal em A (prove isto!).

Exemplo 4.15 O anel dos números inteiros Z não é um ideal do corpo dos
números racionais Q, pois 12 ∈ Q e 3 ∈ Z, mas
3 1
= ·3∈
/ Z.
2 2
Note que Z é um subanel de Q.

Exemplo 4.16 Sejam A um anel com identidade e I um ideal em A. Mostre


que 1 ∈ I se, e somente se, I = A.

Solução. É claro que se I = A, então 1 ∈ I, pois A é um anel com identidade.


Reciprocamente, dado a ∈ A, obtemos

a = 1a = a1 ∈ I.

Portanto, I = A. ¥

Proposição 4.17 Sejam A um anel e {Ii }i∈Λ uma família indexada de ideais
à esquerda em A. Então \
J= Ii
i∈Λ

é um ideal à esquerda em A. Neste caso, J é o maior ideal à esquerda em A


contido em cada Ii .

Prova. É claro que 0 ∈ J, pois 0 ∈ Ii , para todo i ∈ Λ. Se x, y ∈ J, então


x, y ∈ Ii , para todo i ∈ Λ. Logo, x − y ∈ Ii , para todo i ∈ Λ. Assim, x − y ∈ J.
Portanto, J é um subgrupo de A.
Finalmente, se a ∈ A e x ∈ J, então x ∈ Ii , para todo i ∈ Λ. Logo, ax ∈ Ii ,
para todo i ∈ Λ. Assim, ax ∈ J. Portanto, J é um ideal à esquerda em A. ¥

Sejam A um anel, S um subconjunto não vazio de A e F a família de todos


os ideais à esquerda em A contendo S, isto é,

F = {I E A : S ⊆ I}.
4.2. ANEIS QUOCIENTES 215

Como A ∈ F temos que F 6= ∅. Seja


\
J= I.
I∈F

Então, pela Proposição 4.17, J é um ideal à esquerda em A e S ⊆ J.


Finalmente, seja K um ideal à esquerda qualquer em A tal que S ⊆ K.
Então K ∈ F e J ⊆ K. Portanto, J é o menor ideal à esquerda em A contendo
S. O ideal à esquerda J é chamado o ideal à esquerda em A gerado por S e
será denotado por
J = (S).
Neste caso, temos a existência de um menor ideal à esquerda em A contendo
S.
Se S = {s1 , s2 , . . . , sn }, então

(S) = (s1 , s2 , . . . , sn ).

Se existir um subconjunto finito {a1 , a2 , . . . , an } em A tal que

J = (a1 , a2 , . . . , an ),

dizemos que J é um ideal à esquerda finitamente gerado e {a1 , a2 , . . . , an } é


um conjunto de geradores de J. Em particular, se J = (a), para algum a ∈ A,
dizemos que J é um ideal à esquerda principal em A.

Exemplo 4.18 Seja A um anel com identidade. Mostre que A é um anel com
divisão se, e somente se, A não possui ideais próprios à esquerda.

Solução. Seja I um ideal à esquerda em A, com I 6= {0}. Então existe a ∈ I,


com a 6= 0. Assim,
1 = a−1 a ∈ I.
Logo, I = A. Portanto,A não possui ideais próprios à esquerda.
Reciprocamente, dado x ∈ A, , com x 6= 0. obtemos

Ax = {ax : a ∈ A}

é um ideal à esquerda em A. Logo, A = Ax. Como 1 ∈ A temos que existe


y ∈ A tal que yx = 1. É fácil verificar que xy = 1. Portanto, (A∗ , ·) é um
grupo. Consequentemente, A é um anel com divisão. ¥
216 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Proposição 4.19 Sejam A um anel e S um subconjunto não vazio qualquer


de A. Então (S) é o conjunto de todas as somas finitas de elementos da forma

ns1 + as2 + s3 b + cs4 d, onde n ∈ Z, a, b, c, d ∈ A e s1 , s2 , s3 , s4 ∈ S.

Além disso, se A é um anel comutativo com identidade, então


( n )
X
(S) = AS = ai si : n ∈ N, ai ∈ A e si ∈ S
i=1
= As1 + As2 + · · · + Asn ,

pois nsi = (n1A )si ∈ Asi . Em particular, se S = {s}, então

(S) = (s) = {as : a ∈ A} = As

é um ideal principal em A.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Exemplo 4.20 Sejam A = Z e I = (4, 6). Mostre que I = (2) = 2A.

Solução. Como 2 = 6 − 4 temos que (2) = 2A ⊆ I.


Reciprocamente, dado x ∈ I, existem a, b ∈ A tais que

x = 4a + 6b ⇒ x = 2(2a + 3b) ∈ (2).

Portanto, I ⊆ (2). ¥

Exemplo 4.21 Sejam A = C([0, 1], R) e a ∈ [0, 1] fixado. Mostre que o con-
junto
Ma = {f ∈ A : f (a) = 0}

é um ideal não principal em A.

Solução. Suponhamos, por absurdo, que exista g ∈ A tal que

Ma = (g) = gA = {gh : h ∈ A}.


4.2. ANEIS QUOCIENTES 217

Note que
lim g(x) = 0 = g(a).
x→a

Consideremos a função f ∈ A definida por


p
f (x) = |g(x)|

Então f ∈ Ma , mas f ∈
/ (g) (prove isto!), o que é uma contradição. Portanto,
Ma não é um ideal principal em A. ¥

Seja A um anel. Dizemos que A é um anel simples se A2 6= {0} e os únicos


ideais em A são {0} e A. Note que se A é um anel com identidade, então a
condição A2 6= {0} é sempre satisfeita.

Exemplo 4.22 Mostre que qualquer anel com divisão é um anel simples.

Solução. Sejam A um anel com divisão e I um ideal em A. Suponhamos que


I 6= {0}. Então I contém um elemento não nulo a ∈ A. Logo, dado x ∈ A,
obtemos
x = x1 = (xa−1 )a ∈ I.

Portanto, I = A. ¥

Exemplo 4.23 Seja A = Mn (R). Mostre que A é um anel simples, com

Z(A) = {aIn : a ∈ R}.

Neste caso, dizemos que A é uma álgebra central simples.

Solução. Seja I um ideal em A. Suponhamos que I 6= {0}. Então I contém


uma matriz não nula
A = [aij ] ∈ A,
218 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

com akl 6= 0, para algum k, l = 1, . . . , n. Como


à n n !
XX
Eik AElj = Eik apq Epq Elj
p=1 q=1
X
n X
n
= apq (Eik Epq ) Elj
p=1 q=1
X
n X
n
= apq δkp Eiq Elj
p=1 q=1
X
n
= akq Eiq Elj
q=1
X
n
= akq δql Eij = akl Eij
q=1

temos que
¡ ¢
Eij = a−1
kl Eik AElj ∈ I.

Em particular,
In = E11 + · · · + Enn ∈ I.
Portanto, I = A.
Finalmente, é claro que

{aIn : a ∈ R} ⊆ Z(A).

Por outro lado, dado A = [apq ] ∈ Z(A) e i, j ∈ {1, . . . , n}, com i 6= j, obtemos
à n n !
XX Xn X n X
n
Eij A = Eij apq Epq = apq Eij Epq = ajq Eiq
p=1 q=1 p=1 q=1 q=1

e à n n !
XX X
n X
n X
n
AEij = apq Epq Eij = apq Epq Eij = api Epj .
p=1 q=1 p=1 q=1 p=1

Logo,
X
n X
n
ajq Eiq = api Epj .
q=1 p=1
4.2. ANEIS QUOCIENTES 219

Se j 6= q, então ajq = 0 e ajj = aii . Portanto, A = aIn , com a = aii ,


i = 1, . . . , n. ¥

Seja A um anel. Dizemos que A é um anel de ideais principais se qualquer


ideal em A for principal. Em particular, quando um anel de ideais principais
for um domínio de integridade, dizemos que A é domínio de ideais principais
(DIP ).

Exemplo 4.24 Os aneis Z e Zn , onde n ∈ N, são aneis de ideais principais.

Sejam A um anel e I um ideal em A. Dados a, b ∈ A, dizemos que a é


congruente a b módulo I se a − b ∈ I, em símbolos

a ≡ b (mod I) ⇔ a − b ∈ I ⇔ b − a ∈ I.

Proposição 4.25 Sejam A um anel e I um ideal em A. Então:

1. A congruência módulo I é uma relação de equivalência sobre A.

2. A classe de equivalência de a em A é igual ao conjnuto

a = a + I = {a + x : x ∈ I}.
S
3. A = a∈A (a + I).

4. Duas classes laterais de I em A são disjuntas ou iguais.

5. Para quaisquer a, b ∈ A, a + I = b + I se, e somente se, b − a ∈ I.

Prova. Fica como um exercício. ¥

O conjunto
a + I = {a + x : x ∈ I}
chama-se a classe lateral de I em A e o elemento a chama-se um representante
da classe lateral .
Pelos itens (3) e (4) da Proposição 4.25, o conjunto de todas as classes
laterais de I em A forma uma partição de A e será denotado por
A A
= = {a + I : a ∈ I}.
I ≡
220 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Teorema 4.26 Sejam A um anel e I um subgrupo do grupo aditivo de A.


Então I é um ideal em A se, e somente se, as operações binárias

(a + I) ⊕ (b + I) = (a + b) + I, ∀ a, b ∈ A,

e
(a + I) ~ (b + I) = ab + I, ∀ a, b ∈ A,
estão bem definidas.

Prova. Suponhamos que I seja um ideal em A. Como A é um grupo abeliano


aditivo temos que I é um subgrupo normal em A. Assim, a operação binária
⊕ está bem definida. Agora, dados a, b, c, d ∈ A, suponhamos que

a + I = c + I e b + I = d + I.

Então existem x, y ∈ I tais que a = c + x e b = d + y. Logo,

ab = (c + x)(d + y) = cd + cy + xd + xy.

Assim,
ab + I = cd + I, pois cy + xd + xy ∈ I,
isto é, a operação binária ~ está bem definida.
Reciprocamente, dados a ∈ A e x ∈ I, obtemos

0+I = I =x+I
⇒ ax + I = (a + I) ~ (x + I) = (a + I) ~ (0 + I) = I
⇒ ax ∈ I.

Portanto, I é um ideal em A. ¥
A
Corolário 4.27 Sejam A um anel e I um ideal em A. Então I
munido com
as operações binárias

(a + I) ⊕ (b + I) = (a + b) + I, ∀ a, b ∈ A,

e
(a + I) ~ (b + I) = (ab) + I, ∀ a, b ∈ A,
4.2. ANEIS QUOCIENTES 221

é um anel, chamada de anel quociente ou anel fator de A por I. Em particular,


se A é um anel comutativo com identidade, então AI é um anel comutativo com
identidade 1 + I.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Exemplo 4.28 Sejam n ∈ Z+ e Zn o anel dos números inteiros de módulo n.


Então
Z
= Zn ,
nZ
pois
a = {b ∈ Z : b ≡ a (mod n)}
= {a + nk : k ∈ Z}
= a + nZ.

Teorema 4.29 Qualquer ideal é núcleo de um homomorfismo.

Prova. Sejam A um anel e σ : A → B um homomorfismo de aneis. Então,


pelo item (2) da Proposição 4.8, I = ker σ é um ideal em A.
Reciprocamente, seja I um ideal em A. Então a função
A
π:A³
I
definida por π(a) = a + I é um epimorfismo, pois dados a, b ∈ A,
π(a + b) = (a + b) + I = (a + I) ⊕ (b + I) = π(a) ⊕ π(b)
e
π(ab) = (ab) + I = (a + I) ~ (b + I) = π(a) ~ π(b).
Finalmente,
ker π = {a ∈ A : π(a) = 0 + I = I}
= {a ∈ A : a + I = I}
= {a ∈ A : a ∈ I} = I.
Portanto, I = ker π. ¥

A função π é chamado de epimorfismo canônica ou projeção canônica.


222 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

EXERCÍCIOS

1. Seja A um anel comutativo com identidade. Mostre que u ∈ U(A) se, e


somente se, (u) = A.

2. Sejam A um anel comutativo com identidade e a, b ∈ A. Mostre que


(a) ⊆ (b) se, e somente se, a = xb, para algum x ∈ A.

3. Sejam A um domínio de integridade e a, b ∈ A. Mostre que (a) = (b) se,


e somente se, a = ub, para algum u ∈ U(A).

4. Sejam A um anel e I ideal em A. Mostre que AI é um anel comutativo


se, e somente se, ab − ba ∈ I, para todos a, b ∈ A.

5. Sejam A um anel com identidade e S um subconjunto não vazio qualquer


de A.

(a) Mostre que o conjunto


( n )
X
AS = (S) = ai xi : n ∈ N, xi ∈ S e ai ∈ A
i=1

é um ideal à esquerda em A. Em particular, se S = {x}, então

Ax = (x) = {ax : a ∈ A}.

(b) Mostre que o conjunto


( n )
X
SA = (S) = xi bi : n ∈ N, xi ∈ S e bi ∈ A
i=1

é um ideal à direita em A. Em particular, se S = {x}, então

xA = (x) = {xb : b ∈ A}.


4.2. ANEIS QUOCIENTES 223

(c) Mostre que o conjunto


( n )
X
ASA = (S) = ai xi bi : n ∈ N, xi ∈ S e ai , bi ∈ A
i=1

é um ideal em A. Em particular, se S = {x}, então


( )
Xn
AxA = (x) = ax + xb + ai xbi : n ∈ N e a, ai , b, bi ∈ A .
i=1

(d) Conclua que se A é um anel comutativo com identidade, então os


ideais acima coincidem.

6. Sejam A um anel e I um ideal em A. Definimos o conjunto

C(I) = {x ∈ A : xa − ax ∈ I, ∀ a ∈ A}.

Mostre que C(I) é um subanel de A.

7. Sejam A um anel com identidade e n ∈ Z.

(a) Mostre que I = {na : a ∈ A} é um ideal em A. Neste caso, o anel


quociente An = AI chama-se anel residual de A módulo n.
(b) Mostre que I = {a ∈ A : na = 0} é um ideal em A.

8. Sejam A um anel comutativo com identidade e I um ideal em A. Dado


a ∈ A − I, mostre que

(I, a) = {m + xa : m ∈ I e x ∈ A},

com (I, a) = (I ∪ {a}) o ideal gerado por I e a.

9. Sejam A um anel comutativo com identidade e I, J ideais em A. Mostre


que o conjunto

I : J = {x ∈ A : xb ∈ I, ∀ b ∈ J}

é um ideal em A, chamado de ideal quociente em A.


224 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

10. Sejam A um anel e I, J ideais em A. Mostre que se I ∩ J = {0}, então


ab = 0, para todo a ∈ I e b ∈ J.

11. Sejam A um anel e I, J ideais em A.

(a) Mostre que o conjunto

I + J = {a + b : a ∈ I e b ∈ J}

é um ideal em A.
(b) Seja
S = {ab : a ∈ I e b ∈ J},

definimos IJ como o ideal gerado por S, isto é, IJ = (S). Mostre


que ( n )
X
IJ = ai bi : n ∈ N, ai ∈ I e bi ∈ J .
i=1

12. Sejam A um anel e I(A) o conjunto de todos os ideais em A munido com


as operações binárias

I + J e IJ, ∀ I, J ∈ I(A).

(a) Mostre que I(A) com a adição é um monoide comutativo.


(b) Mostre que a função σ : A → I(A) definida por σ(a) = (a) é um
homomorfismo de monoides. Conclua que se A é um anel de ideais
principais, então σ é sobrejetora.
(c) Mostre que I(A) com a multiplicação é um semigrupo. Em par-
ticular, se A é um anel comutativo com identidade, então I(A) é
comutativo com identidade A.
(d) Mostre que vale as leis distributivas em I(A).

Neste caso, dizemos que I(A) é um quasianel.


4.2. ANEIS QUOCIENTES 225

13. Seja Z o anel dos números inteiros. Dados m, n ∈ Z, considere os ideais


principais I = (m) = mZ e J = (n) = nZ. Mostre que

I + J = (mdc(n, m)), I ∩ J = (mmc(n, m)),


IJ = (mn) e I : J = (k),

com k mdc(m, n) = m.

14. Sejam A um anel comutativo e I, J ideais em A.

(a) Mostre que IJ ⊆ I ∩ J. Em particular, mostre que se I + J = A,


então IJ = I ∩ J.
(b) Mostre que I ∪ J é um ideal em A se, e somente se, I ⊆ J ou J ⊆ I.

Note, como uma consequência do item (a), que para cada ideal I em A,
obtemos uma cadeia descendente de ideais em A, a saber,

I ⊇ I2 ⊇ I3 ⊇ · · · ⊇ In ⊇ · · · .

15. Sejam A um anel e I, J e K ideais em A.

(a) Mostre que I + J = I se, e somente se, J ⊆ I.


(b) Mostre que I ∩ J = I se, e somente se, I ⊆ J.
(c) Mostre que (I ∩ K) + (J ∩ K) ⊆ (I + J) ∩ K. Mostre que vale a
igualdade se I ⊆ K ou J ⊆ K.

16. Seja A = M2 (Q). Mostre que


(" # )
a b
I= : a, b ∈ Q
0 0

é um ideal à direita principal em A. Generalize para A = Mn (Q).

17. Sejam A um anel e S um subconjunto não vazio qualquer de A. Mostre


que o conjunto

AnnA (S) = {a ∈ A : sa = 0, ∀ s ∈ S}
226 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

é um ideal à direita em A, chamado o anulador à direita de S em A.


Em particular, mostre que AnnA (S) é um ideal em A se S é um ideal à
direita (à esquerda) em A. Além disso, mostre que se A é um anel com
identidade, então AnnA (S) = {0}.

18. Seja σ : A → B um homomorfismo de aneis.

(a) Mostre que se I é um ideal em A, então σ(I) é um ideal em σ(A).


(b) Mostre, com um exemplo, que se I é um ideal em A, então σ(I) não
é necessariamente um ideal em B.
(c) Mostre que se J é um ideal em B, então σ−1 (J) é um ideal em A
contendo ker σ.

19. Sejam A um anel comutativo e I um ideal em A. Mostre que o conjunto

Rad(I) = {a ∈ A : an ∈ I, para algum n ∈ Z+ }

é um ideal em A que contém I, chamado o radical de I. Além disso,


mostre que Rad(Rad(I)) = Rad(I).

20. Sejam K um corpo qualquer e V um espaço vetorial sobre K.

(a) Mostre que A = K × V munido com as operações binárias

(a, u) + (b, v) = (a + a.u + v) e (a, u) · (b, v) = (ab, av + bu),

onde (a, u), (b, v) ∈ A, é um anel comutativo com identidade.


(b) Mostre que qualquer ideal I em A, com I 6= A, é da forma I =
{0} × W , onde W é um subespaço de V .
(c) Mostre que Rad(I) = {0} × V .
(d) Mostre que se (a, u) · (b, v) ∈ I e (b, v) ∈
/ {0} × V , então (a, u) ∈ I.

21. Seja σ : A → B um homomorfismo de aneis sobrejetor. Mostre que se A


é um anel de ideais principais, então B é um anel de ideais principais.
4.2. ANEIS QUOCIENTES 227

22. Mostre que


Z[2i] = {a + 2ib : a, b ∈ Z}
não é um ideal do anel dos números inteiros de Gauss Z[i].

23. Determine todos os ideais de Z × Z.

24. Seja A um anel comutativo com identidade. Mostre que se A é um anel


simples, então A é um corpo.

25. Sejam p um número primo fixado e

Hp = {a + bi + cj + dk : a, b, c, d ∈ Zp }

o anel dos quatérnios de módulo p. Mostre que Hp é um anel simples,


mas não é um anel com divisão.

26. Seja A = P (X) o anel de todos subconjuntos de um conjunto X. Mostre


que o conjunto
F(X) = {Y ⊆ X : |Y | < ∞}
é um ideal em P (X). Além disso, mostre que P (Y ) e P (X − Y ) são
ideais principais em P (X), com

P (X) = P (Y ) ⊕ P (X − Y ),

para qualquer subconjunto Y de X.

27. Sejam

A = RR , B = {g ∈ A : g é contínua}, I = {gI : g ∈ B e g(0) = 0}

e
J = {gI2 + nI2 : g ∈ B, n ∈ Z e g(0) = 0},
com I(x) = x, para todo x ∈ R. Mostre que I é um ideal em B e J é um
ideal em I, mas J não é um ideal em B.

28. Sejam A um anel comutativo com identidade e I um ideal em A.


228 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

(a) Mostre que Mn (I) é um ideal em Mn (A).


(b) Seja K um ideal em Mn (A) e consideremos o conjunto

J = {a ∈ A : a é uma entrada de alguma matriz de K}.

Mostre que J é um ideal em A.


(c) Mostre que K = Mn (J).
(d) Mostre que se K = Mn (I), para algum ideal I em A, então J = I.

29. Seja p um número primo fixado. Mostre que o conjunto


na o
Ap = : a, b ∈ Z e p - b
b
é um domínio de integridade sob as operações induzidas por Q. Além
disso,

(a) Mostre que na o


U(Ap ) = ∈ Ap : p - a e p - b .
b
(b) Mostre que Ap é um domínio de ideais principais.

4.3 Teoremas de Isomorfismos


Nestas seção vamos estudar alguns teoremas de estruturas para aneis, os
quais podem ser provados adaptando os argumentos usados nas provas dos
teoremas análogos para grupos.

Teorema 4.30 Sejam A um anel e I um ideal em A. Então o par ordenado


µ ¶
A

I
possui a seguinte propriedade universal: Dados qualquer anel B e qualquer
homomorfismo de aneis ϕ : A → B, onde I ⊆ ker ϕ, existe um único homo-
morfismo de aneis
A
ψ: →B
I
tal que ψ ◦ π = ϕ. Além disso,
4.3. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 229

ker ϕ
1. Im ψ = Im ϕ e ker ψ = I
.

2. ψ é um isomorfismo se, e somente se, ϕ é um epimorfismo e I = ker ϕ.

Prova. (Existência) Note que ψ ◦ π = ϕ significa que

ϕ(a) = ψ ◦ π(a) = ψ(π(a)) = ψ(a + I), ∀ a ∈ A.

Assim, vamos definir a função


A
ψ: →B
I
por ψ(a + I) = ϕ(a). Então ψ está bem definda e é um homomorfismo aneis,
pois dados a, b ∈ A, obtemos

a+I = b + I ⇒ a − b ∈ I ⊆ ker ϕ
⇒ ϕ(a) = ϕ(b)
⇒ ψ(a + I) = ψ(b + I),

isto é, ψ está bem definda;

ψ((a + I) ⊕ (b + I)) = ψ(a + b + I)


= ϕ(a + b) = ϕ(a) + ϕ(b)
= ψ(a + I) + ψ(b + I)

ψ((a + I) ~ (b + I)) = ψ(ab + I)


= ϕ(ab) = ϕ(a)ϕ(b)
= ψ(a + I)ψ(b + I).

(Unicidade) Seja
A
ψ0 : →B
I
tal que ψ0 ◦ π = ϕ. Então

ψ0 (a + I) = ϕ(a) = ψ(a + I), ∀ a ∈ A.

Portanto, ψ0 = ψ. ¥
230 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Corolário 4.31 (Primeiro Teorema de Isomorfismo) Seja σ : A → B


um homomorfismo de aneis. Então

A
' Im σ.
ker σ
Prova. Como σ : A → Im σ é um epimorfismo temos, pelo Teorema 4.30, com
I = ker σ, que
A
' Im σ,
ker σ
que é o resultado desejado. ¥

Observação 4.32 O anel


A
ker σ
é, às vezes, chamado de coimagem de σ. Se Im σ é um ideal em B, então o
anel
B
Im σ
é chamado de conúcleo de σ.

Exemplo 4.33 Sejam A um anel com identidade, a ∈ Z(A) fixado e S um


subconjunto não vazio qualquer de A. Mostre que a função

ϕa : AS → A

definida por ϕa (f ) = f (a) é um homomorfismo de aneis, chamado de homo-


morfismo avaliação (ou homomorfismo substituição) em a. Conclua que

AS
' A.
ker ϕa

Solução. Dados f, g ∈ AS , obtemos

ϕa (f + g) = (f + g)(a) = f (a) + g(a) = ϕa (f ) + ϕa (g)

e
ϕa (f g) = (f g)(a) = f (a)g(a) = ϕa (f )ϕa (g).
4.3. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 231

Logo, ϕa é um homomorfismo de aneis. Dado b ∈ A, existe a função constante


f ∈ AS igual b tal que ϕa (f ) = f (a) = b, isto é, ϕa é sobrejetora.
Finalmente, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,
AS
' A,
ker ϕa
que é o resultado desejado. ¥

Corolário 4.34 Sejam σ : A → B um homomorfismo de aneis, I um ideal


em A, J um ideal em B, onde σ(I) ⊆ J. Então a função
A B
ψ: →
I J
definida por ϕ(a + I) = σ(a) + J é um homomorfismo de aneis. Além disso,
ϕ é um isomorfismo se, e somente se, Im σ + J = B e σ −1 (J) ⊆ I. Em
particular, se σ é um epimorfismo tal que σ(I) = J e ker σ ⊆ I, então ϕ é um
isomorfismo.

Prova. Basta aplicar o Teorema 4.30 a função ϕ = π 1 ◦ σ, com


B
π1 : B ³
J
o epimorfismo canônico. ¥

Exemplo 4.35 Seja A um anel com identidade. Então B ' Z ou B ' Zn ,


para algum subanel B de A e n ∈ N.

Solução. Pelo Exemplo 4.2, existe um único homomorfismo de aneis σ : Z →


A tal que σ(1) = 1A . Logo, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,
Z
' Im σ.
ker σ
Como ker σ = {0} ou ker σ = nZ = (n), para algum n ∈ N, temos que
Im σ ' Z ou Im σ ' Zn , para algum n ∈ N. ¥

Corolário 4.36 (Segundo Teorema de Isomorfismo) Sejam A um anel,


B subanel de A e I um ideal em A. Então:
232 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

1. O conjunto
B + I = {b + x : b ∈ B e x ∈ I}

é um subanel de A.

2. I é um ideal em B + I.

3. B ∩ I é um ideal em B.

4.
B+I B
' .
I B∩I
Prova. Vamos provar apenas o item (4). Basta aplicar o Primeiro Teorema
de Isomorfismo a função σ = π1 ◦ λ, com
B+I
λ : B → B + I e π1 : B + I ³
I
a inclusão e o epimorfismo canônico, pois I E B + I e ker(σ) = B ∩ I. ¥

Corolário 4.37 (Terceiro Teorema de Isomorfismo) Sejam A um anel e


I, J ideais em A, em que I é um ideal em J. Então
A
J A A
E e I ' .
I I J J
I
Prova. Aplicando o Corolário 4.34 a função identidade IA : A → A, com
IA (I) um ideal em J, obtemos um epimorfismo

A A
ϕ: →
I J
definido por ϕ(a + I) = a + J. Como

J = ϕ(a + I) ⇔ J = a + J ⇔ a ∈ J

temos que
J
ker ϕ = {a + I : a ∈ J} = .
I
4.3. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 233

Portanto, aplicando o Primeiro Teorema de Isomorfismo a ϕ, temos que

A A
J A A
ker ϕ = E e I = I ' Im ϕ = ,
I I J ker ϕ J
I
que é o resultado desejado. ¥

Teorema 4.38 (Teorema da Correspondência) Sejam A um anel, I um


ideal em A e π : A → AI a projeção canônica. Se F é a família de todos os
subaneis (ideais) de A contendo I e F 0 é a família de todos os subaneis (ideais)
de AI , então existe uma correspondência biunívoca entre F e F 0 .

Prova. Fica como um exercício. ¥

Z
Exemplo 4.39 Determine todos os ideais de Z12 = 12Z . Mais geralmente,
mostre que para cada divisor m de n existe um único ideal em Zn .

Solução. É clara que a função ϕ : Z → Z12 definida por ϕ(x) = x = x + 12Z


é a projeção canônica. Assim, pelo Teorema da Correspodência e o diagrama
abaixo, temos o resultado. ¥

Figura 4.1: Reticulado do anel Z12 .


234 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES
√ √
Exemplo 4.40 Mostre que os corpos Q( 2) e Q( 3) não são isomorfos.
√ √
Solução. Suponhamos, por absurdo, que Q( 2) seja isomorfo a Q( 3). Então
√ √ √ √
existe um isomorfismo σ de Q( 2) sobre Q( 3). Como σ( 2) ∈ Q( 3) temos
que existem a, b ∈ Q, com a 6= 0 ou b 6= 0 ou ambos, tais que
√ √
σ( 2) = a + b 3,

pois σ( 2) 6= 0. Logo,
√ √ √
2 = σ(2) = σ(( 2)2 ) = σ( 2)σ( 2)
³ √ ´³ √ ´
= a+b 3 a+b 3

= a2 + 2ab 3 + 3b2 .

Assim, se ab 6= 0, então
√ 2 − a2 − 3b2
3= ∈ Q,
2ab
o que é uma contradição. Se ab = 0, então a = 0 ou b = 0. Se a = 0, então
3b2 = 2. Logo, r
2
± = b ∈ Q,
3
o que é uma contradição. Se b = 0, então a2 = 2. Logo,

± 2 = a ∈ Q,
√ √
o que é uma contradição. Portanto, Q( 2) não é isomorfo a Q( 3). ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam A um anel e {In }n∈N uma família indexadas de ideais em A, onde

I1 ⊆ I2 ⊆ · · · ⊆ In ⊆ · · ·

Mostre que [
I= In
n∈N
é um ideal em A.
4.3. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 235

2. Seja {In }n∈N uma família de ideais do anel dos números inteiros Z, onde

I1 ⊆ I2 ⊆ · · · ⊆ In ⊆ · · ·

Mostre que existe n0 ∈ N tal que In = In0 , para todo n ∈ N, com n ≥ n0 .


Neste caso, dizemos que o anel dos números inteiros Z satifaz à condição
de cadeia ascendente.

3. Sejam p um número primo fixado e

{In }n∈Z+ = {pn Z}n∈Z+

uma família de ideais no anel dos números inteiros Z. Mostre que

Z = I0 ⊃ I1 ⊃ · · · ⊃ In ⊃ · · ·

4. Sejam A um anel com identidade, I um ideal em A e B um subanel de


A. Mostre que I ∩ B é um ideal em B. Mostre, com um exemplo, que
nem todo ideal em um subanel B do anel A necessita ser da forma I ∩ B,
para algum ideal I em A.

5. Seja A um anel com identidade tal que (xy)2 = x2 y 2 , para todos x, y ∈ A.


Mostre que A é um anel comutativo.

6. Sejam σ : A → B um epimorfismo, I um ideal em A e J um ideal em B.


Mostre que σ(I) ∩ J = σ(I ∩ σ−1 (J)).

7. Sejam A um anel e I, J ideais em A. Mostre que


A A A
' × .
I ∩J I J

8. Sejam A um anel e I, J, K ideais em A.

(a) Mostre que se


I +K J +K
= ,
K K
então I + K = J + K.
236 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

(b) Mostre que se


I +K J +K
E ,
K K
então I + K é um ideal em J + K.

9. Sejam A = C([0, 1], R), a ∈ [0, 1] fixado e σ : A → A definida por


σ(f ) = f (a).

(a) Mostre que σ é um epimorfismo.


(b) Determine ker σ e Im σ.
A
(c) Identifique o anel quociente ker σ
.

10. Sejam σ : A → B um homomorfismo de aneis, I(A) o conjunto de todos


os ideais em A e I(B) o conjunto de todos os ideais de B. Definimos as
funções E : I(A) → I(B) e C : I(B) → I(A) por

E(I) = (σ(I)) e C(J) = σ −1 (J).

(a) Mostre que I ⊆ (C ◦ E)(I), para todo I ∈ I(A).


(b) Mostre que (E ◦ C)(J) ⊆ J, para todo J ∈ I(B).
(c) Mostre que C = C ◦ E ◦ C e E = E ◦ C ◦ E.
(d) Determine como somas, produtos e interseções comportam-se sob
as operações E e C.

11. Sejam σ : A → B um homomorfismo de aneis e J um ideal em B. Mostre


que a função
A A ¡ −1
¢
ϕ: → definida por σ a + σ (J) = σ(a) + J
σ −1 (J) J
está bem definida e é um monomorfismo.

12. Determine todos os ideais e imagens homomórficas, a menos de isomor-


fismo, dos aneis
(" # ) (" # )
a b a b
A= : a, b, c ∈ Z e B = : a, b, c ∈ R
0 c 0 c
4.3. TEOREMAS DE ISOMORFISMOS 237

13. Sejam
(" # ) (" # )
a b 6x y
A= : a, b, c ∈ Z e I= : x, y, z ∈ Z .
0 c 0 8z

(a) Mostre que I é um ideal em A.


¡ ¢
(b) Determine U AI .

14. Seja A um domínio de integridade tal que qualquer subgrupo do grupo


aditivo de A seja um subanel de A. Mostre que A ' Z ou A ' Zp , para
algum número primo p.

15. Seja ϕ : A → B um homomorfismo de aneis sobrejetor. Mostre que se A


é um anel de ideais principais, então B é um anel de ideais principais.

16. Mostre que Zm é um anel de ideais principais, para todo m ∈ N.

17. Sejam A1 , . . . , An aneis com identidade e I um ideal em A = A1 ×· · ·×An .

(a) Mostre que I = I1 × · · · × In , com cada Ii um ideal em Ai .


(b) Mostre, com um exemplo, que o resultado em (a) não é necessaria-
mente verdade se os Ai não possuem identidade.

18. Sejam A um domínio de integridade e I(A) o conjunto de todos os ideais


em A. Mostre que as seguintes condições são equivalentes.

(a) A é um domínio de ideais principais;


(b) I(A) satisfaz à condição de cadeia ascendente;
(c) I(A) satisfaz à condição maximal.

19. Sejam A um anel e B um anel com identidade. Mostre que para um


ideal I em A fixado, com I ⊆ Z(A), e qualquer homomorfismo de aneis
sobrejetor ϕ : I → B existe um único homomorfismo de aneis ψ : A → B
tal que ψ|A = ϕ.
238 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

4.4 Ideais Primos e Maximais


Seja A um anel. Dizemos que um ideal P em A é um ideal primo em A se
as seguintes condições são satisfeitas:

1. P 6= A.

2. Para quaisquer a, b ∈ A, se ab ∈ P , então a ∈ P ou b ∈ P , ou, equiva-


lentemente,
a∈/P e b∈ / P ⇒ ab ∈ / P.

Exemplo 4.41 Seja A = Z o anel dos números inteiros. Mostre que P é um


ideal primo em A se, e somente se, P = {0} ou P = (p), com p um número
primo.

Solução. Suponhamos que P seja um ideal primo em A. Então, pelo Exemplo


4.12, existe n ∈ A tal que P = (n). Se n = 0, nada há para ser provado. Se
n > 0 e n = ab, então ab ∈ P . Logo, por hipótese, a ∈ P ou b ∈ P . Se a ∈ P ,
então existe x ∈ A tal que a = nx. Assim,

a = nx = (ab)x = a(bx) ⇒ bx = 1 ⇒ b ∈ U(A).

Portanto, n é um número primo. De modo inteiramente análogo, trabalha com


b ∈ P.
Reciprocamente, é claro que P 6= A. Dados a, b ∈ A, onde ab ∈ P . Se
P = {0}, então ab = 0. Como A é um domínio de integridade temos que a = 0
ou b = 0. Logo, a ∈ P ou b ∈ P . Portanto, P é um ideal primo em A. Agora,
se P = (p), para algum número primo p, então existe x ∈ A tal que ab = px.
Assim, pelo Lema de Euclides, p divide a ou p divide b. Logo, a ∈ P ou b ∈ P .
Portanto, P é um ideal primo em A.

Teorema 4.42 Sejam A um anel comutativo com identidade e P um ideal em


A. Então as seguintes condições são equivalentes:

1. P é um ideal primo em A;
4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 239

2. Se I e J são ideais quaisquer em A tais que IJ ⊆ P , então I ⊆ P ou


J ⊆ P;
A
3. P
é um domínio de integridade.

Prova. (1 ⇒ 2) Suponhamos que P seja um ideal primo em A e I, J ideais


em A tais que IJ ⊆ P . Se I 6⊂ P , então existe x ∈ I tal que x ∈
/ P . Para um
y ∈ J fixado, obtemos xy ∈ IJ ⊆ P . Logo, por hipótese, x ∈ P ou y ∈ P .
Como x ∈ / P temos que y ∈ P . Portanto, J ⊆ P .
(2 ⇒ 3) Já vimos que PA é um anel comutativo com identidade 1 + P 6= P
e elemento neutro 0 + P = P . Dados a, b ∈ A, se

(a + P )(b + P ) = P ⇒ ab + P = P ⇒ ab ∈ P.

Assim, (a)(b) = (ab) ⊆ P . Logo, por hipótese, (a) ⊆ P ou (b) ⊆ P . Portanto,

a + P = P ou b + P = P,

isto é, PA é um domínio de integridade.


(3 ⇒ 1) Dados a, b ∈ A. Se ab ∈ P , então

ab + P = P ⇒ (a + P )(b + P ) = P.

Assim, por hipótese, a + P = P ou b + P = P . Portanto, a ∈ P ou b ∈ P , ou


seja, P é um ideal primo em A. ¥

Seja A um anel. Dizemos que um ideal M em A é um ideal maximal em


A se as seguintes condições são satisfeitas:

1. M 6= A.

2. Se J é um ideal em A tal que M ⊆ J ⊆ A, então M = J ou J = A.

Seja A um anel. Dizemos que A é um anel local se A possui um único ideal


maximal. Um ideal M de um anel A é um ideal minimal em A se as seguintes
condições são satisfeitas:

1. M 6= A.
240 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

2. Se J é um ideal em A tal que {0} ⊆ J ⊆ M, então J = {0} ou J = M.

Proposição 4.43 Seja A um anel comutativo com identidade. Então M é


um ideal maximal em A se, e somente se, (M, x) = A, para todo x ∈ A − M
se, e somente se, para todo x ∈
/ M, existe a ∈ A tal que 1 − xa ∈ M.

Prova. Para cada x ∈ / M, temos que M ⊆ M + (x). Logo, por hipótese,


M + (x) = A. Como 1 ∈ A temos que 1 ∈ M + (x), isto é, existe a ∈ A e
m ∈ M tal que 1 = m + xa. Portanto, 1 − xa ∈ M.
Reciprocamente, seja J é um ideal em A tal que M ⊆ J ⊆ A. Suponhamos
que M 6= J. Então existe x ∈ J tal que x ∈/ M. Assim, por hipótese, existe
a ∈ A tal que 1 − xa ∈ M. Logo, 1 = xa + (1 − xa) ∈ J e J = A. Portanto,
M é um ideal maximal em A. ¥

Corolário 4.44 Se A um anel comutativo com identidade, então qualquer


ideal maximal em A é primo.

Prova. Sejam M um ideal maximal em A e a, b ∈ A tais que ab ∈ M.


Suponhamos que a ∈ / M. Então, pela Proposição 4.43, existe x ∈ A e m ∈ M
tal que 1 = m + ax. Logo,

b = b · 1 = b(m + ax) = bm + abx ∈ M.

Portanto, M um ideal primo em A. ¥

Exemplo 4.45 Seja A = Z × Z. Mostre que P = Z × {0} é um ideal primo


em A mas não é um ideal maximal. No entanto, para cada número primo p
fixado, o conjunto
M = {(pa, b) : a, b ∈ Z}

é um ideal maximal em A.

Solução. Dados (a, b), (c, d) ∈ A, onde (ac, bd) ∈ P . Então bd = 0. Logo,
b = 0 ou d = 0. Portanto, (a, b) ∈ P ou (c, d) ∈ P , isto é, P é um ideal primo
em A. Mas, P não é um ideal maximal em A, pois P ⊂ B = Z × 2Z ⊂ A. ¥
4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 241

Proposição 4.46 Seja A um domínio de ideais principais. Então qualquer


ideal primo em A é maximal.

Prova. Seja P um ideal primo em A, com P 6= {0}. Então, por hipótese, existe
a ∈ A∗ tal que P = (a). Seja J = (b) um ideal em A tal que P ⊆ J ⊆ A.
Como a ∈ P ⊆ J temos que existe c ∈ A tal que a = bc. Logo, bc ∈ P e, por
hipótese, b ∈ P ou c ∈ P . Se b ∈ P , então existe x ∈ A tal que b = ax. Assim,

a = axc ⇒ xc = 1 ⇒ x ∈ U(A),

isto é, J = (b) = (ax) = P . De modo inteiramente análogo, para c ∈ P . ¥

Teorema 4.47 (Teorema de Krull) Seja A um anel comutativo com iden-


tidade não trivial. Então:

1. A possui um ideal maximal.

2. Qualquer ideal I em A, com I 6= A, está contido em um ideal maximal.

Prova. Basta prova o item (2). Seja F a família de todos os ideais J em A,


onde I ⊆ J e J 6= A. Então F 6= ∅, pois I ∈ F. Dados J, K ∈ F, definimos

J ≤ K ⇔ J ⊆ K.

Então ≤ é uma relação de ordem parcial sobre F (prove isto!). Seja

C = {Ji : i ∈ Λ}

uma cadeia qualquer de F. Então


[
M= Ji
i∈Λ

é um ideal em A. De fato, é claro que M 6= ∅, pois 0 ∈ Ji , para todo i ∈ Λ.


Dados a, b ∈ M, existem i, j ∈ Λ tais que a ∈ Ji e b ∈ Jj . Como C é uma cadeia
temos que Ji ⊆ Jj ou Jj ⊆ Ji , digamos Ji ⊆ Jj . Logo, a, b ∈ Jj e a−b, ax ∈ Jj ,
para todo x ∈ A, pois Ji é um ideal em A. Portanto, a − b, ax ∈ M, para todo
x ∈ A e M é um ideal em A. É claro que M é uma cota superior de C.
242 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Afirmação. M ∈ F.
De fato, é claro que I ⊆ M. Se M = A, então 1 ∈ M. Logo, existe i ∈ Λ tal
que 1 ∈ Ji . Assim, Ji = A, o que é impossível.
Finalmente, pelo Lema de Zorn, M é um elemento maximal de F. Portanto,
M é um ideal maximal em A contendo I. ¥

Exemplo 4.48 Seja

A = (a) = {xa + na : x ∈ A, e n ∈ Z}

um anel comutativo sem identidade. Mostre que A contém um ideal maximal


que não é um ideal primo. Portanto, a condição do elemento identidade no
Corolário 4.44 é necessária.

Solução. Consideremos o ideal

J = (a2 ) = {ya2 + ma2 : y ∈ A e m ∈ Z}

em A. Então a ∈ / J, ou seja, J 6= A. Suponhamos, por absurdo, que a ∈ J.


Então existe x0 ∈ A e n0 ∈ Z tal que

a = x0 a2 + n0 a2 = (x0 a + n0 a)a.

Pondo e = x0 a + n0 a ∈ A, obtemos

e · b = e(xa + na) = x(e · a) + n(e · a) = xa + na = b,

o que é uma contradição, pois A não possui elemento identidade. Assim, pelo
Teorema de Krull, existe um ideal maximal M em A tal que J ⊆ M.
Afirmação. M não é um ideal primo em A.
De fato, dados r, s ∈ A, onde r, s ∈
/ M, temos que

rs = (xa + ma)(ya + na) = xya2 + xna2 + mya2 + mna2 ∈ J ⊆ M.

Um exemplo mais simples é: se A = (Z7 , +) é o grupo aditivo dos inteiros de


módulo 7, então A munido com a operação binária

a ∗ b = 0, ∀ a, b ∈ A,

é um anel comutativo sem identidade. Note que M = (0) é um ideal maximal


em A, mas não é um ideal primo em A. ¥
4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 243

Exemplo 4.49 Mostre que A é um anel local se, e somente se, N = A−U(A)
é um ideal em A. Em particular, se
½ ¾
m
B= : m, n ∈ Z, com n ≥ 0 ,
2n + 1

então N = B − U(B) é um ideal em B.

Solução. Primeiro note que se a ∈ / U(A), então aA = (a) 6= A. Assim, pelo


Teorema de Krull, existe um ideal maximal M em A tal que a ∈ (a) ⊆ M.
Agora, se A é um anel local, então N = M, pois se m ∈ M, então m ∈ / U(A)
e m ∈ N.
Reciprocamente, suponhamos que N seja um ideal em A. Então a ∈ N se,
e somente se, aA = (a) 6= A. Seja J um ideal qualquer em A, com J 6= A.
Então bA = (b) 6= A, para todo b ∈ J. Assim, J ⊆ N. Em particular, se M
é um ideal maximal em A, então M ⊆ N. Logo, M = N. Portanto, A é um
anel local.
Finalmente, é fácil verificar que B é um anel e
½ ¾
m
U(B) = : m, n ∈ Z, com m ímpar e n ≥ 0 .
2n + 1

Portanto, N = B − U(B) = 2B = (2) é um ideal em B. ¥

Teorema 4.50 Sejam A um anel comutativo com identidade e M um ideal


A
em A. Então M é maximal se, e somente se, M é um corpo.

A
Prova. Pelo Teorema 4.42, M é um domínio de integridade. Assim, basta
A
provar que cada a + M ∈ M , com a + M 6= M, possui um inverso. Como
a ∈
/ M temos, pela Proposição 4.43, que existe b ∈ A tal que 1 − ab ∈ M.
Portanto,
ab + M = 1 + M ⇒ (a + M)(b + M) = 1 + M,
A
isto é, M é um corpo.
A
Reciprocamente, suponhamos que M seja um corpo. Então 1 + M 6= 0 + M
implica que M 6= A. Seja J um ideal em A tal que M ⊆ J ⊆ A. Suponhamos
que M 6= J. Então existe x ∈ J tal que x ∈
/ M. Logo, x +M 6= M. Assim, por
244 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

hipótese, existe a ∈ A tal que (x + M)(a + M) = 1 + M, ou seja, 1 − xa ∈ M.


Donde,
1 = xa + (1 − xa) ∈ J
e J = A. Portanto, M é um ideal maximal em A. ¥

Corolário 4.51 Seja A um anel comutativo com identidade. Então as seguin-


tes condições são equivalentes:

1. A é um corpo;

2. Os únicos ideais em A são {0} e A;

3. {0} é um ideal maximal em A;

4. Qualquer homomorfismo de aneis não nulo σ : A → B é um monomor-


fismo.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Exemplo 4.52 Sejam

A = Z[i] = {a + bi : a, b ∈ Z}

o anel dos números inteiros de Gauss e

I3 = {a + bi ∈ A : 3 | a e 3 | b}.

Mostre que I3 é um ideal maximal em A e


A
I3
é um corpo com 9 elementos.

Solução. É fácil verificar que I3 é um ideal em A, com I3 6= A, pois 1 + i ∈ A,


mas 1 + i ∈/ I3 . Seja J é um ideal em A tal que I3 ⊆ J ⊆ A. Suponhamos que
I3 6= J. Então existe α = a + bi ∈ J tal que α ∈/ I3 . Logo,

a ≡ ±1 (mod 3) ou b ≡ ±1 (mod 3) ⇒ a2 + b2 ≡ 1 ou 2 (mod 3),


4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 245

isto é, 3 não divide a2 + b2 . Assim, existem r, s ∈ Z tais que

1 = 3r + (a2 + b2 )s.

Como a2 + b2 = α(a − bi) ∈ J e 3 ∈ I3 ⊆ J temos que

1 = 3r + (a2 + b2 )s ∈ J.

Portanto, J = A, I3 é um ideal maximal em A e IA3 é um corpo.


Finalmente, dado β = a + bi ∈ A, temos, pelo Algoritmo da Divisão, que

β = (3q1 + 3q2 i) + (r1 + r2 i), onde ri ∈ {0, 1, 2}.

Logo,
β + I3 = (r1 + r2 i) + I3 , onde ri ∈ {0, 1, 2}.
Portanto,
A
= {a + bi : a, b ∈ Z3 }
I3
é um corpo com 9 elementos. ¥

Exemplo 4.53 Sejam A = C([0, 1], R) e M é um ideal maximal em A. Mostre


que existe a ∈ [0, 1] tal que M = Ma , com

Ma = {f ∈ A : f (a) = 0}.

Solução. É fácil verificar que a função σ : A → R definida por σ(f ) = f (a)


é um homomorfismo de aneis com ker σ = Ma . Assim, pelo Primeiro Teorema
de Isomorfismo,
A
' Im σ ≤ R.
ker σ
Agora, se x = f (a) 6= 0, então dado y ∈ R, existe g = x−1 yf ∈ A tal que

σ(g) = g(a) = (x−1 yf )(a) = x−1 yf (a) = y,

isto é, σ é sobrejetora. Logo,


A A
' Im σ = R e é um corpo.
Ma Ma
246 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Portanto, Ma é um ideal maximal em A.


Reciprocamente, seja M um ideal maximal em A. Então, pelo Teorema
de Krull, Ma ⊆ M, para algum a ∈ [0, 1]. Suponhamos, por absurdo, que
Ma 6= M, para todo a ∈ [0, 1]. Então, para um a ∈ [0, 1] fixado, existe fa ∈ A
tal que fa ∈ M e fa (a) 6= 0. Por hipótese, existe um intervalo aberto Ia
contendo a tal que fa (x) 6= 0, para todo x ∈ Ia . Como
[
[0, 1] = Ia
a∈[0,1]

e [0, 1] é compacto temos, pelo Teorema de Heine-Borel, que


[
n
[0, 1] = Iai .
i=1

Seja f = fa21 + · · · + fa2n . Então f ∈ M e f (x) > 0, para todo x ∈ [0, 1].
Assim, existe g = f1 ∈ A tal que gf = 1. Logo, 1 ∈ M e M = A, o que é uma
contradição. Portanto, M = Ma , para algum a ∈ [0, 1]. ¥

Sejam A um anel comutativo e I, J ideais em A. Dizemos que I e J são


relativamente primos se I + J = A. Neste caso,

IJ = I ∩ J.

De fato, é claro que IJ ⊆ I ∩ J. Por outro lado, como I + J = A temos que

I ∩ J = (I ∩ J)A
= (I ∩ J)(I + J)
⊆ (I ∩ J)I + (I ∩ J)J ⊆ IJ.

Exemplo 4.54 Sejam A = Z o anel dos números inteiros, I = (a) e J = (b)


ideais em A, com mdc(a, b) = 1. Mostre que I e J são relativamente primos.

Solução. Como mdc(a, b) = 1 temos que existem r, s ∈ A tais que ra+sb = 1.


Logo,
1 = ra + sb ∈ I + J.
Portanto, I + J = A. ¥
4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 247

Teorema 4.55 (Teorema Chinês dos Restos) Sejam A um anel comuta-


tivo com identidade, I1 ,. . . ,In ideais em A e elementos quaisquer bi ∈ A,
i = 1, . . . , n. Se Ii + Ij = A, com i 6= j, então existe x ∈ A tal que

x ≡ bi (mod Ii ), i = 1, . . . , n,

Em particular, a solução x é única módulo o ideal

I = I1 I2 · · · In = I1 ∩ I2 ∩ · · · ∩ In .

Prova. Suponhamos que Ii + Ij = A, com i 6= j. Vamos usar indução sobre


n. Se n = 2, então existe a1 ∈ I1 e a2 ∈ I2 tais que 1 = a1 + a2 . Neste caso,
a2 ≡ 1 (mod I1 ) e a2 ≡ 0 (mod I2 ); a1 ≡ 0 (mod I1 ) e a1 ≡ 1 (mod I2 ). Logo,

b2 − b1 = (b2 − b1 ) · 1
= (b2 − b1 )(a1 + a2 )
= a1 b2 − a1 b1 − a2 b1 + a2 b2 .

Pondo
x = b1 + a1 (b2 − b1 ) = b2 + a2 (b1 − b2 ),
obtemos

(x − b1 ) + I1 = a1 (b2 − b1 ) + I1 = I1
⇒ x ≡ b1 (mod I1 )

(x − b2 ) + I2 = a2 (b1 − b2 ) + I2 = I2
⇒ x ≡ b2 (mod I2 ).
Q
Agora, suponhamos que o resultado seja válido para n − 1. Seja J = ni=2 Ii .
Afirmação. I1 + J = A.
De fato, para cada i = 2, . . . , n, existe a1i ∈ I1 e ai ∈ Ii tais que 1 = a1i + ai .
Logo,
à n !
Yn Y Y
n Y n
1= (a1i + ai ) = (a1i + ai ) − ai + ai ∈ I1 + J,
i=2 i=2 i=2 i=2
248 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

pois a1i + ai ≡ ai (mod I1 ), i = 2, . . . , n. Assim, pelo caso n = 2, obtemos


y1 ∈ A tal que
y1 ≡ 1 (mod I1 ) e y1 ≡ 0 (mod J),
de modo que

y1 ≡ 1 (mod I1 ) e y1 ≡ 0 (mod Ii ), i = 2, . . . , n.

Substituindo I1 por I2 , . . . , In , obtemos yj ∈ A tal que

yj ≡ 1 (mod Ij ) e yj ≡ 0 (mod Ii ), i 6= j.

Pondo
x = b1 y1 + b2 y2 + · · · + bn yn ,
temos que
x ≡ bi (mod Ii ), i = 1, 2, . . . , n.
Finalmente, se x1 ∈ A é tal que

x1 ≡ bi (mod Ii ), i = 1, 2, . . . , n,

então x1 − x ∈ Ii , para todo i = 1, . . . , n. Portanto, x1 ≡ x (mod I). ¥

Corolário 4.56 Sejam b1 , . . . , bk ∈ Z e n1 , . . . , nk ∈ N, com mdc(ni , nj ) = 1,


se i 6= j. Então o sistema de congruências

x ≡ bi (mod ni ), i = 1, . . . , k.

possui uma única solução x0 módulo n, com 1 ≤ x0 < n e n = n1 n2 · · · nk .


Além disso,
S = {x0 + kn : k ∈ Z}
é o conjunto de todas as soluções desse sistema.

Prova. Sejam Ii = (ni ) = ni Z e Ij = (nj ) = nj Z ideais do anel dos números


inteiros Z. Como mdc(ni , nj ) = 1 temos que existem r, s ∈ Z tais que

ni r + nj s = 1.
4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 249

Logo, Ii + Ij = Z, com i 6= j. Agora, é fácil verificar que

(n) = I1 I2 · · · Ik = I1 ∩ I2 ∩ · · · ∩ Ik .

Portanto, pelo Teorema Chinês dos Restos, o sistema de congruências possui


uma única solução x0 módulo n, com 1 ≤ x0 < n. ¥

Corolário 4.57 Sejam A um anel comutativo com identidade e Ii ideais em


A, i = 1, . . . , n, tais que Ii + Ij = A, com i 6= j. Então
A A A A
' × × ··· × .
I1 ∩ I2 ∩ · · · ∩ In I1 I2 In
Prova. É fácil verificar que a função
A A A
ϕ:A→ × × ··· ×
I1 I2 In
definida por ϕ(a) = (a + I1 , . . . , a + In ) é um homomorfismo de aneis, com

ker ϕ = I1 ∩ I2 ∩ · · · ∩ In .

Assim, dado y = (b1 + I1 , . . . , bn + In ), existe, pelo Teorema Chinês dos Restos,


x ∈ A tal que ϕ(x) = y, isto é, ϕ é sobrejetora. Portanto, pelo Primeiro
Teorema de Isomorfismo,
A A A A
' × × ··· × ,
I1 ∩ I2 ∩ · · · ∩ In I1 I2 In
que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 4.58 Resolva o sistema de congruências




⎨ x ≡ 3 (mod 4)
x ≡ 4 (mod 5)


x ≡ 1 (mod 3)
Solução. Sejam I1 = (4) = 4Z, I2 = (5) = 5Z e I3 = (3) = 3Z ideais do anel
dos números inteiros Z. Como (−1)4 + 1 · 5 = 1 temos que I1 + I2 = Z. De
modo inteiramente análogo, obtemos I1 + I3 = Z e I2 + I3 = Z. Neste caso,
( ( (
y1 ≡ 1 (mod 4) y2 ≡ 1 (mod 5) y3 ≡ 1 (mod 3)
y1 ≡ 0 (mod 15) y2 ≡ 0 (mod 12) y3 ≡ 0 (mod 20)
250 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Como

4 · 4 + (−1)15 = 1 ⇒ (4 − 15t)4 + (−1 + 4t)15 = 1, ∀ t ∈ Z,

temos que y1 = (−1+4t)15, para todo t ∈ Z. Em particular, y1 = 45 satisfaz o


primeiro sistema. De modo inteiramente análogo, obtemos y2 = 36 e y3 = 40.
Portanto,
x = 3 · 45 + 4 · 36 + 1 · 40 = 319
é uma solução do sistema de congruências. ¥

Exemplo 4.59 Seja A um anel com identidade tal que a3 = a, para todo
a ∈ A. Mostre que A é um anel comutativo.

Solução. Dados a, b ∈ A, obtemos

a + b = (a + b)3 ⇒ a2 b + aba + ab2 + ba2 + bab + b2 a = 0

e
a − b = (a − b)3 ⇒ −a2 b − aba + ab2 − ba2 + bab + b2 a = 0.
Somando as equações acima, obtemos

2ab2 + 2bab + 2b2 a = 0.

Em particular, se a = b, então 6a = 0. Sejam I = (2) e J = (3). Então I e J


são ideais em A tais que I + J = A e I ∩ J = {0} (prove isto!). Consideremos
os aneis quocientes
A A
B= e C= .
I J
3 2
Logo, 2B = {0}, x = x e x = x, para todo x ∈ B, pois

1 + x = (1 + x)3 ⇒ x2 = x.

Portanto, B é um anel comutativo. Também, 3C = {0} e y 3 = y, para todo


y ∈ C. Assim,

2ab2 + 2bab + 2b2 a = 0, ∀ a, b ∈ A, ⇒ yz 2 + zyz + z 2 y = 0, ∀ y, z ∈ C.


4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 251

Agora, multiplicando à esquerda por z e à direita por −z, obtemos


zyz 2 + z 2 yz + zy = 0
e
−yz − zyz 2 − z 2 yz ⇒ −yz + zy = 0 ⇒ yz = zy.
Portanto, C é um anel comutativo.
Finalmente, pelo Corolário 4.57,
A A
A'B×C = × .
I J
Portanto, A é um anel comutativo. ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam A um anel e I, J ideais em A tais que I + J = A. Mostre que


I ∩ J = IJ + JI.

2. Seja (" # )
a b
A= : a, b, c ∈ R
0 c
Mostre que existem ideais I e J em A tais que I +J = A, mas I ∩J 6= IJ.

3. Sejam F um corpo,
(" # ) (" # )
a b 0 b
A= : a, b ∈ F e M= :b∈F
0 0 0 0
Mostre que M é um ideal maximal em A.

4. Sejam Z[i] = {a + bi : a, b ∈ Z} o anel dos números inteiros de Gauss e


I5 = {a + bi ∈ Z[i] : 5 | a e 5 | b}.
Mostre que I5 não é um ideal maximal de Z[i], mas M = (2 + i) é um
ideal maximal de Z[i], com
Z[i]
' Z5 .
M
252 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

5. Sejam H(Z) = {a0 + a1 i + a2 j + a3 k : ai ∈ Z} o anel dos números inteiros


de Hurwitz e

Ip = {a0 + a1 i + a2 j + a3 k ∈ H(Z) : p | ai , i = 0, 1, 2, 3},

com p um número primo fixado. Mostre que Ip é um ideal em H(Z) e

H(Z)
' H(Zp ).
Ip

6. Seja A = M2 (D), em que D é um anel com divisão. Mostre que A é um


anel simples. Conclua que A não é um anel com divisão.

7. Sejam (" # )
a b
A= : a, b ∈ Z
b a
e (" # )
a b
Ip = ∈ A : (a + b) ≡ 0 (mod p) ,
b a
com p um número primo fixado. Mostre que Ip é um ideal maximal A.

8. Sejam A um anel comutativo com identidade e P um ideal em A, com


P 6= A. Mostre que as seguintes condições são equivalentes:

(a) P é um ideal primo em A;


(b) A − P é fechado sob a multiplicação;
(c) Se a1 , . . . , an ∈ A, onde a1 · · · an ∈ P , então ak ∈ P , para algum k;
(d) Se I1 , . . . , In são ideais em A, onde I1 · · · In ⊆ P , então Ik ⊆ P ,
para algum k.

9. Sejam A um anel comutativo com identidade e P um ideal em A, com


P 6= A. Mostre que P é um ideal primo em A se, e somente se, a
função ϕ : PA → PA definida por ϕ(x + P ) = ax + P é injetora, para todo
a ∈ A − P.
4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 253

10. Seja A um anel com identidade. Mostre que as seguintes condições são
equivalentes:

(a) Qualquer ideal I em A; com I 6= A, é primo;


(b) A família de todos os ideais de A, ordenada pela inclusão, é uma
cadeia e qualquer ideal de A é idempotente.

Conclua que se A é um anel comutativo, então estas condições são equi-


valentes a: A = {0} ou A um corpo.

11. Sejam A um domínio de ideais principais e I ideal não trivial em A.


Mostre que I contém um produto finito de ideais primos e próprios.
(Confira Exercíco 18 da Seção 4.3.)

12. Sejam A um anel comutativo com identidade e I e J ideais em A, com


I ⊆ J. Mostre que J é um ideal primo em A se, e somente se, JI é um
ideal primo em AI .

13. Determine todos os ideais primos do anel Z60 .

14. Seja A um anel comutativo com identidade tal que todo ideal em A é
primo. Mostre que A é um corpo.

15. Seja A um anel Booleano. Mostre que todo ideal primo P em A, com
P 6= {0}, é maximal.

16. Seja A um anel comutativo com identidade tal que xn = x, para todo
x ∈ A e algum n = n(x) ∈ N. Mostre que todo ideal primo em A é
maximal.

17. Seja ϕ : A → B um homomorfismo de aneis sobrejetor com ker ϕ = K.

(a) Mostre que se P é um ideal primo em A que contém K, então ϕ(P )


é um ideal primo de B.
(b) Mostre que se Q é um ideal primo de B, então ϕ−1 (Q) é um ideal
primo em A que contém K.
254 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

(c) Mostre que existe uma correspondência injetora entre os conjuntos


de todos os ideais principais em A que contém K e o conjunto de
todos os ideais primos de B, dado por P 7→ ϕ(P ).
A
(d) Mostre que se I é um ideal em A, então todo ideal primo de I
é da
forma PI , com P um ideal primo em A que contém I.

18. Seja ϕ : A → B um homomorfismo de aneis sobrejetor. Mostre que se


M é um ideal maximal de B, então ϕ−1 (M) é um ideal maximal de B.
Mostre, com um exemplo, que o resultado é falso se ϕ é não sobrejetor.

A
19. Mostre que o anel A = 2Z contém um ideal maximal M tal que M
não
seja um corpo.

20. Sejam A um anel comutativo sem identidade e M um ideal maximal em


A. Mostre que M é um ideal primo em A se, e somente se, A2 6⊂ M.

21. Sejam A um anel, B um subanel de A e I um ideal em A tal que B ∩ I =


{0}. Mostre que B = {b + I : b ∈ B} é um subanel de AI isomorfo a B.
Conclua que AI é uma extensão de B.

22. Sejam A um anel com identidade e e um elemento idempotente de A tal


que e ∈ Z(A).

(a) Mostre que 1 − e ∈ Z(A).


(b) Mostre que eA e (1−e)A são ideais em A tais que A = eA⊕(1−e)A,
isto é, qualquer elemento a de A pode ser escrito de modo único sob
a forma
a = ex + (1 − e)y, para alguns x, y ∈ A.

23. Sejam A um anel com identidade e e1 , . . . , en ∈ A∗ elementos idempo-


tentes tais que e1 + · · · + en = 1 e ei ej = 0 se i =
6 j. Mostre que se
Ii = ei A, então
A = I1 ⊕ · · · ⊕ In ,
4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 255

isto é, qualquer elemento a de A pode ser escrito de modo único sob a


forma
a = e1 x1 + · · · + en xn , para alguns xi ∈ A.

24. Sejam A um anel comutativo com identidade e I(A) o conjunto de todos


os ideais em A Mostre que as seguintes condições são equivalentes:

(a) A − U(A) ∈ I(A);


(b) I(A) − {A} possui um maior elemento N;
(c) A possui um e somente um ideal maximal M.

Neste caso, A − U(A) = M = N e {1 + m : m ∈ M} ⊆ U(A).

25. Sejam A um anel comutativo com identidade e I = (S) o ideal em A


gerado por S ⊆ A. Mostre que I = A se, e somente se, para qualquer
ideal maximal M em A, existe x ∈ S − M.

26. Sejam A = Z o anel dos números inteiros, I = (4) = 4Z e J = (6) = 6Z.


Mostre que os aneis
A A A
e ×
I ∩J I J
não são isomorfos. Por que isso não contradiz o Teorema Chinês dos
Restos?

27. Seja A = C([0, 1], R). Mostre que o conjunto


½ µ ¶ µ ¶ ¾
1 1
I = f (x) ∈ A : f =f =0
3 2
é um ideal em A, mas não é um ideal primo.

28. Seja A = A1 × A2 um produto de aneis. Mostre que se

I1 = A1 × {0} e I2 = {0} × A2 ,

então I1 e I2 são ideais em A. Conclua que


A A
' A2 e ' A1 .
I1 I2
256 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

29. Seja A um anel tal que os únicos ideais à esquerda em A são {0} e A.
Mostre que A é um anel com divisão ou A2 = {0}.

30. Seja A um anel comutativo com identidade Mostre que existe um anel
quociente de A o qual é um corpo.

31. Seja A um anel comutativo com identidade finito. Mostre que todo ideal
primo em A é maximal.

32. Seja A um anel comutativo não trivial e sem divisores de zero. Mostre
que se qualquer subanel próprio de A for finito, então A é um corpo.

33. Seja A um anel comutativo não trivial e sem divisores de zero. Mostre
que se A possui somente um número finito de ideais, então A é um corpo.

34. Seja K um corpo qualquer.

(a) Dados a, b ∈ K, definimos

a ∼ b ⇔ ab = x2 + y 2 , para alguns x, y ∈ K.

Mostre que ∼ é uma relação de equivalência sobre K.


(b) Mostre que se K é um corpo finito, então qualquer elemento de K
pode ser escrito como uma soma de dois quadrados.

35. Seja A um anel não trivial finito e sem divisores de zero. Mostre que A
é anel com divisão.

36. Mostre que não existe corpo K tal que (K, +) ' (K ∗ , ·).

37. Sejam A um anel comutativo com identidade e

Z = {a ∈ A : ab = 0, para algum b ∈ A}.

Mostre que Z contém um ideal primo. Conclua que Z é uma união de


ideais primos.
4.4. IDEAIS PRIMOS E MAXIMAIS 257

38. Sejam A um anel comutativo com identidade e F a família de todos os


ideais maximais em A. Mostre que
[
M = A − U(A).
M∈F

39. Sejam A um anel comutativo com identidade e C = {Pi : i ∈ Λ} uma


cadeia de ideais primos em A ordenado pela inclusão. Mostre que
\
Pi
i∈Λ

é um ideal primo em A.

40. Sejam A um anel comutativo com identidade e I um ideal em A contido


em um ideal primo Q em A. Mostre que existe um ideal primo P em A
tal que I ⊆ P ⊆ Q.

41. Seja A um anel. Mostre que A munido com o novo produto [a, b] = ab−ba
satisfaz as seguintes condições:

(a) [a+c, b] = [a, b]+[c, b] e [a, b+c] = [a, b]+[a, c], para todos a, b, c ∈ A
(bilinearidade).
(b) [a, a] = 0 e [a, b] = −[b, a], para todos a, b ∈ A (anticomutatividade).
(c) [a, [b, c]] + [b, [c, a]] + [c, [a, b]] = 0, para todos a, b, c ∈ A (identidade
de Jacobi).

Um anel satisfazendo estas condições é chamado de anel de Lie.

42. Seja A um anel comutativo com identidade. Uma função D : A → A é


uma derivação se as seguintes condições são satifeitas:

D(a + b) = D(a) + D(b) e D(ab) = D(a)b + aD(b), ∀ a, b ∈ A.

Mostre que se D1 e D2 são derivações, então o colchete de Lie

[D1 , D2 ] = D1 ◦ D2 − D2 ◦ D1

é uma derivação.
258 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

4.5 Aneis de Frações


Em toda esta seção a palavra anel significa, salvo menção explicita em
contrário, anel comutativo com identidade. Sejam K um corpo e A um subanel
de K, então A é um domínio de integridade, pois dados a, b ∈ A, se ab = 0,
então, em K, obtemos a = 0 ou b = 0. O principal objetivo desta seção é
provar a recíproca deste fato, ou seja, que qualquer domínio de integridade
está contido em um corpo.
Seja A um anel não trivial qualquer, com |U(A)| ≥ 1. Então vamos provar
a existência e unicidade de um anel QA , contendo A como um subanel, por
adicionar a A todas as “frações”
a
,
b
onde a ∈ A e b ∈ A∗ . A construção geral do anel QA imita a construção do
corpo dos números racionais Q a partir do anel dos números inteiros Z.
Como motivação para a nossa construção, vamos primeiro considerar os
seguintes fatos. Primeiro, para um a ∈ A e um u ∈ U(A), denotaremos au−1
por
a
ou a/u.
u
Segundo, consideremos o conjunto
na o
F = : a ∈ A e u ∈ U(A) .
u
Então F satisfaz as seguintes propriedades:

a b av±bu
1. u
± v
= uv
.
a b ab
2. u
· v
= uv
.
a b
3. u
= v
⇔ av = bu.
¡ u ¢−1
4. v
= uv .

Note que A ⊆ F , pois


a
a= ∈ F.
1
4.5. ANEIS DE FRAÇÕES 259

Portanto, F é um anel contendo A. Como um exemplo, vamos provar a pro-


priedade (1).
µ ¶
a b
+ uv = (au−1 )uv + (bv −1 )uv
u v
µ ¶
av + bu
= av + bu = uv.
uv

Portanto,
µ ¶
a b a b
+ = + (uv)(uv)−1
u v u v
µ ¶
av + bu av + bu
= (uv)(uv)−1 = .
uv uv

O conjunto F é chamado o anel de frações de A.

Exemplo 4.60 Seja A = Z6 . Determine


na o
F = : a ∈ A e u ∈ U(A) .
u
Solução. Como U(A) = {1, 5} temos que
½ ¾
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
F = , , , , , , , , , , ,
1 1 1 1 1 1 5 5 5 5 5 5
= {0, 1, 2, 3, 4, 5},

pois
0 0 1 5 2 4 3 3 4 2 5 1
= , = , = , = , = e = ,
1 5 1 5 1 5 1 5 1 5 1 5
que é o resultado desejado. ¥

Agora, vamos provar a existência do anel de frações para um anel qualquer


A. Um subconjunto S de A é um sistema multiplicativo de A se as seguintes
condições são satisfeitas:

1. 1 ∈ S.

2. Se s, t ∈ S, então st ∈ S.
260 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Exemplo 4.61 Seja A = Z o anel dos números inteiros. Mostre que

S = {2n + 1 : n ∈ A}

é um sistema multiplicativo de A. Mais geralmente, seja A um domínio de


integridade. Mostre que S = A∗ é um sistema multiplicativo de A (prove
isto!).

Exemplo 4.62 Sejam A um anel e a ∈ A fixado. Mostre que o conjunto

S = {an : n ∈ Z+ }

é um sistema multiplicativo de A.

Solução. 1 ∈ S, pois 1 = a0 . Dados s, t ∈ S, existem m, n ∈ Z+ tais que


s = am e t = an . Logo,

st = am an = am+n ∈ S,

pois m + n ∈ Z+ . Portanto, S é um sistema multiplicativo de A. ¥

Dados (a, s), (b, t) ∈ A × S, definimos

(a, s) ∼ (b, t) ⇔ (bs − at)u = 0, para algum u ∈ S.

É fácil verificar que ∼ é uma relação de equivalência sobre A ×S, por exemplo,
se
(a, s) ∼ (b, t) e (b, t) ∼ (c, u),
então existem x, y ∈ S tais que

(bs − at)x = 0 e (ct − bu)y = 0

Assim, multiplicando a primeira equação por uy e a segunda equação por sx,


obtemos
bsuxy − atuxy = 0 e cstxy − bsuxy = 0.
Logo, somando as equações, temos que

cstxy − atuxy = 0 ⇔ (cs − au)txy = 0,


4.5. ANEIS DE FRAÇÕES 261

ou seja, (a, s) ∼ (c, u), pois txy ∈ S. A classe de equivalência de (a, s), chama-
se fração formal e será denotada por
a
ou a/s.
s
Note que o conjunto de todas as classes laterais forma uma partição de A × S
e será denotado por
A×S
= S −1 A.

Além disso, quando a = b, obtemos

as bs
= , ∀ s ∈ S.
s s

Observação 4.63 Seja A um domínio de integridade. Como S não possui


divisores de zeros temos que

a b
(a, s) ∼ (b, t) ⇔ bs = at ⇔ = .
s t
a m
Neste caso, a classe s
é semelhante a fração n
em Q.

Teorema 4.64 O conjunto S −1 A munido com as operações binárias

a b at + bs a b ab
+ = e · =
s t st s t st
é um anel comutativo com identidade.

Prova. Vamos primeiro provar que essas operações estão bem definida. Dados

(a, s), (b, t), (c, u), (d, v) ∈ A × S,

se
a c b d
= e = ,
s u t v
então existem z, w ∈ S tais que

(cs − au)z = 0 e (bv − dt)w = 0.


262 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Logo,

[(at + bs)uv − (cv + du)st]zw = [(bv − dt)w]suz − [(cs − au)z]tvw


= 0suz − 0tvw
= 0.

Portanto,
at + bs cv + du
= .
st uv
De modo inteiramente análogo, prova-se que o produto está bem definido. É
fácil verificar que S −1 A é um anel comutativo com elemento zero e identidade,
respectivamente,
0 0 1 s
0= = e 1= = ,
1 s 1 s
para todo s ∈ S.
Finalmente, se 0 ∈ S e as ∈ S −1 A, então
a 0
(a · 1 − 0 · s)0 = 0 ⇒ = = 0.
s 1
Portanto, S −1 A = {0}. ¥

Observação 4.65 Sejam A um anel e S um sistema multiplicativo de A. Se


S = U(A), então S −1 A = A.

O anel S −1 A chama-se o anel de frações ou anel de quocientes ou anel


quociente de A definido por S. A função λ : A → S −1 A definida por
a
λ(a) =
1
é um homomorfismo de aneis (prove isto!). Neste caso,

ker λ = {a ∈ A : as = 0, para algum s ∈ S}.

De fato,
a 0
a ∈ ker λ ⇔ =
1 1
⇔ (a · 1 − 0 · 1)s = 0, para algum s ∈ S
⇔ as = 0, para algum s ∈ S.
4.5. ANEIS DE FRAÇÕES 263

Note que esse homomorfismo de aneis não é, em geral, injetor, pois

ker λ = {0} ⇔ (as = 0 ⇒ a = 0).

Em particular, λ(S) ⊆ U(S −1 A), pois para qualquer s ∈ S,


1 s 1 s
λ(s) · = · = = 1.
s 1 s s
Logo, ³ s ´−1 1
λ(s)−1 = = .
1 s
Teorema 4.66 Sejam A um anel e S um sistema multiplicativo de A. Então
o par
¡ −1 ¢
S A, λ
possui a seguinte propriedade universal: Para qualquer anel B e qualquer ho-
momorfismo de aneis σ : A → B, onde σ(S) ⊆ U(B), existe um único homo-
morfismo de aneis ϕ : S −1 A → B tal que ϕ ◦ λ = σ. Além disso, se

(C, λ1 )

é outro par com essa propriedade universal, então C é isomorfo a S −1 A.

Prova. (Existência) Note que ϕ ◦ λ = σ significa que


³a´
ϕ = ϕ(λ(a)) = (ϕ ◦ λ)(a) = σ(a), ∀ a ∈ A.
1
Assim, se ϕ existir, então ϕ é completamente determinado por σ.
Reciprocamente, dados qualquer anel B e qualquer homomorfismo aneis
σ : A −→ B, onde σ(S) ⊆ U(B), devemos provar que existe um único homo-
morfismo de aneis ϕ : S −1 A → B tal que
³a´
ϕ = σ(a), ∀ a ∈ A.
1
Seja ϕ : S −1 A −→ B a função definida por
³a´ σ(a)
ϕ = = σ(a) · (σ(s))−1 ,
s σ(s)
264 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

para todos a ∈ A e s ∈ S. Então ϕ está bem definida, pois dados (a, s), (b, t) ∈
A × S,
a b
= ⇒ (at − bs)u = 0, para algum u ∈ S.
s t
Como σ(u) ∈ U(B) temos que

[σ(a)σ(t) − σ(b)σ(s)]σ(u) = 0 ⇒ σ(a)σ(t) − σ(b)σ(s) = 0.

Logo, µ ¶
³a´ σ(a) σ(b) b
ϕ = = =ϕ .
s σ(s) σ(t) t
Dados (a, s), (b, t) ∈ A × S,
µ ¶ µ ¶
a b at + bs
ϕ + = ϕ
s t st
σ(at + bs)
=
σ(st)
σ(a)σ(t) + σ(b)σ(s)
=
σ(s)σ(t)
σ(a) σ(b)
= +
σ(s) σ(t)
³a´ µ ¶
b
= ϕ +ϕ
s t
e
µ ¶ µ ¶
a b ab σ(ab)
ϕ · = ϕ =
s t st σ(st)
σ(a)σ(b) σ(a) σ(b)
= =
σ(s)σ(t) σ(s) σ(t)
³a´ µb¶
= ϕ ϕ .
s t
Portanto, ϕ : S −1 A → B é um homomorfismo de aneis.
(Unicidade) Seja ϕ1 : S −1 A → B outro homomorfismo de aneis tal que
ϕ1 ◦ λ = σ. Assim,
³a´
ϕ1 = ϕ1 (λ(a))
1
= (ϕ1 ◦ λ)(a) = σ(a) = (ϕ ◦ λ)(a) = ϕ(λ(a))
³a´
= ϕ , ∀ a ∈ A.
1
4.5. ANEIS DE FRAÇÕES 265

Portanto, ϕ1 = ϕ.
A prova da última afirmação segue de modo inteiramente análoga a prova
do Teorema 2.48. ¥

Se A é um domínio de integridade, então λ é um homomorfismo de aneis


injetor. Assim, podemos identificar os elementos de A com os elementos do
subanel ns o
λ(A) = {λ(s) : s ∈ S} = :s∈S
1
de S −1 A. Neste caso,

a λ(a) a
a ³ s ´−1 a 1
= = 1
s = · = · = as−1 .
s λ(s) 1
1 1 1 s

Proposição 4.67 Sejam A um domínio de integridade e S = A∗ . Então


na o
S −1 A = : a, s ∈ A e s 6= 0
© s −1 ª
= as : a, s ∈ A e s 6= 0

é um corpo, chamado o corpo quociente de A e será denotado por QA . Neste


caso, dizemos que A é uma ordem do corpo QA .

Prova. Basta notar que

a s a λ(a)
x= ⇔ · x = ⇔ λ(s)x = λ(a) ⇔ x = ,
s 1 1 λ(s)

que é o resultado desejado. ¥

Corolário 4.68 Sejam A um domínio de integridade e K = QA seu corpo


quociente. Se L é um corpo contendo B e A ' B, então K ' F = QB ≤ L.

Prova. Fica como um exercício. ¥



Exemplo 4.69 Sejam d um número inteiro livre de quadrados e A = Z[ d].

Mostre que QA = Q[ d].
266 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Solução. Como S = A∗ é um sistema multiplicativo de A temos que


( √ )
a+b d √ √
QA = √ :a+b d∈A e s+t d∈S .
s+t d

Note que
√ √ √
a+b d a+b d s−t d
√ = √ · √
s+t d s+t d s−t d
as − btd bs − at √
= 2 + d
s − dt√2 s2 − dt2
= m + n d,

onde
as − btd bs − at
m= , n = ∈ Q.
s2 − dt2 s2 − dt2

Poratnto, QA = Q[ d]. ¥

Exemplo 4.70 Sejam A um anel e P um ideal em A.

1. Mostre que S = A − P é um sistema multiplicativo de A se, e somente


se, P é um ideal primo em A.

2. Mostre que o conjunto


na o
MP = :a∈P e s∈
/P
s
é o único ideal maximal em S −1 A = AP . O anel AP chama-se a loca-
lização de A em P .

Solução. (1) Como 1 ∈ S temos que P 6= A. Agora, dados a, b ∈ A tais


que ab ∈ P . Então ab ∈ / S. Logo, a ∈ / S ou b ∈ / S, pois S é um sistema
multiplicativo de A. Portanto, a ∈ P ou b ∈ P , isto é, P é um ideal primo em
A.
Reciprocamente, como P 6= A temos que 1 ∈ S. Agora, dados s, t ∈ S,
obtemos s ∈ / P e t ∈ / P . Logo, st ∈ / P , pois P é um ideal primo em A.
Portanto, st ∈ S, isto é, S é um sistema multiplicativo de A.
4.5. ANEIS DE FRAÇÕES 267

(2) Dados as , bt ∈ MP e x
u
∈ AP , obtemos

a b at − bs
− = ∈ MP ,
s t st
pois at − bs ∈ P e st ∈ S,
a x ax
· = ∈ MP ,
s u su
pois ax ∈ P e su ∈ S. Logo, MP é um ideal em AP .
Finalmente, se yb ∈ AP − MP , então y ∈
/ P , isto é, y ∈ S. Assim,

b y
∈ AP e ∈ U(AP ).
y b
Logo, se I é qualquer ideal em AP tal que I 6⊂ MP , então I = AP . Portanto,
MP é o único ideal maximal em AP . Neste caso, concluímos que AP é um anel
local. ¥

Exemplo 4.71 Mostre que qualquer anel A entre Z e Q, isto é, Z ⊆ A ⊆ Q,


é um anel quociente de Z.

Solução. Seja
n m o
S= s∈Z: ∈ A, para algum m ∈ Z, com mdc(m, s) = 1
s
ou ½ ¾
1
S= s∈Z: ∈A .
s
Então é fácil verificar que S é um sistema multiplicativo de Z e que S −1 Z ⊆ A,
pois µ ¶
n −1 1 n 1
∈S Z⇒ ∈A e =n· ∈ A.
s s s s
Por outro lado, se
m
∈ A,
s
então podemos supor que mdc(m, s) = 1. Assim, existem u, v ∈ Z tais que
1 m
mu + sv = 1 ⇒ = u + v.
s s
268 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

Logo,
1 m
= u + v ∈ A,
s s
ou seja, A ⊆ S −1 Z. Portanto,
nn o
A = S −1 Z = : n ∈ Z, s ∈ S, com mdc(n, s) = 1 ,
s
que é o resultado desejado. ¥

Sejam K um corpo e P um subcorpo de K. Dizemos que P é um corpo


primo de K se L é um subcorpo de K tal que {0} ⊆ L ⊆ P , então L = {0}
ou L = P .

Exemplo 4.72 Mostre que o corpo dos números racionais Q é um corpo


primo.

Solução. Sejam L qualquer subcorpo Q e a ∈ L um elemento não nulo


qualquer. Então
1 = aa−1 ∈ L.

Logo,
n = n · 1 ∈ L, ∀ n ∈ Z,

isto é, Z ⊆ L.
Finalmente,
m
= mn−1 ∈ L, onde m ∈ Z e n ∈ Z∗ .
n
Assim, Q ⊆ L. Portanto, L = Q e Q é um corpo primo. ¥

Exemplo 4.73 Seja p um número primo fixado. Mostre que o corpo Zp dos
resíduos módulo p é um corpo primo.

Solução. Seja L qualquer subcorpo Zp . Como L é um subgrupo aditivo de


Zp temos, pelo Teorema de Lagrange, que L = {0} ou L = Zp . Portanto, Zp é
um corpo primo. ¥
4.5. ANEIS DE FRAÇÕES 269

Seja K um corpo. Então a família F de todos os subcorpos de K é não


vazia, pois K ∈ F. Seja
\
P = F.
F ∈F

Então P é um subcorpo de K (prove isto!). Agora, seja L um subcorpo


qualquer de P . Então L ∈ F e P ⊆ L. Portanto, P = L e P é um corpo
primo de K.
Afirmação. P é único.
De fato, seja Q outro corpo primo de F . Então P ∩ Q é um subcorpo de F ,
com P ∩ Q ⊆ P . Logo, por hipótese, P ∩ Q = P . De modo inteiramente
análogo, prova-se que P ∩ Q = Q. Portanto, P = P ∩ Q = Q.

Teorema 4.74 Sejam K um corpo e P seu corpo primo. Então P ' Q ou


P ' Zp , para algum número primo p.

Prova. Pelo Exemplo 4.2, existe um único homomorfismo de aneis ϕ : Z → K


tal que ϕ(n) = ne, com e = 1K . Logo, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,

Z
' Im ϕ.
ker ϕ

Como Z é um domínio de ideais principais temos que ker ϕ = {0} ou ker ϕ =


nZ = (n), para algum n ∈ N. Assim, Im ϕ ' Z ou Im ϕ ' Zn , para algum
n ∈ N. Além disso, sendo Im ϕ um domínio de integridade temos que n é um
número primo p. Se Im ϕ ' Zp , então

Z Z
Zp = = ' Im ϕ = P.
pZ ker ϕ

Se B = Im ϕ ' Z, então B domínio de integridade. Logo, pelo Corolário 4.68,


Q ' QB = P . ¥

EXERCÍCIOS
270 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

1. Seja A um anel comutativo com identidade. Dados (a, s), (b, t) ∈ A × A∗ ,


definimos
(a, s) ∼ (b, t) ⇔ at − bs = 0.

a. Mostre que ∼ é uma relação reflexiva e simétrica sobre A × A∗ .


b. Mostre que A é um domínio de integridade se, e somente se, ∼ é
uma relação de equivalência sobre A × A∗ .

2. Seja p um número primo fixado. Mostre que

S = {n ∈ Z : mdc(p, n) = 1}

é um sistema multiplicativo de Z. Mostre que


na o
S −1 Z = Z(p) = : a, b ∈ Z com mdc(b, p) = 1 .
b

3. Sejam A um anel comutativo com identidade e I um ideal em A Mostre


que S = {1 + a : a ∈ I} é um sistema multiplicativo de A.

4. Sejam A um anel comutativo com identidade e

Z = {a ∈ A : ab = 0, para algum b ∈ A∗ }.

Mostre que S = A − Z é um sistema multiplicativo de A.

5. Sejam A um anel comutativo com identidade e {Pi }i∈I uma família in-
dexada de ideais primos em A. Mostre que
[
S = A − Pi
i∈I

é um sistema multiplicativo de A.

6. Sejam K um corpo e a ∈ K. Mostre que

Sa = {f ∈ K K : f (a) 6= 0}

é um sistema multiplicativo de A = K K .
4.5. ANEIS DE FRAÇÕES 271

7. Seja A um domínio de integridade. É o conjuno

S = {x : x = a2 + b2 , para alguns a, b ∈ A}

um sistema multiplicativo de A?

8. Sejam A um anel comutativo com identidade, a ∈ A fixado e S =


{an : n ∈ Z+ } um sistema multiplicativo de A. Determine S −1 A = Aa .
Quando A = Z e a = 10, identifique Aa .

9. Sejam A um domínio de ideais principais e K seu corpo quociente.


Mostre que qualquer anel B entre A e K, isto é, A ⊆ B ⊆ K, é um
anel quociente de A.

10. Seja P um corpo primo. Mostre que Aut(P ) = {I}.

11. Sejam A um anel comutativo com identidade e S subconjunto não vazio


de A tal que

1. 0 ∈
/ S.
2. st ∈ S, para todos s, t ∈ S.
Considere o conjunto A × S = {(a, s) : a ∈ A e s ∈ S}. Dados
(a, s), (b, t) ∈ A × S, definimos

(a, s) ∼ (b, t) ⇔ (at − bs)r = 0, para algum r ∈ S.

a. Mostre que ∼ é uma relação de equivalência sobre A × S.


b. Denotamos a classe de equivalência (a, s) por
a na o
−1
e S A= :a∈A e s∈S .
s s
Mostre que S −1 A munido com as operações binárias
a b at + bs a b ab
+ = e · =
s t st s t st
é um anel comutativo com elemento identidade.
272 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES

c. Pode A ser imerso em S −1 A?


as
d. Mostre que a função ϕ : A → S −1 A definida por ϕ(a) = s
é um
homomorfismo de aneis. Além disso, determine ker ϕ.
e. Mostre que ker ϕ ∩ S = ∅.
f. Mostre que todo elemento da forma st , onde s, t ∈ S, possui um
inverso em S −1 A.
g Mostre que se A não contém divisores de zero próprio, então S −1 A
é um domínio de integridade. A recíproca é verdadeira?

12. Sejam A = Z6 e S = {2, 4}. Mostre que S −1 A é isomorfo a Z3 .

13. Seja A um domínio de integridade. Dados a, b ∈ A, suponhamos que


am = bm e an = bn , para alguns m, n ∈ N tais que mdc(m, n) = 1.
Mostre que a = b.

14. Sejam A um anel de ideais principais e S um sistema multiplicativo de


A Mostre que S −1 A é um anel de ideais principais.

15. Sejam A um anel comutativo com identidade e S um sistema multiplica-


tivo de A.

(a) Mostre que se I é um ideal em A, então


nx o
−1 −1
S I= ∈S A:x∈I e s∈S
s
é um ideal em S −1 A.
(b) Mostre que se J é um ideal em S −1 A, então
n x o
I= x∈A: ∈J
1
é um ideal em A.
(c) Sejam I(A) o conjunto de todos os ideais em A e I(S −1 A) o con-
junto de todos os ideais de S −1 A. Então as funções

ϕ : I(A) → I(S −1 A) e ψ : I(S −1 A) → I(A)


4.5. ANEIS DE FRAÇÕES 273

definidas por ϕ(I) = S −1 I e ψ(J) = I, em que


n x o
I= x∈A: ∈J ,
1
respectivamente, estão bem definidas. Mostre que ϕ(ψ(J)) = J,
para todo J ∈ I(S −1 A). Mas, ψ(ϕ(I)) 6= I, para algum I ∈ I(A).

16. Sejam A um anel comutativo com identidade e S um sistema multiplica-


tivo de A sem divisores de zero.

(a) Mostre que cada ideal J em S −1 A pode ser escrito como

J = S −1 (J ∩ A).

(b) Dados ideais I e J em A, mostre que

S −1 (I + J) = S −1 I + S −1 J, S −1 (IJ) = (S −1 I)(S −1 J)

e
S −1 (I ∩ J) = S −1 I ∩ S −1 J.
274 CAPÍTULO 4. HOMOMORFISMOS E ANEIS QUOCIENTES
Parte II

Teoria Avançada dos Grupos e


Aneis

275
Capítulo 5

Os Teoremas de Sylow

Neste capítulo apresentaremos definições, resultados e técnicas para desen-


volver teoremas de estruturas para grupos, os teoremas de representação de
grupos que serão útil na classificação de grupos não abelianos finitos. Além
disso, uma recíproca parcial do teorema de Lagrange, os teoremas de Sylow, e
aplicações.

5.1 Produto Direto e Semidireto de Grupos


Nesta seção vamos estender o produto direto H × Kde grupos H e K
para uma família indexada {Hi }i∈I de grupos, com I um conjunto não vazio
qualquer.
Sejam {Hi }i∈I uma família de grupos e
Y
G= Hi
i∈I

o produto cartesiano dos Hi , isto é, o conjunto de todas as funções


[
g:I→ Hi
i∈I

tal que g(i) ∈ Hi , para todo i ∈ I. Vamos denotar a imagem g(i) por ai , para
todo i ∈ I. Portanto, os elementos de G são da forma

g = {ai : i ∈ I} = (ai )i∈I .

277
278 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Agora, é fácil verificar que G munido com a operação binária

(ai )i∈I ∗ (bi )i∈I = (ai bi )i∈I

é um grupo, com (eHi )i∈I = (ei )i∈I como elemento identidade de G e (a−1
i )i∈I
como elemento inverso de (ai )i∈I em G. Neste caso, dizemos que G é o produto
direto (externo) dos Hi . Note que o produto direto externo sempre existe e
que os Hi não são, em geral, subgrupos de G.
Já vimos que o suporte de um elemento g ∈ G é o conjunto

supp(g) = {i ∈ I : ai = g(i) 6= ei }.

Então é claro que

supp(f g) ⊆ supp(f ) ∩ supp(g), ∀ f, g ∈ G.

Portanto, o conjunto de todas as famílias “sequências” (ai )i∈I ∈ G tal que


ai = eHi para todos exceto um número finito de i ∈ I, isto é,
X
H= Hi = {(ai )i∈I ∈ G : |supp(ai )i∈I | < ∞} ,
i∈I

é um subgrupo normal em G, chamado a soma direta (externa) dos Hi , pois

ghg−1 ∈ H, ∀ g ∈ G e h ∈ H.

Proposição 5.1 Sejam {Hi }i∈I uma família de grupos e


Y
G= Hi .
i∈I

1. A função λi : Hi → G definida por

λi (ai ) = (bj )j∈I , com bi = ai e bj = ej , ∀ j ∈ I − {i},

é um homomorfismo de grupos injetor. Neste caso,

bi = λi (Hi ) = {λi (ai ) : ai ∈ Hi }


Hi ' H
Y
= Ki ,
i∈I
5.1. PRODUTO DIRETO E SEMIDIRETO DE GRUPOS 279

onde {Ki }i∈I é uma família de grupos tais que Ki ⊆ Hi e Kj = {ej },


bi,
para todo j ∈ I, com j 6= i. Em particular, se identificamos Hi com H
então Hi é um subgrupo normal em G e
G Y
' Ki ,
Hi i∈I

onde {Ki }i∈I é uma família de grupos tais que Ki = {ei } e Kj = Hj ,


para todo j ∈ I, com j 6= i.

2. A função πi : G → Hi definida por

π i (aj )j∈I = ai

é um homomorfismo de grupos sobrejetor. Neste caso,


G Y
' Hi e ker π i = π −1
i (ei ) = Ki ,
ker π i i∈I

onde {Ki }i∈I é uma família de grupos tais que Ki = {ei } e Kj = Hj ,


para todo j ∈ I, com i 6= j.

3. Sob a identificação do item (1), ab = ba, para todo a ∈ Hi e b ∈ Hj , com


i 6= j.

Prova. (1) Se

λi (ai ) = (bj )j∈I , com bi = ai e bj = ej , ∀ j ∈ I − {i}

e
λi (ci ) = (dj )j∈I , com di = ci e dj = ej , ∀ j ∈ I − {i},

então

λi (ai )λi (ci ) = (bj dj )j∈I , com bi di = ai ci e bj dj = ej , ∀ j ∈ I − {i}),

ou seja,
λi (ai )λi (ci ) = (bj dj )j∈I = λi (ai ci ).
280 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Logo, λi é um homomorfismo de grupos. É claro que ker λi = {ei }. Portanto,


λi é um homomorfismo de grupos injetor.
(2) Sejam i ∈ I fixado e hi ∈ Hi . Então {Kj }j∈I , onde Ki = {hi } e
Kj = Hj , para todo j ∈ I, com j 6= i, é uma família não vazia. Assim, pelo
axioma da escolha, Y
K= Ki 6= ∅
j∈I

e K ⊆ G. Portanto, para cada g ∈ K, temos que π i (g) = hi . Consequente-


mente, π i é sobrejetora, para todo i ∈ I. É claro que cada π i é um homomor-
fismo de grupos.
(3) Se a = (ai )i∈I , ak = ek , para todo k ∈ I − {i} e b = (bj )j∈I , bl = ej ,
para todo l ∈ I − {j}, então
ab = ba.
Portanto, ab = ba, para todo a ∈ Hi e b ∈ Hj , com i 6= j. ¥

Observação 5.2 Quando n = 2 e G = H1 × H2 , obtemos

b1 H
G=H b1 ∩ H
b2 e H b 2 = {(e1 , e2 )},

pois
b1 H
a = (h1 , h2 ) = (h1 , e2 )(e1 , h2 ) ∈ H b2.

É importante lembrar que isto é verdade para todo n fixado.

Teorema 5.3 (Existência do Produto Direto) Seja {Gi }i∈I uma família
indexada de grupos. Então existe um grupo G e uma família de homomorfismos
de grupos {π k : G → Gk }k∈I com a seguinte propriedade universal: Dado
qualquer grupo H e qualquer família de homomorfismos de grupos {ϕk : H →
Gk }k∈I , existe um único homomorfismo de grupos σ : H → G tal que π k ◦ σ =
ϕk , para todo k ∈ I. Além disso, G é unicamente determinado, a menos, de
isomorfismo.
Q
Prova. (Existência) Sejam G = i∈I Gi e π k : G → Gk as projeções canônicas
sobre as k-ésimas componentes, isto é, πk associa a cada g = (gi )i∈I ∈ G o
elemento gk ∈ Gk . Então dados um grupo H e o homomorfismo de grupos ϕk ,
5.1. PRODUTO DIRETO E SEMIDIRETO DE GRUPOS 281

a função σ : H → G definida por σ(h) = σ h , onde h ∈ H e σ h (k) = ϕk (h), ou


seja,
σ(h) = (ϕk (h))k∈I ∈ G,

tem as propriedades desejadas, pois

(π k ◦ σ)(h) = π k (σ(h)) = πk ((ϕi (h))i∈I ) = ϕk (h), ∀ h ∈ H,

ou seja, π k ◦ σ = ϕk , para todo k ∈ I.


(Unicidade) Seja ψ : H → G outra função tal que πk ◦ ψ = ϕk , para todo
k ∈ I. Então, para um h ∈ H fixado, obtemos, por definição de πk ,

ψ(h)(k) = (π k ◦ ψ)(h) = ϕk (h) = σ h (k) = σ(h)(k), ∀ k ∈ I.

Logo, ψ(h) = σ(h). Portanto, ψ = σ, pois h foi escolhido arbitrariamente,


ou seja, σ é único. A prova da última afirmação faz-se de modo inteiramente
análogo à do Teorema 2.48. ¥

Sejam G um grupo e Hi subgrupos de G, i = 1, . . . , n. Dizemos que G é o


produto direto (interno) dos Hi se as seguintes condições são satisfeitas:

1. hi hj = hj hi , para todo hi ∈ Hi e hj ∈ Hj , com i 6= j.

2. Qualquer a ∈ G pode ser escrito de modo único sob a forma

a = h1 · · · hn , hi ∈ Hi , com i = 1, . . . , n.

Observe que, ao contrário do produto direto externo, o produto direto interno


nem sempre existe, por exemplo, se G = S3 , H = hσi e K = hτ i, com
à ! à !
1 2 3 1 2 3
σ= e τ= ,
2 3 1 1 3 2

então H e K são subgrupos de G, mas στ 6= τ σ. Portanto, G não é um


produto direto interno de H e K. Note que o produto direto interno pode ser
generalizado para uma família qualquer de grupos.
282 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Proposição 5.4 Sejam G um grupo e Hi subgrupos de G, i = 1, . . . , n. Então


G é um produto direto interno dos Hi se, e somente se,

1. G = H1 · · · Hn .

2. Hi é um subgrupo normal em G, para cada i = 1, . . . , n.

3. Hi ∩ (H1 · · · Hi−1 Hi+1 · · · Hn ) = {e}, para cada i = 1, . . . , n.

Prova. Suponhamos que G seja um produto direto interno dos Hi . Então


resta provar o item (3). Dado

a ∈ Hi ∩ H1 · · · Hi−1 Hi+1 · · · Hn ,

obtemos
a = hi ∈ Hi e a = h1 · · · hi−1 hi+1 · · · hn , hj ∈ Hj .
Logo,
hi = h1 · · · hi−1 hi+1 · · · hn .
Assim, pela unicidade, temos que hi = e, para cada i = 1, . . . , n. Portanto,
a = e.
Reciprocamente, basta observar, pelo item (3) da Proposição 5.1, que
hi hj = hj hi , para todo hi ∈ Hi e hj ∈ Hj , com i 6= j. ¥

É importante ressaltar que a condição (3) da Proposição 5.4, confira Exer-


cício (4) a seguir, pode ser substituída pela seguinte condição:

3’. Hi ∩ (H1 · · · Hi−1 ) = {e}, para cada i = 2, . . . , n.

Corolário 5.5 Sejam G um grupo e Hi subgrupos de G, i = 1, . . . , n. Se G é


um produto direto interno dos Hi , então

G ' H1 × · · · × Hn .

Como um abuso de notação vamos escrever G = H1 × · · · × Hn , ou seja,


qualquer elemento g ∈ H1 × · · · × Hn pode ser escrito de modo único sob a
forma
g = h1 · · · hn , hi ∈ Hi , i = 1, . . . , n.
5.1. PRODUTO DIRETO E SEMIDIRETO DE GRUPOS 283

Prova. Como G = H1 · · · Hn temos que a função

ϕ : G → H1 × · · · × Hn

definida por ϕ(a) = (h1 , . . . , hn ), com a = h1 · · · hn ∈ G, está bem definida.


Agora, é fácil verificar que ϕ é um isomorfismo. ¥

Exemplo 5.6 Sejam G um grupo finito e H, K subgrupos de G, com

mdc(|H| , |K|) = 1.

Mostre que se G = H × K, então qualquer subgrupo L de G é da forma

L = (L ∩ H) × (L ∩ K).

Solução. Como H e K são subgrupos normais em G é fácil verificar que L∩H


e L ∩ K são subgrupos normais em L tais que

(L ∩ H) ∩ (L ∩ K) = {e}.

Logo,
(L ∩ H) × (L ∩ K) ⊆ L.

Por outro lado, dado a ∈ L ⊆ G, existe único h ∈ H e k ∈ K tais que


a = hk. Como hk = kh e mdc(|h| , |k|) = 1 temos que |hk| = |h| |k| e
hai = hhki. Assim, h, k ∈ hai ⊆ L. Portanto, h ∈ L ∩ H e k ∈ L ∩ K, isto é,
a ∈ (L ∩ H) × (L ∩ K). ¥

Exemplo 5.7 Considere o produto direto G = hai × K, com |hai| = n e


|K| = m dividindo n. Mostre que se H é um subgrupo de G tal que

|H| = kn e |H ∩ K| = k,

então existe um único subgrupo L de H com a seguinte propriedade: L é um


grupo cíclico de ordem n e L ∩ K = {e}.
284 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Solução. (Existência) Para um b ∈ K fixado, consideremos o grupo cíclico


N = habi de G. Então |N| = n, pois ab = ba e |hbi| divide m implicam que
|N| = mmc(m, n) = n.
Afirmação. N ∩ K = {e} e a função ϕ : K → G definida por ϕ(b) = ab é
injetora. Portanto, existem m subgrupos distintos de G com as propriedades
desejadas.
De fato, se x ∈ N ∩ K, então existe c ∈ K tal que x = ar br e x = c, com
0 ≤ r < n. Logo,
ar = cb−r ∈ hai ∩ K = {e}.

Portanto, x = e, pois e = cm = brm implica que m divide mr, o que é impos-


sível.
(Unicidade) Como K é um subgrupo normal em G temos que
¯ ¯
HK H ¯ HK ¯
' e ¯¯ ¯ = n.
K H ∩K K ¯

Assim, G = HK e
G H
'
K H ∩K
é um grupo cíclico de ordem n. Logo, existe h0 ∈ H tal que

[h0 (H ∩ K)]n = H ∩ K ⇔ hn0 ∈ H ∩ K.

Pondo h0 = ar c, onde r ∈ Z e c ∈ K, temos que mdc(r, n) = 1, caso contrário,


existiria 0 ≤ d < n tal que adr = e, ou seja, hd0 ∈ H ∩ K, o que é impossível.
Portanto, podemos escolher uma potência h = hr0 tal que h = ab0 , onde b0 ∈ K.
Se
H ∩ K = {x1 , . . . , xk },

então, para cada i = 1, . . . , k,

Ni = hab0 xi i

é um subgrupo cíclico de ordem n, os quais são distintos aos pares e

Ni ∩ K = {e}.
5.1. PRODUTO DIRETO E SEMIDIRETO DE GRUPOS 285

Finalmente, seja M outro subgrupo de H com as mesmas propriedades dos


Ni . Então existe b1 ∈ K tal que M = hab1 i. Como ab0 ∈ H e ab1 ∈ H temos
que
b−1 −1 −1 −1
0 b1 = b0 a ab1 = (ab0 ) ab1 ∈ H ∩ K = {x1 , . . . , xk },

Logo, existe i = 1, . . . , k, tal que b−1


0 b1 = xi . Portanto,

M = hab1 i = hab0 xi i = Ni ,

que é o resultado desejado. ¥

Sejam G um grupo e H, K subgrupos próprios de G. Dizemos que G é


fatorável em H e K se as seguintes condições são satisfeitas:

1. G = HK.

2. hk = kh, para todo h ∈ H e k ∈ K.

Dizemos que um grupo G é decomponível se G é um grupo fatorável e

H ∩ K = {e}.

Note que todo produto direto de grupos H × K é fatorável. A recíproca não


é necessariamente verdadeira.

Exemplo 5.8 Sejam

G = {(x, y, xy) : x, y ∈ Z∗3 }

um grupo,

H = {(x, 1, x) : x ∈ Z∗3 } e K = {(1, y, y) : y ∈ Z∗3 }

subgrupos próprios de G. Então

G = HK 6= H × K.

Mas H, K são isomorfos a Z2 e G w Z2 × Z2 . No entanto, se G é um grupo


decomponível, então G é isomorfo a um produto direto.
286 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Proposição 5.9 Seja G um grupo fatorável com G = HK. Então:

1. H e K são subgrupos normais em G.

2. H ∩ K é um subgrupo central, isto é, H ∩ K ⊆ Z (G).

3. Se H e K são grupos abelianos, então G é um grupo decomponível.

4. Se H ∩ K = {e}, então G é um grupo decomponível.

5. Se H ou K é um grupo abeliano, então G é um grupo decomponível ou


K é um subgrupo normal em H e G = H.

6. Se H e K são grupos não abelianos e H ∩ K 6= {e}, então |G| ≥ 32.

Prova. Vamos provar apenas os itens (2), (5) e (6): (2) Dado g ∈ G e
a ∈ H ∩ K. Então g = hk = kh, onde h ∈ H e k ∈ K. Logo,

ag = a(hk) = (ah)k = (ha)k = h(ak) = h(ka) = (hk)a = ga.

Assim, H ∩ K ⊆ Z (G).
(5) Sejam L = H ∩ K e H um grupo abeliano. Então H = LM, com
L ∩ M = {e}. Assim, H = L × M. Logo, G = MK, com M ∩ K = {e} e
MK = KM. Portanto, G é grupo decomponível ou M = {e}.
(6) Sejam L = H ∩ K ⊆ Z (G) e
H H
ϕ : G −→ ×
L L
a função definida por ϕ (g) = (hl, kl), com g = hk = kh, h ∈ H e k ∈ K.
Então é fácil verificar que ϕ é um homomorfismo de grupos sobrejetor. Assim,
pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,
¯ ¯¯ ¯
G H H ¯H ¯ ¯K ¯
w × e |G| = |L| ¯¯ ¯¯ ¯¯ ¯¯ .
L L L L L
Como |L| ≥ 2 e H, K são grupos não abelianos temos, pelo item (c) do
Exercício (6) da Seção 2.3 do Capítulo 2, que
¯ ¯ ¯ ¯
¯H ¯ ¯ ¯
¯ ¯ ≥ 4 e ¯ K ¯ ≥ 4.
¯L¯ ¯L¯
5.1. PRODUTO DIRETO E SEMIDIRETO DE GRUPOS 287

Portanto, |G| ≥ 32. ¥

Sejam G = S3 o grupo de permutações, N = A3 = hσi e H = hτ i, com


à ! à !
1 2 3 1 2 3
σ= e τ= .
2 3 1 1 3 2

É fácil verificar que G possui as seguintes propriedades:

a. G = NH.

b. N é subgrupo normal em G.

c. N ∩ H = {IG }.

Neste caso, G não é um produto direto interno de N e H, pois H não é


subgrupo normal em G. Mas isto motiva a seguinte definição.
Sejam G um grupo e H, N subgrupos de G. Dizemos que G é o produto
semidireto (interno) de N por H, em símbolos G = N o H, se as seguintes
condições são satisfeitas:

1. G = NH.

2. N é subgrupo normal em G.

3. N ∩ H = {e}.

Já vimos que H é uma transversal.


Seja G = N o H o produto semidireto de N por H. Então, pelo Segundo
Teorema de Isomorfismo, temos que
H NH G
H= ' =
N ∩H N N
e H é chamado um complementar de N. Consequentemente, se G é um grupo
finito, então
|G| = |N| [G : N] = |N| |H| .
Como G = NH e N ∩ H = {e} temos que cada x ∈ G pode ser escrito de
modo único sob a forma x = nh, n ∈ N e h ∈ H. Agora, para um h ∈ H
288 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

fixado, a função ϕh : N → N definida por ϕh (n) = hnh−1 é um automorfismo


de N, pois N é um subgrupo normal em G Além disso, ϕhk = ϕh ◦ ϕk , para
todos h, k ∈ H. Portanto, a função ϕ : H → Aut (N) ≤ P (H) definida por
ϕ (h) = ϕh é um homomorfismo de grupos. Neste caso, dizemos que H age
sobre N como um grupo de automorfismo e ϕ é chamado o homomorfismo por
conjugação de N. Sendo

(n1 h1 ) (n2 h2 ) = [n1 (ϕ(h1 ) (n2 ))]h1 h2 ,

para todos n1 , n2 ∈ N e h1 , h2 ∈ H, temos que a operação do grupo G pode ser


expressa em termos das operações de N, H e o homomorfismo ϕ. Portanto, se
ϕ(h) = IN , para todo h ∈ H, então ϕh (n) = n, para todo n ∈ N. Logo,

hnh−1 = n ⇒ n−1 hn = h ∈ H,

isto é, H é um subgrupo normal em G. Neste caso,

G = N × H.

Por outro lado, se G = N × H, então os elementos de H comutam com os


elementos de N e, assim, o homomorfismo ϕ é trivial.
Finalmente, se ϕ(h) 6= IN , para algum h ∈ H, então ϕh (n) 6= n, para
algum n ∈ N. Logo,
hnh−1 6= n ⇒ hn 6= nh.
Portanto, G é um grupo não abeliano.
Reciprocamente, sejam N, H grupos e ϕ um homomorfismo grupos de H
em Aut (N). Definimos uma operação binária sobre N × H do seguinte modo:

(n1 , h1 ) (n2 , h2 ) = (n1 ϕ(h1 ) (n2 ) , h1 h2 ) .

Então é fácil verificar que N × H com essa operação é um grupo com elemento
identidade (e, e) e (ϕ(h−1 ) (n−1 ) , h−1 ) o elemento inverso de (n, h). O grupo
N × H é chamado o produto semidireto (externo) de N por H via ϕ e será
denotado por
G = N oϕ H.
5.1. PRODUTO DIRETO E SEMIDIRETO DE GRUPOS 289

Note que
b = {(n, e) : n ∈ N} e H
N b = {(e, h) : h ∈ H}

são subgrupos de G tais que N ' N b e H ' H.


b A função σ : G → G definida
b ker σ = N
por σ(n, h) = (e, h) é um homomorfismo de grupos, onde Im σ = H, b
b é um subgrupo normal em G e
e σ 2 = σ (prove isto!). Consequentemente, N
pelo Primeiro Teorema de isomorfismo

G b
' H.
b
N
Como
(n, e) (e, h) = (nϕ(e) (e) , h) = (nIN (e) , h) = (n, h)

temos que G = N b H.
b Além disso, N
b ∩H
b = {(e, e)}. Portanto, G é o produto
b por H.
semidireto (interno) de N b
Finalmente,
(e, h) (n, e) (e, h)−1 = (ϕ(h) (n) , e)
b → Aut(N)
implica que a função ψ : H b definida por ψ(e, h) = ψ(e,h) , com

ψ(e,h) (n, e) = (ϕ(h)(n), e),

é o homomorfismo por conjugação de N. b Portanto, identificando N


b com N
eHb com H, temos que ϕ é o homomorfismo por conjugação de N e G é o
produto semidireto (interno) de N por H. Neste caso,

N oϕ H = {nh : n ∈ N, h ∈ H} ,

com

(n1 h1 ) · (n2 h2 ) = n1 ϕ(h1 ) (n2 ) · h1 h2 e ϕ(h1 )(n2 ) = ϕh1 (n2 ) = h1 n2 h−1


1 .

Além disso,

CH (N) = ker ϕ = CG (N) ∩ H e CN (H) = NN (H).


290 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Exemplo 5.10 Sejam N um grupo abeliano qualquer e H = hbi ' Z2 . Se


definirmos ϕ : H → Aut(N) por ϕ(b) = ϕb , com ϕb (a) = a−1 , para todo
a ∈ N, então G = N oϕ H é um grupo não abeliano, com

ϕb (a) = bab−1 = a−1 , ∀ a ∈ N, ⇒ b ∈ Z(G).

Em particular, se N é cíclico, então G ' Dn ou G ' D∞ . ¥

Teorema 5.11 Sejam G um grupo e N um subgrupo normal em G. Então as


seguintes condições são equivalentes:
G
1. G é um produto semidireto de N por N
, isto é, N possui um complemen-
tar em G;
G
2. Existe um homomorfismo de grupos ϕ : N −→ G tal que π ◦ ϕ = I G ,
N
com π : G ³ N a projeção canônico e ϕ é chamada de seção de N
G G
em
G;

3. Existe um homomorfismo de grupos ψ : G −→ G tal que ker ψ = N e


ψ(x) = x, para todo x ∈ Im ψ.

G
Figura 5.1: Seção de N
em G.

G
Prova. (1 ⇒ 2) Seja H um complementar de N em G, isto é, H ' N . Então
cada a ∈ G pode ser escrito de modo único sob a forma a = nh, onde n ∈ N
e h ∈ H. Seja
G
ϕ: −→ G
N
5.1. PRODUTO DIRETO E SEMIDIRETO DE GRUPOS 291

a função definida por ϕ(Na) = h. Então é fácil verificar que ϕ é um homo-


morfismo grupos tal que π ◦ ϕ = I G .
N
(2 ⇒ 3) Vamos definir ψ : G −→ G por ψ = ϕ ◦ π. Se x ∈ Im ψ, então
existe a ∈ G tal que x = ψ(a). Logo,

ψ(x) = ψ(ψ(a)) = ϕ ◦ (π ◦ ϕ)(π(a)) = (ϕ ◦ π)(a) = ψ(a) = x,

isto é, ψ(x) = x para todo x ∈ Im ψ. Se a ∈ ker ψ, então ψ(a) = (ϕ◦π)(a) = e.


Logo, k = e e a ∈ N, isto é, ker ψ ⊆ N.
Reciprocamente, se a ∈ N , então

ψ(a) = (ϕ ◦ π)(a) = ϕ(Na) = ϕ(N) = e,

e, assim, a ∈ ker ψ.
(3 ⇒ 1) Pondo H = Im ψ, obtemos G = NH, pois

a = ae = aψ(a)−1 ψ(a) = [aψ(a−1 )]ψ(a) ∈ NH,

para todo a ∈ G.
Finalmente, se x ∈ N ∩ H, então ψ(x) = e e x = ψ(x). Logo, x = e, isto é,
G
N ∩ H = {e}. Como H = Im ψ ' N temos que G é o produto semidireto de
G
N por N . ¥

Proposição 5.12 Sejam G um grupo e H, N subgrupos de G. Então G é um


produto semidireto interno de N por H se, e somente se, existir um homomor-
fismo de grupos σ : G → G tal que σ 2 = σ.

Prova. Fica como um exercício ¥

Proposição 5.13 Sejam N, H grupos, ϕ : H −→ Aut (N) um homomorfismo


grupos e f ∈ Aut (N) fixado. Se fb : Aut (N) → Aut (N) é definida por
fb(g) = f ◦ g ◦ f −1 , então

N ofe◦ϕ H ' N oϕ H.
292 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Prova. Seja θ : N oϕ H → N ofe◦ϕ H definida por θ(nh) = f (n) h. Então θ é


um homomorfismo de grupos, pois

θ (n1 h1 n2 h2 ) = θ (n1 ϕ (h1 ) (n2 ) h1 h2 )


= f (n1 ϕ (h1 ) (n2 )) h1 h2
= f (n1 ) f (ϕ (h1 ) (n2 )) h1 h2
= f (n1 ) (f ◦ ϕ (h1 )) (n2 ) h1 h2
¡ ¢
= f (n1 ) f ◦ ϕ (h1 ) ◦ f −1 ◦ f (n2 ) h1 h2
¡ ¢
= f (n1 ) f ◦ ϕ (h1 ) ◦ f −1 (f (n2 )) h1 h2
³ ´
b
= f (n1 ) f ◦ ϕ (h1 ) (f (n2 )) h1 h2
= f (n1 ) h1 f (n2 ) h2
= θ (n1 h1 ) θ (n2 h2 ) .

Seja α : N ofe◦ϕ H → N oϕ H definida por α(nh) = f −1 (n) h. Então α é um


homomorfismo de grupos. Além disso,
¡ ¢
(θ ◦ α) (nh) = θ (α (nh)) = θ f −1 (n) h
¡ ¢ ¡¡ ¢ ¢
= f f −1 (n) h = f ◦ f −1 (n) h
= nh.

Por um argumento simétrico, prova-se que α ◦ θ = I. Portanto,

N ofe◦ϕ H ' N oϕ H,

que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 5.14 Sejam N um grupo abeliano qualquer e H = hbi ' Z2m . De-
termine o produto semidireto de N por H.

Solução. Consideremos o homomorfismo de grupos ϕ : H −→ Aut(N)


definido por ϕ(b)(n) = n−1 . Então G = N oϕ H é um grupo não abeliano.
Note que
ϕ(b2 )(n) = ϕ(b)(ϕ(b)(n)) = ϕ(b)(n−1 ) = n,
5.1. PRODUTO DIRETO E SEMIDIRETO DE GRUPOS 293

isto é, b2 nb−2 = n, para todo n ∈ N. Portanto, b2 ∈ Z(G). Consideramos os


seguintes casos particulares:
(1) Se N = hai ' Zn e H = hbi ' Z2 , então G = N oϕ K é um grupo não
abeliano de ordem 2n isomorfo ao grupo diedral,
­ ®
Dn = a, b : an = b2 = e e ab = ba−1 ,

em que a é identificado com (a, e) e b é identificado com (e, b). Note que o
grupo Dn é isomorfo ao grupo L = hR, T i gerado pelas matrizes
" # " #
cos( 2π
n
) − sen( 2π
n
) 0 1
R= 2π 2π
e T = .
sen( n ) cos( n ) 1 0

(2) Se N = hai ' Z2n e H = hbi ' Z4 . Já vimos que b2 ∈ Z(G). Como
bab−1 = a−1 temos que
D n−1 E
bab = a , ∀ a ∈ a2
−1 −1
⊂ N.

Logo, bab−1 = a−1 = a implica que a ∈ Z(G). Assim, b2 a ∈ Z(G) e hb2 ai é


um subgrupo normal em G. Seja
G
G= .
hb2 ai
¯ ¯
Então ¯G¯ = 2n+1 , pois |hb2 ai| = 2. Portanto, identificando b2 com a2
n−1
em G
2
não é difícil provar que G possui um único subgrupo de ordem 2, hb i, o qual
é igual ao centro de G. O grupo G é um grupo não abeliano de ordem 2n+1
isomorfo ao grupo dos quatérnios generalizado, que denotaremos por Q2n+1 ,
D E
2n 4 −1 −1 2n−1 2
Q2n+1 = a, b : a = b = e, bab = a e a =b ,

em que a é identificado com (a, e) e b é identificado com (e, b). Note que o
grupo Q2n+1 é isomorfo ao grupo L = hU, V i gerado pelas matrizes
" # " #
u 0 0 −1
U= e V = ,
0 u−1 1 0
n n−1
com U 2 = 1 e U 2 6= 1, para todo n ≥ 2. Além disso,
Q2n+1
' D2n−1 .
Z(Q2n+1 )
294 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

(3) Se N = hai ' Zq e H = hbi ' Zp , com p, q números primos distintos e


p dividindo q − 1. Como p divide q − 1 e Aut(N) é um grupo cíclico de ordem
q − 1 temos que Aut(N) contém um único subgrupo de ordem p, digamos
L = hσi e, pelo item (4) da Proposição 2.31,
σ(a) = ak , com mdc(k, q) = 1.
Assim, existem p homomorfismos de grupos ϕi : H → Aut(N) definidos por
ϕi (a) = σ i , i = 0, . . . , p − 1. Se i = 0, então ϕ0 (a) = IN e G ' N × H é
um grupo cíclico. Se i > 0, então G é um grupo não abeliano. Portanto, pela
Proposição 5.13, G é o único grupo, a menos de isomorfismos, de ordem pq,
pois para cada ϕi existe um gerador ai de H tal que ϕi (ai ) = σ. Portanto, G
é um grupo não abeliano de ordem pq.
(4) Se N = hai ' Zn e H = hbi ' Zm , com
rm ≡ 1 (mod n) e mdc(r, n) = 1,
então G é um grupo não abeliano de ordem mn, com ϕ(b)(a) = ar . O grupo
G chama-se grupo metacíclico, que denotaremos por Gmn ,
­ ®
Gmn = a, b : an = bm = e e bab−1 = ar
em que a é identificado com (a, e) e b é identificado com (e, b). Note que como
N é um subgrupo normal em G temos que existe r ∈ Z tal que
bab−1 = ar .
Então r 6≡ 1 (mod n), pois ab 6= ba. Logo,
bab−1 = ar
⇒ (bab−1 )(bab−1 ) = a2r
⇒ ba2 b−1 = a2r
2
⇒ bar b−1 = ar , por indução
2
⇒ b(bab−1 )b−1 = ar
2
⇒ b2 ab−2 = ar
m
⇒ bm ab−m = ar , por indução
m
⇒ a = ar
⇒ rm ≡ 1 (mod n).
5.1. PRODUTO DIRETO E SEMIDIRETO DE GRUPOS 295

Assim, r, r2 ,. . . , rφ(n) são todas as soluções incongruentes módulo n, com

r 6≡ 1 (mod n).

Portanto, G é o único grupo, a menos de isomorfismos, de ordem mn, pois


para cada ϕi : H → Aut(N) existe um gerador ai de H tal que ϕi (ai ) = σ. ¥

EXERCÍCIOS

1. Seja G um grupo. Mostre que existem subgrupos normais distintos H,


K e L em G tais que G = H × L = K × L.

2. Seja Dn o grupo diedral de grau n = 4m − 2. Mostre que Dn ' D n2 × Z2 .


­ n®
(Sugestão: Mostre que se σ ∈ Dn , com |σ| = n, então Dn = σ 2 × H,
para algum subgrupo H de Dn .)

3. Seja N um subgrupo normal em H × K. Mostre que N é um grupo


abeliano ou N ∩ H 6= {e} ou N ∩ K 6= {e}.

4. Sejam G um grupo e Hi subgrupos de G, i = 1, . . . , n. Mostre que G é


um produto direto interno dos Hi se, e somente se,

(a) G = H1 · · · Hn .
(b) Hi é um subgrupo normal em G, para cada i = 1, . . . , n.
(c) Hi ∩ H1 · · · Hi−1 = {e}, para cada i = 1, . . . , n.

5. Sejam H e K grupos cíclicos de ordem m e n, respectivamente. Mostre


que se mdc(m, n) = 1, então H × K é isomorfo a um grupo cíclico de
ordem mn.

6. Sejam H e K grupos quaisquer. Mostre que H × K é isomorfo a K × H.

7. Sejam H, K e L grupos quaisquer. Mostre que (H × K) × L é isomorfo


a H × (K × L).
296 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

8. Sejam G um grupo não abeliano e φ um homomorfismo sobrejetor de Gk


em G. Mostre que se

φ (g1 , . . . , gk ) = ϕ1 (g1 ) · · · ϕk (gk ) ,

onde ϕi ∈ End (G), então:

(a) Se G não é fatorável em subgrupos próprios não centrais, então


ϕi ∈ Aut(G), para algum i, e ϕj (G) ⊆ Z (G), para todo j, com
i 6= j.
(b) Se G é indecomponível, então |G| ≥ 32.

9. Seja G = H1 × · · · × Hn um grupo. Mostre que se Hi são subgrupos


característicos em G, i = 1, . . . , n, então

Aut(G) ' Aut(H1 ) × · · · × Aut(Hn ).

5.2 Ação de Grupos


Nesta seção apresentaremos técnicas para desenvolver os teoremas de es-
truturas para grupos (não abelianos) finito. Além disso, apresentaremos o
teorema de representação de grupos que será útil na classificação de grupos
não abelianos finitos.
Sejam G um grupo e S um conjunto não vazio. Uma ação (à esquerda)
de G sobre S é uma função ∗ : G × S −→ S, com ∗(a, x) = a ∗ x, tal que as
seguintes condições são satisfeitas:

1. a ∗ (b ∗ x) = (ab) ∗ x, para todos a, b ∈ G e x ∈ S.

2. eG ∗ x = x, para todo x ∈ S e eG é o elemento identidade de G.

Neste caso, dizemos que G age sobre S ou G opera sobre S e que S é um G-


conjunto. Se |S| = n, então n é chamado o grau do G-conjunto S. Com o
objetivo de simplificar a notação usaremos ax ao invés de a ∗ x.
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 297

Exemplo 5.15 Sejam G um grupo e S um conjunto não vazio. Mostre que a


função ∗ : G × S −→ S definida por a ∗ x = x, para todo a ∈ G e x ∈ S, é
uma ação de G sobre S chamada de ação trivial.
Exemplo 5.16 Sejam H, G dois grupos, σ : H → G um homomorfismo
de grupos e S = G. Mostre que a função ∗ : H × S −→ S definida por
a ∗ x = σ(a)x, para todo a ∈ H e x ∈ S, é uma ação de H sobre S. Em
particular, se H é um subgrupo de G, então a ação é chamada de translação
à esquerda.
Solução. Dados a, b ∈ H e x ∈ S, obtemos
a ∗ (b ∗ x) = a ∗ (σ(b)x) = σ(a)(σ(b)x)
= (σ(a)σ(b))x = σ(ab)x
= (ab) ∗ x
e e ∗ x = σ(e)x = ex = x. Portanto, ∗ é uma ação de H sobre S. ¥
Exemplo 5.17 Seja V um espaço vetorial sobre um corpo F . Então a mul-
tiplicação por escalar · : F × V → V definida por a · v = av induz uma ação
do grupo multiplicativo de F sobre V . Não obstante, o grupo aditivo de F não
corresponde a uma ação sobre V , pois as equações
a(bv) = (a + b)v e 0v = v
são falsas, a menos que, a 6= 1 e b = a(a − 1)−1 ou v = 0.
Observação 5.18 Seja S um G-conjunto não vazio. Então, para um a ∈ G
fixado, a função ϕa : S → S definida por ϕa (x) = ax é um elemento do grupo
de permutações de S, P (S), pois
(ϕa−1 ◦ ϕa )(x) = ϕa−1 (ϕa (x)) = ϕa−1 (ax)
¡ ¢
= a−1 a x = ex = x, ∀ x ∈ S.
Logo, ϕa−1 ◦ ϕa = IS . De modo inteiramente análogo, prova-se que
ϕa ◦ ϕa−1 = IS .
Finalmente, o elemento identidade eG de G corresponde a função identidade
IS de P (S).
298 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Teorema 5.19 Sejam G um grupo e S um conjunto não vazio.

1. Qualquer ação de G sobre S induz um homomorfismo de grupos ϕ :


G −→ P (S).

2. Qualquer homomorfismo de grupos ϕ : G −→ P (S) induz uma ação de G


sobre S. Neste caso, dizemos que ϕ é uma representação por permutação
de G em P (S).

Conclusão: existe uma correspodência biunívoca entre o conjunto de todas as


ações de G sobre S e o conjunto de todos os homomorfismos de grupos de G
em P (S).

Prova. (1) A função ϕ : G −→ P (S) definida por ϕ(a) = ϕa é um homomor-


fismo de grupos. De fato, dados a, b ∈ G, obtemos

ϕab (x) = (ab)x = a(bx) = ϕa (bx)


= ϕa (ϕb (x))
= (ϕa ◦ ϕb )(x), ∀ x ∈ S,

isto é, ϕ(ab) = ϕ(a) ◦ ϕ(b), para todos a, b ∈ G. Portanto, ϕ é um homomor-


fismo de grupos.
(2) Pelo Exemplo 5.16, a função ∗ : G×S −→ S definida por a∗x = ϕ(a)(x),
para todo a ∈ G e x ∈ S, é uma ação de G sobre S. ¥

Observação 5.20 Intuitivamente uma ação de um grupo G sobre um con-


junto S significa que qualquer elemento a em G age como uma permutação
sobre S, ϕ(a) = ϕa ∈ P (S), de modo compatível com a operação de grupo em
G. Formalmente, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,

G
' Im ϕ ≤ P (S).
ker ϕ

Exemplo 5.21 Sejam G um grupo, X um G-conjunto não vazio e Y um


conjunto não vazio qualquer.
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 299

1. Mostre que

(a · f )(x) = f (a−1 ∗ x), ∀ a ∈ G e f ∈ S,

é uma ação de G sobre S, em que

S = Y X = {f : X → Y : f é uma função}.

Neste caso, associamos o par (a, f ) com a função fe : X → Y definida


por fe(x) = f (a−1 ∗ x), para todo x ∈ X.

2. Se H é um grupo qualquer, então mostre que o conjunto

H oX G = H X × G = {(σ, a) : σ ∈ H X e a ∈ G}

munido com a operação binária

(σ, a) · (ϕ, b) = (σϕa , ab),

em que (σϕa )(x) = σ(x)ϕa (x) e ϕa (x) = (ϕ ◦ ϕa−1 )(x) = (a · ϕ)(x), para
todo x ∈ X, é um grupo, chamado de produto entrelaçado de H com G
em relação a ação de G sobre X.

Solução. (1) Já vimos, para um a ∈ G fixado, que a função ϕa : X → X


definida por ϕa (x) = a ∗ x é um elemento de P (X). Assim,

(f ◦ ϕa−1 )(x) = f (ϕa−1 (x)) = f (a−1 ∗ x) ⇒ (a · f )(x) = (f ◦ ϕa−1 )(x),

ou seja, a · f = f ◦ ϕa−1 . Dados a, b ∈ G e f ∈ S, obtemos

[(ab) · f ](x) = (f ◦ ϕ(ab)−1 )(x)


= (f ◦ ϕb−1 a−1 )(x)
= [f ◦ (ϕb−1 ◦ ϕa−1 )](x)
= [(f ◦ ϕb−1 ) ◦ ϕa−1 ](x)
= (f ◦ ϕb−1 )(ϕa−1 (x))
= (b · f )(ϕa−1 (x))
= [(b · f ) ◦ ϕa−1 ](x)
= [a · (b · f )](x), ∀ x ∈ X,
300 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

isto é, a · (b · f ) = (ab) · f e

(e · f )(x) = f (e−1 ∗ x) = f (x) ⇒ e · f = f.

Portanto, · é uma ação de G sobre S.


(2) Dados (σ, a), (τ , b), (ϕ, c) ∈ H oX G, obtemos

[σ(τ ϕb )a ](x) = σ(x)(τ ϕb )a (x)


= σ(x)(τ ϕb )(a−1 ∗ x)
= σ(x)[τ (a−1 ∗ x)ϕb (a−1 ∗ x)]
= σ(x)[τ (a−1 ∗ x)ϕ(b−1 ∗ (a−1 ∗ x))]
= σ(x)[τ (a−1 ∗ x)ϕ((ab)−1 ∗ x)]
= σ(x)[τ a (x)ϕv (x)]
= (στ a ϕab )(x), ∀ x ∈ X,

ou seja, σ(τ ϕb )a = στ a ϕab . Logo,

(σ, a) · [(τ , b) · (ϕ, c)] = (σ, a) · (τ ϕb , bc)


= (σ(τ ϕb )a , a(bc))
= (στ a ϕab , (ab)c)
= (στ a , ab) · (ϕ, c)
= [(σ, a) · (τ , b)] · (ϕ, c).

Existe ( , e) ∈ H oX G, em que (x) = eH , para todo x ∈ X, tal que

(σ, a) · ( , e) = ( , e) · (σ, a) = (σ, a), ∀ (σ, a) ∈ H oX G.

Finalmente, para cada (σ, a) ∈ H oX G, existe


µ ¶
−1 1 −1
(σ, a) = ,a ∈ H oX G
σ a−1
tal que
(σ, a) · (σ, a)−1 = (σ, a)−1 · (σ, a) = ( , e),
pois µ ¶a
1 1 1 1 1
a−1
(x) = a−1
e a−1
(x) = a−1
(a−1 ∗ x) = .
σ σ (x) σ σ σ(x)
Portanto, H oX G é um grupo. ¥
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 301

Exemplo 5.22 Sejam V um espaço vetorial de dimensão finita sobre um


corpo F e {u1 , . . . , un } uma base de V . Então, para um σ ∈ Sn fixado, a
função Tσ : V → V definida por
à n !
X Xn
Tσ xi ui = xi uσ(i)
i=1 i=1

é um isomorfismo, pois Tσ aplica a base

{u1 , . . . , un }

sobre a base
{uσ(1) , . . . , uσ(n) }.
Assim, a função ϕ : Sn −→ P (V ) definida por ϕ(σ) = Tσ é um homomorfismo
de grupos injetor. Portanto, ϕ induz uma ação de Sn sobre V . Note que

Sn ' Im(ϕ) ⊆ GL(V ) = {T : T é um operador linear invertível sobre V }.

Seja S um G-conjunto não vazio. Para x, y ∈ S, definimos

x ∼ y ⇔ existe a ∈ G tal que y = ax.

Então ∼ é uma relação de equivalência sobre S. De fato, x ∼ x, para todo


x ∈ S, pois ex = x. Dados x, y ∈ S, se x ∼ y, então existe a ∈ G tal que
y = ax. Logo,
x = ex = (a−1 a)x = a−1 (ax) = a−1 y.
Assim, y ∼ x, pois a−1 ∈ G.
Finalmente, dados x, y, z ∈ S, se x ∼ y e y ∼ z, então existem a, b ∈ G tais
que y = ax e z = by. Logo,

z = by = b(ax) = (ba)x.

Assim, x ∼ z, pois ba ∈ G.
A classe de equivalência

x = {y ∈ S : x ∼ y} = {ax : a ∈ G}
302 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

chama-se de órbita (ou trajetória) de x e será denotada por O(x). Portanto,


obtemos a partição de S:

S= O(x),
x∈F

onde F ⊆ S é um conjunto minimal de representantes (transversal) de órbitas.


Neste caso, dizemos que F é um domínio fundamental para a ação de G sobre
S, ou seja,

1. Para qualquer z ∈ S, existe a ∈ G e x ∈ F tais que z = ax.

2. Se existe x ∈ S e a ∈ G tais que x, ax ∈ F , então a = e.

Sejam G um grupo e S um G-conjunto não vazio. Dizemos que um subcon-


junto não vazio T de S é um invariante sob H ou H-invariante, onde H ⊆ G,
se

HT = {ax : a ∈ H e x ∈ T } ⊆ T ⇔ (x ∈ T ⇒ ax ∈ T, ∀ a ∈ H).

Neste caso, os elementos de H são chamados de simetrias de T . Quando


H = G, então a ação de G sobre S induz uma ação de G sobre T .

Proposição 5.23 Sejam G um grupo e S um G-conjunto não vazio.

1. Um subconjunto não vazio T de S é uma órbita se, e somente se, T é


um invariante minimal sob G.

2. Qualquer subconjunto não vazio T de S invariante sob G é uma união


disjunta de órbitas.

Prova. Vamos provar apenas o item (1). Suponhamos que T = O(x), para
algum x ∈ S. Então, dado a ∈ G e y ∈ T , devemos provar que ay ∈ T . Como
y ∈ O(x) temos que O(x) = O(y). Logo, existe a ∈ G tal que x = ay, ou seja,
ay ∈ T . Assim, T é invariante sob G.
Finalmente, seja U ⊆ T invariante sob G. Então ay ∈ U , para todo y ∈ U
e a ∈ G. Logo,
T = O(x) = O(y) = {ay : a ∈ G} ⊆ U.
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 303

Portanto, T é um invariante minimal sob G.


Reciprocamente, seja T um invariante minimal sob G. Então

O(y) ⊆ T, ∀ y ∈ T.

Assim, pela minimalidade de T , obtemos T = O(y). ¥

Exemplo 5.24 (Teorema de Lagrange) Sejam G um grupo finito e H um


subgrupo de G. Mostre que |H| divide |G|.

Solução. Seja S = G. Então, pelo Exemplo 5.16, a função ∗ : H × S −→ S


definida por a ∗ x = ax, para todo a ∈ H e x ∈ S, é uma ação de H sobre S.
A função σ : H → O(x) definida por σ(a) = ax é bijetora (prove isto!). Logo,
|H| = |O(x)|, para todo x ∈ S. Como

[
·
S= O(x)
x∈S

temos que
X X
|G| = |S| = |O(x)| = |H| = k |H| ,
x∈S x∈S

com k o número de órbitas. Portanto, |H| divide |G|. ¥

Sejam S um G-conjunto não vazio e x ∈ S fixado. O conjunto

Gx = {a ∈ G : ax = x}

é um subgrupo de G (prove isto!) chamado o estabilizador (ou o subgrupo de


isotropia) de x. Além disso, o conjunto

GS = {a ∈ G : ax = x, ∀ x ∈ S}

é um subgrupo normal em G chamado o núcleo da ação. Note que


\
GS = Gx .
x∈S
304 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Proposição 5.25 Seja S um G-conjunto não vazio. Então

Gax = aGx a−1 , ∀ a ∈ G e x ∈ S.

Conclua que Gx = aGy a−1 , para todo a ∈ G e x, y ∈ O, onde O é uma órbita


qualquer de S.

Prova. A função σ : Gx → Gax definida por σ(b) = aba−1 é bijetora, pois

σ(b) = σ(c) ⇒ aba−1 = aca−1 ⇒ b = c,

isto é, σ é injetora. Agora, dado c ∈ Gax , obtemos c(ax) = ax. Logo,


(a−1 ca)x = x. Assim, existe b = a−1 ca ∈ Gx tal que σ(b) = c, isto é, σ é
sobrejetora. Portanto, Gax = σ(Gx ) = aGx a−1 .
Finalmente, seja O uma órbita qualquer de S e dados x, y ∈ O, existe
a ∈ G tal que x = ay. Portanto, Gx = Gay = aGy a−1 . ¥

Dizemos que uma ação de G sobre S é fiel sobre S ou que G age efeti-
vamente sobre S ou que G age livremente sobre S se ϕ : G −→ P (S) é um
homomorfismo de grupos injetor ou, equivalentemente,

ker ϕ = GS = {e} ⇔ (ax = x, ∀ x ∈ S, ⇒ a = e).

Neste caso, a função f : G × S → S × S definida por f (a, x) = (ax, x) é


injetora.

Exemplo 5.26 Sejam G = Z o grupo aditivo dos números inteiros e S = R.


Mostre que a função ∗ : G × S −→ S definida por nx = (−1)n x, para todo
n ∈ G e x ∈ S, é uma ação de G sobre S.

Solução. Fica como um exercício provar que a função é uma ação de G sobre
S. Logo,

O(x) = {nx : n ∈ G} = {(−1)n x : n ∈ G} = {−x, x}

e
Gx = {n ∈ G : nx = x} = {n ∈ G : (−1)n x = x} = 2Z.
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 305

Note que [G : Gx ] = 2 = |O(x)|, para todo x ∈ S − {0}. Além disso, a ação


não é fiel, pois ker ϕ = GS = 2Z 6= {0}. ¥

Seja S um G-conjunto não vazio. Dizemos que G age transitivamente


sobre S se dados x, y ∈ S, existir a ∈ G tal que y = ax ou, equivalentemente,
S = O(x), para algum (todo) x ∈ S. Neste caso, S = O(x), para todo x ∈ S.
Dizemos que um subgrupo H de P (S) é transitivo se H age transitivamente
sobre S. Observe que para cada subgrupo H de G age transitivamente sobre
G
S=H . Mas nem sempre sobre G.

Observação 5.27 Seja S um G-conjunto não vazio. Então G age transitiva-


mente sobre cada órbita, pois se y, z ∈ O(x), então existem a, b ∈ G tais que
y = ax e z = bx. Logo, existe c = ba−1 ∈ G tal que z = cy.

Exemplo 5.28 Sejam

G = GL n (R) = {A ∈ Mn (R) : det(A) 6= 0} e S = Rn×1 .

Mostre que a função ∗ : G×S −→ S definida por A∗x = Ax, para todo A ∈ G
e x ∈ S, é uma ação fiel de G sobre S. Além disso, G age transitivamente
sobre S − {0}.

Solução. Fica como um exercício provar que a função é uma ação fiel de G
sobre S. Dado x ∈ S − {0}, existe uma base f1 , . . . , fn de S tal que f1 = x.
Assim, existem únicos aij ∈ R tais que
X
n
fj = aij ei , j = 1, . . . , n.
i=1

Pondo A = [aij ], obtemos

x ∈ O(e1 ) = {A ∗ e1 : A ∈ G} = {Ae1 : A ∈ G},

pois f1 = Ae1 = A ∗ e1 . Portanto, O(e1 ) = S − {0}. ¥

Sejam S e T dois G-conjuntos não vazios. Uma função ϕ : S → T é um


G-homomorfismo se

ϕ(ax) = aϕ(x), ∀ a ∈ G e x ∈ S.
306 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Intuitivamente, um G-homomorfismo de G-conjuntos ϕ de S em T é uma


função que preserva a ação do grupo G sobre S e T , respectivamente.
Um G-homomorfismo ϕ : S −→ T é um G-isomorfismo se ϕ é bijetora.
Quando existir um G-isomorfismo de G-conjuntos entre S e T , dizemos que
S e T são G-isomorfos e denotaremos por S ' T . Mais geralmente, sejam
S um G-conjunto e T um H-conjunto. Uma função ϕ : S → T é um G-H-
homomorfismo se existir um homomorfismo de grupos σ : G → H tal que

ϕ(ax) = σ(a)ϕ(x), ∀ a ∈ G e x ∈ S.

Proposição 5.29 Seja S um G-conjunto não vazio transitivo. Então


G
S' , ∀ x ∈ S.
Gx
Prova. Primeiro note, para um x ∈ S fixado, que a função
G G
∗:G× −→
Gx Gx
G
definida por g ∗ (aGx ) = gaGx , para todo g ∈ G e aGx ∈ Gx
, é uma ação de
G sobre GGx (prove isto!). Portanto, GGx é um G-conjunto.
Segundo consideremos a função
G
σ: →S
Gx
definida por σ(aGx ) = ax, para todo a ∈ G. É fácil verificar que σ está bem
definida e é injetora. Agora, dados g ∈ G e aGx ∈ GGx , obtemos

σ[g(aGx )] = σ[(ga)Gx ] = (ga)x = g(ax) = gσ(aGx ),

isto é, σ é um G-homomorfismo.
Finalmente, dado y ∈ S existe, pela transitividade de S, a ∈ G tal que
y = ax = σ(aGx ), isto é, σ é sobrejetora. Portanto, σ é um G-isomorfismo. ¥

Corolário 5.30 (Teorema de Órbita-Estabilizador) Seja S um G-con-


junto não vazio. Então
G
O(x) ' , ∀ x ∈ S.
Gx
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 307

Em particular, se G e S são finitos, então |O(x)| divide |G|, para todo x ∈ S,


e
X
|S| = [G : Gx ],
x∈α

onde α ⊆ S é um conjunto minimal de representantes de órbitas, com |α| = k.

Prova. Basta observar que cada órbita O(x) é um G-conjunto transitivo, para
todo x ∈ S. ¥

Exemplo 5.31 Sejam G = Sn e S = {1, 2, . . . , n}. Mostre que a função


∗ : G × S −→ S definida por σ ∗ x = σ(x), para todo σ ∈ G e x ∈ S, é uma
ação transitiva de G sobre S e |Gx | = (n − 1)!. Neste caso, o homomorfismo
de grupos, induzido pela ação de G sobre S, é a função identidade I : G −→
P (S) ' Sn . Qunado G é um subgrupo de Sn o homomorfismo de grupos,
induzido pela ação de G sobre S, é a função inclusão λ : G −→ P (S) ' Sn .

Solução. Fica como um exercício provar que a função é uma ação de G sobre
S. É claro que

O(x) = {σ ∗ x : σ ∈ G} = {σ(x) : σ ∈ G} = S.

Assim, pelo Corolário 5.30,

[G : Gx ] = |O(x)| = |S| = n.

Por outro lado, como Gx é um subgrupo de G temos, pelo Teorema de La-


grange, que

|Gx | = (n − 1)! e Gx = {σ ∈ G : σ(x) = x} ' Sn−1 .

Note que
\
GS = Gx = {IS },
x∈S

ou seja, a ação é fiel. Podemos concluir que Sn possui poucos subgrupos


normais. ¥
308 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Exemplo 5.32 (Teorema de Cauchy-Frobenius) Sejam G qualquer grupo


finito e S um G-conjunto finito. Mostre que
1 X
k= |Sa | ,
|G| a∈G

com Sa = {x ∈ S : ax = x} o conjunto de pontos fixo de a e k o número de


órbitas em S.

Solução. Consideremos o conjunto

X = {(a, x) ∈ G × S : ax = x}.

e determinamos |X| de duas maneiras. Para um a ∈ G fixado, o número de


pares ordenados em X é igual a |Sa |, pois X(·, x) = Sa . Para um x ∈ S fixado,
o número de pares ordenados em X é igual a |Gx |, pois X(a, ·) = Gx . Portanto,
X X
|Sa | = |X| = |Gx | .
a∈G x∈S

Por outro lado, pelo Corolário 5.30, obtemos

|G|
|O(x)| = [G : Gx ] = , ∀ x ∈ S.
|Gx |

Seja α = {x1 , . . . , xk } um conjunto minimal de representantes de órbitas. En-


tão, pela Proposição 5.25,
Gx = aGx a−1 ,

para todo x ∈ O(xi ) e a ∈ G, de modo que |Gx | = |Gxi |, pois x = axi . Assim,

X X
k X [
k
|Sa | = |Gx | , pois S = O(xi )
a∈G i=1 x∈O(xi ) i=1

X
k
= |O(xi )| |Gxi |
i=1
Xk
= |G| = k |G| .
i=1
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 309

Portanto,
1 X
k= |Sa | ,
|G| a∈G
que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 5.33 (Teorema de Jordan) Sejam G qualquer grupo finito e S


um G-conjunto finito.

1. Mostre que se S é um G-conjunto transitivo, então

Sa = {x ∈ S : ax = x} = ∅,

para algum a ∈ G.

2. Mostre que se H é um subgrupo próprio de G, então


[
aHa−1 6= G.
a∈G

Solução. (1) Como S = O(x), para todo x ∈ S, temos, pelo Teorema de


Cauchy-Frobenius, que
1 X X
1= |Sa | ⇔ |Sa | = |G| .
|G| a∈G a∈G

Assim, Sa = ∅,/ para algum a ∈ G, pois |Se | ≥ 2.


(2) Seja S = {aH : a ∈ G}. Então a função ∗ : G × S −→ S definida por
h ∗ (aH) = gaH, para todo g ∈ G e aH ∈ S, é uma ação de G sobre S (prove
isto!). Dados aH, bH ∈ S, obtemos

bH = (ba−1 )aH.

Assim, G age transitivamente sobre S, pois g = ba−1 ∈ G. Como

GaH = {g ∈ G : gaH = aH} = aHa−1

/ aHa−1 , para todo a ∈ G.


temos, pelo item (1), que existe b ∈ G tal que b ∈
Portanto, [
aHa−1 6= G,
a∈G
que é o resultado desejado. ¥
310 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Exemplo 5.34 Sejam G um grupo, H e K subgrupos finito de G. Mostre que

|H| |K|
|HK| = .
|H ∩ K|

Solução. Consideremos o conjunto S = {aK : a ∈ G}. Então a função


∗ : H × S −→ S definida por h ∗ (aK) = haK, para todo h ∈ H e aK ∈ S, é
uma ação de H sobre S (prove isto!). Como

O(K) = {h ∗ K : h ∈ H} = {hK : h ∈ H}
= {h1 K, . . . , hm K} ⊆ S

temos que |HK| = |K| m, pois

[
·
HK = hK.
h∈H

Por outro lado, pelo Corolário 5.30, |O(K)| = [H : HK ] e

HK = {h ∈ H : hK = K}
= {h ∈ H : h ∈ K}
= H ∩ K.

Portanto,

|H| |H| |K|


m = [H : H ∩ K] = e |HK| = ,
|H ∩ K| |H ∩ K|

que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 5.35 (Teorema Chinês dos Restos) Sejam G um grupo finito


qualquer e H, K subgrupos de G tais que G = HK. Mostre que
G G G
' × .
H ∩K H K
Solução. Sejam
G G G
S= e T = × .
H ∩K H K
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 311

Então as funções ∗ : G × S → S e · : G × T → T definidas por

a ∗ x(H ∩ K) = ax(H ∩ K)

e
b · (yH, zK) = (byH, bzK)
são ações de G sobre S e T , respectivamente (prove isto!). Consideremos a
função
G G G
σ: → ×
H ∩K H K
definida por
σ(a(H ∩ K)) = (aH, aK),
para todo a ∈ G. É fácil verificar que σ está bem definida e é um G-
homomorfismo injetor. Como G = HK temos que
|H| |K| |G| 1
|G| = |HK| = ⇒ = .
|H ∩ K| |H| |K| |H ∩ K|
Assim, multiplicando ambos os membros desta última equação por |G|, obte-
mos
[G : H][G : K] = [G : H ∩ K].
Logo, σ é sobrejetora. Portanto, σ é um G-isomorfismo. ¥

Teorema 5.36 (Teorema de Representação) Sejam G um grupo e H um


subgrupo de G tal que [G : H] = n. Então existe um homomorfismo de grupos
π H : G → Sn tal que \
ker π H = aHa−1
a∈G

e ker π H é o maior subgrupo normal em G contido em H, o qual chama-se


corel de H. Em particular, se k = [G : ker π H ], então n divide k e k divide n!.

Prova. Consideremos o conjunto S = {aH : a ∈ G}. Então a função

∗:G×S →S

definida por g ∗ (aH) = gaH, para todo g ∈ G e aH ∈ S, é uma ação de G


sobre S (prove isto!). Assim, pelo Teorema 5.19, a função ϕH : G → P (S)
312 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

definida por ϕH (g) = ϕg , com ϕg (aH) = gaH, é um homomorfismo de grupos.


Logo,

ker ϕH = {g ∈ G : ϕH (g) = IS }
= {g ∈ G : ϕg = IS }
= {g ∈ G : gaH = aH, ∀ a ∈ G}
= {g ∈ G : a−1 ga ∈ H, ∀ a ∈ G}
= {g ∈ G : g ∈ aHa−1 , ∀ a ∈ G}
\
= aHa−1 .
a∈G

É claro que ker ϕH é um subgrupo normal em G e ker ϕH ⊆ H. Se N é qualquer


subgrupo normal em G tal que N ⊆ H, então

N = xNx−1 ≤ xHx−1 , ∀ x ∈ G,

de modo que N ⊆ ker ϕH .


Finalmente, como |S| = n temos que existe uma bijeção θ de S sobre
Nn = {1, . . . , n}. Logo, a função f : P (S) → Sn definida por f (σ) = θ ◦ σ ◦ θ−1
é um isomorfismo de grupos. Portanto, a função

π H = (θ ◦ ϕg ◦ θ−1 ) ◦ ϕH

é um homomorfismo de grupos de G em Sn , com ker π H = ker ϕH . ¥

Note que se S é um G-conjunto transitivo, então, para cada x0 ∈ S e a


Proposição 5.25, obtemos
\ \ \
GS = Gx = Gax0 = aGx0 a−1 .
x∈S a∈G a∈G

Assim, GS é o maior subgrupo normal em G contido em Gx0 .

Corolário 5.37 (Teorema de Cayley) Qualquer grupo finito é isomorfo a


um subgrupo do grupo de permutações.

Prova. Basta fazer H = {e} no Teorema 5.36. ¥


5.2. AÇÃO DE GRUPOS 313

Corolário 5.38 Sejam G um grupo e N um subgrupo normal em G tal que


G
[G : N] = n. Então N é isomorfo a um subgrupo de Sn .
Prova. Fica como um exercício. ¥

Os próximos resultados são de grande importância prática, uma vez que


eles produzem explicitamente subgrupos normais.
Corolário 5.39 Sejam G um grupo finito e H um subgrupo de G tal que
[G : H] = n. Se |G| não divide n!, então ker π H 6= {e}.
Prova. Sabemos, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo, que
G
' Im πH ≤ Sn .
ker π H
¯ ¯
¯ G ¯
Logo, pelo Teorema de Lagrange, ¯ ker πH ¯ divide n!. Assim, |ker π H | > 1, pois
|G| não divide n!. Portanto, ker π H 6= {e}. ¥
Corolário 5.40 Sejam G um grupo simples e H um subgrupo de G tal que
[G : H] = n > 1. Então G é isomorfo a um subgrupo de Sn .
Prova. Fica como um exercício. ¥
Corolário 5.41 Sejam G um grupo finito e p o menor número primo que
divide a ordem de G. Se existir um subgrupo H de G tal que [G : H] = p,
então H é um subgrupo normal em G. Em particular, qualquer subgrupo de
índice 2 é normal.
Prova. Sabemos, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo, que
G
' Im π H ≤ Sp .
ker π H
¯ ¯
¯ G ¯
Logo, pelo Teorema de Lagrange, ¯ ker πH ¯ divide p!. Seja m = [H : ker π H ].
Então
[G : ker π H ] = [G : H][H : ker πH ] = pm.
Logo, m divide (p − 1)!. Como qualquer divisor primo de (p − 1)! é menor do
que p temos, pela minimalidade de p, que qualquer divisor primo de m é maior
do que ou igual a p. Portanto, m = 1 e H = ker πH é um subgrupo normal em
G. ¥
314 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Observação 5.42 Se G = A4 , então G não possui subgrupo de índice 2.

EXERCÍCIOS

1. Sejam G = Z o grupo aditivo dos números inteiros e S = R. Mostre que


n ∗ x = n + x, para todo n ∈ G e x ∈ S, é uma ação de G sobre S.
Calcule o núcleo e o estabilizador.

2. Sejam G = R o grupo aditivo dos números reais e S = R × R. Mostre


que
a ∗ (x, y) = (x + ay, y), ∀ a ∈ G e (x, y) ∈ S,
é uma ação de G sobre S.

3. Sejam G = R o grupo aditivo dos números reais e S = C. Mostre que


θ ∗ z = eiθ z, para todo θ ∈ G e z ∈ S, é uma ação de G sobre S. Calcule
o núcleo e o estabilizador.

4. Sejam G = Z o grupo aditivo dos números inteiros, A ∈ Rn×n fixada,


com det(A) 6= 0, e S = Rn×1 . Mostre que k ∗X = Ak X, para todo k ∈ G
e X ∈ S, é uma ação de G sobre S.

5. Sejam G = D4 o grupo diedral e S = {1, 2, 3, 4} os vértices de um


quadrado. Mostre que σ ∗ x = σ(x), para todo σ ∈ G e x ∈ S, é uma
ação de G sobre S. Calcule o núcleo e o estabilizador.

6. Sejam

SL2 (R) = {A ∈ GL 2 (R) : det(A) = 1} e H = {x + yi ∈ C : y > 0}.

Mostre que " #


a b az + b
A∗z = ∗z = ,
c d cz + d
para todo z ∈ H e A ∈ SL2 (R), é uma ação de SL2 (R) sobre H.
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 315

7. Sejam G um grupo não abeliano e S = G. Mostre que a ∗ x = xa, para


todo a ∈ G e x ∈ S, não é uma ação de G sobre S.

8. Sejam G um grupo qualquer e S = G. Mostre que a ∗ x = xa−1 , para


todo a ∈ G e x ∈ S, é uma ação de G sobre S.

9. Sejam S um G-conjunto não vazio e Fa = {x ∈ S : ax = x}. Mostre que


se a, b ∈ G e ab = ba, então aFb = Fb e bFa = Fa .

10. Sejam G um grupo finito, p um número primo dividindo a ordem de G,

S = {(a1 , a2 . . . , ap ) ∈ Gp : a1 a2 · · · ap = e}

e H = hci um grupo cíclico qualquer de ordem p. Mostre que

c ∗ (a1 , a2 . . . , ap ) = (ap , a1 , a2 , . . . , ap−1 )


c2 ∗ (a1 , a2 . . . , ap ) = (ap−1, ap , a1 , a2 , . . . , ap−2 )
..
.
cp−1 ∗ (a1 , a2 . . . , ap ) = (a2 , a3 , . . . , ap−1 , ap , a1 )

é uma ação de H sobre S.


G
11. Sejam G um grupo qualquer, H um subgrupo de G e S = H . Mostre
que a ∗ (xH) = axH, para todo a ∈ G e xH ∈ S, é uma ação transitiva
de G sobre S. Calcule o núcleo e o estabilizador.
G
12. Sejam G um grupo qualquer, H, K subgrupos finitos de G e S = K .
Mostre que h ∗ (aK) = haK, para todo h ∈ H e aK ∈ S, é uma ação de
H sobre S. Calcule suas órbitas e o estabilizador. Conclua que

|H| |K|
|HaK| = , ∀ a ∈ G.
|H ∩ aKa−1 |

13. Sejam G um grupo qualquer e S = G. Mostre que a ∗ x = axa−1 , para


todo a ∈ G e x ∈ S, é uma ação de G sobre S. Calcule o núcleo e o
estabilizador.
316 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

14. Sejam G um grupo qualquer, H um subgrupo de G e S = {K : K ≤ G}.


Mostre que h ∗ K = hKh−1 , para todo h ∈ H e K ∈ S, é uma ação de
H sobre S. Calcule o núcleo e o estabilizador.

15. Sejam G um grupo qualquer, S = H um subgrupo normal abeliano em


G
GeG= H . Mostre que (aH) ∗ x = axa−1 , para todo aH ∈ G e x ∈ S,
é uma ação transitiva de G sobre S. Calcule o núcleo e o estabilizador.

16. Sejam S um G-conjunto não vazio e T um K-conjunto não vazio. Mostre


que

(g, k) · (x, y) = (gx, ky), ∀ (g, k) ∈ G × K e (x, y) ∈ S × T,

é uma ação de G × K sobre S × T . Calcule o núcleo e o estabilizador.

17. Sejam X um G-conjunto não vazio e S = 2X . Mostre que

a · Y = {a ∗ y : y ∈ Y }, ∀ a ∈ G e Y ∈ S,

é uma ação não transitiva de G sobre S.

18. Sejam G = S4 e P o grupo aditivo de todas as funções de Z4 em Z.


Mostre que
¡ ¢
(σ ∗ f )(x1 , x2 , x3 , x4 ) = f xσ(1) , xσ(2) , xσ(3) , xσ(4)

é uma acão de G sobre P . Este exemplo pode ser generalizado para


G = Sn .

(a) Calcule o estabilizador de x4 .


(b) Calcule o estabilizador de x1 + x2 .
(c) Calcule o estabilizador de x1 x2 + x3 x4 .
(d) Calcule o estabilizador de (x1 + x2 )(x3 + x4 ).

19. Sejam S um G-conjunto não vazio transitivo e H um subgrupo normal


em G, em que G é um grupo finito. Mostre que as órbitas, induzidas
pela ação de H sobre S, todas possuem a mesma cardinalidade.
5.2. AÇÃO DE GRUPOS 317

20. Sejam G um grupo qualquer, H um subgrupo finito de G e S = G.


Mostre que

(h, k) ∗ x = hxk −1 , ∀ (h, k) ∈ H × H e x ∈ S,

é uma ação de H × H sobre S. Mostre que H é um subgrupo normal em


G se, e somente se, qualquer órbita desta ação contém exatamente |H|
elementos.

21. Seja S um G-conjunto não vazio. Mostre que se a ∈ G − Gx , então


Gx ∩ Gx aGx = ∅, para todo x ∈ S.

22. Sejam S e T dois G-conjuntos não vazios. Mostre que se ϕ : S → T é


um G-homomorfismo, então Gx ≤ Gϕ(x) , para todo x ∈ S. Além disso,
se ϕ é um G-isomorfismo, então Gx = Gϕ(x) , para todo x ∈ S.
G G
23. Sejam G um grupo qualquer, H, K subgrupos de G e S = H ,T = K .
Mostre que S é G-isomorfo a T se, e somente se, H e K são conjugados.

24. Sejam S um G-conjunto não vazio e H um subgrupo de G. Mostre que


se H age transitivamente em S, então G = HGx , para todo x ∈ S.

25. Sejam (" # )


a 0
G= ∈ R2×2 : a > 0 e b > 0
0 b
e S o conjunto de todas as retas em R2 . Mostre que

A ∗ (p + tv) = Ap + tAv, onde p, v ∈ R2 , v 6= 0 e A ∈ G.

é uma ação de G sobre S. Calcule suas órbitas e o estabilizador.

26. Sejam G um grupo, H um subgrupo de G e

S = {aH : a ∈ G}

um G-conjunto. Seja πH a representação por permutação induzida por


essa ação, confira Teorema 5.36. Mostre que G age transitivamente sobre
S e o estabilizador em G do ponto H ∈ S é o subgrupo H.
318 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

27. Sejam G um subgrupo de P (S), σ ∈ G e a ∈ S. Mostre que σGa σ −1 =


Gσ(a) . Conclua que se G age transitivamente sobre S, então
\
σGa σ −1 = {e}.
σ∈G

28. Seja G um subgrupo abeliano transitivo de P (S). Mostre que σ(x) 6= x,


para todo x ∈ S e σ ∈ G − {IS } (Gx = {IS }). Conclua que |G| = |S|.

29. Seja Q8 o grupo dos quatérnios.

(a) Mostre que Q8 é isomorfo a um subgrupo de S8 .


(b) Mostre que Q8 não é isomorfo a um subgrupo de Sn , com n ≤ 7.

30. Sejam p um número primo e G um grupo finito tal que |G| = pn , onde
n ∈ Z+ . Mostre que qualquer subgrupo de índice p é normal em G.
Conclua que qualquer grupo de ordem p2 possui um subgrupo normal de
ordem p.

31. Sejam G um grupo finito e H um subgrupo simples de G, com [G : H] =


2. Mostre que H é o único subgrupo normal próprio em G ou existe um
subgrupo normal K em G tal que |K| = 2 e G = H × K.

32. Sejam G um grupo simples e H um subgrupo de G tal que [G : H] =


n > 1. Mostre que a ordem de G é menor do que ou igual a n!.

5.3 Classes de Conjugação


Sejam G um grupo qualquer e S = G. Então a função ∗ : G × S −→ S
definida por a ∗ x = axa−1 , para todo a ∈ G e x ∈ S, é uma ação de G sobre
S, chamada de ação por conjugação. De fato, dados a, b ∈ G e x ∈ S, obtemos

a ∗ (b ∗ x) = a ∗ (bxb−1 ) = a(bxb−1 )a−1


= (ab)x(b−1 a−1 ) = (ab)x(ab)−1
= (ab) ∗ x
5.3. CLASSES DE CONJUGAÇÃO 319

e e ∗ x = exe−1 = x. Dado x ∈ S, a órbita de x

O(x) = {a ∗ x : a ∈ G} = {axa−1 : a ∈ G}

é chamada a classe de conjugação de x e será denotada por Cx . O estabilizador


de x
Gx = {a ∈ G : axa−1 = x} = {a ∈ G : ax = xa} = CG (x).
O núcleo dessa ação

GS = {a ∈ G : axa−1 = x, ∀ x ∈ G}
= {a ∈ G : ax = xa, ∀ x ∈ G}
= Z(G).

Note, pelo Corolário 5.30, que


|G|
|Cx | = [G : CG (x)] = , ∀ x ∈ S.
|CG (x)|
e que G não age transitivamente sobre G. Em particular, se G é um grupo
finito, então
|Cx | divide [G : Z(G)], ∀ x ∈ S.
Mais geralmente, sejam G um grupo qualquer e

S = {X : X é um subconjunto não vazio de G}.

Então a função ∗ : G × S −→ S definida por

a ∗ X = aXa−1 , ∀ a ∈ G e X ∈ S,

é uma ação “não transitiva” de G sobre S (prove isto!). Dado X ∈ S, a órbita


de X
O(X) = CX = {aXa−1 : a ∈ G}
é o conjunto de todos os conjugados de X em G. O estabilizador de X

GX = {a ∈ G : aXa−1 = X} = NG (X).

Assim, pelo Corolário 5.30,

|CX | = [G : NG (X)], ∀ X ∈ S.

Neste caso, se NG (X) = G, dizemos que X é um conjunto normal de G.


320 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Exemplo 5.43 Sejam G um grupo e H um subgrupo de G tal que [G : H] = 2.


Mostre que H é um subgrupo normal em G.

Solução. Este exemplo é uma consequência direta do Corolário 5.41, mas


daremos outra solução. Como H ⊆ NG (H) temos que

[G : NG (H)] ≤ [G : H].

Logo, [G : NG (H)] = 1 ou 2. Se [G : NG (H)] = 1, então G = NG (H) e H é


um subgrupo normal em G. Se [G : NG (H)] = 2, então

O(H) = CH = {aHa−1 : a ∈ G} = {H, aHa−1 },

para algum a ∈ G. Note que G age sobre O(H). Assim, pelo Teorema 5.36,
existe um homomorfismo de grupos π H : G −→ S2 , com [G : ker ϕ] = 2, pois
aHa−1 6= H, para algum a ∈ G. Portanto, ker πH = H e H é um subgrupo
normal em G, o que é uma contradição. ¥

Exemplo 5.44 Seja

G = S3 = hτ , σi = {I, σ, σ 2 , τ , στ , σ 2 τ },

em que à ! à !
1 2 3 1 2 3
σ= e τ= ,
2 3 1 1 3 2
o grupo de permutações. Determine todas as classes de conjugação de G.

Solução. É fácil verificar que

CI = {I}, Cσ = Cσ2 = {σ, σ 2 } e Cτ = Cτ σ = Cτ σ2 = {τ , στ , σ 2 τ }.


· ·
Logo, G = CI ∪ Cτ ∪ Cσ . ¥

Suponhamos que G seja um grupo finito. Então existe um número finito


de classes de conjugação, digamos Ci = Cxi , i = 1, . . . , k. Logo,
· · ·
G = C1 ∪ C2 ∪ · · · ∪ Ck .
5.3. CLASSES DE CONJUGAÇÃO 321

Portanto, temos a seguinte equação de classes:

X
k
|G| = |C1 | + |C2 | + · · · + |Ck | = |Ci | . (5.1)
i=1

Note que

x ∈ Z(G) ⇔ ax = xa, ∀ a ∈ G,
⇔ axa−1 = x, ∀ a ∈ G,
⇔ Cx = {axa−1 : a ∈ G} = {x}.

Em particular, se x ∈
/ Z(G), então |Cx | > 1. Assim,
X
|G| = |Z(G)| + [G : CG (xi )].
xi ∈Z(G)
/

Mais geralmente, temos o seguinte resultado:

Proposição 5.45 (Equação de Classes Generalizada) Sejam G qualquer


grupo finito e S um G-conjunto não vazio finito. Se

S G = {x ∈ S : ax = x, ∀ a ∈ G}
= {x ∈ S : Gx = G}

é o conjunto fixo de S sob a ação de G, então


¯ ¯ X
|S| = ¯S G ¯ + [G : Gx ],
x∈α

em que α é o conjunto de representantes das órbitas O(x), com |O(x)| > 1.

Prova. Note que

x ∈ S G ⇔ ax = x, ∀ a ∈ G,
⇔ O(x) = {ax : a ∈ G} = {x},

ou seja,
S G = {x ∈ S : O(x) = {x}}.
322 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Logo, Ã !
· [
·
S = SG ∪ O(x) ,
x∈α

em que α é o conjunto de representantes das órbitas O(x), com |O(x)| > 1.


Portanto, pelo Corolário 5.30,
¯ ¯ X
|S| = ¯S G ¯ + [G : Gx ],
x∈α

que é o resultado desejado ¥

Exemplo 5.46 Seja

G = Q8 = hi, ji = {1, −1, i, −i, j, −j, k, −k}

o grupo dos quatérnios. Determine todas as classes de conjugação de G.

Solução. É claro que o grupo cíclico hai é um subgrupo de CG (a), para todo
a ∈ G. Assim,
hii ⊆ CG (i) ⊆ G.
Como Z(G) = {1, −1} temos que i ∈
/ Z(G). Logo,

Z(G) ⊂ CG (i) ⊂ G,

pois a ∈ Z(G) se, e somente se, CG (a) = G, para todo a ∈ G, (prove isto!).
Portanto,
2 < |CG (i)| < 8.
Por outro lado, como |CG (i)| é um divisor de |G| e hii ⊆ CG (i) temos que
¯ ¯
¯ G ¯
CG (i) = hii e |Ci | = [G : CG (i)] = ¯¯ ¯ = 2.
CG (i) ¯
Portanto, Ci = {i, −i}, com −i = kik −1 . De modo inteiramente análogo,
obtemos Cj = {j, −j} e Ck = {k, −k}. Assim,
· · · ·
G = C1 ∪ C−1 ∪ Ci ∪ Cj ∪ Ck e |G| = 1 + 1 + 2 + 2 + 2.

que é o resultado desejado. ¥


5.3. CLASSES DE CONJUGAÇÃO 323

Exemplo 5.47 Seja G um grupo finito contendo exatamente 2 classes de con-


jugação. Mostre que |G| = 2.
·
Solução. Seja |G| = n. Então G = Ce ∪ Ca , com a =6 e. Logo, |Ca | = n − 1.
Como |Ca | é um divisor de n temos que existe k ∈ Z tal que n = k(n − 1).
Assim, k ≥ 2. Portanto,

n = k(n − 1) ≥ 2(n − 1) ⇒ n ≤ 2,

isto é, n = 2. ¥

Observação 5.48 (Lema de Landau) Sejam r ∈ Q, com r > 0, e k ∈ N


fixado. Então a equação
1 1 1
+ + ··· + =r
x1 x2 xk
possui somente um número finito de soluções em N, pois se
1 1 1 k k
xk = min{x1 , . . . , xk } ⇒ + + ··· + ≤ e 1 ≤ xk ≤ .
x1 x2 xk xk r
Assim, existe apenas um quantidade finita de escolhas para xk . Agora, use
indução sobre k na equação
1 1 1 1
+ +···+ =r− .
x1 x2 xk−1 xk
Sejam r = 1 e Nk uma cota superior de todas as soluções xi da equação. Se G
é um grupo finito de ordem n e contém exatamente k classes de conjugação,
então |G| ≤ Nk , pois, pela equação de classes, obtemos
1 1 1
1= + + ··· + ,
x1 x2 xk
com xi = |CG (ai )|, i = 1, . . . , k. Agora, se a1 = e, então CG (a1 ) = G e
x1 = |G|. Sendo xi ≤ Nk , i = 1, . . . , k, obtemos o resultado.

EXERCÍCIOS
324 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

1. Determine todas as classes de conjugação dos grupos Z5 , D4 , A4 , D6 e


S4 .

2. Sejam G um grupo finito. Mostre que se um elemento a possui exata-


mente dois conjugados, então G possui um subgrupo normal.

3. Sejam G um grupo e Cx uma classe de conjugação contendo exatamente n


elementos. Mostre que existe um subgrupo H de G tal que [G : H] = n.

4. Seja G um grupo finito contendo exatamente 3 classes de conjugação.


Determine as possibilidades para a ordem de G.

5. Seja G um grupo finito contendo exatamente 4 classes de conjugação.


Determine as possibilidades para a ordem de G.

6. Sejam G um grupo e C uma classe de conjugação de elementos em G.

(a) Mostre que se


C −1 = {x−1 : x ∈ C},

então C −1 é uma classe de conjugação de elementos em G.


(b) Mostre que se G é um grupo finito com ordem ímpar, então C = {1}
é a única classe de conjugação tal que C = C −1 .
(c) Mostre que se G é um grupo finito com ordem par, então existe pelo
menos uma classe de conjugação C 6= {1} tal que C = C −1 .

7. Sejam G um grupo, H e K subgrupos de G. Mostre que se H ∩ K é um


subgrupo normal em H e K, então HK ⊆ NG (H ∩ K).

8. Sejam G um grupo e H um subgrupo abeliano de G. Mostre que HZ(G)


é um subgrupo abeliano de G.

9. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Mostre que se H é um


subgrupo normal em G, então CG (H) é um subgrupo normal em G.
5.4. P-GRUPOS 325

10. Sejam G um grupo infinito e H um subgrupo normal finito em G. Mostre


que
G
CG (H)
é um grupo finito.

11. Sejam G um grupo, H e K subgrupos de G. Mostre que se H é um


subgrupo normal abeliano maximal finito em G e K é um subgrupo
normal abeliano em G, então K é finito.

12. Sejam G um grupo e X um subconjunto de G. O fecho normal de X é


o conjunto
­ ®
X G = X a = aXa−1 : a ∈ G .
Mostre que X G é um subgrupo normal minimal em G contendo X.

13. Sejam G um grupo infinito e a ∈ G∗ , com a classe de conjugação Ca


finita. Mostre que G é um grupo não simples.

5.4 p-Grupos
Sejam G um grupo finito e p um número primo. Dizemos que G é um
p-grupo se a ordem de G é uma potência de p, isto é, |G| = pn , para algum
n ∈ Z+ . Se H é um subgrupo de G e H é um p-grupo, dizemos que H é um
p-subgrupo de G. Em particular, H = hei = {e} é um p-subgrupo de G, pois
|H| = |hei| = 1 = p0 .

Exemplo 5.49 Os grupos

Z8 , Z2 × Z4 , Z2 × Z2 × Z2 , D4 , Q8 , Zpn e Zp × · · · × Zp

são p-grupos.
k
Exemplo 5.50 Sejam G um p-grupo abeliano finito e ap 6= e, para algum
k
k ∈ Z+ . Mostre que se a ordem ap é igual pm , então a ordem de a é igual
pk+m .
326 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Solução. Seja pn a ordem de a. Então n > k. Como


³ k ´pm
pk+m
a = ap =e

temos que pn divide pk+m , isto é, n ≤ m + k. Por outro lado, como


³ k ´pn−k n
ap = ap = e

temos que pm divide pn−k , isto é, m ≤ n − k Portanto, pn = pk+m . ¥

Observação 5.51 Pelo Teorema de Lagrange, qualquer subgrupo de um p-


grupo é um p-subgrupo.

Proposição 5.52 Sejam G um p-grupo finito e ϕ : G → K um homomorfismo


de grupos. Então Im ϕ é um p-grupo.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Lema 5.53 Sejam H um p-grupo finito e S um H-conjunto não vazio finito.


Se
S H = {x ∈ S : ax = x, ∀ a ∈ H} ⊆ S
é o conjunto fixo de S sob a ação de H, então
¯ ¯
|S| ≡ ¯S H ¯ (mod p).

Em particular, se p não divide |S|, então S H 6= ∅.

Prova. Note, pela Proposição 5.45, que


¯ ¯ X
|S| = ¯S H ¯ + [H : Hx ].
x∈S−S G

Como |O(x)| = [H : Hx ] > 1, para todo x ∈ S − S G , e |O(xi )| é um divisor de


|H| temos que p é um divisor [H : Hx ]. Portanto,
¯ ¯
|S| ≡ ¯S H ¯ (mod p).

Finalmente, se p não divide |S|, então S H 6= ∅. ¥


5.4. P-GRUPOS 327

Teorema 5.54 (Teorema de Cauchy) Sejam G um grupo finito e p um


número primo. Se p divide a ordem de G, então G contém um elemento
de ordem p.

Prova. (J. H. McKay) Seja |G| = n e consideremos o conjunto

S = {(a1 , . . . , ap ) ∈ Gp : a1 · · · ap = 1}.

Então |S| = np−1 , pois ap é completamente determinado por (a1 · · · ap−1 )−1 .
Como p é um divisor de n temos que

|S| ≡ 0 (mod p) ⇔ np−1 ≡ 0 (mod p).

Seja H = hci um grupo cíclico de ordem p. Então a função ∗ : H × S → S


definida por

c ∗ (a1 , a2 . . . , ap ) = (ap , a1 , a2 , . . . , ap−1 )


c2 ∗ (a1 , a2 . . . , ap ) = (ap−1, ap , a1 , a2 , . . . , ap−2 )
..
.
cp−1 ∗ (a1 , a2 . . . , ap ) = (a2 , a3 , . . . , ap−1, ap , a1 )

é uma ação de H sobre S (prove isto!). Assim, pelo Lema 5.53,


¯ ¯ ¯ ¯
|S| ≡ ¯S H ¯ (mod p) e |S| ≡ 0 (mod p) ⇒ ¯S H ¯ ≡ 0 (mod p),
¯ ¯
ou seja, p é um divisor de ¯S H ¯. Observe que

(a1 , . . . , ap ) ∈ S H ⇔ a1 = · · · = ap .
¯ ¯ ¯ ¯
Assim, S H 6= ∅, pois (1, . . . , 1) ∈ S H . Como ¯S H ¯ > 0 e p é um divisor de ¯S H ¯
temos que existe pelo menos um a ∈ G, com a 6= 1, tal que

(a, . . . , a) ∈ S H .

Portanto, ap = 1. Sendo p um número primo e a 6= 1 temos que |a| = p. ¥

Corolário 5.55 Seja G um grupo finito. Então qualquer elemento de G possui


ordem uma potência de p se, e somente se, G é um p-grupo. Neste caso,
dizemos que qualquer elemento de G é um p-elemento de G.
328 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Prova. Suponhamos que qualquer elemento de G tenha ordem uma potência


de p e |G| = pn m, com mdc(m, p) = 1. Se m > 1, então existe um número
primo q dividindo m, ou seja, dividindo a ordem de G. Então, pelo Teorema
de Cauchy, G contém um elemento de ordem q, o que é impossível, pois por
hipótese, qualquer elemento de G é um p-elemento. Portanto, a ordem de G é
uma potência de p.
A recíproca, é uma consequência do Teorema de Lagrange. ¥

Corolário 5.56 (Teorema de Burnside) Sejam p um número primo e G


um grupo finito, com |G| = pn , para algum n ∈ N. Então:

1. p é um divisor de |Z(G)| e |Z(G)| 6= pn−1 . Em particular, Z(G) 6= {1}


e se n ≥ 2, então G é um grupo não simples.

2. p é um divisor de |H ∩ Z(G)|, para qualquer subgrupo normal não trivial


H em G. Em particular, se |H| = p, então H ⊆ Z(G).

Prova. (1) Sabemos, pela equação de classes, que


X
|G| = |Z(G)| + [G : CG (x)].
x∈Z(G)
/

Como |Cx | = [G : CG (x)] > 1 é um divisor de |G| temos que p divide [G : CG (x)].
Portanto, p divide |Z(G)|, pois p divide |G|.
Agora, se |Z(G)| = pn−1 , então G é um grupo não abeliano e existe a ∈ G
tal que a ∈
/ Z(G). Logo,

Z(G) ⊂ CG (a) ⊂ G.

Assim, pn−1 < |CG (a)| < |G| = pn , o que é impossível, pois pelo Teorema de
Lagrange, |CG (a)| divide pn . Portanto, |Z(G)| 6= pn−1 .
(2) Note que se x ∈ H, então Cx ⊆ H, pois H é um subgrupo normal em
G. Logo, Ca ⊆ H ou Ca ∩ H = ∅, para todo a ∈ G. Como
⎛ ⎞
S· [·
H = H ∩ G = (H ∩ Z(G)) ⎝ (Cx ∩ H)⎠
x∈Z(G)
/
5.4. P-GRUPOS 329

temos que X
|H| = |H ∩ Z(G)| + |Cx ∩ H| .
x∈Z(G)
/

Sendo |Cx ∩ H| = 0 ou |Cx ∩ H| = |Cx |, temos que p divide |H ∩ Z(G)|. ¥

Corolário 5.57 Sejam p um número primo e G um grupo finito, com |G| =


p2 . Então G é um grupo abeliano. Mais precisamente, G ' Zp2 ou G ' Zp ×Zp .

Prova. Pelo item (1) do Corolário 5.56, temos que Z(G) 6= {e} e |Z(G)| = p2 .
Portanto, G = Z(G), isto é, G é grupo abeliano. Se G contém um elemento
de ordem p2 , então G é grupo cíclico. Portanto, G ' Zp2 . Suponhamos que
qualquer elemento de G−{e} seja de ordem p. Sejam a ∈ G−{e} e b ∈ G−{a}.
Como |ha, bi| > |hai| temos que G = ha, bi. Sendo |hai| = p e |hbi| = p, obtemos
hai × hbi = Zp × Zp . Agora, é fácil verificar que a função σ : Zp × Zp → G
definida por σ(am , bn ) = am bn é um isomorfismo. ¥

Lema 5.58 Sejam G um grupo finito e H um p-subgrupo de G. Então

[NG (H) : H] ≡ [G : H] (mod p).

Prova. Consideremos o conjunto S = {aH : a ∈ G}. Então |S| = [G : H].


A função ∗ : H × S → S definida por h ∗ (aH) = haH, para todo h ∈ H e
aH ∈ S, é uma ação de H sobre S (prove isto!). Logo, pelo Lema 5.53,
¯ ¯
|S| ≡ ¯S H ¯ (mod p).

Note que

aH ∈ S H ⇔ haH = aH, ∀ h ∈ H,
⇔ a−1 haH = H, ∀ h ∈ H,
⇔ a−1 ha ∈ H, ∀ h ∈ H,
⇔ a−1 Ha = H ⇔ aHa−1 = H
⇔ a ∈ NG (H).

Assim,
¯ ¯
S H = {aH : a ∈ NG (H)} e ¯S H ¯ = [NG (H) : H].
330 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Portanto,
¯ ¯
[NG (H) : H] = ¯S H ¯ ≡ |S| = [G : H] (mod p),
que é o resultado desejado ¥

Corolário 5.59 Sejam G um grupo e H um p-subgrupo de G tal que p divide


[G : H]. Então H 6= NG (H).

Prova. Pelo Lema 5.58,

[NG (H) : H] ≡ [G : H] ≡ 0 (mod p).

Como [NG (H) : H] ≥ 1, em qualquer caso, temos que [NG (H) : H] > 1, pois
p divide [NG (H) : H]. Portanto, H 6= NG (H). ¥

Exemplo 5.60 Sejam G um grupo finito e H um subgrupo próprio de G.


Mostre que [
aHa−1 ⊂ G.
a∈G

Solução. Primeiro note que se N = NG (H), então


G
{aHa−1 : a ∈ G} ↔
N
e H ⊆ N ⊆ G. Logo,

[G : N] ≤ [G : H] e [G : H] > 1,

pois H 6= G. Se r é o número de elementos distintos em


[
aHa−1 = {aHa−1 : a ∈ G},
a∈G

então

r ≤ 1 + (|H| − 1) [G : N]
≤ 1 + (|H| − 1) [G : H]
= 1 + |G| − [G : H]
< |G| ,

pois [G : H] > 1 e [G : N] é o número de conjugados de H. ¥

Vamos finalizar esta seção caracterizando todos os grupos abelianos finitos.


5.4. P-GRUPOS 331

Lema 5.61 Sejam G um grupo abeliano e n ∈ N, com n ≥ 2. Então a função


ϕ : G → G definida por ϕ(x) = xn é um homomorfismo de grupos. Além disso,
G
' Im ϕ,
ker ϕ
com
ker ϕ = {a ∈ G : an = 1} e Im ϕ = {an : a ∈ G}.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Observe que o Lema 5.61 é falso quando G não é um grupo abeliano. Para
ver isto, considere G = S3 e n = 2.

Proposição 5.62 Sejam G um grupo abeliano de ordem n > 1 e

n = pn1 1 pn2 2 · · · pnk k ,

a fatoração de n em fatores primos distintos. Então

G = H1 × · · · × Hk ,

com
ni
Hi = {a ∈ G : api = e}
um subgrupo de G de ordem pni i , para i ∈ {1, . . . , k}. Além disso, a decom-
posição é única, a menos da ordem dos fatores.

Prova. Vamos usar indução sobre l, com 1 ≤ l ≤ k. Como


ni
Hi = {a ∈ G : api = e}

é um subgrupo normal (prove isto!) em G temos que H1 · · · Hk é um subgrupo


de G. Sejam H = H1 · · · Hk−1 e K = Hk . Então, pelo Corolário 5.5,

H = H1 × · · · × Hk−1 e |H| = |H1 | · · · |Hk−1 | .

Por outro lado, como o mdc(|H| , |K|) = 1 temos, pelo Teorema de Lagrange,
que H ∩ K = {e}. Logo,

H × K = (H1 × · · · × Hk−1 ) × Hk ' H1 × · · · × Hk−1 × Hk .


332 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Em particular,
G = H1 × · · · × Hk ,

que é o resultado desejado. ¥.

Lema 5.63 Seja E um p-grupo abeliano elementar, isto é, qualquer elemento


de G é de ordem um número primo p. Então para qualquer a ∈ E existe um
subgrupo M de E tal que E = M × hai. Neste caso, dizemos que hai é um
somando direto de E, M é um complementar de hai e

E
' M.
hai

Prova. Se a = e, então E = M ' M × hei. Se a 6= e, então a família F de


todos os subgrupos H de E tais que a ∈
/ H é não vazia. Assim, pelo Princípio
Maximal, F contém um elemento maximal, digamos M ∈ F. Se [E : M] 6= p,
então o conjunto
E
E=
M
p
é um p-grupo abeliano elementar e existe b ∈ E − hai. Como b = e temos
­ ® ­ ®
que a ∈/ b . Assim, pelo Teorema da Correspodência, b = hbMi é da forma
L
M
, onde L é um subgrupo de E contendo M e a ∈ / L, o que contradiz a
maximalidade M. Logo,

[E : M] = p, E = M hai e M ∩ hai = {e}.

Portanto, pelo Corolário 5.5, E = M × hai. ¥

Teorema 5.64 (Teorema da Decomposição Primária) Seja G um grupo


abeliano de ordem n > 1, com

n = pn1 1 pn2 2 · · · pnk k ,

a fatoração de n em fatores primos distintos. Então:

1. G = H1 × · · · × Hk , em que |Hi | = pni i .


5.4. P-GRUPOS 333

2. Para cada Hi ∈ {H1 , . . . , Hk }, com |Hi | = pni i , obtemos

Hi = Zpei 1 × Zpei 2 × · · · × Zpei t ,

em que
1 ≤ e1 ≤ e2 ≤ · · · ≤ et e e1 + e2 + · · · + et = ni
(note que t e e1 , . . . , et dependem de i). Neste caso, dizemos que Hi é
um grupo do tipo
(pei 1 , pei 2 , . . . , pei t )

3. As decomposições em (1) e (2) são únicas e os inteiros pei i são os fatores


invariantes de Hi .

Prova. (Existência) Pelo Corolário 5.5, basta provar que Hp , com p um número
primo, é um produto de grupos cíclicos. Vamos usar indução sobre |Hp |. Con-
sideremos a função ϕ : Hp → Hp definida por ϕ(x) = xp . Então, pelo Lema
5.61, ϕ é um homomorfismo de grupos. Sejam E = ker ϕ e K = Im ϕ. Então,
pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,
Hp
' K.
E
Assim,
Hp
E e
K
são p-grupos abelianos elementares, com

|Hp | = |E| |K| e [Hp : K] = |E| .

Neste caso, |K| < |Hp |, pois |E| > 1. Logo, pela hipótese de indução,

K = hk1 i × hk2 i × · · · × hkt i = Zpei 1 × Zpei 2 × · · · × Zpei t ,

ei ≥ 1, i = 1, . . . , t. Como ki ∈ K = Im ϕ temos que existe hi ∈ Hp tal que

ki = ϕ(hi ) = hpi , i = 1, . . . , t.

Seja H0 = hh1 , h2 , . . . , ht i o subgrupo finitamente gerado de Hp . Então:


334 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

(a) H0 = hh1 i × hh2 i × · · · × hht i.

(b) O grupo quociente


H0
= hh1 Ki × hh2 Ki × · · · × hht Ki
K
é um p-grupo abeliano elementar de ordem pt .

(c) O subgrupo
¿ e −1 À ¿ e −1 À ¿ e −1 À
pi 1 pi 2 p t
E ∩ K = h1 × h2 × · · · × ht i

é um p-grupo abeliano elementar de ordem pt .

De fato, como

H0 = hh1 i hh2 i · · · hht i , com hhi i ∩ (hh2 i · · · hhi−1 i) = {e},

temos, pelo Corolário 5.5, que

H0 = hh1 i × hh2 i × · · · × hht i .

Os outros itens, provam-se de modo inteiramente análogo.


Agora, se E ⊆ K então

[Hp : K] = |E| = |E ∩ K| = pt = [H0 : K].

Logo, Hp = H0 e o teorema está provado. Se E não é subgrupo de K, então


existe a ∈ E tal que a ∈
/ K, de modo que

|hai| = |haKi| = |hai| = p.

Assim, pelo Lema 5.63, existe um subgrupo M de


Hp
Hp =
K
tal que
H p = M × hai
5.4. P-GRUPOS 335

e, pelo Teorema da Correspodência, M = bK é da forma M K


, onde M é um
subgrupo de Hp contendo K, ou seja, M ∩ hai = {e}, pois a ordem de a é igual
apea∈ / M. Portanto,
Hp = M × hai .
Pela hipótese de indução, M é um produto de grupos cíclicos e, consequente-
mente, Hp é um produto de grupos cíclicos.
(Unicidade) Vamos usar indução sobre |Hp |. Suponhamos que Hp tenha
duas decomposições do tipo

(pe1 , pe2 , . . . , pes ) e (pf1 , pf2 , . . . , pft ),

com 1 ≤ e1 ≤ e2 ≤ · · · ≤ es e 1 ≤ f1 ≤ f2 ≤ · · · ≤ ft . Já vimos que a função


ϕ : Hp → Hp definida por ϕ(x) = xp é um homomorfismo de grupos. Sejam
E = ker ϕ e K = Im ϕ. Então
Hp
E e
K
são p-grupos abelianos elementares e, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,

|Hp | = |E| |K| e [Hp : K] = |E| .

Neste caso, |K| < |Hp | e K é do tipo

(pe1 −1 , pe2 −1 , . . . , pes −1 ) e (pf1 −1 , pf2 −1 , . . . , pft −1 ),

Note que se ei − 1 = 0 ou fj − 1 = 0, então o grupo fator de K correspondendo


a pei −1 ou pfj −1 é simplesmente o grupo {e}. Assim, pela hipótese de indução,
obtemos ei − 1 = fi − 1, para todo i, com ei − 1 > 0 ou fi − 1 > 0, ou seja,
ei = fi . Portanto, as duas sequências

(pe1 , pe2 , . . . , pes ) e (pf1 , pf2 , . . . , pft ),

podem diferir apenas nas primeiras coordenadas, as quais são iguais a p. Neste
caso,
(p, . . . , p, pe1 , pe2 , . . . , peu ) e (p, . . . , p, pe1 , pe2 , . . . , peu ),
Logo, a ordem de Hp é igual

pβ pe1 +e2 +···+eu = pγ pe1 +e2 +···+eu ,

Portanto, β = γ e unicidade está provado. ¥


336 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Observação 5.65 Suponhamos que Hp tenha uma decomposição do tipo

(pe1 , pe2 , . . . , pet ),

com 1 ≤ e1 ≤ e2 ≤ · · · ≤ et , ou seja,

Hp = Zpe1 × Zpe2 × · · · × Zpet .

Então
|Hp | = pe1 +e2 +···+et .
Assim, e1 + e2 + · · · + et = n e 1 ≤ e1 ≤ e2 ≤ · · · ≤ et . Logo, os inteiros

e1 , e2 , . . . , et

formam uma partição de n. Reciprocamente, dado uma partição de n,

e1 , e2 , . . . , et ,

podemos construir um grupo abeliano de ordem pn do seguinte modo: seja Hi


um grupo cíclico de ordem pei . Então

Hp = H1 × · · · × Ht

é um grupo abeliano de ordem pn . Portanto, a cada grupo abeliano de ordem pn


corresponde uma partição de n e vice-versa. Assim, concluímos que o número
grupos abelianos não isomorfos de ordem pn é igual ao número de partições de
n. Por exemplo, o número de grupos abelianos de ordem p4 é obtida a partir
da lista de partições de 4,

Partições Grupos abelianos


4 Zp4
1, 3 Zp × Zp3
2, 2 Zp2 × Zp2
1, 1, 2 Zp × Zp × Zp2
1, 1, 1, 1 Zp × Zp × Zp × Zp

Assim, existem exatamente 5 grupos de ordem p4 não isomorfos.


5.4. P-GRUPOS 337

Exemplo 5.66 Classifique todos os grupos abelianos de ordem 1.800.

Solução. Como
n = 1.800 = 23 32 52 ,

temos que

Ordem pn Partições de n Grupos abelianos


23 3; 1, 2; 1, 1, 1 Z23 ; Z2 × Z22 ; Z2 × Z2 × Z2
32 2, 1, 1 Z32 ; Z3 × Z3
52 2; 1, 1 Z52 ; Z5 × Z5

Portanto, existem 12 grupos abelianos distintos de ordem 1800:

Z8 × Z9 × Z25 Z4 × Z2 × Z3 × Z3 × Z25
Z8 × Z9 × Z5 × Z5 Z4 × Z2 × Z3 × Z3 × Z5 × Z5
Z8 × Z3 × Z3 × Z25 Z2 × Z2 × Z2 × Z9 × Z25
Z8 × Z3 × Z3 × Z5 × Z5 Z2 × Z2 × Z2 × Z9 × Z5 × Z5
Z4 × Z2 × Z9 × Z25 Z2 × Z2 × Z2 × Z3 × Z3 × Z25
Z4 × Z2 × Z9 × Z5 × Z5 Z2 × Z2 × Z2 × Z3 × Z3 × Z5 × Z5

que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 5.67 Seja G um grupo abeliano finito. Mostre que se m divide a


ordem de G, então G possui um subgrupo de ordem m.

Solução. Seja n a ordem de G. Então, pelo Teorema da Decomposição


Primária,
G = Zpni 1 × · · · × Zpnk ,
k

em que os números primos pi não são necessariamente distintos. Como

n = pn1 1 · · · pnk k

e m divide n temos que

mk
m = pm
1 · · · pk , 0 ≤ mi ≤ ni , i = 1, . . . , k.
1
338 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW
­ ®
Assim, pelo item (3) da Proposição 1.70, pni i −mi é um subgrupo cíclico de
Zpni i de ordem
pni i
= pm
i .
i

mdc(pni i , pni i −mi )


Portanto,
­ ® ­ ®
H = pni 1 −m1 × · · · × pni k −mk

é um subgrupo de G de ordem m. ¥

EXERCÍCIOS

1. Seja G um grupo finito tal que a2 = e, para todo a ∈ G. Mostre que


|G| = 2n e
G ' Z2 × · · · × Z2 , n-fatores.

2. Seja G um grupo, com |G| = p3 . Mostre que se G é não abeliano, então


|Z(G)| = p.

3. Sejam G um grupo e H um subgrupo normal em G. Mostre que se H e


G
H
são p-grupos, então G é um p-grupo.

4. Sejam G um grupo abeliano e n ∈ N, com n ≥ 2. Mostre que as seguintes


condições são equivalentes:

(a) A função ϕn : G → G definida por ϕn (x) = xn é um automorfismo;


(b) Para qualquer a ∈ G, a equação xn = a, possui uma única solução
x ∈ G;
(c) Existe θ ∈ Aut(G) tal que θ(an ) = a, para todo a ∈ G, e θσ = σθ,
para todo σ ∈ Aut(G).
5.4. P-GRUPOS 339

5. Sejam G um p-grupo finito, com |G| = pn e n ∈ N. Mostre que G possui


um subgrupo normal H em G, com |H| = pn−1 . Conclua que G possui
uma cadeia de subgrupos

{e} = Gn ⊆ Gn−1 ⊆ · · · ⊆ G1 ⊆ G0 = G

tais que Gi é um subgrupo normal em G, Gi+1 é um subgrupo normal


em Gi e |Gi | = pn−i , para todo i = 0, . . . , n.

6. Seja G um p-grupo finito. Mostre que qualquer subgrupo maximal H de


G é subgrupo normal em G e [G : H] = p.

7. Sejam G um p-grupo finito e H um subgrupo próprio de G. Mostre que


se |H| = pk , então existe um subgrupo K de G tal que |K| = pk+1 e
H ⊆ K.

8. Seja G um grupo finito de ordem n. Mostre que |Aut(G)| ≤ (n − 1)!.

9. Seja G um p-grupo não abeliano finito. Mostre que p2 divide [G : Z(G)].


Conclua que p2 divide |Aut(G)|.

10. Sejam G um grupo, com |G| = pn e H um subgrupo normal em G.


Mostre que para qualquer divisor pm de |H| existe um subgrupo normal
K em G, com |K| = pm e K ⊆ H.

11. Seja G um grupo finito tal que Aut(G) age transitivamente sobre S =
G − {e}. Mostre que qualquer elemento de G é de ordem um número
primo p e G é grupo abeliano, isto é, G é um p-grupo abeliano elementar.

12. Seja n um número natural livre de quadrados. Mostre que qualquer


grupo abeliano de ordem n é cíclico.

13. Seja G um grupo abeliano finito. Mostre que G é um grupo cíclico Zn


ou G é um produto direto de grupos cíclicos Z mn × Zm , com m dividindo
n
m
. Neste caso, m2 divide n.
340 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

5.5 Teoremas de Sylow


O principal objetivo desta seção é apresentar uma recíproca parcial do
Teorema de Lagrange para um grupo finito qualquer.
Sejam p um número primo e G um grupo finito. Então o conjunto

S = {k ∈ Z+ : pk | |G| , mas pk+1 - |G|}

contém um maior elemento, digamos n ∈ S, ou seja,

n = max{k ∈ Z+ : pk | |G|}.

Portanto, |G| = mpn , com mdc(m, p) = 1. Dizemos que um subgrupo P de


G é um p-subgrupo de Sylow de G se |P | = pn , isto é, P é um p-subgrupo
maximal de G e mdc([G : P ], p) = 1, pois pelo Teorema de Lagrange
|G|
|G| = [G : P ] |P | ⇒ [G : P ] = = m.
|P |
Notação. Sylp (G) representa o conjunto de todos os p-subgrupos de Sylow de
G.

Teorema 5.68 (Primeiro Teorema de Sylow) Sejam p um número primo


e G um grupo finito tal que |G| = mpn , com mdc(m, p) = 1. Então G contém
pelo menos um subgrupo de ordem pk , 1 ≤ k ≤ n, e qualquer subgrupo de G,
com ordem pk , é normal em pelo menos um subgrupo de ordem pk+1 , 1 ≤ k ≤
n − 1. Além disso, Sylp (G) 6= ∅.

Prova. Vamos usar indução sobre n. Se n = 1, então o resultado segue do


Teorema de Cauchy. Suponhamos que o resultado seja válido para todo k, com
1 ≤ k < n, isto é, existe um subgrupo H de G, com ordem pk . Então, pelo
Teorema de Lagrange, p divide [G : H]. Logo, pelo Corolário 5.59 e pelo Lema
5.58, temos que

H 6= NG (H) e 1 < [NG (H) : H] ≡ [G : H] ≡ 0 (mod p).

Assim, p divide [NG (H) : H]. Pelo Teorema de Cauchy, o grupo


NG (H)
H
5.5. TEOREMAS DE SYLOW 341

contém um subgrupo de ordem p e, pelo Teorema da Correspondência, ele é


L
da forma H , onde L é um subgrupo de NG (H) contendo H. Como H é um
subgrupo normal em NG (H) temos que H é normal em L e, pelo Teorema de
Lagrange, ¯ ¯
¯L¯
|L| = ¯¯ ¯¯ |H| = ppk = pk+1 .
H
Portanto, G contém um subgrupo de ordem pk , 1 ≤ k ≤ n, e qualquer subgrupo
de G, com ordem pk , é normal em algum subgrupo de ordem pk+1 . ¥

Corolário 5.69 Sejam p um número primo e G um grupo finito tal que |G| =
mpn , com mdc(m, p) = 1. Então aP a−1 ∈ Sylp (G), para todo P ∈ Sylp (G) e
a ∈ G.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Teorema 5.70 (Segundo Teorema de Sylow) Sejam p um número primo


e G um grupo finito tal que |G| = mpn , com mdc(m, p) = 1. Se H é um
p-subgrupo de G e P é um p-subgrupo de Sylow de G, então existe a ∈ G tal
que H é um subgrupo de aP a−1 . Em particular, quaisquer dois p-subgrupos de
Sylow de G são conjugados.

Prova. Consideremos o conjunto S = {aP : a ∈ G}. Então |S| = [G : P ] e


a função ∗ : H × S → S definida por h ∗ (aP ) = haP , para todo h ∈ H e
aP ∈ S, é uma ação de H sobre S (prove isto!). Logo, pelo Lema 5.53,
¯ ¯
|S| ≡ ¯S H ¯ (mod p).

Como p não é um divisor de |S| = [G : P ] temos que S H 6= ∅. Assim, existe


a ∈ G tal que aP ∈ S H . Portanto,

aP ∈ S H ⇔ haP = aP, ∀ h ∈ H,
⇔ a−1 haP = P, ∀ h ∈ H,
⇔ a−1 ha ∈ P, ∀ h ∈ H,
⇔ a−1 Ha ≤ P
⇔ H ≤ aP a−1 ,
342 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

isto é, H é um subgrupo de aP a−1 .


Finalmente, se Q é qualquer p-subgrupo de Sylow de G, então Q é um
p-subgrupo de G. Logo, existe a ∈ G tal que Q ≤ aP a−1 . Como
¯ ¯
|Q| = |P | = ¯bP b−1 ¯ , ∀ b ∈ G,

temos que Q = aP a−1 . ¥

Corolário 5.71 Sejam p um número primo e G um grupo finito tal que |G| =
mpn , com mdc(m, p) = 1. Se P ∈ Sylp (G), então P é o único p-subgrupo de
Sylow de NG (P ).

Prova. Fica como um exercício. ¥

Teorema 5.72 (Terceiro Teorema de Sylow) Sejam p um número primo


e G um grupo finito tal que |G| = mpn , com mdc(m, p) = 1. Então o número
np de p-subgrupos de Sylow de G é da forma 1 + kp, para algum k ∈ Z+ . Além
disso,
np = [G : NG (P )],
para qualquer p-subgrupo de Sylow P de G e np é um divisor de [G : P ].

Prova. Pelo Primeiro Teorema de Sylow Sylp (G) 6= ∅, isto é, G contém um


p-subgrupo de Sylow P . Consideremos o conjunto

S = Sylp (G) = {aP a−1 : a ∈ G}.

Então
np = |S| = [G : NG (P )]
é um divisor de [G : P ] e a função ∗ : P × S → S definida por a ∗ Q = aQa−1 ,
para todo a ∈ P e Q ∈ S, é uma ação de P sobre S (prove isto!). Logo, pelo
Lema 5.53,
¯ ¯
|S| ≡ ¯S P ¯ (mod p).
Agora,
Q ∈ S P ⇔ Q = aQa−1 , ∀ a ∈ P, ⇔ P ≤ NG (Q),
5.5. TEOREMAS DE SYLOW 343

isto é, P é um subgrupo de NG (Q). Como P e Q são p-subgrupos de Sylow


de G temos que eles, também, o são de NG (Q). Assim, pelo Segundo Teorema
de Sylow, existe x ∈ NG (Q) tal que P = xQx−1 = Q, pois Q é um subgrupo
normal em NG (Q). Portanto, S P = {P } e
¯ ¯
1 = ¯S P ¯ ≡ |S| (mod p),

isto é, np = 1 + kp, para algum k ∈ Z+ . ¥

Corolário 5.73 Sejam p um número primo, G um grupo finito tal que |G| =
mpn , com mdc(m, p) = 1, e P um p-subgrupo de Sylow de G. Então as
seguintes condições são equivalentes:

1. Sylp (G) = {P }, isto é, np = 1;

2. P é um subgrupo normal em G;

3. P é um subgrupo característico em G.
k
4. Se Ωp = {a ∈ G : ap = e, k ∈ Z+ } é um subconjunto qualquer de G,
então H = hΩp i é um p-subgrupo de G.

Prova. (1 ⇒ 2) Pelo Corolário 5.69, aP a−1 ∈ Sylp (G), para todo a ∈ G.


Logo, aP a−1 = P , para todo a ∈ G. Portanto, P é um subgrupo normal em
G.
(2 ⇒ 1) Suponhamos que P seja um subgrupo normal em G e Q ∈ Sylp (G).
Então, pelo Segundo Teorema de Sylow, existe a ∈ G tal que Q = aP a−1 = P .
Portanto, Sylp (G) = {P }.
(2 ⇒ 3) Suponhamos que P seja um subgrupo normal em G e que Q seja
outro subgrupo de G, com ordem pn . Então
µ ¯ ¯¶
¯G¯
mdc |Q| , ¯¯ ¯¯ = 1.
P
Logo, existem r, s ∈ Z tais que
¯ ¯
¯G¯
r |Q| + s ¯¯ ¯¯ = 1.
P
344 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Dado a ∈ Q, obtemos

aP = aP r|Q|+s| P | = (aP )r|Q| (aP )s| P | = P,


G G

ou seja, a ∈ P e P = Q. Assim, P é o único subgrupo de G, com ordem


pn . Como σ(P ) é um subgrupo de G, com ordem pn , para todo σ ∈ Aut (G),
temos que σ(P ) = P , para todo σ ∈ Aut (G). Portanto, P é um subgrupo
característico em G.
(3 ⇒ 2) É claro da definição de subgrupo característico em G.
(1 ⇒ 4) Dado x ∈ Ωp , existe, pelo Segundo Teorema de Sylow, a ∈ G
tal que x ∈ hxi ⊆ aP a−1 = P . Logo, Ωp ⊆ P . Portanto, H = hΩp i é um
p-subgrupo de G.
(4 ⇒ 1) Consideremos
[
Ωp = Q.
Q∈Sylp (G)

Então P é um subgrupo de H = hΩp i. Assm, pela maximalidade P , obtemos


P = H. Portanto, Sylp (G) = {P }. ¥

Observação 5.74 Sejam p um número primo, G um grupo finito tal que |G| =
mpn , com mdc(m, p) = 1 e P um p-subgrupo de Sylow de G. Se np = 1, então
P é um subgrupo normal em G. Mas a recíproca é falsa se P não é um p-
subgrupo de G, por exemplo, se G = S5 (|G| = 23 · 3 · 5), então G contém um
“único” subgrupo normal H = A5 (|H| = 22 · 3 · 5), o qual não é um p-subgrupo
de Sylow de G.

Exemplo 5.75 Seja G um grupo finito de ordem n > 1 e

n = pn1 1 pn2 2 · · · pnk k ,

a fatoração de n em fatores primos distintos. Mostre que se G possui um único


pi -subgrupo de Sylow Pi , i = 1, . . . , k. Então

G = P1 × · · · × Pk ,
5.5. TEOREMAS DE SYLOW 345

Solução. Pelo Corolário 5.73, cada Pi é um subgrupo normal em G e, pelo


Teorema de Lagrange, Pi ∩ Pj = {e}, quando i 6= j. Assim, xy = yx, para
todo x ∈ Pi e y ∈ Pj . Para um i fixado, seja

x ∈ Pi ∩ (P1 · · · Pi−1 Pi+1 · · · Pk )

Então |x| = pti , para algum t ∈ Z+ e x = x1 · · · xi−1 xi+1 · · · xk , onde xj ∈ Pj .


Pondo
n
m = ni ,
pi
obtemos
xm = xm m m m
1 · · · xi−1 xi+1 · · · xk = e.

Logo, |x| divide m, Portanto, |x| = 1, pois mdc(m, pi ) = 1. Consequentemente,


x=ee
Pi ∩ (P1 · · · Pi−1 Pi+1 · · · Pk ) = {e}.
Finalmente, é claro que P1 · · · Pk é um subgrupo de G e, indutivamente,

|P1 · · · Pk | = pn1 1 pn2 2 · · · pnk k = |G| .

Agora, o resultado segue da Proposição 5.4. ¥

Teorema 5.76 Sejam G um grupo finito e p um número primo. Sejam P um


p-subgrupo de Sylow de G e H um subgrupo G tal que NG (P ) está contido em
H. Então:

1. NG (H) = H. Em particular, NG (NG (P )) = NG (P ).

2. [G : H] ≡ 1 (mod p).

Prova. Vamos provar apenas o item (1). É claro que H ⊆ NG (H). Por outro
lado, dado x ∈ NG (H), temos que P e xP x−1 são p-subgrupos de Sylow de H,
pois P ⊆ NG (H). Assim, pelo Segundo Teorema de Sylow, existe h ∈ H tal
que
P = hxP x−1 h−1 = hxP (hx)−1 .
Logo, hx ∈ NG (P ) ⊆ H. Portanto, x = h−1 (hx) ∈ H, isto é, NG (H) ⊆ H. ¥
346 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

5.6 Aplicações
Nesta seção apresentaremos algumas técnicas para produzir subgrupos nor-
mais em grupos de uma dada ordem (pequena). Essas técnicas podem ser
listadas como:

• Contando elementos.

• Explorando subgrupos de índice pequeno.

• Representação por permutação.

• Estudando o normalizador de p-subgrupos de Sylow.

É importante lembrar que essas técnicas auxiliam a responder se um dado


grupo é simples ou não.
Sejam G um grupo de ordem n, p um divisor primo de n e P ∈ Sylp (G).
Se |P | = p, então qualquer elemento de P diferente da identidade tem ordem
p e qualquer elemento de G com ordem p está em algum conjugado de P ,
pois |P | = |aP a−1 |, para todo a ∈ G. Assim, pelo Teorema de Lagrange,
P ∩ Q = {e}, para todos P, Q ∈ Sylp (G), com |P | = |Q| = p. Portanto, o
número de elementos de G, com ordem p, é igual a np (p − 1), pois

[
·
Ωp = {a ∈ G : |a| = |hai| = p} = (P − {e})
P ∈Sylp (G)

implica que
|Ωp | = np |P − {e}| = np (p − 1).

Note que se o grupo G possuir um p-subgrupos de Sylow de ordem p2 , então


a interseção pode ser não trivial. Por exemplo, se G = D6 , então os três
2-subgrupos de Sylow de G são:

{I, r3 , s, r 3 s}, {I, r3 , rs, r4 s} e {I, r3 , r2 s, r5 s},

com interseção Z(G) = {I, r3 }.


5.6. APLICAÇÕES 347

Lema 5.77 Seja G um grupo não abeliano simples finito. Se um número


primo p divide a ordem de G, então np > 1.

Prova. Seja p um número primo dividindo a ordem de G. Se p é o único


divisor primo da ordem de G, então G é um p-grupo não trivial. Pelo Teorema
de Burnside 5.56, Z(G) 6= {e}. Assim, pela simplicidade de G, obtemos G =
Z(G), o que é impossível, pois G é um grupo não abeliano. Logo, existem
pelo menos dois números primos distintos dividindo a ordem de G. Seja P um
p-subgrupo de Sylow de G. Então

{e} ⊂ P ⊂ G ⇒ 1 < |P | < |G| .

Se np = 1, então P é um subgrupo normal em G. Logo, pela simplicidade de


G, obtemos G = P , o que é impossível. Portanto, np > 1. ¥

Exemplo 5.78 Seja G um grupo de ordem 105. Mostre que G é um grupo


não simples.

Solução. Como |G| = 3 · 5 · 7 temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow, que


G contém um 3-subgrupo de Sylow H, um 5-subgrupo de Sylow K e um 7-
subgrupo de Sylow L. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

n3 = 1, 4, 7, . . . e n3 | 35
n5 = 1, 6, 11, . . . e n5 | 21
n7 = 1, 8, 15, . . . e n7 | 15.

Agora, suponhamos, por absurdo, que G seja um grupo simples. Então n3 = 7,


n5 = 21 e n7 = 15. Assim, pelo exposto acima, obtemos

o número de elementos com ordem 3 é 7 · 2 = 14


o número de elementos com ordem 5 é 21 · 4 = 84
o número de elementos com ordem 7 é 15 · 6 = 90

o número de elementos com ordem prima é 188 > |G| ,

o que é uma contradição. Portanto, G é um grupo não simples. ¥


348 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Exemplo 5.79 Seja G um grupo de ordem 48. Mostre que G contém um


subgrupo normal de ordem 8 ou 16.

Solução. Sendo |G| = 24 · 3 temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow, que


G contém um 2-subgrupo de Sylow H. Logo, [G : H] = 3. Como |G| não
divide 3! = 6 temos, pelo Corolário 5.39, que G contém um subgrupo normal
K = ker π H tal que
G
K 6= {e}, K ⊆ H e ' π H (G) ≤ S3 .
K
Assim, pelo Teorema de Lagrange,
¯ ¯
¯G¯
¯ ¯ = 2, 3 ou 6. (5.2)
¯K ¯

Por outro lado, como K 6= {e} e K ⊆ H temos, pelo Teorema de Lagrange,


que ¯ ¯
¯G¯
|K| = 2, 4, 8 ou 16 ⇒ ¯¯ ¯¯ = 3, 6, 12 ou 24. (5.3)
K
Comparando (5.2) e (5.3), obtemos
¯ ¯
¯G¯
¯ ¯ = 3 ou 6 ⇒ |K| = 8 ou 16.
¯K ¯
Portanto, G contém um subgrupo normal K de ordem 8 ou 16. ¥

Exemplo 5.80 Seja G um grupo de ordem 300. Mostre que G é um grupo


não simples.

Solução. Como |G| = 22 · 3 · 52 temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow, que


G contém um 5-subgrupo de Sylow H. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

n5 = 1, 6, 11, . . . e n5 | 12.

Agora, suponhamos, por absurdo, que G seja um grupo simples. Então n5 = 6.


Assim, G contém um subgrupo N = NG (H) tal que [G : N] = n5 = 6. Pelo
Teorema 5.36, existe um homomorfismo de grupos injetor π N : G → S6 , pois
G é um grupo simples. Logo, pelo Teorema de Lagrange, 300 é um divisor de

|S6 | = 6! = 24 · 32 · 5,

o que é impossível. Portanto, G é um grupo não simples. ¥


5.6. APLICAÇÕES 349

Exemplo 5.81 Seja G um grupo de ordem 3.393. Mostre que G é um grupo


não simples.

Solução. Como |G| = 32 · 13 · 29 temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow, que


G contém um 3-subgrupo de Sylow H. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

n3 = 1, 4, 7, . . . e n3 | 13 · 29.

Agora, suponhamos, por absurdo, que G seja um grupo simples. Então n3 =


13. Assim, G contém um subgrupo N = NG (H) tal que [G : N] = n3 = 13.
Pelo Teorema 5.36, existe um homomorfismo de grupos injetor πN : G → S13 ,
pois G é um grupo simples. Logo, pelo Teorema de Lagrange, 3.393 é um
divisor de
|S13 | = 13! = 210 · 35 · 52 · 7 · 11 · 13,

o que é impossível. Portanto, G é um grupo não simples. ¥

Exemplo 5.82 Seja G um grupo de ordem 380. Mostre que G contém um


subgrupo normal de ordem 5 e um de ordem 19.

Solução. Como |G| = 22 · 5 · 19 temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow, que


G contém um 5-subgrupo de Sylow H e um 19-subgrupo de Sylow K. Mas,
pelo Terceiro Teorema de Sylow,

n5 = 1, 6, 11, . . . e n5 | 76
n19 = 1, 20, 39, . . . e n19 | 20.

Afirmação. n5 = 1 ou n19 = 1.
De fato, se n5 = 76 e n19 = 20, então, pelo visto acima, obtemos

o número de elementos com ordem 5 é 76 · 4 = 304


o número de elementos com ordem 19 é 20 · 18 = 360

o número de elementos com ordem prima é 664 > |G| ,


350 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

o que é uma contradição. Portanto, n5 = 1 ou n19 = 1. Assim, H é um


subgrupo normal em G ou K é um subgrupo normal em G. Logo, em qualquer
caso, HK é um subgrupo de G, com
|H| |K|
|HK| = = 5 · 19,
|H ∩ K|
pois, pelo Teorema de Lagrange, H ∩ K = {e}. Mas, pelo Terceiro Teorema
de Sylow, aplicado ao grupo HK, obtemos

n5 = 1, 6, 11, . . . e n5 | 19
n19 = 1, 20, 39, . . . e n19 | 5.

Logo, n5 = 1 e n19 = 1, em HK, isto é, H e K são subgrupos normais em


HK. Assim, HK é um subgrupo de NG (H) e HK é um subgrupo de NG (K).
Portanto,
n5 = [G : NG (H)] ≤ [G : HK] = 22
e
n19 = [G : NG (K)] ≤ [G : HK] = 22 ,
ou seja, n5 = 1 e n19 = 1 em G. Consequentemente, G contém um subgrupo
normal de ordem 5 e um de ordem 19. ¥

Exemplo 5.83 Seja G um grupo de ordem 455. Mostre que G é um grupo


cíclico.

Solução. Como |G| = 5 · 7 · 13 temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow,


que G contém um 5-subgrupo de Sylow H, um 7-subgrupo de Sylow K e um
13-subgrupo de Sylow L. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

n5 = 1, 6, 11, . . . e n5 | 91
n7 = 1, 8, 15, . . . e n7 | 65
n13 = 1, 14, 27, . . . e n13 | 35.

Então n5 = 1 ou 91, n7 = 1 e n13 = 1. Assim, HK é um subgrupo de G, pois


K é normal em G. Como HK ⊆ NG (H) temos que

n5 = [G : NG (H)] ≤ [G : HK] = 13.


5.6. APLICAÇÕES 351

Logo, n5 = 1, ou seja, H, K e L são subgrupos normais em G. Portanto,

G ' (H × K) × L ' (Z5 × Z7 ) × Z13


' Z35 × Z13
' Z455 ,

isto é, G é um grupo cíclico. ¥

Exemplo 5.84 Seja G um grupo de ordem 3.675. Mostre que G é um grupo


não simples.

Solução. Como |G| = 3 · 52 · 72 temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow, que


G contém um 7-subgrupo de Sylow H. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

n7 = 1, 8, 15, . . . e n7 | 3 · 52 .

Agora, suponhamos, por absurdo, que G seja um grupo simples. Então n7 =


15. Assim, G contém um subgrupo N = NG (H) tal que [G : N] = n7 = 15.
Portanto, |N| = 5 · 72 . Assim, pelo Primeiro Teorema de Sylow, N contém um
5-subgrupo de Sylow K. Então K é um subgrupo normal em N, pois n5 = 1
em N. Como |K| = 5 temos que K não é um 5-subgrupo de Sylow de G.
Logo, pelo Segundo Teorema de Sylow, K está contido em um 5-subgrupo de
Sylow P de G. Assim, K é um subgrupo normal em P , pois P é abeliano, ou
seja, P ⊆ NG (K). Portanto, Q = hN, P i é um subgrupo de NG (K) e

52 · 72 | NG (K) ⇒ [G : NG (K)] | 3,

ou seja, NG (K) = G, o que é impossível, pois K não é um subgrupo normal


em G. Portanto, G é um grupo não simples. ¥

Exemplo 5.85 Seja G um grupo de ordem 231. Mostre que G contém um


subgrupo normal H de ordem 11 e H é um subgrupo de Z(G).

Solução. Como |G| = 3 · 7 · 11 temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow, que G


contém um 11-subgrupo de Sylow H. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

n11 = 1, 12, 23, . . . e n11 | 21.


352 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Logo, n11 = 1 e H é um subgrupo normal em G. Agora, vamos provar que H


é um subgrupo de Z(G). Pelo N/C-Lema e o item (6) da Proposição 2.31,
obtemos
G
' L ≤ Aut(H) ' U(Z11 ).
CG (H)
Logo, pelo Teorema de Lagrange,
¯ ¯
¯ G ¯
¯ ¯
¯ CG (H) ¯ = 1, 2, 5 ou 10. (5.4)

Por outro lado, como H é um grupo abeliano temos que H é um subgrupo


de CG (H) (prove isto!). Logo, pelo Teorema de Lagrange, 11 divide |CG (H)|.
Mas ¯ ¯ ¯ ¯
¯ G ¯ ¯ G ¯
|G| = ¯¯ ¯ |CG (H)| ⇒ ¯ ¯
¯ CG (H) ¯ = 1, 3, 7 ou 21. (5.5)
CG (H) ¯
Comparando (5.4) e (5.5), obtemos
¯ ¯
¯ G ¯
¯ ¯
¯ CG (H) ¯ = 1 e G = CG (H).

Portanto, H é um subgrupo de Z(G). ¥

Exemplo 5.86 Sejam p um número primo e G um grupo finito tal que |G| =
mpn , com mdc(m, p) = 1. Sejam H um subgrupo normal em G e P um p-
subgrupo de Sylow de G. Mostre que H ∩ P é um p-subgrupo de Sylow de H e
PH G
H
é um p-subgrupo de Sylow de H .

Solução. Seja Q um p-subgrupo de Sylow de H. Então Q é um p-subgrupo


de G. Logo, pelo Segundo Teorema de Sylow, existe a ∈ G tal que Q é um
subgrupo de aP a−1 . Assim,

a−1 Qa ≤ H ∩ P ≤ P,

pois
a−1 Qa ≤ a−1 Ha = H e a−1 Qa ≤ P.
Pela maximalidade da ordem de Q em H, temos que

H ∩ P = a−1 Q(a−1 )−1 .


5.6. APLICAÇÕES 353

Portanto, H ∩ P é um p-subgrupo de Sylow de H.


Finalmente, como P H é um subgrupo de G e H ∩ P é um subgrupo normal
em P temos, pelo Segundo Teorema de Isomorfismo, que
¯ ¯
PH P ¯P H ¯
' ⇒¯ ¯ ¯ = pr ,
H H ∩P H ¯
PH G
isto é, H
é um p-subgrupo de H
. Pelo digrama abaixo

G
G −→ H
| |
PH
P H ←→ H
| |
H ←→ {H}

temos que ∙ ¸
G PH
[G : P H] = : .
H H
Logo,
µ ∙ ¸¶
G PH
mdc p, : = 1, pois [G : P ] = [G : P H][P H : P ].
H H

Portanto, PH
H
é um p-subgrupo de Sylow de G
H
. ¥

Exemplo 5.87 Sejam G um grupo finito e P um p-subgrupo Sylow de G.


Mostre que P ∩ Q = Q ∩ NG (P ), para todo p-subgrupo Q de G.

Solução. Seja H = Q ∩ NG (P ). Então é claro que P ∩ Q ⊆ H, pois P ⊆


NG (P ). Por outro lado, basta provar que H ⊆ P , pois H ⊆ Q. Como
H ⊆ NG (P ) temos que HP é um subgrupo de G tal que P é um subgrupo de
HP . Logo,
|H| |P |
|HP | = = pm .
|H ∩ P |
Assim, |HP | = |P |, pois P um p-subgrupo Sylow de G. Portanto, HP = P ,
ou seja, H ⊆ P . ¥
354 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Exemplo 5.88 Mostre que se |G| = pm q n , com p, q números primos e p não


divide (q k − 1), 1 ≤ k ≤ n, então existe um p-subgrupo de Sylow normal em
G.

Solução. Como |G| = pm q n temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow, que G


contém um p-subgrupo de Sylow H. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,
np = 1, 1 + p, 1 + 2p, . . . e np | q n .
Logo, np = 1, pois p não divide qk − 1, 1 ≤ k ≤ n. Portanto, H é um subgrupo
normal em G. ¥

Exemplo 5.89 Mostre que se |G| = pqr, com p, q e r números primos e


p < q < r, então G contém um s-subgrupo de Sylow normal para s = p, q ou
r.

Solução. Como |G| = pqr temos, pelo Primeiro Teorema de Sylow, que
G contém um p-subgrupo de Sylow P , um q-subgrupo de Sylow Q e um r-
subgrupo de Sylow R. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,
np = 1, 1 + p, 1 + 2p, . . . e np | qr
nq = 1, 1 + q, 1 + 2q, . . . e nq | pr
nr = 1, 1 + r, 1 + 2r, . . . e nr | pq.
Afirmação. np = 1 ou nq = 1 ou nr = 1.
De fato, se np > 1, nq > 1 e nr > 1, então é fácil verificar que nr = pq, nq ≥ r
e np ≥ q. Por exemplo,
r < nr = ps qt , 0 ≤ s, t ≤ 1,
implica que nr = pq. Logo,
pqr = |G| = np (p − 1) + nq (q − 1) + nr (r − 1) + 1
≥ q(p − 1) + r(q − 1) + pq(r − 1) + 1.
Assim,
0 ≥ qr − q − r + 1 = (q − 1)(r − 1) > 0,
o que é uma contradição. Portanto, G contém um s-subgrupo de Sylow normal
para s = p, q ou r. ¥
5.6. APLICAÇÕES 355

Exemplo 5.90 Seja G um p-grupo, com ordem pn . Mostre que se G contém


exatamente um subgrupo de ordem p, p2 , . . . , pn−1 , então G é um grupo cíclico.

Solução. Seja H um subgrupo de G, com |H| = pn−1 . Então, pelo Primeiro


Teorema de Sylow, H contém subgrupos de ordens p, p2 , . . . , pn−2 . Como
esses subgrupos são subgrupos de G temos que todos os subgrupos próprios de
G são subgrupos de H. Observe que se a ∈ G é tal que a ∈ / H, então |a| = pn ,
pois se |a| < pn , então K = hai seria um subgrupo de H. Assim, a ∈ K ⊆ H,
o que é impossível. Portanto, G = hai e G é um grupo cíclico. ¥

Exemplo 5.91 Classifique, a menos de isomorfismos, todos os grupos de or-


dem pq, com p e q números primos.

Solução. Seja G um grupo de ordem pq. Se p = q, então, pelo Corolário


5.57, G ' Zp2 ou G ' Zp × Zp . Se p 6= q, digamos p < q, então temos, pelo
Primeiro Teorema de Sylow, que G contém um p-subgrupo de Sylow H = hai
e um q-subgrupo de Sylow K = hbi. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

np = 1, 1 + p, 1 + 2p, . . . e np | q
nq = 1, 1 + q, 1 + 2q, . . . e nq | p.

Logo, nq = 1 e K é um subgrupo normal em G. Como np divide q e q é um


número primo temos duas possibilidades np = 1 ou np = q.
1.a Possibilidade. Se np = 1, então H é um subgrupo normal em G. Pelo
Teorema de Lagrange, obtemos H ∩ K = {e}. Portanto, pelo Corolário 5.5,

G ' H × K ' Zp × Zq ' Zpq ,

isto é, G é um grupo cíclico.


2.a Possibilidade. Se np = q, então p divide q − 1 e existe um homomor-
fismo de grupos não trivial ϕ : H → Aut(K) ' U(Zq ). Portanto, G = K oϕ H.
Em particular, G é não abeliano. Portanto, pelo item (3) do Exemplo 5.14, G
é o único grupo, a menos de isomorfismos, de ordem pq. ¥

Exemplo 5.92 Classifique, a menos de isomorfismos, todos os grupos de or-


dem 12.
356 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

Solução. Seja G um grupo de ordem 12 = 22 ·3. Então, pelo Primeiro Teorema


de Sylow, G contém um 2-subgrupo de Sylow H e um 3-subgrupo de Sylow
K. Logo,

H = hai ' Z4 ou H = ha, bi ' Z2 × Z2 e K = hci ' Z3 .

Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

n2 = 1, 3, 4, . . . e n2 | 3
n3 = 1, 4, 7, . . . e n3 | 4.

Assim, há os seguintes casos a serem considerados:


1.o Caso. Se n2 = 1 e n3 = 1, então H e K são subgrupos normais em G.
Pelo Teorema de Lagrange, obtemos H ∩ K = {e}. Assim,

G = HK ' H × K.

Portanto,
G ' Z4 × Z3 ' Z12
e

G ' Z2 × Z2 × Z3
' Z2 × Z6 .

2.o Caso. Se n2 = 1 e n3 = 4, então H é um subgrupo normal em G. Pelo


Teorema de Lagrange, obtemos H ∩ K = {e}. Assim, G = H oϕ K e devemos
determinar todos os homomorfismos de grupos ϕ : K → Aut(H). Logo, há
duas possibilidades:
1.a Possibilidade. Se H = hai ' Z4 , então Aut(H) ' Z2 e não existem
homomorfismos de grupos não triviais de K em Aut(H). Portanto,

G ' Z4 × Z3 ' Z12 .

2.a Possibilidade. Se H = ha, bi ' Z2 × Z2 , então Aut(H) ' S3 e existe


um único subgrupo de ordem 3 em Aut(H), digamos L = hσi. Assim, existem
três homomorfismos de grupos ϕi : K → Aut(H) definidos por ϕi (c) = σ i , i =
5.6. APLICAÇÕES 357

0, 1, 2. Se i = 0, então ϕ0 (c) = I e G ' Z2 × Z6 . Note que os homomorfismos


de grupos ϕ1 e ϕ2 dão origem ao mesmo grupo, pois ϕ1 (c) = σ = ϕ2 (c2 ).
Portanto, pela Proposição 5.13, G ' A4 .
3.o Caso. Se n2 = 3 e n3 = 1, então K é um subgrupo normal em G. Pelo
Teorema de Lagrange, obtemos H ∩ K = {e}. Assim, G = K oϕ H e devemos
determinar todos os homomorfismos de grupos ϕ : H → Aut(K) = hσi ' Z2 .
Logo, há duas possibilidades:
1.a Possibilidade. Se H = hai ' Z4 , então existem exatamente dois
homomorfismos de grupos de H em Aut(K), a saber, ϕ0 (a) = I e ϕ1 (a) = σ.
Portanto, pela Proposição 5.13,
G = Z4 × Z3 ' Z12 ou G ' T,
pois o 2-subgrupo de Sylow H de G é cíclico, com T = hx, yi, x6 = e e
y 2 = x3 = (xy)2 .
2.a Possibilidade. Se H = ha, bi ' Z2 × Z2 , então existem exatamente
três homomorfismos de grupos não triviais de H em Aut(K), por exemplo,
ϕ1 (a) = σ e ϕ1 (b) = σ. Note que ker ϕ1 = habi. Portanto, pela Proposição
5.13,
G ' S3 × Z2 ' D6 .
4.o Caso. Se n2 = 3 e n3 = 4, então, pelo visto acima, obtemos 4 · 2 = 8
elementos de ordem 3 e um elemento de ordem 1. Assim, n2 = 1, o que é
impossível.
Portanto, podemos concluir que existem cinco grupos de ordem 12, dois
abelianos e três não abelianos. ¥
Exemplo 5.93 Mostre que qualquer grupo simples não cíclico de ordem menor
do que ou igual a 100 é de ordem 60.
Solução. Seja G um grupo simples não cíclico. Então eliminamos todos os
grupos de ordem um número primo p.
Agora, vamos dividir a prova em vários casos:
1.o Caso. Se |G| = pn , com p número primo e n ∈ N, então pelo Corolário
5.56 eliminamos todos os p-grupos, a saber,
4, 8, 9, 16, 25, 27, 32, 49, 64 e 81.
358 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

2.o Caso. Se |G| = pn m ou pq, com p e q números primos distintos e m < p,


então pelo Primeiro Teorema de Sylow G contém um p-subgrupo de Sylow H.
Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

np = 1, 1 + p, 1 + 2p, . . . e np | m.

Logo, np = 1, pois m < p, e H é um subgrupo normal em G. Portanto,


eliminamos todos os grupos da forma:

6, 10, 14, 15, 18, 26, 34, 35, 38, 39, 46, 50, 51, 54, 55, 58, 62, 65, 69,
72, 74, 77, 82, 84, 85, 86, 94, 95 e 99.

3.o Caso. Se |G| = 2m pn , com m ∈ {1, 2, 3} e p um número primo ímpar,


então pelo Primeiro Teorema de Sylow G contém um 2-subgrupo de Sylow H
e um p-subgrupo de Sylow K. Mas, pelo Terceiro Teorema de Sylow,

n2 = 1, 3, 5, . . . e n2 | pn
np = 1, 1 + p, 1 + 2p, . . . e np | 2m .

Logo, np = 4 e p = 3 ou np = 8 e p = 7. Se np = 4 e p = 3, então [G : N] = 4,
com N = NG (K). Assim, pelo Teorema 5.36, existe um homomorfismo de
grupos injetor π H : G → S4 , pois G é um grupo simples. Logo, pelo Teorema
de Lagrange, 2m 3n é um divisor de 4! = 24. Neste caso, n = 1 e n2 = 3.
Novamente, pelo Teorema 5.36, existe um homomorfismo de grupos injetor
0
π H : G → S3 . Logo, pelo Teorema de Lagrange, 2m 3 é um divisor de 3! = 6.
Neste caso, m = 1 e |G| = 6, isto é, G é um grupo não simples. De modo
inteiramente análogo, tratamos o caso, np = 8 e p = 7. Portanto, eliminamos
todos os grupos da forma:

12, 20, 24, 28, 36, 40, 44, 52, 56, 68, 76, 88, 92, 98 e 100.

4.o Caso. Se |G| = pqr, com p, q e r números primos distintos, então pelo
Exemplo 5.89 G é um grupo não simples. Assim, eliminamos todos os grupos
da forma:
30, 42, 66, 70, 75, 78.
5.6. APLICAÇÕES 359

5.o Caso. Fica como um exercício provar que os grupos de ordem:

45, 48, 63, 75, 80, 90 e 96

são não simples, por exemplo, se |G| = 45 = 32 5, então pelo Primeiro Teorema
de Sylow G contém um 3-subgrupo de Sylow H. Mas, pelo Terceiro Teorema
de Sylow,
n3 = 1, 4, 7, . . . e n3 | 5.
Logo, n3 = 1 e H é um subgrupo normal em G. Assim, G é um grupo não
simples. Portanto, |G| = 60. ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam G um grupo finito e H um subgrupo normal em G tal que

mdc([G : H], p) = 1,

com p um número primo. Mostre que H contém todo p-subgrupo de


Sylow de G.

2. Sejam G um grupo finito e P um p-subgrupo Sylow de G. Mostre que


se H é um p-subgrupo de NG (P ), então H ⊆ P .

3. Sejam G um grupo finito e H um subgrupo normal em G. Mostre que se


|H| = pn , com p um número primo, então H está contido na interseção
de todos os p-subgrupos de Sylow de G.

4. Sejam G um grupo finito e P um p-subgrupo Sylow de G. Mostre que


se a ∈ G, com |a| = pk e P = aP a−1 , então a ∈ P .

5. Mostre que um p-subgrupo de Sylow de Dn é cíclico normal, para qual-


quer número primo ímpar p.

6. Seja G = Dn , com |G| = 2m k e k um número ímpar. Mostre que o


número dos 2-subgrupos de Sylow de G é igual a k.
360 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

7. Mostre que se |G| = 30 ou 56, então G possui um p-subgrupo de Sylow


normal para algum número primo p dividindo sua ordem.

8. Mostre que se |G| = 312, então G possui um p-subgrupo de Sylow normal


para algum número primo p dividindo sua ordem.

9. Mostre que se |G| = 351, então G possui um p-subgrupo de Sylow normal


para algum número primo p dividindo sua ordem.

10. Mostre que se |G| = 105, então G possui um 5-subgrupo de Sylow normal
e um 7-subgrupo de Sylow normal.

11. Mostre que se |G| = 200, então G possui um 5-subgrupo de Sylow normal.

12. Mostre que se |G| = 6.545, então G é um grupo não simples.

13. Mostre que se |G| = 1.365, então G é um grupo não simples.

14. Mostre que se |G| = 2.907, então G é um grupo não simples.

15. Mostre que se |G| = 132, então G é um grupo não simples.

16. Mostre que se |G| = 462, então G é um grupo não simples.

17. Mostre que se |G| = 444, então G é um grupo não simples.

18. Seja G um grupo com |G| = 112 132 . Mostre que G é um grupo abeliano.

19. Mostre que se |G| = 231, então G contém um 7-subgrupo de Sylow


normal e Z(G) contém um 11-subgrupo de Sylow de G.

20. Mostre que se |G| = 385, então G contém um 11-subgrupo de Sylow


normal e Z(G) contém um 7-subgrupo de Sylow de G.

21. Seja G um grupo de ordem 105. Mostre que se um 3-subgrupo de Sylow


de G é normal, então G é abeliano.

22. Seja G um grupo de ordem 315 o qual possui um 3-subgrupo de Sylow


normal. Mostre que Z(G) contém um 3-subgrupo de Sylow. Conclua
que G é abeliano.
5.6. APLICAÇÕES 361

23. Seja G um grupo de ordem 1.575. Mostre que se um 3-subgrupo de Sylow


de G é normal, então G é abeliano.

24. Sejam P um p-subgrupo Sylow normal em H e H um subgrupo nor-


mal em K. Mostre que P é um subgrupo normal em K. Conclua que
NG (NG (P )) = NG (P ), para todo p-subgrupo Sylow P de G.

25. Sejam P um p-subgrupo Sylow normal em G e H um subgrupo qualquer


de G. Mostre que H ∩ P é o único p-subgrupo de Sylow de H.

26. Sejam G um grupo finito e H, K subgrupos próprios de G tais que G =


HK. Mostre que se P é um p-subgrupo de Sylow G, então hP h−1 ∩ K
é um p-subgrupo de Sylow K, para algum h ∈ H.

27. Mostre que se |G| = p2 m, com p um número primo e p > m, então G
é um grupo não simples.

28. Mostre que se |G| = p2 q, com p, q números primos distintos e {p, q} 6=


{2, 3}, então G possui um subgrupo de Sylow normal de ordem p ou q.

29. Mostre que se |G| = pqn , com p, q números primos e p < q, então existe
um q-subgrupo de Sylow normal em G.

30. Seja G um grupo não abeliano, com |G| = pq e p, q números primos


distintos. Mostre que Z(G) = {e}.

31. Mostre que se |G| = p2 q n , com p, q números primos; q 6= 3 e p < q, então


existe um q-subgrupo de Sylow normal em G.

32. Mostre que se |G| = 36, então G é um grupo não simples.

33. Mostre que se |G| = pn q, com p, q números primos; {p, q} 6= {2, 3} e


p < q < 2p, então existe um p-subgrupo de Sylow normal em G.

34. Mostre que se |G| = 22 3n , então G possui um 3-subgrupo normal de


ordem 3n−1 ou 3n .

35. Mostre que se |G| = 108, então G é um grupo não simples.


362 CAPÍTULO 5. OS TEOREMAS DE SYLOW

36. Mostre que se |G| = 2n 3, então G possui um 2-subgrupo normal de ordem


2n−1 ou 2n .
¯ ¯
¯ G ¯
37. Mostre que não existe grupo G tal que ¯ Z(G) ¯ = 15.

38. Sejam p um número primo e G um grupo de ordem p + 1. Mostre que se


existe σ ∈ Aut(G) com ordem p, então G é um grupo abeliano e existe
um número primo q tal que aq = e, para todo a ∈ G.

39. Sejam G um grupo de ordem pn m e P um p-subgrupo de Sylow normal


de G. Mostre que ϕ(P ) ⊆ P , para todo homomorfismo de grupos ϕ :
G → G.

40. Seja G um grupo não abeliano finito, no qual qualquer p-subgrupo de


Sylow de G é maximal. Mostre que Z(G) = {e}.

41. Sejam G um grupo finito e P um p-subgrupo de Sylow de G. Mostre que


se H é um subgrupo normal em G, com P um subgrupo normal em H,
então P é um subgrupo normal em G.

42. Sejam G um grupo finito e p o menor número primo que divide a ordem
de G. Mostre que se P é um p-subgrupo de Sylow cíclico de G, então
CG (P ) = NG (P ).

43. Mostre que se |G| = p1 p2 · · · pn , com pi números primos distintos, então


G possui um pi -subgrupo de Sylow normal.

44. Sejam p um número primo e H, K grupos finitos. Mostre que qualquer


p-subgrupo de Sylow P de G = H × K é da forma P = P1 × P2 , onde
P1 ∈ Sylp (H) e P2 ∈ Sylp (K).
Capítulo 6

Grupos Solúveis e Nilpotentes

6.1 Grupos de Permutações

Nesta seção apresentaremos com mais detalhes o grupo das simetrias Sn e


todos os subgrupos normais em Sn .
Seja σ ∈ Sn uma permutação. Dizemos que σ é um k-ciclo se existirem
elementos distintos

i1 , . . . , ik ∈ {1, . . . , n}

tais que

σ(i1 ) = i2 , σ(i2 ) = i3 , . . . , σ(ik ) = i1

σ(x) = x, ∀ x ∈ {1, . . . , n} − {i1 , . . . , ik }

Confira Figura 6.1. Em particular, a função σ ∈ Sn definida por σ(i) =


(i + 1) (mod n), chama-se um n-ciclo.

363
364 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Figura 6.1: Um k-ciclo.

Notação: σ = (i1 . . . ik ) e
(
im+1 , se m < k
σ m (i1 ) =
i1 , se m = k.

Assim, se σ(x) 6= x, então σm (x) 6= σ m−1 (x), para todo m ∈ N. O número k


chama-se o comprimento do ciclo. Por exemplo,
à !
1 2 3 4 5
σ= = (123)(4)(5) = (123)
2 3 1 4 5

é um 3-ciclo.
Um ciclo de comprimento dois chama-se uma transposição ou uma inversão.
É claro que nem toda permutação de Sn é um ciclo.
Sejam σ = (i1 . . . ik ) e τ = (j1 . . . jl ) dois ciclos em Sn . Dizemos que σ e τ
são permutações disjuntas se

A ∩ B = ∅, com A = {i1 , . . . , ik } e B = {j1 , . . . , jl } .

Neste caso, στ = τ σ, isto é, ciclos disjuntos comutam.


De fato, dado x ∈ S = {1, . . . , n}, como
• •
S = A ∪ B ∪ (S − (A ∪ B))
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 365

temos as seguintes possibilidades:


1.a Possibilidade. Se x ∈ S − (A ∪ B), então σ(x) = x e τ (x) = x. Logo,

στ (x) = σ(τ (x)) = σ(x) = x = τ (x) = τ (σ(x)) = τ σ(x).

2.a Possibilidade. Se x ∈ A, então σ(x) ∈ A, σ(x) 6= x e τ (x) = x. Logo,

στ (x) = σ(τ (x)) = σ(x) = τ (σ(x)) = τ σ(x).

3.a Possibilidade. Se x ∈ B, então τ (x) ∈ B, τ (x) 6= x e σ(x) = x. Logo,

στ (x) = σ(τ (x)) = τ (x) = τ (σ(x)) = τ σ(x).

Portanto, em qualquer possibilidade, στ = τ σ. O conjunto

A = {x ∈ S : σ(x) 6= x}

chama-se o suporte de σ e será denotado por supp(σ).


Note que se σ = (i1 . . . ik ) é um k-ciclo em Sn , então seu inverso é

σ −1 = (ik ik−1 . . . i2 i1 ) = (i1 ik ik−1 . . . i2 ).

Além disso, σ pode ser escrito de k maneiras, a saber,

σ = (ij ij+1 . . . ik i1 . . . ij−1 ), 1 ≤ j ≤ k.

Portanto, existem
à !
n(n − 1) · · · (n − k + 1) n
= (k − 1)!
k k

k-ciclos distintos em Sn .

Exemplo 6.1 Se σ = (12) e τ = (13425), então

ϕ = στ = (134)(25)

é um produto de ciclos disjuntos. Mais geralmente, temos o seguinte resultado:


366 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Teorema 6.2 Qualquer permutação σ ∈ Sn , com σ 6= I, pode ser escrita


de modo único como um produto de ciclos disjuntos, a menos da ordem dos
fatores.

Prova. (Existência) Sejam S = {1, . . . , n} e G = hσi o grupo cíclico gerado


por σ. Então a função ∗ : G × S → S definida por σ ∗ x = σ(x), para todo
x ∈ S, é uma ação de G sobre S (prove isso!). Assim, pelo Corolário 5.30,
S

S= O(ik ), O(ik ) = {σ m (ik ) : m ∈ Z}
k∈{1,...,r}

e
|O(ik )| = [G : Gik ], k = 1, . . . , r,

com r o número de órbitas de S. Como G é um grupo cíclico temos que Gik é


um subgrupo normal em G e
G
= hσGik i
Gik

é um grupo cíclico de ordem dk , com dk o menor inteiro positivo tal que


σ dk ∈ Gik (prove isto!). Logo, |O(ik )| = dk e

O(ik ) = {ik , σ(ik ), . . . , σ dk −1 (ik )}


= {σ s (ik ), σ s+1 (ik ), . . . , σ dk +s−1 (ik )},

pois
G
= {Gik , σGik , . . . , σ dk −1 Gik }.
Gik
Seja
¡ ¢
σ k = (ik1 ik2 . . . ikdk ) = ik σ(ik ) . . . σ dk −1 (ik ) .

Então σ k é um dk -ciclo de Sn , pois

σ k (ikj ) = ik(j+1) = σ j (ik )

e
σ(ikdk ) = σ(σ dk −1 (ik )) = σ dk (ik ) = ik , k = 1, . . . , r.
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 367

Assim, σ e o dk -ciclo σ k possui a mesma ação sobre qualquer elemento de


O(ik ).
Afirmação. σ = σ1 · · · σ r .
De fato, dado x ∈ S, existe um único k ∈ {1, . . . , r} tal que x ∈ O(ik ). Logo,
x = ikj = σ j−1 (ik ), para algum j, com 1 ≤ j ≤ dk − 1. Assim,

σ k (x) = ik(j+1) = σ j (ik ) = σ(σ j−1 (ik )) = σ(x)

e
σl (x) = x, se l 6= k,
ou seja, (
σ(x), se x ∈ O(ik )
σ k (x) =
x, se x ∈
/ O(ik )
e σ 1 , . . . , σ r são disjuntos. Como ciclos disjuntos comutam temos que

(σ 1 · · · σ r )(x) = σ k (x) = σ(x), ∀ x ∈ S,

isto é, σ = σ 1 · · · σ r .
(Unicidade) Seja σ = τ 1 · · · τ r outra decomposição de σ em ciclos disjuntos.
Então, dado x ∈ S, existe um único m ∈ {1, . . . , r} tal que x ∈ O(im ). Logo,

τ m (x) = σ(x) e τ l (x) = x, se l 6= m.

Como o subgrupo H = hτ m i de G age transitivamente sobre O(im ) temos que

O(im ) = {im , σ(im ), . . . , σ dm −1 (im )}

é uma G-órbita e τ m = σ k , para algum k, com 1 ≤ k ≤ r. ¥

Observe que se σ = σ1 · · · σ r é uma decomposição de σ em ciclos disjuntos,


então
sgn σ = (−1)n−r .

Exemplo 6.3 Seja


à !
1 2 3 4 5 6 7 8 9
σ= ∈ S9 .
3 9 7 4 8 5 1 6 2
368 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Então as órbitas da ação de G = hσi sobre S = {1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9} são:

O(1) = {1, 3, 7}, O(2) = {2, 9}, O(4) = {4} e O(5) = {5, 6, 8}.

Neste caso,
• • •
{1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9} = O(1) ∪ O(2) ∪ O(4) ∪ O(5).

Portanto,
σ = (137)(4)(586)(29) = (137)(29)(586).

Seja σ ∈ Sn escrita como um produto de ciclos disjuntos de comprimen-


tos n1 , . . . , nr , com n1 ≤ · · · ≤ nr (incluindo os 1-ciclos). Então os inteiros
n1 , . . . , nr chamam-se a estrutura de ciclo de σ. Por exemplo, a estrutura de
ciclo de um k-ciclo em Sn é
1, . . . , 1, k,

com o k precedido de n − k uns (uma partição de n). Note que se Nk é o


número de ocorrências de k-ciclos distintos de σ em Sn , com 1 ≤ k ≤ n, então

1 · N1 + 2 · N2 + · · · + k · Nk = n,

pois
S

{1, . . . , n} = O(ik )
k∈{1,...,r}

Por exemplo, se σ = (137)(29)(586) ∈ S9 , então σ tem a estrutura de ciclo


1, 2, 3, 3 e
1 · N1 + 2 · N2 + 3 · N3 = 1 + 2 + 6 = 9.

Proposição 6.4 Sejam σ ∈ Sn e σ = σ 1 · · · σ r sua decomposição como um


produto de ciclos disjuntos incluindo os 1-ciclos. Então:

1. |σ| = mmc(|σ 1 | , . . . , |σ r |).

2. Se n é um número primo, então os únicos elementos de ordem n em Sn


são os n-ciclos.
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 369

3. Se τ = (i1 . . . ik ) é um k-ciclo em Sn e ϕ ∈ Sn , então

ϕτ ϕ−1 = (ϕ(i1 ) . . . ϕ(ik ))

é um k-ciclo em Sn .

4. As permutações σ e τ em Sn são conjugadas se, e somente se, elas pos-


suem a mesma estrutura de ciclos.

Prova. Primeiro note que como ciclos disjuntos são comutativos temos que

σm = σm m
1 · · · σ r , ∀ m ∈ Z+ ,

com σ 0 = I, σ1 = σ e σ m = σ m−1 σ, para todo m ≥ 2. Assim, pela unicidade


da decomposição, temos que

σm = I ⇔ σm
k = I, k = 1, . . . , r.

Agora, para provar (1), sejam s = |σ|, mk = |σ k |, com k = 1, . . . , r, e

m = mmc(m1 , . . . , mr ).

Então σ m = I e s divide m. Por outro lado, como σ s = I temos que σ sk = I,


k = 1, . . . , r. Logo, mk divide s, k = 1, . . . , r. Assim, por definição, m divide
s. Portanto, m = s.
(2) Seja mk = |σ k |, com k = 1, . . . , r e mk ≤ n. Então |σ| = n se, e somente
se, mk divide n, isto é, mk = 1 ou mk = n e, pelo menos um n ocorre. Como

m1 + · · · + mr = n

temos que mk = n, para algum k e mj = 0 se j 6= k. Alternativamente, se


n = |σ| e G = hσi é o grupo cíclico gerado por σ, então para cada

x ∈ S = {1, . . . , n},

obtemos
|G|
|O(x)| = .
|Gx |
370 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Como |G| = n é um número primo temos que |Gx | = 1 ou |Gx | = n Assim,


|Gx | = 1 e |O(x)| = n. Portanto, σ é um n-ciclo. Note que a ação de G = hσi
sobre S é transitiva se σ é um n-ciclo.
(3) Observe que

ϕτ ϕ−1 = (ϕ(i1 ) . . . ϕ(ik )) ⇔ ϕ ◦ τ = (ϕ(i1 ) . . . ϕ(ik )) ◦ ϕ.

Assim, dado x ∈ S = {1, . . . , n}, como



S = {i1 . . . ik } ∪ (S − {i1 . . . ik })

temos as seguintes possibilidades:


1.a Possibilidade. Se x ∈ S − {i1 , . . . , ik }, então τ (x) = x e ϕ(ij ) 6= ϕ(x),
j = 1, . . . , k. Logo,

ϕτ (x) = ϕ(τ (x)) = ϕ(x) e (ϕ(i1 ) . . . ϕ(ik ))(ϕ(x)) = ϕ(x).

2.a Possibilidade. Se x ∈ {i1 , . . . , ik }, então x = ij , com 1 ≤ j ≤ k;


τ (ij ) = ij+1 e ik+1 = i1 .Logo,

ϕτ (ij ) = ϕ(τ (ij )) = ϕ(ij+1 ) e (ϕ(i1 ) . . . ϕ(ik )) (ϕ(ij )) = ϕ(ij+1 ).

Portanto, em qualquer possibilidade,

ϕτ = (ϕ(i1 ) . . . ϕ(ik ))ϕ.

(4) Suponhamos que σ e τ sejam conjugadas. Então existe ϕ ∈ Sn tal que


τ = ϕσϕ−1 . Logo,

ϕσϕ−1 = ϕσ 1 · · · σ r ϕ−1 = (ϕσ 1 ϕ−1 ) · · · (ϕσ r ϕ−1 ).

Como ϕσ j ϕ−1 possui a mesma estrutura de ciclo de σ j temos, pelo item (3),
que σ e τ possuem a mesma estrutura de ciclos.
Reciprocamente, suponhamos que σ e τ tenham a mesma estrutura de
ciclos. Então ³ ´ ³ ´
(1) (1) (r) (r)
σ= i1 . . . ik1 ··· i1 . . . ikr

³ l ´ ³ l ´
(1) (1) (r) (r)
τ = j1 . . . jk1 ··· j1 . . . jkr ,
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 371

de modo que ciclos de mesmo comprimento sejam listados abaixo de cada


outro. Vamos definir ϕ ∈ Sn por
³ ´
(m) (m)
ϕ ik = jk , ∀ k, m ∈ N.

Então ϕσ = τ ϕ, pois
(t)
(τ ◦ ϕ)(i(t) (t) (t)
st ) = τ (ϕ(ist )) = τ (jst ) = jst +1 , 1 ≤ st ≤ kt e 1 ≤ t ≤ r

e
(t) (t)
(ϕ ◦ σ)(i(t) (t)
st ) = ϕ(σ(ist )) = ϕ(ist +1 ) = jst +1 , 1 ≤ st ≤ kt e 1 ≤ t ≤ r.

Portanto, τ = ϕσϕ−1 . ¥

Exemplo 6.5 Se σ = (153)(12) e τ = (1679), determine στ σ −1 .

Solução. Como
στ σ −1 = (σ(1)σ(6)σ(7)σ(9))
temos que στ σ −1 = (2679). ¥

Exemplo 6.6 Determine uma permutação σ tal que

σ(12)(34)σ −1 = (56)(13).

Solução. Como
¡ ¢¡ ¢
σ(12)(34)σ−1 = σ(12)σ −1 σ(34)σ −1

temos que
σ(12)(34)σ −1 = (σ(1)σ(2)) (σ(3)σ(4)) .
Logo,
(σ(1)σ(2)) (σ(3)σ(4)) (σ(5)) (σ(6))
l l l l
(56) (13) (2) (4) .
Assim, escolhendo σ = (152643), obtemos σ(12)(34)σ−1 = (56)(13). ¥
372 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Exemplo 6.7 Mostre que não existe permutação σ tal que

σ(123)σ−1 = (13)(578).

Solução. Como a ordem de στ σ −1 é igual a ordem de τ temos que 3 = 6, o


que é impossível. ¥

Exemplo 6.8 Sejam p um número primo e G um subgrupo de Sp tal que p


divide a ordem de G. Mostre que p divide a ordem de qualquer subgrupo normal
não trivial de G.

Solução. Como p divide a ordem de G temos, pelo Teorema de Cauchy, que


G contém um elemento de ordem p, digamos σ0 ∈ G. Assim, pelo item (2)
da Proposição 6.4, σ0 é um p-ciclo. Portanto, σ 0 permuta os elementos do
conjunto
S = {1, . . . , p} ⇔ σ(i) = (i + 1) (mod p).
Seja N um subgrupo normal em G, com N 6= {IS }. Então já vimos que
a função ∗ : Sp × S → S definida por σ ∗ i = σ(i), para todo i ∈ S, é uma
ação transitiva de Sp sobre S. Em particular, ∗ : N × S → S é uma ação de
N sobre S. Assim,
• •
S = S1 ∪ · · · ∪ Sr ,
com r o número de órbitas de S sobre N. Dados i, j ∈ S, existe σ = σ k0 ∈ G
tal que σ(i) = j, ou seja, a ação de G sobre S permuta as órbitas Si . Em
particular, cada órbita Si possui a mesma cardinalidade, digamos m. Logo,
m divide p, ou seja, m = p, pois N 6= {IS }. Portanto, N age transitivamente
sobre S. Consequentemente, p divide a ordem de N. ¥

Proposição 6.9 Seja Sn , n ≥ 3, o grupo de permutações.

1. Sn = hT1 i, com
T1 = {(ij) : 1 ≤ i < j ≤ n} .

2. Sn = hT2 i, com

T2 = {(1k) : 1 < k ≤ n}
= {(12) , (13) , . . . , (1n)}.
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 373

3. Sn = hT3 i, com

T3 = {((k − 1)k) : 1 < k ≤ n}


= {(12) , (23) , . . . , ((n − 1)n)}.

4. Sn = h(12), (12 . . . n)i.

5. Seja G um subgrupo de Sn tal que

τ = (12), σ = (12 . . . n − 1) ∈ G,

isto é, G contém um 2-ciclo e um (n−1)-ciclo. Se G age transitivamente


sobre S = {1, 2, . . . , n}, então G = Sn .

Prova. (1) Pelo Teorema 6.2, basta provar que todo ciclo é um produto de
transposições, pois I = (12)(12) ∈ hT1 i e hT1 i ⊆ Sn . Seja σ = (i1 . . . ik ) um
k-ciclo em Sn . Então

σ = (i1 i2 )(i1 i3 . . . ik ) = (i1 i2 )(i2 i3 ) · · · (ik−1 ik ) = τ 1 · · · τ k−1 .

De fato, dado x ∈ S = {1, . . . , n}, como



S = {i1 . . . ik } ∪ (S − {i1 . . . ik })

temos as seguintes possibilidades:


1.a Possibilidade. Se x ∈ S − {i1 , . . . , ik }, então σ(x) = x e τ j (x) = x.
Logo,
(τ 1 · · · τ k−1 )(x) = x = σ(x).

2.a Possibilidade. Se x ∈ {i1 , . . . , ik }, então x = ij , com 1 ≤ j ≤ k;


σ(ij ) = ij+1 e ik+1 = i1 . Logo,

(τ 1 · · · τ k−1 )(ij ) = ij+1 = σ(ij ).

Portanto, em qualquer possibilidade,

σ = τ 1 · · · τ k−1 .
374 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

(2) Basta notar que

(ij) = (1i) (1j) (1i) , 1 ≤ i < j ≤ n,

e usar o item (1).


(3) Como
(1j) = (1(j − 1))((j − 1)j)(1(j − 1)),
para todo j = 2, . . . , n, temos, indutivamente, que

(1j) = (12)(23) · · · ((j − 1)j) · · · (23)(12)


= ((j − 1)j) · · · (34)(23)(12)(23)(34) · · · ((j − 1)j).

Agora, use o item (2).


(4) Sejam τ = (12) e σ = (12 . . . n). Então, indutivamente, obtemos

στ σ −1 = (23), . . . , σ (m−1) τ σ −(m−1) = (m(m + 1)), ∀ m ∈ N.

Logo,
(12), (23), . . . , ((n − 1)n) ∈ hτ , σi .
Portanto, pelo item (3), Sn = hτ , σi.
(5) Como G age transitivamente sobre S = {1, 2, . . . , n} temos que existe
ϕ ∈ G tal que ϕ(2) = n. Seja

j = ϕ(1) ∈ {1, 2, . . . , n − 1}.

Então
ϕτ ϕ−1 = ϕ ◦ (12) ◦ ϕ−1 = (jn) ∈ G.
Dado i ∈ {1, 2, . . . , n − 1}, existe ς = σ k ∈ G tal que ς(i) = j. Assim,

(in) = ς −1 ◦ (jn) ◦ ς ∈ G ⇒ (1n), (2n), . . . , ((n − 1)n) ∈ G.

Portanto, pelo item (1), G = Sn . ¥

Proposição 6.10 Sejam Sn , n ≥ 3, o grupo de permutações, σ ∈ Sn e An o


grupo alternado.
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 375

1. σ ∈ An se, e somente se, σ é um produto de um número par de trans-


posições.

2. An = hT1 i, com

T1 = {(ijk) : 1 ≤ i < j < k ≤ n} .

3. An = hT2 i, com

T2 = {(abi) : i ∈ {1, 2, . . . , n} − {a, b}} .

Prova. (1) Suponhamos que σ = τ 1 · · · τ r , com τ k transposições. Então, pelo


Lema 1.83,

P σ = P τ 1 ···τ r = (P τ 1 )τ 2 ···τ r = (−P )τ 2 ···τ r = (−1)r P.

Portanto, σ é uma permutação par se, e somente se,

P = P σ = (−1)r P

se, e somente se, r é um número par.


(2) Pelo item (1), basta provar que se τ e τ 0 são duas transposições, então
τ τ 0 é um produto de 3-ciclos. Assim, temos as seguintes possibilidades:
1.a Possibilidade. Se τ e τ 0 são disjuntas, digamos τ = (ab) e τ 0 = (cd),
então
τ τ 0 = (ab)(cd) = [(ab)(ac)][(ac)(cd)] = (acb)(acd) ∈ hT1 i .
2.a Possibilidade. Se τ e τ 0 não são disjuntas, digamos τ = (ab) e τ 0 =
(bc), então
τ τ 0 = (ab)(bc) = (abc) ∈ hT1 i .
(3) Pelo item (2), basta provar que (klm) ∈ hT2 i, para todos k, l, m ∈
{1, 2, . . . , n}. Assim, há três casos a serem considerados:
1.o Caso. Se a, b ∈ {k, l, m}, então

(klm) = (abi) ou (klm) = (abi)−1 = (aib) = (abi)2 ,

onde i ∈ {1, 2, . . . , n} − {a, b}. Portanto, (klm) ∈ hT2 i.


376 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

2.o Caso. Se a ∈ {k, l, m} e b ∈


/ {k, l, m}, então

(klm) = (aij),

onde i, j ∈ {1, 2, . . . , n} − {a, b}. Pelo 1.o Caso, (abi), (abj) ∈ hT2 i. Logo,

(aij) = (ajb)(abi)(abj) = (abj)−1 (abi)(abj) ∈ hT2 i .

Portanto, (klm) ∈ hT2 i.


3.o Caso. Se a, b ∈
/ {k, l, m}, então, pelo 2.o Caso,

(akm), (alm) ∈ hT2 i .

Logo,

(klm) = (aml)(akm)(alm) = (alm)−1 (akm)(alm) ∈ hT2 i .

Portanto, An = hT2 i. ¥

Teorema 6.11 O grupo alternado An é simples, para todo n ∈ N − {4}.

Prova. Seja H um subgrupo normal não trivial em An . Então devemos provar


que H = An .
(a) Se H contém um 3-ciclo (abc), então

(abi)−1 = (aib) = (ab)(ci)(abc)(ab)(ci)


= (ab)(ci)(abc)[(ab)(ci)]−1 ∈ H,

para todo i ∈ {1, 2, . . . , n} − {a, b}. Logo, pelo item (3) da Proposição 6.10,
H = An .
(b) Pelo item (a), basta provar que H contém um 3-ciclo. Sejam σ ∈ H,
com σ 6= I, e k o maior comprimento de um ciclo ocorrendo na decomposição
de ciclos disjuntos de σ. Assim, há vários casos a serem considerados:
1.o Caso. Se k ≥ 4, então

σ = (i1 i2 i3 i4 . . . ik ) · · ·
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 377

Logo,

ϕ = (i1 i2 i3 )σ(i1 i3 i2 ) = (i1 i2 i3 )σ(i1 i2 i3 )−1 ∈ H ⇒ (i1 i3 ik ) = σ −1 ϕ ∈ H.

Portanto, H = An .
2.o Caso. Se k = 3 e σ contém pelo menos dois 3-ciclos disjuntos (abc) e
(def ), então
σ = (abc)(def ) · · ·

Logo,

ϕ = (abd)σ(adb) = (abd)σ(abd)−1 ∈ H
⇒ (adbf c) = σ −1 ϕ ∈ H.

Assim, H contém um 5-ciclo e, pelo 1.o Caso, um 3-ciclo. Portanto, H = An .


3.o Caso. Se k = 3 e σ contém exatamente um 3-ciclo (abc), então

σ = (abc) · · ·

Logo,
σ 2 = (acb) ∈ H.

Portanto, H = An .
4.o Caso. Se k = 2, então

σ = (ab)(cd) · · ·

Logo,

ϕ = (abi)σ(aib) = (abi)σ(abi)−1 ∈ H
⇒ (abi) = σ −1 ϕ ∈ H,

para todo i ∈ {1, 2, . . . , n} − {a, b}. Portanto, H = An . ¥

Exemplo 6.12 Mostre que An não admite subgrupo próprio H em que [An :
H] = m < n, para todo n ∈ N, com n ≥ 5.
378 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Solução. Suponhamos, por absurdo, que exista um subgrupo próprio H de


An com [An : H] = m < n. Então, pelo Corolário 5.40, An é isomorfo a um
subgrupo de Sm . Assim, pelo Teorema de Lagrange, |An | divide m!, o que é
uma contradição, pois

n > m e m > 1 ⇒ n = m + k, com k ≥ 1


n! (m + k)!
⇒ |An | = =
2 2
(m + k)(m + k − 1)!
=
2
> m!,

uma vez que


m+k 3
≥ > 1 e (m + k − 1)! ≥ m!.
2 2
Portanto, An não admite subgrupo próprio H em que [An : H] = m < n, para
todo n ∈ N, com n ≥ 5. ¥

Lema 6.13 O grupo derivado Sn0 = An , para todo n ∈ N, com n ≥ 3. Em


particular, An é um subgrupo característico de Sn .

Prova. Suponhamos que τ = (ab) e σ = (abc). Então

τ στ −1 σ −1 = (abc) ∈ Sn0 .

Como Sn0 é um subgrupo normal em Sn temos que ϕ(abc)ϕ−1 ∈ Sn0 , para todo
ϕ ∈ Sn . Logo, Sn0 contém qualquer 3-ciclo e, portanto, An ⊆ Sn0 . Por outro
lado, pelo item (3) do Exemplo 2.45, Sn0 ⊆ An . Portanto, Sn0 = An . ¥

Exemplo 6.14 Mostre que Z(Sn ) = {I}, para todo n ∈ N, com n ≥ 3.

Solução. Dado σ ∈ Z(Sn ), obtemos σ(ij) = (ij)σ, para toda transposição


(ij) em Sn . Logo,
(ij) = σ(ij)σ −1 = (σ(i)σ(j)).
Como n ≥ 3 temos que existe

k ∈ {1, 2, . . . , n} − {i, j}.


6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 379

Assim,
(ik) = σ(ik)σ −1 = (σ(i)σ(k)).
Portanto, σ(i) = i, para todo i ∈ {1, 2, . . . , n}, isto é, σ = I e Z(Sn ) = {I}. ¥

Lema 6.15 An é o único subgrupo normal em Sn , para todo n ∈ N com n 6= 4.

Prova. Seja H qualquer subgrupo normal próprio em Sn . Então H ∩ An é


um subgrupo normal em An . Logo, pelo Teorema 6.11, H ∩ An = {I} ou
H ∩ An = An . Se H ∩ An = An , então An ⊆ H. Assim,
¯ ¯ ¯ ¯ ¯ ¯
¯ H ¯ ¯ Sn ¯ ¯ ¯
¯ ¯ ≤ ¯ ¯ = 2 ⇒ ¯ H ¯ = 1, pois H 6= Sn .
¯ An ¯ ¯ An ¯ ¯ An ¯

Portanto, H = An . Se H ∩ An = {I}, então |H| = 2. De fato,


|H| |An | n!
n! = |Sn | ≥ |HAn | = = |H| |An | = |H|
|H ∩ An | 2
⇒ |H| = 2, pois |H| > 1.

Logo, H = {I, σ}. Portanto, ϕσϕ−1 ∈ H, para todo ϕ ∈ Sn , isto é, σ ∈


Z(Sn ) = {I}, o que é uma contradição. ¥

Teorema 6.16 Seja G um grupo simples com |G| = 60. Então G é isomorfo
a A5 .
G
Prova. Sejam H qualquer subgrupo de G e S = H . Então, pelo Teorema
5.36, existe um homomorfismo de grupos ϕ : G → P (S). Note que ϕ é injetor,
pois G é um grupo simples. Logo,

|S|! = |P (S)| ≥ |G| = 60 ⇒ |S| ≥ 5.

Assim, há dois casos a serem considerados:


1.o Caso. Se |S| = 5, então G é isomorfo a um subgrupo normal em S5 .
Assim, pelo Lema 6.15, G é isomorfo a A5 .
2.o Caso. Se |S| > 5. Como |G| = 22 · 3 · 5 temos, pelo Primeiro Teorema
de Sylow, que G contém um 2-subgrupo de Sylow K. Seja N = NG (K). Então
|N| = 4m e m divide 15, pois K ⊆ N ⊆ G. Logo,
|G|
= |S| > 5 ⇒ m < 3.
|N|
380 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Portanto, m = 1 e N = K. Assim, n2 = [G : N] = 15 e o número de subgrupos


de G com ordem 4 é igual a 15. Sejam K1 e K2 dois 2-subgrupos de Sylow
distintos de G. Então L = K1 ∩ K2 = {e}, caso contrário,
¯ ¯
¯ K1 ¯
|L| = 2 e ¯¯ ¯¯ = 2
L

implicam que L é um subgrupo normal em K1 e K1 ⊂ NG (L) ⊂ G. Assim,


|NG (L)| = 4k, com k > 1 e k dividindo 15. Logo, pelo Teorema de Lagrange,
¯ ¯
¯ G ¯
¯ ¯
¯ NG (L) ¯ = 3 ou 5,

o que é impossível. Portanto, existem 15(4 − 1) = 45 elementos distintos de


ordem 4.
Agora, se M é um 5-subgrupo de Sylow de G, então, de modo inteiramente
análogo, obtemos 6(5 − 1) = 24 elementos distintos de ordem 5. Portanto,
o número de elementos distintos de ordem 4 e 5 é igual a 69, o que é uma
contradição. ¥

Exemplo 6.17 Seja G um grupo de ordem 2k, com k ímpar. Mostre que G
possui um subgrupo de índice 2.

Solução. Sejam G um grupo de ordem 2k e S = G. Então, pelo Teorema de


Cayley, existe homomorfismo de grupos injetor ϕ de G em P (S) ' S2k . Assim,
G é isomorfo a um subgrupo K = ϕ(G) de S2k , com |K| = 2k.
Afirmação. K contém uma permutação ímpar, isto é, A2k 6= K.
De fato, pelo Teorema de Cauchy, existe τ ∈ K tal que |τ | = 2. Considerando
K como um hτ i-conjunto, obtemos

[
• [

K= O(σ) = {σ, τ σ}.
σ∈K σ∈K

Assim, dado a ∈ G, com |a| = 2, temos que

a ←→ τ = ϕ(a) = ϕa = (σ 1 τ σ 1 ) · · · (σ k τ σ k ),
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 381

é uma permutação ímpar, pois k é ímpar. Portanto, K contém uma permu-


tação ímpar e A2k 6= K.
Finalmente, A2k ⊂ KA2k e S2k = KA2k . Assim,

|S2k | |KA2k | |K|


2= = = = [K : A2k ∩ K].
|A2k | |A2k | |A2k ∩ K|

Portanto, basta tomar H = ϕ−1 (A2k ∩ K). ¥

Já vimos que Dn é um subgrupo de Sn , com n ≥ 3, gerado por σ = (12 . . . n)


e
à !
1 2 3 ··· i ··· n − 1 n
τ =
1 n n − 1 ··· n + 2 − i ··· 3 2
Y
= (i(n + 2 − i)).
2≤i<n+2−i

Note que
σ n = I = τ 2 e τ σ = σ −1 τ .

Teorema 6.18 Sejam n ∈ N, com n ≥ 3, e G um grupo gerado por a e b


satisfazendo as seguintes condições:

1. an = e = b2 e ak 6= e se 0 < k < n.

2. ba = a−1 b.

Então G é isomorfo a Dn .

Prova. Como G = ha, bi temos, pela Proposição 1.51, que cada elemento de
G pode ser escrito sob a forma

at1 bt2 · · · atm−1 btm , onde m ∈ N e ti ∈ Z.

Assim, usando sucessivamente as condições (1) e (2), cada elemento de G pode


ser escrito sob a forma

ai bj , onde i ∈ {0, 1, . . . , n − 1} e j ∈ {0, 1}.


382 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Por exemplo,
ak bam b = ak a−m = ak−m ∈ G.
Em particular, b = b−1 e ab = ba−1 . É fácil verificar que a função f : Dn → G
definida por f (σ i τ j ) = ai bj é um homomorfismo de grupos sobrejetor.
Finalmente, se σ i τ j ∈ ker f , então ai bj = e, com i ∈ {0, 1, . . . , n − 1} e
j ∈ {0, 1}. Assim, há duas possibilidades para j:
1.a Possibilidade. Se j = 0, então ai = e, com 0 ≤ i < n. Logo, pela
condição (1), i = 0.
2.a Possibilidade. Se j = 1, então ai = b, com 0 ≤ i < n. Logo, pela
condição (2),

ai+1 = ai a = ba = a−1 b = a−1 ai = ai−1


⇒ a2 = e,

o que contradiz a condição (1), pois n ≥ 3. Portanto, em qualquer possibili-


dade,
f (σ i τ j ) = e ⇒ σi τ j = σ 0 τ 0 = I,
isto é, ker f = {I} e f é um homomorfismo de grupos injetor. ¥

EXERCÍCIOS

1. Seja σ ∈ Sn . Mostre que σ 2 ∈ An .

2. Sejam σ, τ , ϕ ∈ Sn . Mostre que se στ = σϕ ou τ σ = ϕσ, então τ = ϕ.

3. Sejam σ, τ ∈ Sn . Mostre que se σ e τ são disjuntos e στ = I, então


τ = I = σ.

4. Seja σ ∈ S9 definida por σ(i) = 9 − i. Escreva σ como um produto de


ciclos disjuntos.

5. Sejam σ, τ ∈ Sn . Mostre que se σ e τ são disjuntos, então (στ )k = σ k τ k ,


para todo k ∈ Z+ .
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 383

6. Seja σ = (i1 . . . ik ) ∈ Sn um k-ciclo. Mostre que se (m + j) (mod k),


então σ m (ij ) = im+j .

7. Seja σ ∈ Sn um k-ciclo. Mostre que σ k = I e σ m 6= I, para todo m tal


que 0 < m < k.

8. Seja σ ∈ Sn . Dizemos que σ é regular se σ = I ou σ(x) 6= x, para


todo x ∈ {1, . . . , n} e σ é um produto disjunto de ciclos com o mesmo
comprimento. Mostre que σ é regular se, somente se, σ é uma potência
de um n-ciclo τ em Sn . (Sugestão: Se

σ = (a1 . . . ak )(b1 . . . bk ) · · · (z1 . . . zk ),

com m símbolos a, b, . . . , z, então τ = (a1 b1 . . . z1 a2 b2 . . . z2 . . . ak bk . . . zk ).)

9. Seja σ ∈ Sn um n-ciclo. Mostre que σ k é um produto de mdc(k, n) ciclos


disjuntos, cada de comprimento
n
.
mdc(k, n)

10. Sejam p um número primo e σ ∈ Sn um p-ciclo. Mostre que σ k é um


p-ciclo ou σ k = I.

11. Sejam p um número primo e σ ∈ Sn . Mostre que se σ p = I, então σ = I


ou σ é um p-ciclo ou σ é um produto de p-ciclos disjuntos.

12. Seja σ = τ ϕ em Sn , com τ e ϕ disjuntas. Mostre que se τ (x) 6= x, para


todo x ∈ {1, . . . , n}, então σ k (x) = τ k (x), para todo k ∈ Z+ .

13. Seja σ, τ ∈ Sn . Mostre que se existe i1 ∈ {1, . . . , n} tal que σ(i1 ) 6= i1 ,


τ (i1 ) 6= i1 e σ k (i1 ) = τ k (i1 ), para todo k ∈ Z+ , então σ = τ .

14. Sejam p um número primo e n ∈ N. Mostre que Sn possui um elemento


de ordem pm com m > 0 se, e somente se, n ≥ pm .

15. Mostre que existe um subgrupo cíclico G de Sn tal que |G| = n e G age
transitivamente sobre S = {1, 2, . . . , n}.
384 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

16. Sejam σ ∈ Sn e G = hσi. Mostre que G age transitivamente sobre


S = {1, 2, . . . , n} se, e somente se, O(x) = S, para algum x ∈ S.

17. Mostre que K = {I, (12)(34), (13)(24), (14)(23)} é um subgrupo normal


em S4 contido em A4 tal que
S4 A4
' S3 e ' Z3 .
K K
18. Sejam n ∈ N, com n ≥ 3, e Gn um grupo gerado pelas matrizes
" # " ¡ ¢ #
0 1 exp 2πi 0
A= e B= n ¡ 2πi ¢ , em que i2 = −1.
1 0 0 exp − n

Mostre que Gn é isomorfo a Dn .

19. Seja p um número primo. Mostre que Sn = hτ , σi, com τ qualquer


transposição e σ qualquer p-ciclo.

20. Seja n ∈ N, com n ≥ 5. Mostre que Z(An ) = {I}, Inn(Sn ) ' Sn e


Inn(An ) ' An .

21. Seja H um subgrupo próprio de Sn . Mostre que H ⊆ An ou exatamente


a metade dos elementos de H são permutações ímpares. (Sugestão: Con-
sidere a composição π ◦ λ, com λ a inclusão e π a projeção.)

22. Mostre que Sn é isomorfo a um subgrupo de An+2 . (Sugestão: Considere


a função f : Sn → Sn+2 definida por
(
σ, se σ é par
f (σ) =
στ , caso contrário,

com τ = ((n + 1)(n + 2)) ∈ Sn+2 .)

23. Sejam G um grupo finito e ϕ : G → P (G) um homomorfismo de grupos


injetor.

(a) Mostre que se um elemento a de G é de ordem k e |G| = kn,


então ϕ(a) é um produto de n k-ciclos. Conclua que ϕ(a) é uma
permutação ímpar se, e somente se, k é par e [G : hai] é ímpar.
6.1. GRUPOS DE PERMUTAÇÕES 385

(b) Mostre que se ϕ(G) contém uma permutação ímpar, então G contém
um subgrupo de índice 2.

(Sugestão: Use o Exercício 18 da Seção 2.3 do Capítulo 2.)

24. (Teorema de Bertrand) Mostre que Sn não admite subgrupo H em


que 2 < [Sn : H] < n, para todo n ∈ N, com n 6= 4.

25. Seja G um grupo finito de ordem composta n com a seguinte propriedade:


Para cada divisor k de n, G contém um subgrupo H de ordem k. Mostre
que G é um grupo não simples.

26. Considerando Sn como um subgrupo de Sn+1 , para todo n ∈ N. Mostre


que
[

S= Sn
n=1
é um grupo infinito. Além disso, mostre que S contém um único subgrupo
normal próprio A, com [S : A] = 2.

27. Mostre que se G1 ≤ G2 ≤ · · · ≤ Gn ≤ · · · é uma cadeia de grupos


simples, então
[

G= Gn
n=1
é um grupo simples.

28. Sejam S = N e A∞ = hT i, com

T = {(ijk) : (ijk) ∈ P (S)} .

(a) É A∞ um grupo simples?


(b) Mostre que se G é um grupo simples finito, então G é isomorfo a
um subgrupo de A∞ .

(Sugestão: (a) Mostre que


[

A∞ = An .)
n=1
386 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

6.2 Grupos Solúveis


Sejam G um grupo e H, K subconjuntos de G. O subgrupo comutador de
H e K é definido como

[H, K] = h[h, k] : h ∈ H e k ∈ Ki ,

com [h, k] = hkh−1 k−1 . Em particular, o grupo derivado G0 = [G, G].

Lema 6.19 Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G.

1. K normaliza H (K ⊆ NG (H)) se, e somente se, [H, K] é um subgrupo


de H.

2. Se K é um subgrupo normal em G e K ⊆ H, então [H, G] é um subgrupo


de K se, e somente se, µ ¶
H G
≤Z .
K K
3. Se ϕ : G −→ L um homomorfismo de grupos, então

ϕ([H, K]) = [ϕ (H) , ϕ (K)].

Em particular,

ϕ (G0 ) = ϕ ([G, G]) = [ϕ (G) , ϕ (G)] = ϕ (G)0 = (Im ϕ)0 ⊆ L0 .

Prova. Vamos provar apenas os itens (2) e (3): (2) Dados a ∈ G e h ∈ H,


obtemos

[h, a] ∈ [H, G] ⊆ K ⇔ [h, a]K = K


⇔ hKaK =µaKhK

G
⇔ hK ∈ Z .
K

(3) Dado y ∈ ϕ([H, K]), existe x ∈ [H, K] tal que ϕ(x) = y. Assim, existe
n ∈ N tal que
x = x1 · · · xn ,
6.2. GRUPOS SOLÚVEIS 387

em que hi ∈ H, ki ∈ K e xi = [hi , ki ], i = 1, . . . , n (note que a expressão de x


é sem os expoentes, pois [h, k]−1 = [k, h]). Logo,

y = ϕ(x) = ϕ(x1 · · · xn ) = ϕ(x1 ) · · · ϕ(xn ),

com ϕ(xi ) = [ϕ(hi ), ϕ(ki )] e i = 1, . . . , n, isto é, y ∈ [ϕ (H) , ϕ (K)]. Portanto,

ϕ([H, K]) ⊆ [ϕ (H) , ϕ (K)].

De modo inteiramente análogo, prova-se a recíproca. ¥

Observação 6.20 Se ϕ : G −→ L é um homomorfismo de grupos, então, pelo


item (3) do Lema 6.19, ϕ0 = ϕ|G0 : G0 −→ L0 é um homomorfismo de grupos.
Em particular, se ϕ injetor (sobrejetor), então ϕ0 também o é.

Sejam G um grupo e G(1) = G0 o subgrupo comutador de G. Para cada


n ∈ N definimos, indutivamente, o n-ésimo subgrupo comutador de G por

G(n) = (G(n−1) )0 , com G(0) = G.

É fácil verificar, pelo item (3) do Lema 6.19, que cada G(n+1) é um subgrupo
característico em G(n) , para todo n ∈ N. Mais geralmente, ϕ(G(n) ) ⊆ G(n) ,
para todo ϕ ∈ End(G). Note que

· · · ≤ G(n) ≤ · · · ≤ G(1) ≤ G(0) = G

é uma cadeia de subgrupos de G chamada de série derivada de G e será


denotada por
¡ (n) ¢
G n∈Z+ .
Seja G um grupo. Dizemos que G é um grupo solúvel se existir n ∈ N tal
que G(n) = {e}. O menor n ∈ N tal que G(n) = {e} é chamado o índice de
solubilidade.

Exemplo 6.21 Qualquer grupo abeliano é um grupo solúvel com índice de


solubilidade igual a 1.

Exemplo 6.22 O grupo diedral Dn é um grupo solúvel, para todo n ∈ N.


388 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Solução. Pelo Teorema 6.18,

Dn = {ai bj : i = 0, . . . , n − 1 e j = 0, 1},

an = b2 = e e ab = ba−1 = ban−1 . Assim, indutivamente, obtemos

am b = ba−m = ban−m , ∀ m ∈ Z.

Logo, ⎧

⎪ e, se x = ar e y = as

⎨ a2r , se x = ar e y = as b
[x, y] = xyx−1 y −1 =

⎪ a−2s , se x = ar b e y = as

⎩ 2r
a , se x = ar b e y = as b.
Portanto,
(
­ ® Zn , se n é um número ímpar
Dn(1) = [Dn , Dn ] = a2 =
Z n2 , se n é um número par.

Assim,
£ ¤
Dn(2) = Dn(1) , Dn(1) = {e}.
Portanto, Dn é um grupo solúvel de índice de solubilidade igual a 2. ¥

Exemplo 6.23 O grupo das permutações Sn é um grupo não solúvel, para


todo n ∈ N com n ≥ 5.

Solução. Como A0n é um subgrupo normal em An e An é um grupo não


abeliano simples, para n ≥ 5, temos que A0n = An . Logo, pelo Lema 6.13,
0
Sn(2) = (Sn0 ) = A0n = An .

Assim, indutivamente, obtemos

Sn(m) = An 6= {e}, ∀ m ∈ N.

Portanto, Sn é um grupo não solúvel. ¥

Proposição 6.24 Seja G um grupo solúvel. Então qualquer subgrupo de G é


solúvel.
6.2. GRUPOS SOLÚVEIS 389

Prova. Seja H um subgrupo de G. Então a função inclusão λ : H → G é um


homomorfismo de grupos injetor. Logo, indutivamente, cada

λ(m) : H (m) → G(m) , ∀ m ∈ N,

também o é. Como G é um grupo solúvel temos que existe n ∈ N tal que


G(n) = {e}. Logo,

H (n) ≤ G(n) = {e} ⇒ H (n) = {e}.

Portanto, H é um grupo solúvel de índice de solubilidade no máximo n. ¥

Proposição 6.25 Seja G um grupo solúvel. Então qualquer grupo quociente


de G é solúvel.

Prova. Basta provar que se ϕ : G → H é um homomorfismo de grupos


sobrejetor, então H é um grupo solúvel. Assim, indutivamente, cada

ϕ(m) : G(m) → H (m) , ∀ m ∈ N,

também o é. Como G é um grupo solúvel temos que existe n ∈ N tal que


G(n) = {e}. Logo,

H (n) = ϕ(n) (G(n) ) = ϕ(n) ({e}) = {e} ⇒ H (n) = {e}.

Portanto, H é um grupo solúvel de índice de solubilidade no máximo n. ¥

Proposição 6.26 Sejam G um grupo e H um subgrupo normal em G. Se H


G
e H são grupos solúveis, então G é um grupo solúvel.

G
Prova. Suponhamos que H e H
sejam grupos solúveis. Então existem m, n ∈
N tais que
µ ¶(n)
(m) G
H = {e} e = {H}.
H
Como
G
π:G→
H
390 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

é um homomorfismo de grupos sobrejetor temos, indutivamente, que


µ ¶(k)
G
= π (k) (G(k) ), ∀ k ∈ N.
H
Logo,
µ ¶(n)
G
{H} = = π(n) (G(n) ) ⇒ G(n) ≤ H.
H
Assim,
G(m+n) ≤ H m = {e},
pois, indutivamente, obtemos
¡ ¢(k)
G(k+l) = G(l) , ∀ k, l ∈ N.

Consequentemente, G é um grupo solúvel de índice de solubilidade no máximo


m + n. ¥

Teorema 6.27 Seja G um grupo. Então G é um grupo solúvel se, e somente


se, existir uma cadeia de subgrupos

{e} = Gn ⊆ Gn−1 ⊆ · · · ⊆ G1 ⊆ G0 = G

tais que

1. Gi+1 é um subgrupo normal em Gi , para todo i = 0, . . . , n − 1.


Gi
2. O grupo fator Gi+1
é um grupo abeliano, para todo i = 0, . . . , n − 1.

Prova. Suponhamos que G seja um grupo solúvel. Então existe n ∈ N tal que
G(n) = {e}. Logo, existe uma cadeia de subgrupos

{e} = G(n) ⊆ G(n−1) ⊆ · · · ⊆ G(1) ⊆ G(0) = G

tais que G(i+1) é um subgrupo normal em G(i) e o grupo fator

G(i)
, i = 0, . . . , n − 1,
G(i+1)
é um grupo abeliano.
6.2. GRUPOS SOLÚVEIS 391

Reciprocamente, primeiro vamos provar que

G(m) ≤ Gm , ∀ m ∈ Z+ .

Se m = 0, então G(0) = G = G0 . Suponhamos que o resultado seja válido para


m > 0, isto é, G(m) é um subgrupo de Gm . Então
¡ ¢0
G(m+1) = G(m) ≤ G0m .

Como Gm+1 é um subgrupo normal em Gm e GGm+1m


é um grupo abeliano temos,
pelo item (3) do Exemplo 2.45, que Gm ⊆ Gm+1 . Logo, G(m+1) é um subgrupo
0

de Gm+1 . Portanto,
G(n) ≤ Gn = {e},

isto é, G é um grupo solúvel. ¥

Um cadeia de subgrupos satisfazendo as condições (1) e (2) do Teorema


6.27 é chamada de série abeliana.
Sejam G um grupo e M um subgrupo de G. Dizemos que M é um subgrupo
minimal de G se M 6= {e} e se K é um subgrupo de G tal que {e} ⊆ K ⊆ M,
então K = {e} ou K = M. Por exemplo, se G = {e, a, b, c}, com a2 = b2 =
c2 = e, então M = {e, a} é um subgrupo minimal de G.

Exemplo 6.28 Sejam G um grupo solúvel finito e M um subgrupo normal


minimal em G. Mostre que M é um p-grupo abeliano elementar, para algum
número primo p.

Solução. É fácil verificar que σ(M 0 ) ⊆ M 0 , para todo σ ∈ End (M). Em


particular, M 0 é característico em M. Logo, M 0 é um subgrupo normal em
G, pois M é normal em G. Assim, por hipótese, M 0 = {e} ou M 0 = M.
Como M é solúvel temos que M 6= M 0 . Assim, M 0 = {e} e M é um grupo
abeliano. Seja P um p-subgrupo de Sylow não trivial de M, para algum número
primo p. Como P é um subgrupo normal em M temos que σ(P ) ⊆ P , para
todo σ ∈ End (M). Assim, P é um subgrupo normal em G. Portanto, pela
minimalidade de M, temos que M = P . ¥
392 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Finalizaremos está seção apresentando uma série de resultados para resolver


o seguinte problema: Qualquer grupo de ordem menor do que 60 é um
grupo solúvel.

Proposição 6.29 Qualquer p-grupo é um grupo solúvel.

Prova. Seja G um p-grupo com |G| = pn e n ∈ Z+ . Vamos usar indução sobre


n para provar que G é um grupo solúvel. Se n = 0 ou 1, então G é um grupo
abeliano e, portanto, solúvel. Suponhamos que o resultado seja válido para
todo m, com 1 ≤ m < n. Pelo Teorema de Burnside 5.56, Z(G) 6= {e}. Se
G = Z(G), então G é um grupo abeliano e, portanto, solúvel. Se G 6= Z(G),
então Z(G) é um p-grupo, com
¯ ¯
¯ G ¯
¯ ¯ s n
¯ Z(G) ¯ = p < p = |G| .

Assim, pela hipótese de indução,


G
Z(G)
é um grupo solúvel. Como Z(G) é um grupo abeliano temos que Z(G) é um
grupo solúvel. Logo, pela Proposição 6.26, G é um grupo solúvel. ¥

Proposição 6.30 Sejam p e q números primos. Então qualquer grupo de


ordem pq é um grupo solúvel.

Prova. Seja G um grupo com |G| = pq. Se p = q, então G é um p-grupo e,


portanto, um grupo solúvel. Se p 6= q, digamos p < q, então, pelo Primeiro
Teorema de Sylow, G contém um q-subgrupo de Sylow Q. Mas pelo Terceiro
Teorema de Sylow

nq = 1, 1 + q, 1 + 2q, . . . e nq | p.

Logo, nq = 1 e Q é um subgrupo normal em G. Portanto, pela Proposição


6.29,
G
Q e
Q
são grupos solúveis. Logo, pela Proposição 6.26, G é um grupo solúvel. ¥
6.2. GRUPOS SOLÚVEIS 393

Proposição 6.31 Sejam p e q números primos. Então qualquer grupo de


ordem p2 q é um grupo solúvel.

Prova. Seja G um grupo com |G| = p2 q. Se p = q, então G é um p-grupo e,


portanto, um grupo solúvel. Se p 6= q, digamos p < q, então, pelo Primeiro
Teorema de Sylow, G contém um p-subgrupo de Sylow P e um q-subgrupo de
Sylow Q. Mas pelo Terceiro Teorema de Sylow

np = 1, 1 + p, 1 + 2p, . . . e np | q
nq = 1, 1 + q, 1 + 2q, . . . e nq | p2 .

Afirmação. np = 1 ou nq = 1.
De fato, se np > 1 e nq > 1, então é fácil verificar que np = q e nq = p2 . Logo,

|G| = p2 q ≥ np (p2 − 1) + nq (q − 1) + 1
= q(p2 − 1) + p2 (q − 1) + 1.

Assim,
0 ≥ p2 q − q − p2 + 1 = (p2 − 1)(q − 1) > 0,
o que é uma contradição. Portanto, P é um subgrupo normal em G ou Q é
um subgrupo normal em G, digamos P é um subgrupo normal em G. Logo,
pela Proposição 6.29,
G
P e
P
são grupos solúveis. Portanto, pela Proposição 6.26, G é um grupo solúvel. ¥

Proposição 6.32 Sejam p e q números primos. Então qualquer grupo de


ordem p2 q2 é um grupo solúvel.

Prova. Seja G um grupo com |G| = p2 q2 . Se p = q, então G é um p-grupo


e, portanto, um grupo solúvel. Se p 6= q, digamos p < q, então, pelo Primeiro
Teorema de Sylow, G contém um p-subgrupo de Sylow P e um q-subgrupo de
Sylow Q. Mas pelo Terceiro Teorema de Sylow

np = 1, 1 + p, 1 + 2p, . . . e np | q 2
nq = 1, 1 + q, 1 + 2q, . . . e nq | p2 .
394 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Afirmação. np = 1 ou nq = 1.
De fato, se np > 1 e nq > 1, então é fácil verificar que nq = p2 e np ≥ q. Logo,

|G| = p2 q2 ≥ np (p2 − 1) + nq (q 2 − 1) + 1
≥ q(p2 − 1) + p2 (q 2 − 1) + 1.

Assim,
0 ≥ p2 q − q − p2 + 1 = (p2 − 1)(q − 1) > 0,
o que é uma contradição. Portanto, P é um subgrupo normal em G ou Q é
um subgrupo normal em G, digamos P é um subgrupo normal em G. Logo,
pela Proposição 6.29,
G
P e
P
são grupos solúveis. Portanto, pela Proposição 6.26, G é um grupo solúvel. ¥

Proposição 6.33 Sejam p e q números primos. Então qualquer grupo de


ordem p3 q é um grupo solúvel.

Prova. Seja G um grupo com |G| = p3 q. Se p = q, então G é um p-grupo e,


portanto, um grupo solúvel. Se p 6= q, digamos p < q, então, pelo Primeiro
Teorema de Sylow, G contém um p-subgrupo de Sylow P e um q-subgrupo de
Sylow Q. Mas pelo Terceiro Teorema de Sylow

np = 1, 1 + p, 1 + 2p, . . . e np | q
nq = 1, 1 + q, 1 + 2q, . . . e nq | p3 .

Afirmação. np = 1 ou nq = 1.
De fato, se np > 1 ou nq > 1, então é fácil verificar que np = q e nq ≥ p2 .
Logo,

|G| = p3 q ≥ np (p3 − 1) + nq (q − 1) + 1
≥ q(p3 − 1) + p2 (q − 1) + 1.

Assim,
0 ≥ p2 q − q − p2 + 1 = (p2 − 1)(q − 1) > 0,
6.2. GRUPOS SOLÚVEIS 395

o que é uma contradição. Portanto, P é um subgrupo normal em G ou Q é


um subgrupo normal em G, digamos P é um subgrupo normal em G. Logo,
pela Proposição 6.29,
G
P e
P
são grupos solúveis. Portanto, pela Proposição 6.26, G é um grupo solúvel. ¥

Proposição 6.34 Sejam p, q e r números primos. Então qualquer grupo de


ordem pqr é um grupo solúvel.

Prova. Seja G um grupo com |G| = pqr. Se p = q = r, então G é um p-grupo


e, portanto, um grupo solúvel. Se dois dos números primos são iguais, então,
pela Proposição 6.31, G é um grupo solúvel. Suponhamos que p 6= q 6= r,
digamos p < q < r. Então, pelo Primeiro Teorema de Sylow, G contém um
p-subgrupo de Sylow P , um q-subgrupo de Sylow Q e um r-subgrupo de Sylow
R. Mas pelo Terceiro Teorema de Sylow

np = 1, 1 + p, 1 + 2p, . . . e np | qr
nq = 1, 1 + q, 1 + 2q, . . . e nq | pr
nr = 1, 1 + r, 1 + 2r, . . . e nr | pq.

Afirmação. np = 1 ou nq = 1 ou nr = 1.
De fato, se np > 1, nq > 1 e nr > 1, então é fácil verificar que nr = pq, nq ≥ r
e np ≥ q. Logo,

|G| = pqr = np (p − 1) + nq (q − 1) + nr (r − 1) + 1
≥ q(p − 1) + r(q − 1) + pq(r − 1) + 1.

Assim,
0 ≥ qr − q − r + 1 = (q − 1)(r − 1) > 0,
o que é uma contradição. Portanto, P é um subgrupo normal em G ou Q é
um subgrupo normal em G ou R é um subgrupo normal em G, digamos P é
um subgrupo normal em G. Logo, pelas Proposições 6.29 e 6.30
G
P e
P
396 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

são grupos solúveis. Portanto, pela Proposição 6.26, G é um grupo solúvel. ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam G um grupo e a, b, c ∈ G.

(a) Mostre que [a, b] = e se, e somente se, ab = ba.


(b) Mostre que [a, b]−1 = [b, a].
(c) Mostre que [ab, c] = [a, c]b [b, c] = [a, c][[a, c], b][b, c].
(d) Mostre que [a, bc] = [a, c][a, b]c = [a, c][a, b][[a, b], c].

2. Sejam G um grupo tal que G0 ⊆ Z(G) e a, b, c ∈ G.

(a) Mostre que [ab, c] = [a, c][b, c].


(b) Mostre que [a, bc] = [a, b][a, c].
(c) Mostre que [an , b] = [a, b]n = [a, bn ], para todo n ∈ N.
n(n−1)
(d) Mostre que (ab)n = [a, b] 2 an bn , para todo n ∈ N.

3. Seja G um grupo. Mostre que G0 ⊆ Z(G) se, e somente se, [[a, b], c] =
[a, [b, c]], para todos a, b, c ∈ G. (Sugestão: Mostre que [a, b] = [a−1 , b−1 ]
e use [[a, b], c] = [a, [b, c]] para chegar em [[a, b−1 c], b] = e.)

4. Seja G um grupo. Mostre que cada G(n) é um subgrupo característico


em G, para todo n ∈ N.

5. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Mostre que se H é normal


em G, então µ ¶0
G G0 H
= .
H H
6. Sejam G um grupo e H, K subgrupos de G. Mostre que K centraliza H
(K ⊆ CG (H)) se, e somente se, [H, K] = 1.
6.2. GRUPOS SOLÚVEIS 397

7. Seja G um grupo. Mostre que se H é subgrupo normal em G e H ∩ G0 =


{e}, então H ⊆ Z(G).

8. Sejam G um grupo e H um subgrupo normal em G. Mostre que se H é


cíclico, então G0 ⊆ CG (H).
G
9. Sejam G um grupo e H, K subgrupos normais em G. Mostre que se H
G G
e K são grupos abelianos, então H∩K é um grupo abeliano.

10. Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Mostre que se H é normal


em G, então H 0 é normal em G.

11. Sejam G um grupo solúvel finito e H um subgrupo maximal de G. Mostre


que [G : H] é uma potência de algum número primo. (Sugestão: Se M
é um subgrupo normal minimal de G, então M é um subgrupo de H ou
não. Se M não é um subgrupo de H, então G = HM e

[G : H] = [M : M ∩ H]

é uma potência de algum número primo. Se M é um subgrupo de H,


então use indução sobre a ordem de G para mostrar que
∙ ¸
G H
[G : H] = :
M M
é uma potência de algum número primo.)

12. Sejam G um grupo solúvel finito e V um subgrupo normal minimal em


G.

(a) Mostre que V é um espaço vetorial sobre Zp , para algum número


primo p.
(b) Mostre que qualquer σ ∈ End(V ) é uma transformação linear.
(c) Mostre que, para um a ∈ V fixado, a função σ a : V → V definida
por σ a (x) = axa−1 é um isomorfismo.
(d) Mostre que a função σ : G → GL(V ) é um homomorfismo de grupos,
isto é, G age sobre V como um grupo de transformações lineares.
398 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

13. Seja (" # )


a b
G= ∈ M2 (Zn ) : a, b ∈ Zn e a ∈ U(Zn )
0 1
Mostre que G é um grupo solúvel.

14. Seja

G = {σ a,b : Zn → Zn : σ a,b (x) = ax + b, a, b ∈ Zn e a ∈ U(Zn )}.

Mostre que G é um grupo solúvel.

15. Seja ⎧⎡ ⎤ ⎫

⎨ 1 a b ⎪

⎢ ⎥
G = ⎣ 0 1 c ⎦ ∈ M3 (R) : a, b, c ∈ R .

⎩ ⎪

0 0 1
Mostre que G é um grupo solúvel. Generalize para uma matriz triangular
superior qualquer com 1 na diagonal principal.

16. Seja G um grupo simples. Mostre que G é um grupo solúvel se, e somente
se, G é um grupo cíclico.

17. Sejam H e K dois grupos. Mostre que H × K é grupo solúvel se, e


somente se, H e K são grupos solúveis. Generalize para um produto
finito qualquer.

18. Sejam G um grupo e H, K subgrupos solúveis de G. Mostre que se K é


subgrupo normal em G, então HK é um subgrupo solúvel de G.

19. Sejam N e H dois grupos solúveis. Mostre que G = N o H é grupo


solúvel.

20. Sejam G um grupo e H subgrupo normal abeliano de G. Mostre que se


¯ ¯
¯G¯
¯ ¯ = 91,
¯H ¯

então G é um grupo solúvel.


6.2. GRUPOS SOLÚVEIS 399

21. Seja G um grupo finito com |G| = pq n , com p ≤ q números primos.


Mostre que G é um grupo solúvel.

22. Seja G um grupo finito com |G| = p1 · · · pn , com pi números primos


distintos. Mostre que G é um grupo solúvel.

23. Mostre que se |G| = 2n 3, então G é um grupo solúvel.

24. Mostre que se |G| = 22 3n , então G é um grupo solúvel.

25. Mostre que se |G| = p2 q n , com p, q números primos e p ≤ q, então G é


um grupo solúvel.

26. Mostre que se |G| = 200, então G é um grupo solúvel.

27. Mostre que se |G| = 6.545, então G é um grupo solúvel.

28. Mostre que se |G| = 1.365, então G é um grupo solúvel.

29. Mostre que se |G| = 2.907, então G é um grupo solúvel.

30. Mostre que se |G| = 132, então G é um grupo solúvel.

31. Mostre que se |G| = 462, então G é um grupo solúvel.

32. Mostre que se |G| = 444, então G é um grupo solúvel.

33. Mostre que se |G| = 225, então G é um grupo solúvel.

34. Seja G um grupo tal que Aut G é um grupo solúvel. Mostre que G é um
grupo solúvel.

35. Mostre que se |G| = 2m pn , com p número primo ímpar e m = 1, 2 ou 3,


então G é um grupo não simples mas solúvel.

36. Mostre que não existe grupo simples não abeliano com ordem menor do
que 60.

37. Mostre que qualquer grupo simples não cíclico G de ordem menor do que
100 é de ordem 60.
400 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

38. Mostre que as seguintes condições são equivalentes:

(a) Qualquer grupo de ordem ímpar é solúvel.


(b) Qualquer grupo simples finito tem ordem par.

39. Seja G um grupo. Dizemos que G é um grupo supersolúvel se existir uma


cadeia de subgrupos

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G1 ≤ G0 = G

tais que

(a) Gi é um subgrupo normal em G, para todo i, i = 1, 2, . . . , n.


Gi
(b) Gi+1
é cíclico, para todo i, i = 0, 1, . . . , n − 1.

Mostre que qualquer grupo supersolúvel é solúvel. Mas a recíproca é


falsa. (Sugestão: tente com S4 .) Um cadeia de subgrupos satisfazendo
as condições (a) e (b) é chamada de série cíclica.

40. Mostre que qualquer p-grupo finito é um grupo supersolúvel.

41. Seja G um grupo supersolúvel. Mostre que subgrupos e grupos quocientes


de G são supersolúveis.

42. Sejam H e K dois grupos. Mostre que se H e K são grupos supersolúveis,


então H × K é supersolúvel.

43. Sejam G um grupo e H um subgrupo normal em G. Mostre que se H


G
é um grupo cíclico e H é um grupo supersolúvel, então G é um grupo
supersolúvel.

44. Mostre que se |G| = 2p, com p um número primo, então G é um grupo
supersolúvel.
G
45. Sejam G um grupo e H, K subgrupos normais em G. Mostre que se H
G G
e K são grupos supersolúveis, então H∩K é um grupo supersolúvel.
6.3. GRUPOS NILPOTENTES 401

6.3 Grupos Nilpotentes


Nesta seção vamos apresentar uma generalização de p-grupos, ou seja, com
os conhecimentos dos p-grupos obtemos informações sobre grupos finitos arbi-
trários. Além disso, os p-grupos têm uma quantidade muito grande de subgru-
pos normais, e isto sugere que as “séries normais” podem ser uma ferramenta
poderosa no estudo destes grupos.
Seja G um grupo. Uma série subnormal em G é uma cadeia finita de
subgrupos de G

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G1 ≤ G0 = G

tais que
Gi+1 E Gi , 0 ≤ i ≤ n − 1,
e será denotada por
S = (Gi )n−1
i=0 .

Os grupos
Gi
, 0 ≤ i ≤ n − 1,
Gi+1
são chamados de grupos fatores. O comprimento de uma série subnormal é o
número de grupos fatores não triviais.
Uma série normal em G é uma cadeia finita de subgrupos de G

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G

tais que
Gi+1 E G, 0 ≤ i ≤ n − 1.
Uma série normal S = (Gi )n−1
i=0 em G é chamada de série central superior
em G se µ ¶
Gi G
≤Z , 0 ≤ i ≤ n − 1.
Gi+1 Gi+1
Seja G um grupo. Dizemos que G é um grupo nilpotente se G tem uma
série central. O menor comprimento da série central é chamado o índice de
nilpotência de G.
402 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Exemplo 6.35 Qualquer grupo abeliano G é um grupo nilpotente, pois a única


série central em G é {e} ≤ G.

Exemplo 6.36 O grupo G = S3 é um grupo não nilpotente, pois

{I} ≤ A3 ≤ G

é a única série normal em G mas não é central, pois


µ ¶
A3 G
A3 = ≤Z = Z (G) = {I}.
{I} {I}

Proposição 6.37 Qualquer p-grupo é um grupo nilpotente.

Prova. Seja G um p-grupo com |G| = pn e n ∈ Z+ . Vamos usar indução sobre


n para provar que G é um grupo nilpotente. Se n = 0 ou 1, então G é um grupo
abeliano e, portanto, nilpotente. Suponhamos que o resultado seja válido para
todo m, com 1 ≤ m < n. Pelo Teorema de Burnside 5.56, Z(G) 6= {e}. Se
G = Z(G), então G é um grupo abeliano e, portanto, nilpotente. Se G 6= Z(G),
então Z(G) é um p-grupo com
¯ ¯
¯ G ¯
¯ ¯ s n
¯ Z(G) ¯ = p < p = |G| .

Assim, pela hipótese de indução,


G
Z(G)
é um grupo nilpotente. Logo, ele possui uma série central
G
{Z(G)} = Gm ≤ Gm−1 ≤ · · · ≤ G0 = .
Z(G)
Logo, pelo Teorema da Correspondência, existe um único subgrupo normal Gi
em G tal que
Gi
Gi = , 0 ≤ i ≤ m − 1.
Z(G)
Portanto,
{e} ≤ G0 = Z(G) ≤ · · · ≤ Gm = G
6.3. GRUPOS NILPOTENTES 403

é uma série subnormal em G, com


µ ¶ µ ¶
Gi Gi G0 G
Gi+1 EG e ' ≤Z 'Z , 0 ≤ i ≤ m − 1,
Gi+1 Gi+1 Gi+1 Gi+1
isto é, G é um grupo nilpotente. ¥

Proposição 6.38 Seja G um grupo nilpotente. Então qualquer subgrupo de


G é nilpotente.

Prova. Sejam H um subgrupo de G e

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G

uma série central de G. Então


Gi
Hi = Gi ∩ H E H e ϕ : Hi → , 0 ≤ i ≤ n − 1,
Gi+1
é um homomorfismo de grupos. Assim,
µ ¶ µ ¶
Hi Gi G H
≤ ≤Z ≤Z , 0 ≤ i ≤ n − 1.
Hi+1 Gi+1 Gi+1 Hi+1
Portanto, H é um subgrupo nilpotente de G. ¥

Proposição 6.39 Seja G um grupo nilpotente. Então qualquer grupo quo-


ciente de G é nilpotente.

Prova. Basta provar que se ϕ : G → K é um homomorfismo de grupos


sobrejetor, então K é um grupo nilpotente. Sejam

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G

uma série central de G e Ki = ϕ(Gi ), 0 ≤ i ≤ n − 1.


Afirmação. {e} = Kn ≤ Kn−1 ≤ · · · ≤ K0 = K é uma série central de K.
De fato, pelo Teorema da Correspondência, Ki é um subgrupo normal em K,
0 ≤ i ≤ n − 1. Agora, é fácil verificar que
µ ¶
Ki K
≤Z , 0 ≤ i ≤ n − 1.
Ki+1 Ki+1
404 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Portanto, K é um grupo nilpotente. ¥

Seja G um grupo qualquer. Definimos

Z0 (G) = {e} e Z1 (G) = Z(G).

Como µ ¶
G G
Z E
Z1 (G) Z1 (G)
temos, pelo Teorema da Correspondência, que existe um único subgrupo nor-
mal Z2 (G) em G tal que
µ ¶
Z2 (G) G
=Z .
Z1 (G) Z1 (G)

Assim, indutivamente, obtemos um subgrupo normal Zn (G) em G tal que


µ ¶
Zn (G) G
=Z , ∀ n ∈ N.
Zn−1 (G) Zn−1 (G)

Lema 6.40 Seja G um grupo qualquer.

1. Zn (G) = {a ∈ G : [a, G] ≤ Zn−1 (G)}, para todo n ∈ N. Neste caso,


(Zn (G))0 é um subgrupo de Zn−1 (G), para toto n ∈ N.

2. Cada Zn (G) é um subgrupo característico em G.

3. Zn (G) é um subgrupo de Zn+1 (G), para todo n ∈ Z+ .

Prova. Vamos provar apenas o item (2). Vamos usar indução sobre n. Se
n = 1, nada há para ser provado. Suponhamos que o resultado seja válido
para todo n > 1, isto é, Zn (G) é um subgrupo característico em G. Sejam
a ∈ Zn+1 (G) e ϕ ∈ Aut(G). Então

[ϕ(a), G] = [ϕ(a), ϕ(G)] = ϕ ([a, G]) ⊆ ϕ (Zn (G)) = Zn (G).

Portanto, ϕ(a) ∈ Zn+1 (G), isto é, Zn+1 (G) é um subgrupo característico em


G. ¥
6.3. GRUPOS NILPOTENTES 405

Seja G um grupo qualquer. A cadeia de subgrupos de G

Z0 (G) ≤ Z1 (G) ≤ · · · ≤ Zn (G) ≤ · · ·

é chamada de série central ascendente de G. Note que se G é grupo finito,


então existe n ∈ N tal que

Zn (G) = Zn+1 (G) = · · ·

Exemplo 6.41 Se G = Z2 × S3 , então

Z2 × {I} = Z1 (G) = Z2 (G) = Zn (G), ∀ n ∈ N com n ≥ 3.

Proposição 6.42 Seja G um grupo. Então G é um grupo nilpotente de índice


de nilpotência n se, e somente se, Zn (G) = G, mas Zn−1 (G) 6= G.

Prova. Suponhamos que G seja nilpotente. Então G possui uma série central

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G,

com G1 6= G0 .
Afirmação. Gn−i é um subgrupo de Zi (G), para todo i ∈ Z+ .
De fato, se i = 0, nada há para ser provado. Suponhamos que o resultado seja
válido para i > 0, isto é, Gn−i é um subgrupo de Zi (G). Como
µ ¶ µ ¶
Gn−(i+1) G G Zi+1 (G)
≤Z ≤Z ≤
Gn−i Gn−i Gi Zi (G)

temos que Gn−(i+1) é um subgrupo de Zi+1 (G). Em particular, G = G0 ⊆


Zn (G). Portanto, Zn (G) = G, mas Zn−1 (G) 6= G.
A recíproca segue da definição. ¥

Seja G um grupo qualquer. Definimos, indutivamente, a cadeia de subgru-


pos de G

Z 0 (G) = G, Z 1 (G) = [Z 0 (G), G] e Z n+1 (G) = [Z n (G), G], ∀ n ∈ N.

Lema 6.43 Seja G um grupo qualquer.


406 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

1. Cada Z n (G) é um subgrupo característico em G.

2. Z n+1 (G) é um subgrupo de Z n (G), para todo n ∈ Z+ .

3. µ ¶
Z n (G) G
≤Z , ∀ n ∈ Z+ .
Z n+1 (G) Z n+1 (G)

4. G(n) é um subgrupo de Z n (G), para todo n ∈ Z+ .

Prova. Fica como um exercício. ¥

Seja G um grupo qualquer. A cadeia de subgrupos de G

G = Z 0 (G) ≥ Z 1 (G) ≥ · · · ≥ Z n (G) ≥ · · ·

é chamada de série central descendente de G. Note que se G é grupo finito,


então existe n ∈ N tal que

Z n (G) = Z n+1 (G) = · · ·

Proposição 6.44 Seja G um grupo. Então G é um grupo nilpotente de índice


de nilpotência n se, e somente se, Z n (G) = {e} mas Z n−1 (G) 6= {e}.

Prova. Suponhamos que G seja nilpotente. Então G tem uma série central

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G.

com Gn−1 6= {e}.


Afirmação. Z i (G) é um subgrupo de Gi , para todo i ∈ Z+ .
De fato, se i = 0, nada há para ser provado. Suponhamos que o resultado seja
válido para i > 0, isto é, Z i (G) é um subgrupo de Gi . Como
µ ¶
Gi G
≤Z
Gi+1 Gi+1
temos, pelo item (2) do Lema 6.19, que [Gi , G] é um subgrupo de Gi+1 . Logo,
pela hipótese de indução, obtemos

Z i+1 (G) = [Z i (G), G] ≤ [Gi , G] ≤ Gi+1 .


6.3. GRUPOS NILPOTENTES 407

Logo, Z i+1 (G) é um subgrupo de Gi+1 . Em particular, Z n (G) ⊆ Gn = {e}.


Portanto, Z n (G) = {e} mas Z n−1 (G) 6= {e}.
A recíproca segue da definição. ¥

Exemplo 6.45 O grupo diedral Dn é um grupo nilpotente se, e somente se,


n = 2k , para algum k ∈ N.

Solução. Pelo Exemplo 6.22, obtemos


(
­ ® Zn , se n é um número ímpar
Z 1 (Dn ) = [Z 0 (Dn ), Dn ] = a2 =
Z n2 , se n é um número par.

De modo inteiramente análogo, teremos


­ ®
Z 2 (Dn ) = [Z 1 (Dn ), Dn ] = a4 .

Assim, indutivamente, temos que


­ m®
Z m (Dn ) = [Z m−1 (Dn ), Dn ] = a2 , ∀ m ∈ N.

Portanto, se Dn é um grupo nilpotente, então existe um menor k ∈ N tal que


¥
k
Z k (Dn ) = {e}, isto é, a2 = e e n = 2k .

Lema 6.46 Sejam G um grupo e H um subgrupo de G, com H ⊆ Z(G). Se


G
H
é um grupo nilpotente, então G é um grupo nilpotente.

G
Prova. Suponhamos que H
seja nilpotente. Então existe n ∈ N tal que
µ ¶
n G
Z = {H}.
H

Como
G
π:G→
H
é um homomorfismo de grupos sobrejetor temos, indutivamente, que
µ ¶
m G
Z = π (m) (Z m (G)), ∀ m ∈ N.
H
408 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Logo, µ ¶
n G
{H} = Z = π (n) (Z n (G)) ⇒ Z n (G) ≤ H.
H
Assim,
Z n+1 (G) = [Z n (G), G] ≤ [H, G] ≤ {e},
pois H ⊆ Z(G). Portanto, G é um grupo nilpotente. ¥

Teorema 6.47 Sejam G um grupo finito, p1 , . . . , pk números primos distintos


dividindo a ordem de G e Pi os pi -subgrupos de Sylow de G. Então as seguintes
condições são equivalentes:

1. G é um grupo nilpotente;

2. Se H é um subgrupo próprio de G, então H é um subgrupo próprio de


NG (H); (condição de normalização)

3. Cada Pi é um subgrupo normal de G;

4. G é isomorfo a P1 × · · · × Pk .

Prova. (1 ⇒ 2) Suponhamos que G seja nilpotente. Então existe um menor


n ∈ N tal que
Z n (G) = {e}.
Como Z n (G) = {e} ⊆ H temos que existe i ∈ N tal que Z i+1 (G) ⊆ H, mas
Z i (G) 6= H, pois H ⊂ Z 0 (G) = G. Logo,

[Z i (G), H] ≤ [Z i (G), G] = Z i+1 (G) ≤ H.

Portanto, pelo item (1) do Lema 6.19, Z i (G) normaliza H, isto é, Z i (G) ⊆
NG (H) e H ⊂ NG (H).
(2 ⇒ 3) Sejam P = Pi e N = NG (P ). Como P é um subgrupo normal
em N temos que P é o único subgrupo de N, com ordem pni . Logo, P é um
subgrupo característico em N. Assim, P é um subgrupo normal em NG (N),
pois N é um subgrupo normal em NG (N). Por outro lado, pelo item (1) do
Teorema 5.76, NG (N) = N. Portanto, por hipótese, N = G e P é um subgrupo
normal em G.
6.3. GRUPOS NILPOTENTES 409

(3 ⇒ 4) Vamos usar indução sobre l com 1 ≤ l ≤ k. Como Pi é um


subgrupo normal em G temos que P1 · · · Pl é um subgrupo de G. Sejam

H = P1 · · · Pl−1 e K = Pl .

Então
H ' P1 × · · · × Pl−1 e |H| = |P1 | · · · |Pl−1 | .

Por outro lado, como o mdc(|H| , |K|) = 1 temos, pelo Teorema de Lagrange,
que H ∩ K = {e}. Logo,

HK ' H × K ' (P1 × · · · × Pl−1 ) × Pl ' P1 × · · · × Pl−1 × Pl .

Em particular,
G ' P1 × · · · × Pk .

(4 ⇒ 1) Vamos usar indução sobre a ordem de G. Como

Z(P1 × · · · × Pk ) = Z(P1 ) × · · · × Z(Pk )

temos que
G P1 Pk
' × ··· × .
Z(G) Z(P1 ) Z(Pk )
Agora, se Pi 6= {e}, então, pelo Teorema de Burnside, Z(Pi ) 6= {e} e G 6= {e}.
Logo, ¯ ¯
¯ G ¯
¯ ¯
¯ Z(G) ¯ < |G| .
Assim, pela hipótese de indução,
G
Z(G)

é um grupo nilpotente. Portanto, pelo Lema 6.46, G é um grupo nilpotente.¥

EXERCÍCIOS
410 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

1. Mostre que todo grupo nilpotente é um grupo solúvel. Mostre, com um


exemplo, que a recíproca é falsa.

2. Sejam H e K grupos nilpotentes. Mostre que H × K é grupo nilpotente.

3. Mostre que um grupo G é um grupo nilpotente se, e somente se, todo


subgrupo maximal de G é normal em G. Conclua que qualquer subgrupo
maximal de G tem índice um número primo. (Sugestão: Seja P um p-
subgrupo de Sylow de G. Então use o Teorema 5.76 para provar que
NG (H) = H, para todo subgrupo de G tal que NG (P ) ⊆ H.)

4. Sejam G um grupo nilpotente e H um subgrupo normal não trivial em


G. Mostre que H ∩ Z (G) 6= {e}. (Sugestão: Considere Ki = H ∩ Zi (G)
e calcule [G : Ki ].)

5. Sejam G um grupo nilpotente e H um subgrupo abeliano normal maximal


em G. Mostre que H um subgrupo abeliano maximal de G. (Sugestão:
Note que
CG (H) G
E
H H
e use o Exercício 3.)

6. Sejam G um grupo finito. Mostre que G é nilpotente se, e somente se,


ele é um produto de p-grupos.

7. Seja G um grupo. Mostre que Zn (G) = G se, e somente se, Z n (G) =


{e}. Conclua que Z k (G) ⊆ Zn−k (G), para todo k = 0, . . . , n.

8. Seja G um grupo de índice de nilpotência igual a 1 ou 2. Mostre que

[ab, c] = [a, c][b, c] e [a, bc] = [a, b][a, c], ∀ a, b, c ∈ G.

9. Sejam G um grupo nilpotente de ordem n e k um divisor de n. Mostre


que G tem um subgrupo de ordem k Neste caso, vale a recíproca do
Teorema de Lagrange.

10. Mostre que todo grupo nilpotente finito é um grupo supersolúvel. Mas
a recíproca é falsa.
6.4. SÉRIES DE COMPOSIÇÃO 411

11. Sejam G um grupo nilpotente finito e M um subgrupo normal minimal


de G. Mostre que M ⊆ Z (G) e tem ordem um número primo.

6.4 Séries de Composição


A utilidade das séries centrais e derivadas sugerem uma examinação de
outras séries em qualquer grupo G.
Seja G um grupo. Um refinamento de uma série subnormal

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G

em G é uma série subnormal obtida a partir dessa, pela inserção de alguns


(possivelmente nenhum) subgrupos de G ou, equivalentemente, é uma série
subnormal
{e} = Hm ≤ Hm−1 ≤ · · · ≤ H0 = G
em G tais que
Gi ⊆ Hj .
Um refinamento é chamado refinamento próprio se algum subgrupo distintos
dos já existente for inserido na série.

Exemplo 6.48 A série subnormal

{0} ≤ 72Z ≤ 24Z ≤ 8Z ≤ 4Z ≤ Z

é um refinamento da série subnormal

{0} ≤ 72Z ≤ 8Z ≤ Z

Seja G um grupo. Dizemos que uma cadeia subnormal em G,

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G

é uma série de composição para G se cada grupo fator


Gi
6= {Gi+1 }, i = 0, . . . , n − 1,
Gi+1
é um grupo simples.
412 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Observação 6.49 Nem todo grupo admite uma série de composição, por
exemplo, o grupo aditivo dos números inteiro Z não admite uma série de com-
posição, pois
· · · ⊆ 2n Z ⊆ · · · ⊆ 2Z ⊆ Z.

Seja G um grupo. Dizemos que um subgrupo H de G é um subgrupo


subnormal em G se H é um dos termos de uma série de composição para G.

Exemplo 6.50 Seja G = hai um grupo cíclico de ordem pn , com p um número


primo. Então, pelo item (3) da Proposição 1.70, existe um único subgrupo
­ m®
H = ap de G, para cada m = 0, . . . , n. Portanto,
­ n ® D n−1 E
{e} = ap ≤ ap ≤ · · · ≤ hap i ≤ hai = G

é a única série de decomposição para G.

Seja G um grupo. Dizemos que uma cadeia subnormal em G,

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G

é uma série principal ou uma série chief para G se Gi+1 6= Gi e Gi+1 é um


subgrupo normal maximal em G, i = 0, . . . , n − 1 ou, equivalentemente,
Gi
Gi+1

é um subgrupo normal minimal de


G
.
Gi+1

Proposição 6.51 Seja G um grupo solúvel finito. Então os fatores de qual-


quer série chief para G são grupos abelianos elementares.

Prova. Vamos usar indução sobre o comprimento de uma série chief para G.
Seja
{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G
6.4. SÉRIES DE COMPOSIÇÃO 413

uma série chief para G. Se n = 2, então Gn−1 é um subgrupo normal minimal


em G, pois não existe K C G tal que 1 ⊆ K ⊆ Gn−1 . Logo, pelo Exemplo
6.28,
Gn−1
Gn−1 =
Gn
é um grupo abeliano elementar. Suponhamos que o resultado seja válido para
todo m, com 2 ≤ m < n. Assim, pelo Teorema da Correspondência,
Gn−1 Gn−2 G1 G0 G
{Gn−1 } = ≤ ≤ ··· ≤ ≤ =
Gn−1 Gn−1 Gn−1 Gn−1 Gn−1
G
é uma série chief para Gn−11
. Como
¯ ¯
¯ G ¯
¯ ¯
¯ Gn−1 ¯ < |G|

temos que
Gi
Gn−1
Gi+1
, i = 0, . . . , n − 1,
Gn−1

são grupos abelianos elementares. Mas, pelo Terceiro Teorema de Isomorfismo,


Gi
Gn−1 Gi
Gi+1
' , i = 0, . . . , n − 1.
Gn−1
Gi+1

Portanto, os grupos fatores


Gi
, i = 0, . . . , n − 1,
Gi+1
são grupos abelianos elementares. ¥

Lema 6.52 Sejam G um grupo e M um subgrupo de G. Então M é um


G
subgrupo normal maximal em G se, e somente se, M é um grupo simples.

Prova. Suponhamos que M seja um subgrupo normal maximal em G. Seja K


G
um subgrupo normal de M . Então, pelo Teorema da Correspondência, existe
um único subgrupo normal H em G tal que
H
M ⊆H e K= .
M
414 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Assim, pela maximalidade de M, obtemos H = M ou H = G. Logo, K = {M}


G G
ou K = M . Portanto, M é um grupo simples.
G
Reciprocamente, suponhamos que M seja um grupo simples. Seja H um
subgrupo normal de G tal que M ⊆ H ⊆ G. Então, pelo Teorema da
G
Correspondência, π(H) é um subgrupo normal de M . Assim, por hipótese,
G
π(H) = {M} ou π(H) = M . Logo, M = H ou M = G. Portanto, M é um
subgrupo normal maximal em G. ¥

Proposição 6.53 Seja G um grupo não trivial.

1. Se G for um grupo finito, então G possui uma série de composição.

2. Qualquer refinamento de uma série abeliana em G é uma série abeliana.

3. Uma cadeia subnormal em G é uma série de composição se, e somente


se, ela não admite refinamento próprio.

Prova. (1) Pelo Exemplo 1.57, G contém um subgrupo normal maximal. Seja
G1 um subgrupo normal maximal em G. Então, pelo Lema 6.52,
G
G1
é um grupo simples. Seja G2 um subgrupo normal maximal em G1 . Então,
pelo Lema 6.52,
G1
G2
é um grupo simples. Continuando dessa modo (em no máximo |G| etapas),
obtemos uma série de composição

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G

(2) Basta observar que se GGi+1


i
é abeliano e Gi+1 E H E Gi , então GH
i+1
é
H Gi Gi
abeliano. De fato, como Gi+1 é um subgrupo de Gi+1 e H é abeliano temos,
pelo Terceiro Teorema de Isomorfismo, que
Gi
Gi Gi+1
' H
.
H Gi+1
6.4. SÉRIES DE COMPOSIÇÃO 415

(3) Seja
{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G
é uma série de composição em G. Suponhamos, por absurdo, que ela tenha
um refinamento próprio. Então existe um subgrupo H de G tal que

Gi+1 C H C Gi , para algum i = 0, . . . , n − 1.

Logo, GH
i+1
é um subgrupo próprio normal em GGi+1
i
, o que é uma contradição.
A recíproca, prova-se de modo inteiramente análoga. ¥

Sejam
{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G
e
{e} = Hm ≤ Hm−1 ≤ · · · ≤ H0 = G
duas cadeias subnormais para G. Dizemos que elas são equivalentes, se n = m
e existe uma permutação σ ∈ Sn tal que
Gi Hσ(i)
' , i = 0, . . . , n − 1.
Gi+1 Hσ(i)+1
Exemplo 6.54 Sejam G = H × K, N um subgrupo normal em H e M um
subgrupo normal em K. Então, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,
G H K
' × .
N ×M N M
Logo, as cadeias subnormais

{e} ≤ N ≤ H e {e} ≤ M ≤ K

para H e K, respectivamente, determinam duas cadeias subnormais para G, a


saber,
{(e, e)} ≤ N × {e} ≤ H × {e} ≤ H × M ≤ G
e
{(e, e)} ≤ {e} × M ≤ {e} × K ≤ N × K ≤ G.
Note que cada fator dessas séries subnormais são isomorfos, por exemplo,
G K K {e} × K
' {e} × ' ' .
H ×M M M {e} × M
416 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Lema 6.55 Sejam G um grupo e

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G

uma série de composição para G. Então qualquer refinamento dessa série é


equivalente a ela.

Prova. Vamos denotar por S a série de composição

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G.

Então, pelo item (3) da Proposição 6.53, S não possui refinamento próprio.
Assim, os únicos refinamentos possíveis de S são obtidos inserindo cópias adi-
cionais de cada Gi . Portanto, qualquer refinamento de S possui os mesmos
fatores não triviais como S, isto é, equivalente a S. ¥

Teorema 6.56 (Lema de Zassenhaus) Sejam G um grupo, H, K subgru-


pos de G e M, N subgrupos normais em H e K, respectivamente.

1. M(H ∩ N) é um subgrupo normal em M(H ∩ K).

2. N(M ∩ K) é um subgrupo normal em N(H ∩ K).

3.
M(H ∩ K) N(H ∩ K)
' .
M(H ∩ N) N(M ∩ K)

Confira Figura 6.2.


6.4. SÉRIES DE COMPOSIÇÃO 417

Figura 6.2: Lema da Borboleta.

Prova. (1) Como N é um subgrupo normal em K temos, pelo item (4) da


Proposição 2.40, que
H ∩ N = (H ∩ K) ∩ N

é um subgrupo normal em H ∩ K. De modo inteiramente análogo, prova-se


que H ∩ N é um subgrupo normal em H ∩ K. Portanto,

L = (M ∩ K)(H ∩ N)

é um subgrupo normal em H ∩K. Pelo item (7) da Proposição 2.40, M(H ∩N)
e N(M ∩ K) são subgrupos de H e K, repectivamente.
Seja a função
H ∩K
ϕ : M(H ∩ K) →
L
418 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

definida por ϕ(ac) = Lc, para todo a ∈ M e c ∈ H ∩ K. Então ϕ está bem


definida, pois dados a, b ∈ M e c, d ∈ H ∩ K, obtemos

ac = bd ⇒ b−1 a = dc−1 ∈ M ∩ (H ∩ K) = M ∩ K ≤ L
⇒ Ld = Ldc−1 c = Lc
⇒ ϕ(ac) = ϕ(bd).

Agora, é fácil verificar que ϕ é um homomorfismo de grupos sobrejetor.


Finalmente,

ac ∈ ker ϕ ⇔ ϕ(ac) = L ⇔ cL = L ⇔ c ∈ L.

Logo, existe x ∈ M ∩ K e y ∈ H ∩ N tais que c = xy. Assim,

ac ∈ ker ϕ ⇔ ac = (ax)y ∈ M(H ∩ N).

Portanto, pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,


M(H ∩ K) M(H ∩ K) H ∩K
= '
M(H ∩ N) ker ϕ L

e M(H ∩ N) é um subgrupo normal em M(H ∩ K).


(2) Um argumento simétrico, prova que N(M ∩ K) é um subgrupo normal
em N(H ∩ K) e
N(H ∩ K) H ∩K
' .
M(M ∩ K) L
(3) Pelos itens (1) e (2), obtemos

M(H ∩ K) N(H ∩ K)
' ,
M(H ∩ N) N(M ∩ K)
pois isomorfimos é transitivo. ¥

Teorema 6.57 (Teorema de Schreier-Zassenhaus) Duas séries subnormais


de um grupo G possuem rifinamentos que são equivalentes.

Prova. Sejam
{e} = Gm ≤ Gm−1 ≤ · · · ≤ G0 = G
6.4. SÉRIES DE COMPOSIÇÃO 419

e
{e} = Hn ≤ Hn−1 ≤ · · · ≤ H0 = G
duas séries subnormais de G. Aplicando, o Lema de Zassenhaus, com

M = Gi+1 , H = Gi , N = Hj+1 , e K = Hj ,

com i = 0, 1, . . . , m − 1 e j = 0, 1, . . . , n − 1. Então
Gi+1 (Gi ∩ Hj ) Hj+1 (Gi ∩ Hj )
' .
Gi+1 (Gi ∩ Hj+1 ) Hj+1 (Gi+1 ∩ Hj )
Pondo

Gij = Gi+1 (Gi ∩ Hj ), i = 0, 1, . . . , m − 1 e j = 0, 1, . . . , n

e
Hij = Hj+1 (Gi ∩ Hj ), i = 0, 1, . . . , m e j = 0, 1, . . . , n − 1,
obtemos
Gij Hij
' , i = 0, 1, . . . , m − 1 e j = 0, 1, . . . , n − 1.
Gi(j+1) H(i+1)j
Logo,
Gi0 = Gi ≥ Gi1 ≥ · · · ≥ Gin = Gi+1 , i = 0, 1, . . . , m − 1,
e
H0j = Hj ≥ H1j ≥ · · · ≥ Hmj = Hj+1 , j = 0, 1, . . . , n − 1.
Portanto, inserindo Gi1 ,. . . ,Gi(n−1) entre os membros Gi e Gi+1 da primeira
série subnormal de G e H1j ,. . . ,G(m−1)j entre os membros Hj e Hj+1 da segunda
série subnormal de G, obtemos refinamentos (de comprimento mn) das duas
séries subnormais de G que são equivalentes. ¥

Teorema 6.58 (Teorema de Jordan-Hölder) Duas séries de composições


de um grupo G possuem refinamentos que são equivalentes.

Prova. Como toda série de composição é uma série subnormal em G temos,


pelo Teorema de Schreier-Zassenhaus, que duas séries de composições de G
possuem refinamentos que são equivalentes. Mas, pelo Lema 6.55, duas séries
de composições de G possuem refinamentos que são equivalentes. ¥
420 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

Exemplo 6.59 Seja G um grupo abeliano. Mostre que G possui uma série
de composição se, e somente se, G é um grupo finito. Conclua que um grupo
finito G é um grupo solúvel se, e somente se, seus grupos fatores são ciclicos
de ordem primas.

Solução. Suponhamos que G possua uma série de composição

{e} = Gn ≤ Gn−1 ≤ · · · ≤ G0 = G.

Então, cada fator


Gi
, i = 0, 1, . . . , n − 1,
Gi+1
é um grupo abeliano simples. Assim, cada fator
Gi
Gi+1
é um grupo cíclico de ordem prima pi , i = 0, 1, . . . , n − 1. Logo, pelo Teorema
de Lagrange,

|Gi | = [Gi : Gi+1 ] |Gi+1 | , i = 0, 1, . . . , n − 1.

Portanto, recursivamente, obtemos


Ãn−1 !
Y
|G| = [Gi : Gi+1 ] |Gn | = p1 · · · pn−1 ,
i=0

isto é, G é um grupo finito.


A recíproca, segue do item (1) da Proposição 6.53. ¥
6.4. SÉRIES DE COMPOSIÇÃO 421

EXERCÍCIOS

1. Seja G um dos grupos D4 , A4 , S3 × Z2 , S4 e D6 .

(a) Determine uma série subnormal em G.


(b) Determine todas as série composições de G.

2. Seja G = A5 × Z2 . Mostre que G possuei uma série de composição, mas


não é um grupo solúvel.

3. Sejam G um grupo finito e N um subgrupo normal em G. Mostre que


G possui uma série de composição, na qual N aparece.

4. Sejam p um número primo e G um grupo de ordem pn , para algum n ∈ N.


Mostre que G possui uma série de composição, na qual cada fator é um
grupo de ordem p.

5. Sejam G um grupo e N um subgrupo normal e simples em G. Mostre


G
que se N possui uma série de composição, então G possui uma série de
composição.

6. Seja G um grupo solúvel. Mostre que se G possui uma série de com-


posição, então G é um grupo finito.

7. Seja G um grupo cíclico de ordem finita. Mostre que se G tem exatamente


uma série de composição, então G é um p-grupo, para algum número
primo p. (Sugestão: Se G = hai e |G| = p1 · · · pn , então G possui um
único subgrupo Gi de ordem p1 · · · pi , a saber, Gi = hapi+1 ···pn i.)

8. Use o teorema de Jordan-Hölder para provar o Teorema Fundamental da


Aritmética.

9. Seja G um grupo cíclico de ordem p1 · · · pn , com fatores primos distintos


pi . Mostre que o número de séries de composições para G é n!.
422 CAPÍTULO 6. GRUPOS SOLÚVEIS E NILPOTENTES

10. Sejam G = G1 × · · · × Gn um grupo e πi : G → Gi epimorfismos.


Um subgrupo H de G chama-se um produto residual se π i (H) = Gi ,
i = 1, . . . , n. Mostre que se Ki são subgrupos normais em G, i = 1, . . . , n,
e
\n
K= Ki ,
i=1

então o grupo
G G G
G= × × ··· ×
K1 K2 Kn
possui
G
H=
K
como um produto residual, em que H é identificado com um subgrupo
de G via o homomorfismo de grupos

xK 7→ (xK1 , xK2 , . . . , xKn ).


Capítulo 7

Aneis de Fatoração Única e


Euclidianos

Neste capítulo vamos estender as definições de divisibilidade, máximo divi-


sor comum e números primos dadas no anel dos inteiros Z, para qualquer anel
comutativo com identidade A. Além disso, estudaremos domínios de integri-
dade, nos quais um análogo ao Teorema Fundamental da Aritmética vale.
Em todo este capítulo a palavra anel significa, salvo menção explícita em
contrário, anel comutativo com identidade.

7.1 Aneis de Fatoração Única


Neste seção vamos estender a definição de divisibilidade dada no anel dos
inteiros Z para anel qualquer A.
Sejam A um anel e a, b ∈ A. Dizemos que a divide b ou que b é divisível
por a que b é múltiplo de a, em símbolos a | b ou b ≡ 0 (mod a), se existir
x ∈ A tal que ax = b. Neste caso, dizemos que a um divisor de b ou a um fator
de b. Caso contrário, dizemos que a não divide b (a−1 b ∈ / A) e denotaremos
por a - b. Note que se A é um domínio de integridade, então x é unicamente
determinado e denotaremos por

b
x = a−1 b = .
a
423
424 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Note, também, que se o anel A não possui elemento identidade, então não é
verdade, em geral, que a | a, para todo a ∈ A.

Observação 7.1 Seja A um anel. Então 1 | a e a | 0, para todo a ∈ A.


Então 1 é o elemento minimal e 0 é o elemento maximal para a relação de
divisibilidade sobre A.

Sejam A um anel e a, b ∈ A. Dizemos que a e b são associados em A, em


símbolos a ∼ b, se a | b e b | a. Dizemos que um divisor a de b é um divisor
próprio de b ou um fator próprio de b se a ∈ / U(A) ou se a não é associado a
b, ou seja, se a ∈
/ U(A) ou se a | b, mas b - a.

Proposição 7.2 Sejam A um anel e a, b, c, u ∈ A.

1. a divide b se, e somente se, (b) ⊆ (a).

2. a e b são associados em A se, e somente se, (a) = (b).

3. Se a divide b e a divide c, então (xb + yc) ⊆ (a), para todos x, y ∈ A.

4. Se a divide b, então (xb) ⊆ (a), para todo x ∈ A.

5. u ∈ U(A) se, e somente se, u divide 1 se, e somente se, (u) = (1) = A.

6. a é um fator próprio de b se, e somente se, (b) ⊂ (a) ⊂ (1).

7. A relação “a é associado de b” é uma relação de equivalência sobre A.

8. Se a = bu, com u ∈ U(A), então a e b são associados. Se A é um


domínio de integridade, então vale a recíproca.

Prova. Vamos provar apenas o item (2). Suponhamos que a e b sejam asso-
ciados. Então existem x, y ∈ A tais que ax = b e by = a. Logo,

(a) = (by) ⊆ (b) e (b) = (ax) ⊆ (a).

Portanto, (a) = (b).


Reciprocamente, suponhamos que (a) = (b). Então a ∈ (b) e b ∈ (a). Logo,
existem x, y ∈ A tais que a = bx e b = ay. Portanto, a | b e b | a, isto é, a e b
são associados. ¥
7.1. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA 425

Observação 7.3 Seja A um anel. Então, pelo item (7) da Proposição 7.2,

[
·
A= a,
a∈A

com
a = {b ∈ A : b ∼ a}.
Neste caso, existe um conjunto minimal de representantes de classes de asso-
ciados P para A, isto é, P satisfaz às seguintes condições:

1. Qualquer elemento de A é associado de um elemento de P .

2. Se p, q ∈ P , com p 6= q, então p não é associado a q.

(O conjunto P é um conjunto escolha). Em particular, se A é um domínio de


integridade, então, pelo item (8) da Proposição 7.2,

a = {ua : u ∈ U(A)} = U(A)a.

Sejam A um anel e
a = a1 · · · an
uma fatoração de um elemento a de A. Dizemos que ela é uma fotoração
própria de a se cada um dos fatores ai for um fator próprio de a em A. Caso
contrário, dizemos que ela é uma fotoração imprópria.

Observação 7.4 Seja A = 2Z o anel dos inteiros pares sem identidade. En-
tão o elemento 2k, com k um número ímpar, não tem fatoração própria e nem
imprópria em A. Enquanto, o elemento 2k, com k um número par, tem fa-
toração própria em A. Portanto, nem todo elemento de um anel admite uma
fatoração própria.

Agora, vamos generalizar o conceito familiar de elemento primo do anel dos


números inteiros Z para um anel qualquer A.
Seja A um anel. Dizemos que c ∈ A é um elemento irredutível em A se as
seguintes condições são satisfeitas:
426 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

1. c ∈ A∗ e c ∈
/ U(A).

2. Se c = ab, então a ∈ U(A) ou b ∈ U(A), isto é, c não tem fatoração


própria.

Caso contrário, dizemos que c é um elemento redutível em A.

Observação 7.5 Note que os elementos −1, 0 e 1 satisfazem à condição (2)


da definição e são chamados de elementos irredutíveis impróprios.

Seja A um anel. Dizemos que p ∈ A é um elemento primo em A se as


seguintes condições são satisfeitas:

1. p ∈ A∗ e p ∈
/ U(A).

2. Se p | ab, então p | a ou p | b ou ambas.

Exemplo 7.6 Seja A = Z o anel dos números inteiros. Mostre que os números
primos p e −p são ambos elementos irredutíveis e primos em A. Note que

0 = {0}, 1 = U(A) = {1, −1} e p = {p, −p}.

Neste caso,
[
· [
·
P = p= {p, −p},
p∈P p∈P

em que P é o conjunto de todos os elementos primos de A. Portanto, um


conjunto minimal de representantes de classes de associados para P é

{2, 3, 5, 7, . . . , p, . . .}.

Observe que p e −p não são elementos irredutíveis em Q. Mais geralmente,


nenhum corpo K possui elementos irredutíveis, pois se a ∈ K e a =
6 0, então
a ∈ U(K). ¥

Exemplo 7.7 Seja A = Z6 o anel dos inteiros módulo 6. Mostre que 2 é


um elemento primo, mas não é um elemento irredutível, pois 2 = 2 · 4, com
7.1. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA 427

2, 4 ∈
/ U(A). Isso ocorre, pois A é um anel comutativo com identidade, mas
possui divisores de zero. Note que

0 = {0}, 1 = U(A) = {1, 5}, 2 = {2, 4} e 3 = {3}.

Portanto,
A
Z6 = 0 ∪ 1 ∪ 2 ∪ 3 e A = = {0, 1, 2, 3}.

Assim, quando A está munido com o produto induzido por A, isto é, a · b = ab,
obtemos a tabela de multiplicação

· 0 1 2 3
0 0 0 0 0
1 0 1 2 3
2 0 2 4 0
3 0 3 0 3
para A. Note que A é isomorfo ao semigrupo multiplicativo de Z2 × Z2 . ¥

Exemplo 7.8 Seja


√ n √ o
A = Z[ 10] = a + b 10 : a, b ∈ Z .

Mostre que 2 é um elemento irredutível, mas não é um elemento primo.

Solução. Note que a função N : A → Z definida como


√ ¯ ¯
N(a + b 10) = ¯a2 − 10b2 ¯

satisfaz as condições:

N (0) = 0 e N (αβ) = N(α)N(β), ∀ α, β ∈ A.

Agora, vamos examinar as condições de divisibilidade em A:


√ √
(c + d 10) | (a + b 10)
428 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

se, e somente se, existem x, y ∈ Z tais que


√ √ √
a + b 10 = (x + y 10)(c + d 10).

Mas, isso é equivalente ao sistema


(
cx + 10dy = a
dx + cy = b

possui solução em Z. Pela Regra de Cramer, o sistema possui solução se, e


somente se,
ac − 10bd bc − ad
∈ Z e ∈ Z.
c2 − 10d2 c2 − 10d2
√ √
Observe que c+d 10 ∈ U(A) se, e somente se, N(c+d 10) = |c2 − 10d2 | = 1.
Como N(2) = 4 temos que 2 ∈ / U(A). Suponhamos que
√ 2c −2d
(c + d 10) | 2 ⇔ ∈Z e 2 ∈ Z.
c2 − 10d2 c − 10d2
Mas, isso ocorre, se e somente se, c ∈ {±1, ±2} e d = 0. Portanto, 2 é um
elemento irredutível em A.
Finalmente, como
√ √
6 = 2 · 3 = (4 + 10)(4 − 10)
√ √ √
temos que 2 divide (4 + 10)(4 − 10), mas 2 não divide 4 + 10 e nem

4 − 10, pois
√ 8 2 1
2 | (4 + 10) ⇔ = 2 ∈ Z e = ∈ Z,
4 4 2
o que é impossível. ¥

Proposição 7.9 Sejam A um anel e c, p ∈ A∗ .

1. p é um elemento primo em A se, e somente se, (p) é um ideal primo em


A.

2. Se A é um domínio de integridade, então c é um elemento irredutível em


A se, e somente se, (c) é um elemento maximal na família F de todos
os ideais principais próprios em A.
7.1. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA 429

3. Se A é um domínio de integridade, então todo elemento primo em A é


um elemento irredutível em A.

4. Se A é um domínio de ideais principais, então p é um elemento primo


em A se, somente se, p é um elemento irredutível em A se, e somente
se, (p) é um ideal maximal em A.

5. Se A é um domínio de integridade, então qualquer associado de um ele-


mento primo em A é um elemento primo em A.

6. Se A é um domínio de integridade, então qualquer associado de um ele-


mento irredutível em A é um elemento irredutível em A.

7. Os único divisores de um elemento irredutível em A são seus associados


e as unidades em A.

Prova. Vamos provar apenas o item (2). Suponhamos que c seja um elemento
irredutível em A. Então (c) 6= A. Seja (d) um elemento de F tal que (c) ⊆
(d) ⊆ A. Então existe x ∈ A tal que c = dx. Logo, por hipótese, x ∈ U(A)
ou d ∈ U(A). Se x ∈ U(A), então, pelos itens (2) e (6) do Proposição 7.2,
(c) = (d). Se d ∈ U(A), então, pelo item (3) do Proposição 7.2, (c) = A.
Portanto, (c) é um elemento maximal na família F.
Reciprocamente, suponhamos que (c) seja um elemento maximal na família
F. Então c 6= 0 e c ∈ / U(A). Se c = ab, então (c) ⊆ (a) e, por hipótese,
(c) = (a) ou (a) = A. Se (a) = A, então a ∈ U(A). Se (c) = (a), então existe
x ∈ A tal que a = cx. Assim,

c = ab ⇒ c = cxb ⇒ 1 = xb ⇒ b ∈ U(A),

pois A é um domínio de integridade. Portanto, c é um elemento irredutível em


A. ¥

Lema 7.10 Seja A um domínio de integridade.

1. Se p é um elemento primo em A e p divide a1 · · · an , onde n ∈ N e os


ai ∈ A, então p divide aj , para algum j = 1, . . . , n.
430 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

2. Se p1 · · · pm = q1 · · · qn , onde m, n ∈ N e os pi , qj são elementos primos


em A, então m = n e existe uma permutação σ de Sn tal que pi = uqσ(i) ,
onde u ∈ U(A).

Prova. (1) Vamos usar indução sobre n. Se n = 1, nada há para ser provado.
Suponhamos que o resultado seja válido para todo k, com 1 ≤ k < n. Como p
é um elemento primo em A e

p | (a1 · · · an−1 )an

temos, por definição, que

p | a1 · · · an−1 ou p | an .

Se p divide an , acabou. Se
p | a1 · · · an−1 ,
então, pela hipótese de indução, p divide aj , para algum j = 1, . . . , n − 1.
(2) Vamos usar indução sobre m + n. Se m + n = 2, então m = n = 1 e
p1 = q1 . Suponhamos que o resultado seja válido para todo k, com 2 ≤ k ≤
m + n, e que

p1 · · · pm pm+1 = q1 · · · qn (ou p1 · · · pm = q1 · · · qn qn+1 ).

Então
pm+1 | q1 · · · qn
Logo, pelo item (1), pm+1 divide qi , para algum i = 1, . . . , n. Assim, existe
x ∈ A tal que qi = pm+1 x. Como qi é um elemento primo em A temos que qi
divide x ou qi divide pm+1 . Se qi divide x, então existe y ∈ A tal que x = qi y,
de modo que

qi = pm+1 x = pm+1 qi y ⇒ pm+1 y = 1 ⇒ pm+1 ∈ U(A),

o que é impossível. Portanto, qi divide pm+1 , isto é, qi = ui pm+1 , para algum


ui ∈ U(A). Logo,

p1 · · · pm = (ui q1 )q2 · · · qi−1 qi+1 · · · qn ,


7.1. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA 431

pois A é um domínio de integridade. Portanto, pela hipótese de indução,


m = n − 1 e existe uma permutação σ de {1, . . . , i − 1, i + 1, . . . , n} sobre
{1, . . . , m} tal que qj = uj pσ(j) , onde uj ∈ U(A). Para completar a prova,
basta definir σ(i) = m + 1. ¥

Observação 7.11 Pelo item (2) do Lema 7.10, qualquer fatoração de um


elemento a de A em fatores primos pode ser escrita de modo único, a menos
da ordem dos fatores, sob a forma

Y
n
a=u pai i
i=1

onde u ∈ U(A), os pi são elementos primos distintos em A e os ai ∈ Z+ .

Lema 7.12 Sejam A um anel de ideais principais e

(a1 ) ⊆ (a2 ) ⊆ · · · ⊆ A

uma cadeia crescente de ideais em A. Então existe n ∈ N tal que

(an ) = (an+1 ) = (an+2 ) = · · ·

Prova. Seja
[
I= (an ).
n∈N

Então é fácil verificar que I é um ideal em A. Assim, por hipótese, existe


a ∈ A tal que I = (a). Como a ∈ I temos que existe n ∈ N tal que a ∈ (an ).
Logo, por definição I = (a) ⊆ (an ). Portanto,

I = (a) ⊆ (an ) ⊆ (an+1 ) ⊆ I,

isto é, (an ) = (an+1 ) = (an+2 ) = · · · . ¥

Seja A um anel. Dizemos que A é um anel de fatoração única se as seguintes


condições são satisfeitas:
432 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

1. Para cada a ∈ A∗ e a ∈ / U(A), existem elementos irredutíveis ci ∈ A,


1 ≤ i ≤ n, e u ∈ U(A) tais que
Y
n
a=u ci .
i=1

2. Dadas duas fatorações em elementos irredutíveis em A,


Y
m Y
n
ci = dj ,
i=1 j=1

então m = n e existe uma permutação σ de Sn tal que ci = udσ(i) , onde


u ∈ U(A), isto é, ci e dσ(i) são associados em A.

Note que quando A for um domínio de integridade e um anel de fatoração


única, dizemos que A é um domínio de fatoração única (DF U ).

Observações 7.13 Seja A um anel qualquer.

1. A condição (1) é equivalente a existência da fatoração. Neste caso, dize-


mos que A é um anel de fatoração. Enquanto, a condição (2) é equiva-
lente a unicidade da fatoração.

2. Sejam p um número primo e A = Zpn , onde n ∈ N e n ≥ 2. Então A é


um anel de fatoração única, mas não é um domínio de fatoração única.

3. O monoide A∗ é, pela condição (1), gerado pelas unidades e os elementos


irredutíveis em A.

Proposição 7.14 (Critério de Fatoração) Seja A um domínio de integri-


dade. Então as seguintes condições são equivalentes:

1. A é um domínio de fatoração;

2. Se
(a1 ) ⊆ (a2 ) ⊆ · · · ⊆ A
é uma cadeia crescente de ideais em A. Então existe n ∈ N tal que

(an ) = (an+1 ) = (an+2 ) = · · ·


7.1. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA 433

Prova. (1 ⇒ 2) Suponhamos, por absurdo, que exista uma cadeia de ideais

(a1 ) ⊂ (a2 ) ⊂ · · · ⊂ A

estritamente crescente. Então (an ) ⊂ (1) = A, para todo n ∈ N, pois

(an ) ⊂ (an+1 ) ⊂ (1) = A.

Como (an ) ⊂ (an+1 ) temos que an+1 é um fator próprio de an , digamos

an = an+1 bn+1 ,

onde an+1 , bn+1 ∈


/ U(A). Assim,

a1 = a2 b2 = a3 b3 b2 = a4 b4 b3 b2 = · · ·

Portanto, o processo de fatoração de a1 não termina após um número finito de


passos, o que é uma contradição.
(2 ⇒ 1) Suponhamos que a ∈ A∗ e a ∈ / U(A). Se a é irredutível, nada
há para ser provado. Caso contrário, existem a1 , a2 ∈ A − U(A) tais que
a = a1 a2 . Se a1 e a2 são irredutíveis acabou. Caso contrário, pelo menos um
deles é redutível, digamos a1 . Assim, existem a11 , a12 ∈ A − U(A) tais que
a1 = a11 a12 , e assim por diante.
Agora, vamos provar que esse processo termina. Como a = a1 a2 temos que

(a) ⊂ (a1 ) ⊂ (1) = A.

Pela fatoração de a1 , obtemos

(a) ⊂ (a1 ) ⊂ (a11 ) ⊂ (1) = A.

Assim, se esse processo não terminar, então obtemos uma sequência estrita-
mente crescente de ideais

(a) ⊂ (a1 ) ⊂ (a11 ) ⊂ · · · ⊂ (1) = A,

o que é impossível. Portanto, A é um domínio de fatoração. ¥


434 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Teorema 7.15 Qualquer domínio de ideais principais A é um domínio de


fatoração única.

Prova. (Existência) Sejam


( n )
Y
I(A) = ci : n ∈ N e ci elementos irredutíveis em A
i=1
e
F = {a ∈ A∗ : a ∈
/ U(A) e a ∈
/ I(A)}
Afirmação. F = ∅.
De fato, suponhamos, por absurdo, que F 6= ∅. Então, por hipótese, existe
a ∈ F tal que (a) ⊂ A. Logo, pelo Teorema de Krull, (a) está contido em
um ideal maximal (c) em A. Assim, pelo item (2) da Proposição 7.9, c é um
elemento irredutível em A. Então o conjunto

Sc = {a ∈ F : (a) ⊆ (c)}

é não vazio. Assim, podemos escolher a1 ∈ Sc tal que (a1 ) ⊆ (c), isto é,
a1 = ca2 , para um único a2 ∈ A∗ , pois A é um domínio de integridade. Agora,
vamos provar que a2 ∈ F. Suponhamos, por absurdo, que a2 ∈ / F. Então
temos duas possiblidades:
1.o Possibilidade. Se a2 ∈ U(A), então pelo item (6) da Proposição 7.9,
a1 ∈ I(A), o que é uma contradição, pois a1 ∈ F.
2.o Possibilidade. Se a2 ∈ / U(A), então a2 ∈ I(A). Logo, a1 ∈ I(A), o
que é uma contradição, pois a1 ∈ F.
Finalmente, indutivamente, obtemos an+1 ∈ F tal que (an ) ⊆ (an+1 ), para
todo n ∈ N. Então é fácil verificar que a cadeia de ideais

(a1 ) ⊂ (a2 ) ⊂ · · · ⊂ (an ) ⊂ · · ·

é estritamente crescente, o que contradiz o Lema 7.12.


(Unicidade) Segue do item (2) do Lema 7.12. ¥

Proposição 7.16 Seja A um domínio de fatoração. Então A é um domínio


de fatoração única se, e somente se, qualquer elemento irredutível em A é
primo.
7.1. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA 435

Prova. Suponhamos que A seja um domínio de fatoração única e p um ele-


mento irredutível em A. Dados a, b ∈ A, se p | ab, então existe c ∈ A tal que
ab = pc. Sejam

Y
k Y
m Y
n
a=u ai , b = v bi e c = w ci
i=1 i=1 i=1

as fatorações em fatores irredutiveis em A de a, b e c, respectivamente. Então,


pela condição (2), k + m = n + 1 e existe uma permutação σ de Sn+1 tal que
p = zaσ(i) ou p = zbσ(i) , onde z ∈ U(A). Portanto, p | a ou p | b, isto é, p é um
elemento primo em A.
A recíproca, segue do item (2) do Lema 7.12. ¥

Observação 7.17 A Proposição 7.16 é um critério muito útil para provar que
um determinado anel é anel de fatoração única.

Exemplo 7.18 Sejam A um anel de fatoração única e S um sistema multi-


plicativo de A. Mostre que S −1 A é anel de fatoração única.

Solução. Vamos provar primeiro se p é um elemento irredutível em A, então


p
1
é um elemento irredutível em S −1 A. De fato, se
p a b a b
= · , onde , ∈/ U(S −1 A),
1 s t s t
então pst = ab. Logo, p divide a ou p divide b, pois p é um elemento primo.
Se p divide a, então existe x ∈ A tal que a = px. Assim,
p a b x b b
= · ⇒ 1 = · ⇒ ∈ U(S −1 A),
1 s t s t t
o que é uma contradição. Agora, se

Yk µ ¶Y k ³ ´
a −1 a 1 pi
∈S A e a=u pi , então = u ,
s i=1
s s i=1 1

ou seja, S −1 A possui uma fatoração.


Finalmente, se ps ∈ S −1 A é um elemento irredutível, então p é um elemento
irredutível em A. Logo, p é um elemento primo em A.
436 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Afirmação. p1 é um elemento primo em S −1 A.


De fato, se p1 divide ar · bt , então existe uc ∈ S −1 A tal que

a b p c
· = · ⇒ abu = cprt.
r t 1 u
Assim, p divide a ou p divide b ou p divide u. Se p divide u, então existe x ∈ A
tal que u = px. Logo,
p x u p
· = ⇒ ∈ U(S −1 A),
s 1 s s
p a
o que é uma contradição. Portanto, p divide a ou p divide b, isto é, 1
divide r
ou p divide bt . ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam A um anel comutativo com identidade e

A = {a : a ∈ A} = U(A)a.

(a) Mostre que A com a operação binária induzida por A

a · b = ab

é um semigrupo.
(b) Mostre que A é um corpo se, e somente se, A contém exatamente
dois elementos.

2. Sejam A um anel comutativo com identidade e a, e ∈ A, com e2 = e.

(a) Mostre que se (a) = (e), então a e e são associados.


(b) Mostre que se am e e são associados, para algum m ∈ Z+ , então an
e e são associados, para todo n, com n ≥ m.

(Sugestão: (a) Tome a = (1 − e + a)e.)


7.1. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA 437

3. Sejam A1 , . . . , An aneis de ideais principais. Mostre que A = A1 ⊕· · ·⊕An


é um anel de ideais principais.

4. Sejam A um anel, P um conjunto minimal de representantes dos elemen-


(P )
tos irredutíveis em A e Z+ o conjunto de todas as famílias (np )p∈P tal
que np = 0 para todos exceto um número finito de p em P . Mostre que A
(P )
é um anel de fatoração única se, e somente se, a função f : U(A)×Z+ →
A∗ definida por
Y
f (u, (np )p∈P ) = u pnp
p∈P

é bijetora. Em particular, se A é um domínio de fatoração única, então f


pode ser estendida de modo único para os elementos não nulos do corpo
quociente de A.

5. Sejam A um anel e S um sistema multiplicativo de A.

(a) Mostre que se A é um anel de fatoração única, então S −1 A é um


anel de fatoração única.
(b) Mostre que se A é um anel de ideais principais, então S −1 A é um
anel de ideais principais.
(c) Mostre que se
(r1 ) ⊆ (r2 ) ⊆ · · · ⊆ S −1 A

é uma cadeia crescente de ideais em S −1 A. Então existe n ∈ N tal


que
(rn ) = (rn+1 ) = (rn+2 ) = · · ·

6. Sejam A um anel de fatoração única, a ∈ A∗ e p um elemento primo em


A. Mostre que existe um único np ∈ Z+ tal que pnp | a mas pnp +1 - a.
(Sugestão: Suponha, por absurdo, que o resultado seja falso. Então,
para um n = np ∈ Z+ fixado, existe bn ∈ A tal que a = pn bn . Logo,
bn = pbn+1 , pois a = pn+1 bn+1 , de modo que

(b0 ) ⊂ (b1 ) ⊂ (b2 ) ⊂ · · ·


438 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

é uma cadeia estritamente crescente de ideais em A, o que é uma con-


tradição.)

7. Sejam A um anel de fatoração única, a ∈ A e p um elemento primo em


A. A multiplicidade de p em a, em símbolos vp (a), é o único elemento
np ∈ Z+ tal que
pnp | a mas pnp +1 - a,
com vp (a) = ∞ se a = 0. Quando vp (a) = 1 (vp (a) > 1), dizemos que p
é um fator simples (múltiplo) do elemento a. Neste caso, obtemos uma
função vp : A → Z+ ∪ {∞}.

(a) Mostre que vp (a) = 0 se, e somente se, p não divide a.


(b) Mostre que se u ∈ U(A), então vp (u) = 0.
(c) Mostre que vp (ab) = vp (a) + vp (b), para todos a, b ∈ A.
(d) Mostre que vp (a + b) ≥ min{vp (a), vp (b)}, para todos a, b ∈ A. Em
particular, vale a igualdade se vp (a) 6= vp (b).

8. Sejam A um domínio de fatoração única e K seu corpo quociente. Mostre


que a função vp : A → Z+ ∪ {∞} pode ser estendida de modo único para
K, ³a´
ωp = vp (a) − vp (b).
b
Além disso:

(a) Mostre que ωp (xy) = ω p (x) + ω p (y), para todos x, y ∈ K.


(b) Mostre que ωp (x + y) ≥ min{ω p (x), ω p (y)}, para todos x, y ∈ K.
(c) Mostre que qualquer elemento x ∈ K ∗ pode ser escrito sob a forma
Y
x=u pωp (x) ,
p∈P

onde P um conjunto minimal de representantes dos elementos pri-


mos em A, u ∈ U(A) e ωp (x) = 0, para todos exceto um número
finito de p ∈ P .
7.1. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA 439

(d) Mostre que se x ∈ K, então x ∈ A se, e somente se, ωp (x) ≥ 0, para


todo p ∈ P .
(e) Mostre que se a, b ∈ A, então a divide b se, e somente se, ωp (a) ≤
ωp (b), para todo p ∈ P .

9. Sejam A um domínio de ideais principais. Mostre que a ∈ A possui uma


raiz quadrada em A se, e somente se, vp (a) é um número par, para todo
elemento primo p em A.

10. Seja A um domínio de integridade. Mostre que as seguintes condições


são equivalentes:

(a) A é um domínio de fatoração única;


(b) Qualquer ideal primo não trivial em A contém um elemento primo;
(c) Qualquer elemento a ∈ A∗ , onde a ∈
/ U(A), pode ser escrito como
um produto de elementos primos.

(Sugestão: (b ⇒ c) Seja
( n )
Y
P(A) = pi : n ∈ N e pi elementos primos em A .
i=1

Suponha, por absurdo, que exista a ∈ A∗ , onde a ∈ / U(A), tal que


a∈/ P(A). Então mostre que (a) ∩ P(A) = ∅. Agora, cf. o Exercício 37
da Seção 4.4 do Capítulo 4.)

11. Sejam A um domínio de fatoração única e d ∈ A∗ . Mostre que existe


somente um número finito de ideais principais distintos que contém o
ideal (d).

12. Seja A um domínio de ideais principais. Mostre que todo ideal não trivial
em A é o produto de um número finito de ideais primos.

13. Seja A um domínio de fatoração. Mostre que A é um domínio de fa-


toração única se, e somente se, a interseção de quaisquer dois ideais
principais em A é um ideal principal em A.
440 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

14. Seja A um domínio de fatoração única com a seguinte propriedade: O


ideal (p) é maximal para cada elemento primo em A. Mostre que A é
um domínio de ideais principais.

15. Seja A um domínio de fatoração com a seguinte propriedade: Qualquer


ideal gerado por dois elementos é principal. Mostre que A é um domínio
de ideais principais. (Sugestão: Para um elemento irredutível p em A
fixado. Se p | ab e p - a, então I = (a, p) é um ideal principal em A
contendo (p). Logo, pelo item (2) da Proposição 7.9, (a, p) = A. Assim,
existem x, y ∈ A tais que 1 = ax + py. Portanto,

b = b · 1 = abx + bpy ⇒ p | b,

isto é, p é um elemento primo em A. Logo, A é um domínio de fa-


toração única. Agora, sejam P um conjunto minimal de representantes
dos elementos primos em A e J um ideal em A, com J 6= {0}. Então
escolha
Y X
a=u pnp ∈ J tal que np
p∈P p∈P

seja mínima. Agora, mostre que J = (a).)

7.2 Máximo Divisor Comum


Desde o ensino fundamental sabemos que em Z é definido a noção do maior
divisor comum de vários números. Por exemplo,

mdc(12, 30) = 6,

pois os divisores de 12 são

±1, ±2, ±3, ±4, ±6, ±12,

enquanto os divisores de 30 são

±1, ±2, ±3, ±5, ±6, ±10, ±15, ±30.


7.2. MÁXIMO DIVISOR COMUM 441

Logo, os divisores positivos comuns são 1, 2, 3 e 6, sendo 6 é o maior desses


divisores comuns. Além disso, 6 é divisível por todos os outros.
Note que a palavra “maior” só tem significado em aneis que possuam uma
ordenação de seus elementos. Nesta seção vamos caracterizar o maior divisor
comum sem nos referir a ordenação de elementos.

Definição 7.19 Sejam A um anel e a1 , . . . , an ∈ A. Um elemento d em A


é um maior divisor comum de a1 , . . . , an , em símbolos mdc(a1 , . . . , an ), se as
seguintes condições são satisfeitas:

1. d | ai , i = 1, . . . n.

2. Se c | ai , i = 1, . . . , n, então c | d.

Observação 7.20 Sejam A um anel e a1 , . . . , an ∈ A.

1. A condição (1) diz que d é um divisor comum de a1 , . . . , an Enquanto, a


condição (2) diz que d é um maior divisor comum de a1 , . . . , an .

2. Quaisquer dois maiores divisores comuns de a1 , . . . , an , se existirem, são


associados. De fato, se d = mdc(a1 , . . . , an ), então ud = mdc(a1 , . . . , an ),
para todo u ∈ U(A), pois como d | ai , i = 1, . . . , n, temos que existem
xi ∈ A tais que ai = xi d. Logo,

ai = (xi u−1 )ud ⇒ ud | ai , i = 1, . . . , n.

Por outro lado, Se c | ai , i = 1, . . . , n, então c | d. Logo, existe x ∈ A tal


que d = xc. Assim,

ud = u(xc) = (ux)c ⇒ c | ud.

3. Note que dois elementos em A, não necessariamente, têm um maior


divisor comum, por exemplo, se A = 2Z é o anel dos inteiros pares,
então o elemento 6 não tem divisores em todo A. Assim, o mdc(6, 12)
não existe. Isso ocorre, pois A é um anel sem identidade.
442 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Lema 7.21 Sejam A um domínio de fatoração única e a, b ∈ A∗ . Seja


Y
n
b=u pbi i
i=1

a fatoração em fatores primos distintos em A de b, onde bi ∈ Z+ . Então a


divide b se, e somente se, existe v ∈ U(A) e ai ∈ Z+ tais que
Y
n
a=v pai i , com 0 ≤ ai ≤ bi , i = 1, . . . , n.
i=1

Prova. Como todo divisor irredutível de b é associado a algum pi temos que


qualquer divisor irredutível de a é também divisor irredutível de b. Logo, existe
v ∈ U(A) e ai ∈ Z+ tais que
Y
n
a=v pai i .
i=1
a
Agora, se aj > bj , para algum j = 1, . . . , n, então pj j divide b, pois a | b.
Assim, ¯Ãj−1 ! à n !
¯ Y Y
aj −bj aj −bj ¯
pj | pj e pj ¯ pbi i · pbi i ,
¯
i=1 i=j+1
pois
b
Y
n
a b a −b
Y
n
a −bj
upjj pbi i =b= xpj j = xpjj pj j j ⇒ pbi i = (u−1 x)pj j .
i=1,i6=j i=1,i6=j

Logo, ¯Ãj−1 ! à n !
¯ Y Y
¯
pj ¯ pbi i · pbi i
¯
i=1 i=j+1

e pelo item (1) do Lema 7.12, pj divide pi , para algum


i ∈ {1, . . . , j − 1, j + 1, . . . n},
o que é impossível.
Reciprocamente, como ai ≤ bi , i = 1, . . . , n, temos que
à !
Yn Y
n
¡ ¢ Y
n Y
n
b=u pbi i = u pai i pbi i −ai = v pai i uv −1 pbi i −ai = ax.
i=1 i=1 i=1 i=1

Portanto, a divide b. ¥
7.2. MÁXIMO DIVISOR COMUM 443

Teorema 7.22 Sejam A um anel e a1 , . . . , an ∈ A.

1. Seja d = mdc(a1 , . . . , an ). Então existem xi ∈ A tais que

d = a1 x1 + · · · + an xn

se, e somente se,


(d) = (a1 ) + · · · + (an ).

2. Se A é um anel de ideais principais, então um maior divisor comum de


a1 , . . . , an existe e qualquer um deles pode ser escrito sob a forma

d = a1 x1 + · · · + an xn ,

onde xi ∈ A.

3. Se A é um domínio de fatoração única, então um maior divisor comum


de a1 , . . . , an sempre existe.

Prova. (1) Suponhamos que d = mdc(a1 , . . . , an ) e existam xi ∈ A tais que

d = a1 x1 + · · · + an xn .

Então (ai ) ⊆ (d), para cada i = 1, . . . , n, pois d | ai . Logo,

(a1 ) + · · · + (an ) ⊆ (d).

Por outro lado, se b ∈ (d), então existe y ∈ A tal que b = dy. Logo,

b = a1 (x1 y) + · · · + an (xn y) ∈ (a1 ) + · · · + (an ).

Portanto,
(d) = (a1 ) + · · · + (an ).

A recíproca é clara.
(2) O conjunto
I = (a1 ) + · · · + (an )
444 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

é um ideal de A. Assim, por hipótese, existe d ∈ A tal que I = (d). Portanto,


pelo item (1),
d = mdc(a1 , . . . , an ).

(3) Sejam
Y
n Y
n
a1 = u1 pdi i1 , . . . , an = un pdi in
i=1 i=1

as fatorações em fatores primos distintos em A de a1 , . . . , an , onde dij ∈ Z+ .


Seja
dj = min{d1j , . . . , dnj }, j = 1, . . . , n.

Afirmação. d = pd11 · · · pdnn = mdc(a1 , . . . , an ).


De fato, é claro que d | ai , i = 1, . . . n. Agora, se c | ai , i = 1, . . . , n, então

Y
n
c= pci i , com 0 ≤ ci ≤ dij , i, j = 1, . . . , n, ⇒ 0 ≤ ci ≤ dj .
i=1

Portanto, c | d. ¥

Exemplo 7.23 Seja


√ n √ o
A = Z[ 10] = a + b 10 : a, b ∈ Z .

Mostre que os elemento 6 e 8 + 2 10 não possuem um maior divisor comum
em A. Em particular, A não é um domínio de ideais principais.

Solução. Suponhamos, por absurdo, que exista d = a + b 10 ∈ A tal que

d = mdc(6, 8 + 2 10).

Então
6a −6b
d|6⇔ ∈Z e 2 ∈ Z.
a2 − 10b2 a − 10b2
Mas, isso ocorre, se e somente se, a ∈ {±1, ±2, ±3, ±6} e b = 0. Agora,
√ 8a − 20b 2a − 8b
d | (8 + 2 10) ⇔ 2 2
∈Z e 2 ∈ Z.
a − 10b a − 10b2
7.2. MÁXIMO DIVISOR COMUM 445

Mas, isso ocorre, se e somente se, a ∈ {±1, ±2} e b = 0. Logo, d ∈ {±1, ±2}.
É fácil ver que nenhum deles é divisível por todos os outros, o que é uma
contradição. ¥

Sejam A um anel e a1 , . . . , an ∈ A∗ . Dizemos que a1 , . . . , an são relativa-


mente primos ou primos entre si se

mdc(a1 , . . . , an ) = 1.

Proposição 7.24 (Identidade de Bezout) Sejam A um domínio de ideais


principais e a1 , . . . , an ∈ A∗ . Então a1 , . . . , an são relativamente primos se, e
somente se, existem x1 , . . . , xn ∈ A tais que

a1 x1 + · · · + an xn = 1.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Definição 7.25 Sejam A um anel e a1 , . . . , an ∈ A. Um elemento m em A é


um menor múltiplo comum de a1 , . . . , an , em símbolos mmc(a1 , . . . , an ), se as
seguintes condições são satisfeitas:

1. ai | m, i = 1, . . . n.

2. Se ai | c, i = 1, . . . , n, então m | c.

Observação 7.26 Sejam A um anel e a1 , . . . , an ∈ A.

1. A condição (1) diz que m é um multiplo comum de a1 , . . . , an Enquanto,


a condição (2) diz que m é um menor múltiplo comum de a1 , . . . , an .

2. Quaisquer dois menores múltiplos comuns de a1 , . . . , an , se existirem, são


associados.

Teorema 7.27 Sejam A um anel e a1 , . . . , an ∈ A.

1. Então m = mmc(a1 , . . . , an ) se, e somente se, (m) = (a1 ) ∩ · · · ∩ (an ).


446 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

2. Se m = mmc(a1 , . . . , an ) existe, então mmc(ca1 , . . . , can ) existe para todo


c ∈ A∗ e mmc(ca1 , . . . , can ) = cm.

3. Se A é um domínio de fatoração única, então um menor múltiplo comum


de a1 , . . . , an sempre existe.

Prova. Vamos provar apenas o item (3). Sejam

Y
n Y
n
a1 = u1 pdi i1 , . . . , an = un pdi in
i=1 i=1

as fatorações em fatores primos distintos em A de a1 , . . . , an , onde dij ∈ Z+ .


Seja
dj = max{d1j , . . . , dnj }, j = 1, . . . , n.

Afirmação. m = pd11 · · · pdnn = mmc(a1 , . . . , an ).


De fato, é claro que ai | m, i = 1, . . . n. Agora, se ai | c, i = 1, . . . , n, então

Y
n
c= pci i , com 0 ≤ dij ≤ ci , i, j = 1, . . . , n, ⇒ 0 ≤ dj ≤ ci .
i=1

Portanto, m | c. ¥

Exemplo 7.28 Seja


√ n √ o
A = Z[ 10] = a + b 10 : a, b ∈ Z .

Mostre que os elemento 6 e 8 + 2 10 não possuem um menor múltiplo comum
em A.

Solução. Suponhamos, por absurdo, que exista m = a + b 10 ∈ A tal que

m = mdc(6, 8 + 2 10).

Então

6 | m ⇒ 36 | (a2 − 10b2 ) e (8 + 2 10) | m ⇒ 24 | a2 − 10b2 ,
7.2. MÁXIMO DIVISOR COMUM 447
√ √
pois 6 | m∗ e (8 + 2 10) | m∗ , com m∗ = a − b 10 e m · m∗ = a2 − 10b2 .
Assim,
12 | (a2 − 10b2 ).

Por outro lado, como m divide qualquer múltiplo de 6 e 8 + 2 10 temos, por

exemplo, que m divide 12 e 6(4 + 10), respectivamente. Logo,

m | 12 ⇒ a2 − 10b2 | 144 e m | 6(4 + 10) ⇒ a2 − 10b2 | 216.

Assim,
(a2 − 10b2 ) | 72.
Portanto, a2 − 10b2 = 12, 24, 36 ou 72. Logo,

(a, b) ∈ {(±2, ±2), (±8, ±2), (±6, 0)}.



Note que 6 não divide 8 + 2 10, caso contrário,
48 12 1
=4∈Z e = ∈ Z,
36 36 3
√ √
o que é impossível. Assim, 2 ± 2 10 e 8 ± 2 10 não são divisíveis por 6, o que
é uma contradição. ¥

Teorema 7.29 Sejam A um domínio de integridade e

a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn ∈ A∗ .

Se mmc(a1 , . . . , an ) existe, então mdc(b1 , . . . , bn ) existe e

c = mmc(a1 , . . . , an ) · mdc(b1 , . . . , bn ),

com a1 b1 = · · · = an bn = c 6= 0. Em particular, se a, b ∈ A∗ e mmc(a, b) existe,


então mdc(a, b) existe e

ab ∼ mmc(a, b) · mdc(a, b).

Prova. Seja m = mmc(a1 , . . . , an ). Então devemos provar que

d = mdc(b1 , . . . , bn )
448 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

existe e c = md. Como ai | m e c = ai bi temos que

c | bi m, i = 1, . . . , n.

Por outro lado, se f ∈ A∗ e

f | bi m, i = 1, . . . , n,

então
f ai | ai bi m, isto é fai | mc, i = 1, . . . , n.
Assim, pelo item (2) do Teorema 7.22, obtemos

mmc(f a1 , . . . , fan ) = fm.

Logo, fm | mc. Portanto, f | c, pois A é um domínio de integridade. Assim,

c = mdc(mb1 , . . . , mbn ) = m · mdc(b1 , . . . , bn ),

que é o resultado desejado. ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam A um domínio de integridade e a1 , . . . , an ∈ A∗ . Mostre que se


m1 = mmc(a1 , . . . , an−1 ) e m = mmc(m1 , an ), então

m = mmc(a1 , . . . , an ).

2. Sejam A um domínio de integridade e a1 , . . . , an ∈ A∗ .

(a) Se d = mdc(a1 , . . . , an ), então


a1 an
,...,
d d
são relativamente primos.
7.2. MÁXIMO DIVISOR COMUM 449

(b) Se d = mdc(a1 , . . . , an ) e c ∈ A∗ , então cd = mdc(ca1 , . . . , can ).


(c) Se m = mmc(a1 , . . . , an ) e c ∈ A∗ , então cm = mmc(ca1 , . . . , can ).
√ √
3. Seja A = Z[ 10]. Mostre que um maior divisor comum de 3 e 4 − 10
existe, mas um menor múltiplo comum não. (Sugestão: Uso o Teorema
7.29.)

4. Sejam A um domínio de integridade, a1 , . . . , an ∈ A∗ e

b
ai = a1 · · · ai−1 ai+1 · · · an .

Mostre que

a1 , . . . , b
mdc(a1 , . . . , an ) · mmc(b an ) ∼ a1 · · · an e
a1 , . . . , b
mmc(a1 , . . . , an ) · mdc(b an ) ∼ a1 · · · an .

5. Seja
√ © √ ª
A = Z[ −5] = a + b −5 : a, b ∈ Z
o subanel do corpo dos números complexos C.
√ √
(a) Mostre que 2, 3, 2 + −5 e 2 − −5 são elementos irredutíveis em
A, mas não são elementos primos em A.

(b) Mostre que os elementos 9 e 6 + 3 −5 não possuem um maior
divisor comum e nem um menor múltiplo comum.

(c) Mostre que um maior divisor comum de 3 e 2 + −5 existe, mas
um menor múltiplo comum não.
(d) Mostre que A não é um domínio de fatoração única.

6. Sejam A qualquer domínio de integridade e a, b ∈ A∗ . Mostre, com um


exemplo, que o mdc(a, b) e o ideal I = (a, b) podem ser diferentes.

7. Sejam A um domínio de fatoração única e a, b, c ∈ A∗ .

(a) Mostre que se c | ab e mdc(a, c) = 1, então c | b.


450 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

(b) Mostre que se mdc(a, b) = 1, a | c e b | c, então ab | c. Além disso,


se ax = by, então a | y e b | x.

8. Sejam B um domínio de integridade e A um subdomínio de ideais princi-


pais de B. Mostre que se a, b ∈ A∗ e d = mdc(a, b), então d = mdc(a, b)
em B.

9. Sejam A domínio de ideais principais e a, b ∈ A∗ . Mostre que se

mdc(a, b) = 1 e ab = c2 ,

para algum c ∈ A, então a e b são quadrados.

10. Sejam A um domínio de fatoração única e a, b ∈ A∗ . Mostre que se


mdc(a, b) = 1 e ab = cn , para algum c ∈ A, então existe u ∈ U(A) tal
que ua e u−1 b são potências n-ésimas em A.

7.3 Aneis Euclidianos


Nesta seção apresentaremos o conceito de “anel Euclidiano”, o qual é anál-
ogo ao conceito do algoritmo de Euclides no anel dos números inteiros Z.
Seja A um anel. Uma norma em A é qualquer função N : A → Z+ tal que
N(0) = 0. Por exemplo, sejam A um anel e a, b, n ∈ A, com n 6= 0, dizemos
que a ≡ b (mod n) ou que n divide b − a se b − a ∈ (n). Assim,
¯ ¯
¯A¯
N(n) = ¯¯ ¯
(n) ¯

é uma norma em A. Em particualr, se A = Z, então N(n) = |n| e se A é um


corpo, então N(n) = 1.

Teorema 7.30 (Norma de Dedekind-Hasse) Seja A um domínio de inte-


gridade. Então A é um domínio de ideais principais se, e somente se, existir
uma norma N em A tal que as seguintes condições são satisfeitas:

1. Se a | b, então N(a) ≤ N(b).


7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 451

2. Se a | b e N(a) = N(b), então b | a.

3. Se a - b e b - a, então existem x, y ∈ A∗ tais que ax + by 6= 0 e

N(ax + by) < min{N(a), N(b)}.

Prova. Suponhamos que A seja um domínio de ideais principais. Seja P


um conjunto minimal de representantes dos elementos primos em A Então
qualquer elemento a ∈ A∗ pode ser escrito de modo único sob a forma
Y
a=u pnp ,
p∈P

onde u ∈ U(A), np ∈ Z+ e np = 0, para todos exceto um número finito de


primos p ∈ P . Assim, a função N : A → Z+ definida por

⎨ 0, se a = 0
N(a) = (
S
np)
Q np
⎩ 2 p∈P , se a = u p
p∈P

está bem definida. Primeiro note que N(a) = 1 se, e somente se, a ∈ U(A)
e que N(ab) = N(a)N(b), para todos a, b ∈ A. Em particular, se c é um
divisor próprio de a, então N(c) < N(a). É claro que N satisfaz (1) e (2).
Agora, para provar (3), sejam a, b ∈ A∗ . Então, pelo item (2) do Teorema
7.22, d = mdc(a, b) existe e existem x, y ∈ A∗ tais que

d = ax + by 6= 0.

Se a - b, então d é um divisor próprio de b. Logo, pelo item (1), N(d) <


N(b), isto é, N(ax + by) < N(b). Se b - a, então de modo análogo, obtemos
N(ax + by) < N(a). Portanto,

N(ax + by) < min{N(a), N(b)}.

Reciprocamente, seja I um ideal em A. Se I 6= {0}, então existe b ∈ I tal


que b 6= 0. Assim, o conjunto

S = {N(a) : a ∈ I} ⊆ Z+
452 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

é não vazio. Logo, pelo Princípio da Boa Ordenação, S contém um menor


elemento, digamos k ∈ S. Seja d ∈ I tal que N(d) = k.
Afirmação. I = (d).
De fato, suponhamos, por absurdo, que (d) ⊂ I. Então existe b ∈ I tal que
b∈/ (d). Assim, d - b. Pela condição (3), existem x, y ∈ A∗ tais que dx + by 6= 0
e N(dx + by) < N(d), o que é uma contradição, pois dx + by ∈ I − {0}. ¥

Seja A um anel. Dizemos que A é um anel Euclidiano se existir uma norma


N em A tal que as seguintes condições são satisfeitas:

1. N(a) ≤ N(ab), para todos a, b ∈ A∗ ou, equivalentemente, se a divide b,


então N(a) ≤ N(b).

2. Para todos a, b ∈ A, com b 6= 0, existem q, r ∈ A tais que

a = qb + r, com r = 0 ou N(r) < N(b).

Na forma matricial
" # " #" #
a q 1 b
= , com r = 0 ou N(r) < N(b).
b 1 0 r

Observação 7.31 Sejam A um anel e a, b ∈ A, com b 6= 0.

1. Os elementos q e r são chamados o “ quociente” e o “ resto” da divisão


de a por b.

2. Se A é um anel Euclidiano e A é um domínio de integridade, dizemos


que A é um domínio Euclidiano (DE).

Exemplo 7.32 Qualquer corpo F é um domínio Euclidiano.

Solução. A função N : F → Z+ definida por N(a) = 0, para todo a ∈ F , é


claramente uma norma. Para todos a, b ∈ F , com b 6= 0, existem q = ab−1 e
r = 0 elementos de F tais que

a = qb + r, com r = 0 ou N(r) < N(b),

que é o resultado desejado. ¥


7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 453

Lema 7.33 Seja A um anel Euclidiano com norma N.

1. N(a) ≥ N(1), para todo a ∈ A∗ .

2. Dados a, b ∈ A∗ , se existir u ∈ U(A) tal que b = ua, então N(a) = N(b).


Em particular, N(−a) = N(a).

3. Se N(a) = N(b) e a | b, então a é associado a b.

4. u ∈ U(A) se, e somente se, N(u) = N(1) = m, com m o menor elemento


do conjunto
N (A∗ ) = {N(a) : a ∈ A∗ } ⊆ Z+ .

Prova. Vamos provar apenas os itens (3) e (4): (3) Suponhamos que N(a) =
N(b) e a | b. Então existe x ∈ A tal que b = ax. Por outro lado, existem
q, r ∈ A tais que

a = qb + r, com r = 0 e N(r) < N(b).

Se r 6= 0, então

N(a) ≤ N(a(1 − qx)) = N(a − qb) = N (r) < N(b),

o que é impossível. Portanto, a é associado a b.


(4) Se u ∈ U(A), então existe v ∈ A tal que uv = 1. Logo,

N(u) ≤ N(uv) = N(1) ≤ N(u).

Assim, N(u) = N(1). Como N (A∗ ) 6= ∅ temos, pelo Princípio da Boa Orde-
nação, que N (A∗ ) contém um menor elemento, digamos m ∈ N (A∗ ). Logo,
pelo item (1), N(1) = m.
Reciprocamente, suponhamos que a ∈ A∗ é tal que N(a) = N(1). Então,
pelo item (3), a é associado a 1. Portanto, a ∈ U(A). ¥

Exemplo 7.34 Seja d um inteiro livre de quadrados. Mostre que o domínio


√ n √ o
A = Z[ d] = a + b d : a, b ∈ Z

é um domínio de fatoração.
454 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Solução. Sejam F o conjunto de todos os α ∈ A∗ − U(A) tal que α não possui


uma fatoração em fatores irreduíveis em A e N : A → Z+ definida por
¯ ¯
N(α) = |αα∗ | = ¯a2 − db2 ¯ ,

com α∗ = a − b d o conjugado de α, uma norma em A.
Afirmação. F = ∅.
De fato, se F 6= ∅, então o conjunto

S = {N(α) : α ∈ F} ⊆ N

é não vazio. Assim, pelo Princípio da Boa Ordenação, S contém um menor


elemento, digamos k ∈ S. Seja α0 ∈ F tal que k = N(α0 ). Então

N(α0 ) ≤ N(α), ∀ α ∈ F.

Como α0 ∈ F temos que α0 não é um elemento irredutível em A. Logo, existem


α, β ∈ A∗ − U(A) tais que
α0 = αβ.
Note que α ∈ F ou β ∈ F, digamos α ∈ F. Assim,

1 < N(β) ⇒ 1 < N(α) < N(α)N(β) = N(αβ) = N(α0 ),

o que contradiz a minimalidade de N(α0 ). Portanto, A é um domínio de


fatoração. ¥

Lema 7.35 Seja A um anel Euclidiano com norma N. Então q e r na


condição (2) da definição são únicos se, e somente se,

N(a + b) ≤ max{N(a), N(b)}.

Prova. Suponhamos que existam a, b ∈ A∗ tais que

N(a + b) > max{N(a), N(b)}.

Então
a = 0(a + b) + a e a = 1(a + b) + (−b),
7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 455

com
N(a) < N(a + b) e N(−b) = N(b) < N(a + b).
Logo, o quociente e o resto não são únicos.
Reciprocamente, suponhamos que existam q, q1 , r, r1 ∈ A tais que

a = qb + r, com r = 0 ou N(r) < N(b)

e
a = q1 b + r1 , com r1 = 0 ou N (r1 ) < N (b).
Então
r − r1 = (q1 − q)b.
Logo,

N(b) ≤ N((q1 − q)b) = N(r − r1 ) ≤ max{N(r), N(r1 )} < N(b),

o que é impossível, a menos que r − r1 = 0 ou q − q1 = 0, isto é, q = q1 e


r = r1 . ¥

Teorema 7.36 Sejam A um domínio de integridade e K seu corpo quociente.


Se existir uma função N : K → Q+ tal que as seguintes condições são
satisfeitas:

1. N(0) = 0 e N(a) ∈ N, para todo a ∈ A.

2. N(xy) = N(x)N(y), para todos x, y ∈ K.

3. Para cada x ∈ K, existe a ∈ A tal que 0 ≤ N(x − a) < 1.

Então A é um domínio Euclidiano.

Prova. É claro que a função N0 = N|A : A → Z+ é uma norma em A e


N0 (a) ≤ N0 (ab), para todos a, b ∈ A∗ . Sejam a, b ∈ A, com b 6= 0. Se a = 0,
basta tomar q = r = 0. Suponhamos que a 6= 0. Então x = ab ∈ K. Assim,
pela condição (3), existe q ∈ A tal que
³a ´
N(x − q) < 1 ⇒ N − q < 1.
b
456 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Seja r = a − qb ∈ A. Então r = 0 ou a = qb + r, com


³a ´
N0 (r) = N (r) = N(a − qb) = N(b)N − q < N(b) = N0 (b).
b
Portanto, A é um domínio Euclidiano. ¥

Observação 7.37 A condição (3) do Teorema 7.36, pode ser interpretada geo-
metricamente como: Para cada x ∈ K, consideremos o conjunto

Ux = {y ∈ K : N(x − y) < 1}.


S
Então K = a∈A Ua , isto é, obtemos uma cobertura de “abertos” para K.

Teorema 7.38 Seja x ∈ R. Então existe um único n ∈ Z tal que

n ≤ x < n + 1 e x − 1 < n ≤ x.

Neste caso,
[
R= [n, n + 1).
n∈Z

Prova. (Existência) Seja o conjunto

S = {m ∈ N : m > |x|}.

Então, pelo Propriedade de Arquimedes, S 6= ∅. Assim, pelo Princípio da Boa


Ordenação, S contém um menor elemento, digamos k ∈ S. Como k − 1 ∈ /S
temos que
k − 1 ≤ |x| < k.

Se x ≥ 0, então, pondo n = k − 1, obtemos

n ≤ x < n + 1.

Se x < 0, então, quando x ∈ Z, ponha n = −k + 1 ou quando x ∈


/ Z, ponha
n = −k, obtemos
n − 1 < x ≤ n ou n < x ≤ n + 1.
7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 457

(Unicidade) Suponhamos que exista outro m ∈ Z tal que

m ≤ x < m + 1.

Se n < m, então
n < m ≤ x < n + 1,
o que é impossível. De modo análogo, trata o caso m < n. Portanto, m = n.¥

O inteiro n do Teorema 7.38 chama-se parte inteira de x e será denotado


por n = bxc. A função f : R → Z definida como

f (x) = bxc

chama-se função maior inteiro sobre R. Note que

bxc = max{n ∈ Z : n ≤ x}

e
0 ≤ x − bxc < 1
chama-se parte fracionária de x. Observe que se x ≤ y, então bxc ≤ byc, pois
se bxc > byc, então bxc ≥ byc + 1. Assim,

y < byc + 1 ≤ bxc ≤ x ≤ y,

o que é impossível. Portanto, a função maior inteiro f é crescente.

Proposição 7.39 O anel dos números inteiros Z é um domínio Euclidiano.

Prova. É claro que a função N : Q → Q+ definida por N(a) = |a| satisfaz as


condições (1) e (2) do Teorema 7.36. Para prova a condição (3), dado x ∈ Q,
existe q = bxc ∈ Z tal que
N (x − q) < 1.
Note que se a = 5 e b = 4, então

a = 1 · b + 1 ou a = 2 · b + (−3).

Assim, q = 1, r = 1 e q = 2, r = −3. Justifique! ¥


458 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Exemplo 7.40 Sejam a, n ∈ Z, com n 6= 0. Então existem q, r ∈ Z tais que

|n| N(n)
a = qn + r, com r = 0 ou N (r) = |r| ≤ = .
2 2

Solução. Sejam a, n ∈ Z, com n 6= 0. Então b = an−1 ∈ Q. Assim, pelo


Teorema 7.38, existe c ∈ Z tal que

c ≤ b < c + 1,

ou seja, b está no interior ou na fronteira de um intervalo semiaberto de com-


primento 1. Portanto, existe um vértice q ∈ Z, com distância menor do que
ou igual a 12 de b. Seja r = a − qn. Então r = 0 ou

|n|
a = qn + r, com |r| = |(b − q)n| ≤ ,
2
que é o resultado desejado. ¥

Proposição 7.41 O anel dos inteiros de Gauss

A = Z[i] = {a + bi : a, b ∈ Z}

é um domínio Euclidiano.

Prova. É fácil verificar que o corpo quociente de A é igual a

Q[i] = {a + bi : a, b ∈ Q}.

A função N : Q[i] −→ Q+ definida por

N(α) = αα∗ = a2 + b2

satisfaz as condições (1) e (2) do Teorema 7.36, com α = a + bi e α∗ = a − bi.


Para prova a condição (3), dado x ∈ Q[i], digamos x = r + is ∈ Q[i]. Assim,
pelo Teorema 7.38, existem c, d ∈ Z tais que

c ≤ r < c + 1 e d ≤ s < d + 1,
7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 459

ou seja, x está no interior ou na fronteira de um quadrado

[c, c + 1) × [d, d + 1)

com diagonal de comprimento 2. Donde, existe um vértice q = m + ni ∈ A,
com distância menor do que ou igual a √12 de x. Logo,
1
N (x − q) = (r − m)2 + (s − n)2 ≤ < 1.
2
Portanto, A é um domínio Euclidiano. ¥

Proposição 7.42 O anel dos inteiros de Eisenstein-Jacobi

A = Z[ω] = {a + bω : a, b ∈ Z} ,

em que √
2πi 1 3
ω = exp( )=− + i e ω 2 + ω + 1 = 0,
3 2 2
é um domínio Euclidiano.

Prova. É fácil verificar que o corpo quociente de A é igual a

Q[ω] = {a + bω : a, b ∈ Q}.

A função N : Q[ω] −→ Q+ definida por

N(α) = αα∗ = a2 − ab + b2

satisfaz as condições (1) e (2) do Teorema 7.36, com α = a +bω e α∗ = a +bω 2 .


Para provar a condição (3), dado x ∈ Q[ω], digamos x = r +sω ∈ Q[ω]. Assim,
pelo Teorema 7.38, existem c, d ∈ Z tais que

c ≤ r < c + 1 e d ≤ s < d + 1,

ou seja, x está no interior ou na fronteira de um losango com diagonal de


comprimento 1. Donde, existe um vértice q = m + nω ∈ A com distância
menor do que ou igual a 12 de x. Logo,

N (x − q) = (r − m)2 − (r − m)(s − n) + (s − n)2


1 1 1 3
≤ + + = < 1.
4 4 4 4
Portanto, A é um domínio Euclidiano. ¥
460 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Exemplo 7.43 Determine o quociente e o resto da divisão de 11 + 7i por


3 + 7i.

Solução. Sejam α = 11 + 7i e β = 3 + 7i. Então


α 82 56
= − i ∈ Q[i].
β 58 58
Como ¹ º ¹ º
82 56
=1 e − = −1
58 58
temos que existe q = 1 − i ∈ Z[i] tal que r = α − qβ = 1 + 3i ∈ Z[i]. Portanto,

α = qβ + r, com N(r) < N(β),

que é o resultado desejado. ¥

Teorema 7.44 Qualquer domínio Euclidiano é um domínio de ideais princi-


pais. Em particular, um domínio de fatoração única.

Prova. Seja A é um domínio Euclidiano com norma N. Então é fácil verificar


que N satisfaz às condições do Teorema 7.30, por exemplo, dados a, b ∈ A,
com b 6= 0, existem q, r ∈ A tais que

a = qb + r, com r = 0 e N(r) < N(b).

Se r 6= 0, então existem x = 1 e y = −q tais que

0 < N(ax + by) < min{N(a), N(b)}.

Portanto, A é um domínio de ideais principais. ¥

Seja A é um domínio de integridade. Dizemos que x ∈ A∗ − U(A) é um


divisor lateral universal de A se para qualquer a ∈ A, existir u ∈ U(A) ∪ {0}
tal que x divide a − u, ou seja, existe q ∈ A tal que a = qx + u.

Lema 7.45 Seja A é um domínio Euclidiano com norma N que não é um


corpo. Então A contém divisores laterais universal.
7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 461

Prova. O conjunto

S = {N(α) : α ∈ A∗ − U(A)} ⊆ N

é não vazio, pois A não é um corpo. Assim, pelo Princípio da Boa Ordenação,
S contém um menor elemento, digamos k ∈ S. Seja x ∈ A∗ − U(A) tal que
k = N(x). Então dado a ∈ A existem q, r ∈ A tais que

a = qx + r, com r = 0 e N(r) < N(x).

Logo, pela minimalidade de x, obtemos r ∈ U(A) ∪ {0}. Portanto, x é um


divisor lateral universal de A. ¥

Exemplo 7.46 Mostre que o anel dos inteiros

A = Z[ω] = {a + bω : a, b ∈ Z} ,

com √
1 19
ω= + i e ω2 − ω + 5 = 0,
2 2
é domínio de ideais principais, mas não é um domínio Euclidiano.

Prova. A função N : A −→ Z+ definida por

N(α) = αα∗ = a2 + ab + 5b2

satisfaz as condições (1) e (2) do Teorema 7.36, com α = a + bω e α∗ =


a + bω ∗ . Para provar (3), dados α, β ∈ A∗ , se β - α (αβ −1 ∈/ A), então

devemos encontrar s, t ∈ A tais que αs − βt 6= 0 e N (αt − βt) < N(β) ou,
equivalentemente,
µ ¶
α
N(αs − βt) = N s − t) N(β) < N(β)
β
µ ¶
α
⇔ N s − t) < 1.
β
Pondo √
α a + b 19i
= , com mdc(a, b, c) = 1 e c > 1.
β c
462 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Como mdc(a, b, c) = 1 temos que existem x, y, z ∈ A∗ tais que ax+by +cz = 1.


Note, pelo Exemplo 7.40, que existem q, r ∈ Z tais que
c
ay − 19bx = qc + r, com r = 0 ou |r| ≤ .
2
Sejam
√ √
s = y + x 19i e t = q − z 19i.

Então, com alguns cálculos, obtemos

(ay − 19bx − cq)2 + 19(ax + by + cz)


N(αs − βt) =
c2
1 19
≤ + .
4 c2
Assim, há vários casos a ser considerado:
1.o Caso. Se c ≥ 5, então existem s, t ∈ A∗ tais que αs − βt 6= 0 e
N(αt − βt) < N (β)
2.o Caso. Se c = 4, então a e b não são ambos pares, pois αβ −1 ∈
/ A. Se a
2 2
é par e b é ímpar, então a + 19b é ímpar. Logo, existem q, r ∈ Z tais que

a2 + 19b2 = q4 + r, com 0 < r < 4.



Portanto, existem s = a − b 19i, t = q ∈ A∗ tais que

αs − βt 6= 0 e N(αt − βt) < N(β)

Se a e b são ambos ímpares, então a2 + 19b2 é ímpar. Logo, existe q ∈ Z tal


que
a2 + 19b2 = q8 + 4, pois a2 + 19b2 − 1 ≡ 3 (mod 8).

Portanto, existem √
a − b 19i
s= , t = q ∈ A∗
2
tais que αs − βt 6= 0 e N(αt − βt) < N(β).
3.o Caso. Se c = 3, então existem q, r ∈ Z tais que

a2 + 19b2 = q3 + r, com 0 < r < 3.


7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 463

Portanto, existem s = a − b 19i, t = q ∈ A∗ tais que

αs − βt 6= 0 e N(αt − βt) < N(β).

4.o Caso. Se c = 2, então a e b não são ambos pares, pois αβ −1 ∈/ A.


Portanto, existem √
(a − 1) + b 19i
s = 1, t = ∈ A∗
2
tais que αs − βt 6= 0 e N(αt − βt) < N(β). Portanto, A é domínio de ideais
principais.
Primeiro observe que se a, b ∈ Z e b 6= 0, então
µ ¶2
2 2 b 19
N(α) = a + ab + 5b = a + + b2 ≥ 5.
2 4

Assim, u ∈ U(A) se, e somente se, u ∈ {−1, 1} e U(A) ∪ {0} = {−1, 0, 1}.
Além disso,
min{N(α) : α ∈ A∗ } = {1, 4},

onde α ∈ {−2, −1, 1, 2}. Pondo β = 2 na definição de divisor lateral universal,


x deve dividir 2 − 0, 2 + 1 ou 2 − 1 em A, isto é, x deve dividir 2 ou 3
em A. É fácil verificar que os divisores de 2 e 3 em A são {−2, −1, 1, 2}
e {−3, −1, 1, 3}, respectivamente. Assim, x ∈ {−3, −2, 2, 3}, mas nenhum
elemento deste conjunto é um divisor lateral universal de

1 + 19i
β= ,
2
pois β − 0, β + 1 e β − 1 não são divisíveis em A por x ∈ {−3, −2, 2, 3}.
Portanto, A não é um domínio Euclidiano. ¥

Lema 7.47 Sejam A um anel Euclidiano com norma N e a, b ∈ A∗ . Se


a = qb + r, com r = 0 ou N(r) < N(b), então (a, b) = (b, r).

Prova. Suponhamos que mdc(a, b) = d. Então

d | a e d | b ⇒ d | r.
464 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Logo, d | b e d | r. Por outro lado, se c | b e c | r, então c | a. Logo, c | a e


c | b. Assim, pela hipótese, c | d. Portanto, d = mdc(b, r). ¥

Sejam A um anel Euclidiano e a, b ∈ A∗ . Então, embora o Teorema 7.44


assegure a existência do mdc(a, b), a sua demonstração não diz como achar o
seu valor. Agora, apresentaremos um processo, conhecido como Algoritmo
Euclidiano, para determinar um maior divisor comum de a e b em A∗ .
Pelo Teorema 7.44 existem q1 , r1 ∈ A tais que

a = q1 b + r1 , com r1 = 0 ou N(r1 ) < N(b).

Se r1 = 0, então b | a e mdc(a, b) = b. Se, ao contrário, r1 6= 0, então existem


q2 , r2 ∈ Z tais que

b = q2 r1 + r2 , com r2 = 0 ou N(r2 ) < N(r1 ).

Se r2 = 0, então r1 | b e, pelo Lema 7.47,

mdc(a, b) = mdc(b, r1 ) = r1 .

Caso contrário, procedendo como antes, obtemos

r1 = q3 r2 + r3 , com r3 = 0 ou N(r3 ) < N(r2 ),

e assim por diante até que algum dos restos seja igual a zero, digamos rn+1 = 0,
pois uma sequência

N (b) > N(r1 ) > N(r2 ) > · · · > N(rn ) > 0

decrescente de inteiros positivos não pode ser infinita pelo Princípio da Boa
Ordenação, uma vez que se k é o menor elemento do conjunto

∅ 6= X = {N(b), N(r1 ), . . . , N (rn ), . . .} ⊆ N,

então n > k implica que N(rn ) < N (rk ) e N(rn ) = N(rk ). Assim obtemos as
7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 465

seguintes relações:

a = q1 b + r1 , com r1 = 0 ou N(r1 ) < N(b)


b = q2 r1 + r2 , com r2 = 0 ou N(r2 ) < N(r1 )
r1 = q3 r2 + r3 , com r3 = 0 ou N(r3 ) < N(r2 )
.. .. .. ..
. . . .
rn−2 = qn rn−1 + rn , com rn = 0 ou N(rn ) < N (rn−1 )
rn−1 = qn+1 rn .
Portanto,

mdc(a, b) = mdc(b, r1 ) = · · · = mdc(rn−1 , rn ) = mdc(rn , 0) = rn .

Podemos representar essas relações pela Tabela abaixo

q1 q2 q3 ··· qn−1 qn qn+1


a b r1 r2 ··· rn−2 rn−1 rn
r1 r2 r3 r4 ··· rn 0
Note que o Algoritmo Euclidiano para determinar um maior divisor comum
de a, b ∈ A, com a 6= 0 ou b 6= 0, pode ser implementado iterativamente nos
seguintes passos:
1.o Passo - Se b = 0, então retorne a, e vá para o Passo 4.
2.o Passo. - Calcule q1 e r1 , de modo que a = q1 b + r1 e r1 = 0 ou
N(r1 ) < N(b).
3.o Passo. - Faça b = r1 e a = b, e volte para 1.
4.o Passo. - Fim.
O número de iterações deste Algoritmo é finito (no máximo N(a + b)), pois
a sequência decrescente

N(b) > N(r1 ) > N(r2 ) > · · · > N(rn ) > 0

de inteiros positivos não pode ser infinita.

Observação 7.48 O Algoritmo Euclidiano pode também ser usado para rep-
resentar o mdc(a, b) na forma ax + by, pois da penúltima equação, obtemos

rn = rn−2 + (−qn )rn−1 .


466 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

Agora, substituindo o resto rn−1 da equação anterior, obtemos

rn = (−qn )rn−3 + (1 + qn qn−1 )rn−2 .

Prosseguindo assim, podemos eliminar sucessivamente os restos

rn−1 , rn−2 , . . . , r2 , r1

e expressar rn em termos de a e b, isto é, podemos encontrar x, y ∈ A tais que

mdc(a, b) = ax + by.

Exemplo 7.49 Calcule o mdc(11 + 7i, 3 + 7i).

Solução. Pelo Exemplo 7.43,

11 + 7i = (1 − i)(3 + 7i) + (1 + 3i)


3 + 7i = (2 − i)(1 + 3i) + (−2 + 2i)
1 + 3i = (−i)(−2 + 2i) + (−1 + i)
−2 + 2i = 2(−1 + i) + 0

Portanto, mdc(11 + 7i, 3 + 7i) = −1 + i. Note que

−1 + i = (−2i)(11 + 7i) + (2 + 3i)(3 + 7i).

que é o resultado desejado. ¥

EXERCÍCIOS

1. Calcule o mdc dos seguintes inteiros:

(a) 16 − 2i e 33 + 17i.
(b) 4 + 6i e 7 − i.
(c) 5 + i e 4 − 3i.
7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 467
¥a¦
2. Sejam a, b ∈ Z tais que a = qb + r, com 0 ≤ r < b. Mostre que q = b
.

3. Dado c ∈ Q. Mostre que existe a ∈ Z tal que c < a ≤ c + 1.

4. Seja b ∈ Z, com b > 1. Mostre que a equação xb = 1 não tem solução


em Z.

5. Sejam a, b ∈ Z, com b > 0. Mostre que existem únicos q, r ∈ Z tais que


a = qb + r, com 2b ≤ r < 3b.

6. Determine o menor inteiro positivo que tem para restos 2, 3 e 4 quando


dividido, respectivamente, por 3, 4 e 5.

7. Seja A é um domínio de fatoração única. Mostre que qualquer elemento


a ∈ A∗ pode ser escrito sob a forma a = dc, com c ∈ A e d ∈ A − {0, 1}
livre de quadrados.

8. Mostre que o anel dos inteiros

A = Z[2i] = {a + 2bi : a, b ∈ Z} ⊆ Z[i]

não é um anel de fatoração única. Conclua que subanel de um anel


Euclidiano não necessita ser Euclidiano.

9. Mostre que o domínio


√ n √ o
A = Z[ d] = a + b d : a, b ∈ Z

é um domínio Euclidiano, onde d ∈ {−2, −7, −11, 2}. (Sugestão: Para


d = 2, considere a norma N(α) = |a2 − 2b2 |.)

10. Mostre que o domínio


√ n √ o
A = Z[ d] = a + b d : a, b ∈ Z

é um domínio não Euclidiano, onde d ∈ {−43, −67, −163}.

11. Seja A um anel Euclidiano com norma N. Mostre que se a, b ∈ A∗ e


b∈/ U(A), então N(a) < N(ab).
468 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS

12. Sejam A um domínio de integridade e N uma norma em A satisfazendo


às seguintes condições:

(a) N(ab) = N(a)N(b), para todos a, b ∈ A∗ .


(b) N(a) = 1 se, e somente se, a ∈ U(A).

Mostre que qualquer elemento de A∗ − U(A) tem uma fatoração.

13. Seja A um anel Euclidiano com norma N. Verifique se o conjunto

I = {a ∈ A : N(1) < N(a)} ∪ {0}

é um ideal em A.

14. Seja A um domínio Euclidiano com norma N. Mostre que se N(a) é


constante para todo a ∈ A∗ , então A é um corpo.

15. Com as notações do Algoritmo Euclidiano mostre que


rn−2
rn < , ∀ n ≥ 2.
2
Conclua que o número de divisores é no máximo m, com 2m ≤ b < 2m+1 .
(Sugestão: Use a Lei da Tricotomia nos inteiros rn−1 e rn−2
2
.)

16. Seja A um domínio Euclidiano com norma N.

(a) Mostre que se n ∈ Z é tal que n + N(1) > 0, então a função


λ : A −→ Z+ definida por λ(a) = N(a) + n se a 6= 0 e ν(0) = 0 é
uma norma Euclidiana.
(b) Mostre que a função μ : A −→ Z+ definida por μ(a) = tN(a), para
um t ∈ Z+ fixado, é uma norma Euclidiana.
(c) Mostre que existe uma norma Euclidiana ν : A −→ Z+ tal que
ν(1) = 1 e ν(u) > 100, para todo u ∈
/ U(A).

17. Seja A um domínio de fatoração única. Mostre que I = (p) é um ideal


de A, para algum elemento irredutível p em A se, e somente se, I é um
elemento minimal na família F de todos os ideais primos em A.
7.3. ANEIS EUCLIDIANOS 469

18. Seja A um domínio de integridade. Mostre que A é um domínio de ideais


principais se, e somente se, as seguintes condições são satisfeitas:

(a) A é um domínio de fatoração única.


(b) Qualquer ideal primo não trivial de A é um ideal maximal.
(c) Qualquer ideal próprio de A está contido em um ideal maximal.

19. Sejam A um anel comutativo e N : A → Z+ uma função satisfazendo às


seguintes condições:

(a) N(a) = 0 se, e somente se, a = 0.


(b) N(ab) = N(a)N(b), para todos a, b ∈ A.
(c) Se 0 < N(a) ≤ N(b), então existe q ∈ A tal que N(b − qa) < N(a).

Mostre que A é um anel com identidade e sem divisores de zero. Conclua


que A é um domínio Euclidiano.
470 CAPÍTULO 7. ANEIS DE FATORAÇÃO ÚNICA E EUCLIDIANOS
Capítulo 8

Aneis de Polinômios e
Noetherianos

Em álgebra elementar e cálculo diferencial imaginamos uma expressão da


forma
x2 − 4x + 3
como uma “função” e o símbolo x como uma “variável”, a qual pode assumir
certos valores numéricos. Portanto, o processo de adição, multiplicação e dife-
renciação de tais polinômios são efetuados sem qualquer uso do conceito fun-
cional. Para nós os polinômios serão simplesmente elementos de um certo anel
e estaremos preocupados com as propriedades algébricas deste anel. Por isso,
daremos uma definição formal de aneis de polinômios e suas propriedades.
Em todo este capítulo a palavra anel, salvo menção explícita em contrário,
significa anel comutativo com identidade.

8.1 Polinômios e o Algoritmo da Divisão


Sejam A um anel e Aseq o conjunto de todas as sequências formais

f = (ai )i∈Z+ ,

onde os ai ∈ A são tais que ai 6= 0 somente para uma quantidade finita de


índices i ∈ Z+ .

471
472 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Dados f = (ai ), g = (bj ) ∈ Aseq . Dizemos que f é igual a g, em símbolos


f = g, se, e somente se, ai = bi , para todo i ∈ Z+ .

Teorema 8.1 O conjunto Aseq munido com as operações bimárias

X X
k
f + g = (ai + bi ) e f ∗ g = (ck ), ck = ai bj = ak−j bj ,
i+j=k j=0

é um anel comutativo com identidade.

Prova. Vamos primeiro provar que essas operações estão bem definida. Sejam
m, n ∈ Z+ tais que ai = 0, para todo i > m e bj = 0, para todo j > n. Pondo
k ≥ max{m, n}, obtemos

ai + bi = 0, ∀ i ∈ Z+ , com i > k.

Logo, f + g ∈ Aseq . Pondo k = m + n + 1, obtemos

X
k X
n X
k
ck = ak−j bj = ak−j bj + ak−l bl = 0,
j=0 j=0 l=n+1

pois k − j = m + n + 1 − j = (m + 1) + (n − j) > m e l > n. Logo, f ∗ g ∈ Aseq .


Agora, dado h = (ck ) ∈ Aseq . É fácil verificar que Aseq é um grupo comu-
tativo com elemento identidade 0 = (0) e −f = (−ai ) o elemento inverso de
f . Como
à !
X X X X
(f ∗ (g ∗ h))n = ai (g ∗ h)m = ai bj ck = ai bj ck
i+m=n i+m=n j+k=m i+j+k=n

e
à !
X X X X
((f ∗ g) ∗ h)n = (f ∗ g)m ck = ai bj ck = ai bj ck
k+m=n k+m=n i+j=m i+j+k=n

temos que f ∗ (g ∗ h) = (f ∗ g) ∗ h. De modo análogo, prova-se que

(f + g) ∗ h = f ∗ h + g ∗ h, f ∗ (g + h) = f ∗ g + f ∗ h e f ∗ g = g ∗ f.
8.1. POLINÔMIOS E O ALGORITMO DA DIVISÃO 473

Portanto, Aseq é um anel comutativo com identidade 1 = (1, 0, . . .). ¥

A operação ∗ chama-se de convolução discreta de f com g. Vamos apre-


sentar um Algoritmo para efetuar a convolução de f com g em Aseq . Se

f = (ai ), g = (bj ) ∈ Aseq ,

então, reenumerando, se necessário, podemos escrever

f = (a0 , a1 , . . . , am , 0, . . .) e g = (b0 , b1 , . . . , bn , 0, . . .).

1.o Passo. Inverte a ordem de f e faça o esquema.

(. . . , 0, am , . . . , a2 , a1 , a0 )
(b0 , b1 , b2 , . . . , bn , 0, . . .)

2.o Passo. Faça a sequência que representa f desloca-se um dígito para


à direita; em seguida efetua-se o produto em A, para obter o primeiro termo
a0 b0 da sequência que reprenta f ∗ g.

(. . . , 0, am , . . . , a2 , a1 , a0 )
(b0 , b1 , b2 , . . . , bn , 0, . . .)

3.o Passo. Faça a sequência que representa f desloca-se mais um dígito


para à direita; em seguida efetua-se o produto e a soma em A, para obter o
segundo termo a1 b0 + a0 b1 da sequência que reprenta f ∗ g.

(. . . , 0, am , . . . , a2 , a1 , a0 )
(b0 , b1 , b2 , . . . , bn , 0, . . .)

4.o Passo. Repete o 3.o Passo para obter o terceiro termo a2 b0 +a1 b1 +a0 b2
da sequência que reprenta f ∗ g.

(. . . , 0, am , . . . , a2 , a1 , a0 )
(b0 , b1 , b2 , . . . , bn , 0, . . .)

e assim sucessivamente.
474 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

O número de iterações desse Algoritmo é finito (no máximo k 2 + 1, com


k ≤ max{m, n}, pois existem no máximo k passos; número de inversão mais
deslocamentos k, número de produtos (k−1)k
2
e número de somas (k−2)(k−1)
2
.)
seq
A função ϕ : A → A definida por

ϕ(a) = (a, 0, . . .)

é um homomorfismo de aneis injetor (prove isto!). Logo, A ' ϕ(A) um subanel


de Aseq . Neste caso, podemos identificar os elementos a de A com as sequências
(a, 0, . . .) de Aseq .
Note que x = (0, 1, 0, . . .) ∈ Aseq e que

x2 = (0, 0, 1, 0, . . .)
..
.
xn = (0, . . . , 0, 1, 0, . . .),

com o elemento 1 em xn localizado na (i + 1)-ésima posição. Assim,

ax = (0, a, 0, . . .) = xa
ax2 = (0, 0, a, 0, . . .) = x2 a
..
.
axn = (0, . . . , 0, a, 0, . . .) = xn a,

para todo a ∈ A e n ∈ Z+ , com x0 = 1 por convenção. Portanto, dado


f = (ai ) ∈ Aseq , digamos

f = (a0 , a1 , . . . , an , 0, . . .),

obtemos

f = a0 + a1 x + · · · + an xn ou f = an xn + · · · + a1 x + a0 ,

pois Aseq é um anel comutativo.


Para identificar a indeterminada x vamos denotar o anel Aseq por

A[x] = [A ∪ {x}]
8.1. POLINÔMIOS E O ALGORITMO DA DIVISÃO 475

e chamá-lo de aneis de polinômios sobre A em uma indeterminada x. Os


elementos de A serão chamados de polinômios constantes.
Seja
f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x].

Se an 6= 0, dizemos que f possui grau n e escreveremos ∂(f ) = n, ou seja,

∂(f ) = max{n ∈ Z+ : an 6= 0}.

Neste caso, an xn é chamado de termo líder e an de coeficiente líder. Em


particular, se an = 1, dizemos que f é um polinômio mônico ou um polinômio
unitário ou um polinômio normalidado. Quando lidamos com o grau de um
polinômio é conveniente definir o grau do polinômio constante zero como sendo
−∞, isto é, ∂(0) = −∞, onde as relações de ordem e de adição de Z+ são
estendidas para o conjunto Z+ ∪ {−∞} do seguinte modo:

−∞ < n, n + (−∞) = (−∞) + n = −∞, ∀ n ∈ Z+ , e


(−∞) + (−∞) = −∞.

Finalmente, se

f = a0 + a1 x + · · · + am xm , g = b0 + b1 x + · · · + bn xn ∈ A[x],

então o coeficiente xk em f g é igual a

X
k
ak−j bj = ak b0 + ak−1 b1 + · · · + a1 bk−1 + a0 bk .
j=0

Portanto, podemos derteminar recurssivamente bk a partir de

a0 , . . . , ak e b0 , . . . , bk−1

por meio da equação à k−1 !


X
bk = −a−1
0 ak−j bj
j=0

se a0 ∈ U(A).
476 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Proposição 8.2 Sejam A um anel e f, g ∈ A[x].

1. Se ∂(f ) 6= ∂(g), então ∂(f + g) = max{∂(f ), ∂(g)}.

2. Se ∂(f ) = ∂(g) e f + g 6= 0, então ∂(f + g) ≤ ∂(f ).

3. Se f 6= 0 e g 6= 0 e o coeficiente líder de f ou g não é um divisor de


zero, então f g 6= 0 e ∂(f g) = ∂(f ) + ∂(g).

4. Se A é um domínio de integridade, então A[x] é um domínio de integri-


dade.

5. Se A é um domínio de integridade, então U(A[x]) = U(A).

Prova. Vamos provar apenas os itens (3), (4) e (5): (3) Sejam ∂(f ) = m e
∂(g) = n. Então
X
m+n+k
(fg)m+n+k = ai bm+n+k−i .
i=0
Assim,
ai bm+n+k−i 6= 0
se
i ≤ m e m + n + k − i ≤ n.
Logo,
m + k ≤ i ≤ m ⇒ k = 0 e i = m.
Portanto,
(f g)m+n = am bn 6= 0 e (fg)m+n+k = 0, k > 0.
Consequentemente, f g 6= 0 e ∂(f g) = ∂(f ) + ∂(g).
(4) Sejam f, g ∈ A[x] tais que f 6= 0 e g 6= 0. Então os termos líderes am xm
e bn xn de f e g, respectivamente, têm os coeficientes líderes am 6= 0 e bn 6= 0.
Como o termo líder de fg é igual a am bn xm+n e, por hipótese am bn 6= 0, temos
que f g 6= 0. Portanto, A[x] é um domínio de integridade.
(5) É claro que U(A) ⊆ U(A[x]). Por outro lado, dado f ∈ U(A[x]), existe
g ∈ U(A[x]) tal que fg = gf = 1. Pelo item (3), obtemos

0 = ∂(1) = ∂(fg) = ∂(f ) + ∂(g).


8.1. POLINÔMIOS E O ALGORITMO DA DIVISÃO 477

Logo, ∂(f ) = ∂(g) = 0, isto é, f ∈ A. Portanto, f ∈ U(A). ¥

Observação 8.3 O item (5) da Proposição 8.2 não se aplica a um anel qual-
quer, por exemplo, sejam A = Zp2 , com p um número primo, e f = 1 + px ∈
A[x]. Então é fácil verificar que
µ ¶
p p 2 p
f = (1 + px) ≡ 1 (mod p ), pois p | , 1 ≤ k < p.
k
Portanto, f ∈ U(A[x]), mas f ∈
/ U(A).

Exemplo 8.4 Sejam A = Z[x] o anel dos polinômios com coeficientes inteiros
e
f = 1 + x + x2 , g = 2 + x2 + x3 ∈ A.
Mostre que ∂(f + g) = 3, ∂(fg) = 5 e U(A) = {−1, 1}.

Solução. Como

f + g = 3 + x + 2x2 + x3 e fg = 2 + 3x + 3x2 + 2x3 + 2x4 + x5

(prove isto!) temos que ∂(f + g) = 3 e ∂(f g) = 5. ¥

Lema 8.5 (Teorema de McCoy) Sejam A um anel e

f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x]∗ .

Então f é um divisor de zero em A[x] se, e somente se, existir b ∈ A∗ tal que
bf = 0.

Prova. Suponhamos que f seja um divisor de zero em A[x]. Então existe


g ∈ A[x]∗ tal que fg = gf = 0. Logo, o conjunto

S = {k ∈ Z+ : existe g ∈ A[x]∗ , com ∂(g) = k e fg = 0}

é não vazio. Assim, pelo Princípio da Boa Ordenação, S contém um menor


elemento, digamos m ∈ S.
Seja
g = b0 + b1 x + · · · + bm xm ∈ A[x].
478 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Se m = 0, nada há para ser provado. Suponhamos que m > 0 e vamos usar


indução sobre o conjunto

T = {k = 0, 1, . . . , n : an−i g = 0, ∀ i = 0, 1, . . . , k}.

Então 0 ∈ T , pois
an bm = 0 e an g = 0,
desde que f (an g) = an (f g) = 0 e ∂(an g) < ∂(g). Suponhamos que o resultado
seja válido para todo k, com 0 ≤ k < n, isto é, k ∈ T e

an g = 0, an−1 g = 0, . . . , an−k g = 0.

Então

0 = (a0 + a1 x + · · · + an−(k+1) xn−(k+1) + an−k xn−k + · · · + an xn )g


= (a0 + a1 x + · · · + an−(k+1) xn−(k+1) )g.

Logo,
an−(k+1) bm = 0 e an−(k+1) g = 0,
pois f (an−(k+1) g) = an−(k+1) (fg) = 0 e ∂(an−(k+1) g) < ∂(g). Portanto, k + 1 ∈
T , isto é, ai g = 0, para todo i = 0, . . . , n. Em particular, ai bm = 0, para todo
i = 0, . . . , n. Portanto, existe b = bm ∈ A∗ tal que bf = 0.
A recíproca é clara. ¥

Sejam K um anel, A um subanel de K e α um elemento de K fixado.


Então, para um
f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x]∗
fixado, podemos definir f (α) ∈ K por

f (α) = a0 + a1 α + · · · + an αn .

Note que a adição e a multiplicação usadas na definição de f (α), são as de K


e não as de A[x]. A função

Eα : A[x] → K
8.1. POLINÔMIOS E O ALGORITMO DA DIVISÃO 479

definida por Eα (f ) = f (α) é um homomorfismo de aneis (prove isto!), chamado


de homomorfismo avaliação ou homomorfismo substituição. Observe que

Im Eα = {f (α) : f ∈ A[x]}

é um subanel de K e será denotado por Im Eα = A[α].


Afirmação. A[α] = [A ∪ {α}].
De fato, é claro que A[α] ⊆ [A ∪ {α}]. Por outro lado, como 1 ∈ A temos
que 1x = x ∈ A[x]. Logo, Eα (x) = α ∈ A[α], isto é, [A ∪ {α}] ⊆ A[α]. Note,
também, que A = A[α] se, e somente se, α ∈ A.

Observação 8.6 Sejam K um anel, A um subanel de K e α um elemento de


K fixado.

1. Note que se K não fosse um anel comutativo, então Eα seria apenas um


homomorfismo de grupos, pois aαi bαj 6= abαi+j , a menos que bα = αb.

2. Se f ∈ A[x], então fazendo a substituição α = x em f , obtemos o próprio


f . Assim,
f (x) = f.
Por essa razão, qualquer polinômio f pode ser denotado por f (x).

Teorema 8.7 (Propriedade Universal de A[x]) Sejam K um anel e A um


subanel de K. Então existe um único homomorfismo de aneis

Eα : A[x] → K

tal que Eα (x) = α e Eα (a) = a, para todo a ∈ A e α ∈ K.

Prova. Seja ϕ : A[x] → K qualquer homomorfismo de aneis tal que ϕ(x) = α


e ϕ(a) = a, para todo a ∈ A e α ∈ K. Então
à n !
X Xn
i
ϕ(f ) = ϕ ai x = ai ϕ(x)i
i=0 i=0
X
n
= ai αi = f (α) = Eα (f ), ∀ f ∈ A[x].
i=0
480 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Portanto, ϕ = Eα , para todo α ∈ K. ¥

Cada elemento f ∈ A[x] fixado determina uma função fb : A → A, a saber,

fb(a) = Ea (f ).

Neste caso, podemos considerar x como uma variável em A. A função fb


chama-se função polinomial. Note que fb é identicamente nula se

fb(a) = 0, ∀ a ∈ A.

Proposição 8.8 A função ϕ : A[x] → AA definida por ϕ(f ) = fb é um homo-


morfismo de aneis, com AA o conjunto de todas as funções de A em A.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Observação 8.9 O homomorfismo de aneis ϕ : A[x] → AA pode não ser


injetor. Por exemplo, sejam p um número primo e A = Zp . Então U(Zp ) é
um grupo abeliano de ordem p − 1. Logo, pelo Teorema de Lagrange, ap−1 = 1,
para todo a ∈ Z∗p , isto é, ap = a, para todo a ∈ Z∗p . Como 0p = 0 temos que
ap = a, para todo a ∈ Zp . Assim, se f = x − xp ∈ Zp [x], então f ∈ ker ϕ, com
f 6= 0, ou seja, ϕ não é injetora. Mais geralmente, se

A = {a1 , . . . , an }

é um anel finito, então

f = (x − a1 ) · · · (x − an ) ∈ A[x]∗ .

Mas, f ∈ ker ϕ. Portanto, polinômios distintos f, g ∈ A[x] podem determinar


a mesma função polinomial. Neste caso, f − g ∈ ker Ea , para todo a ∈ A. Por
essa razão, a noção de polinômios algébricos é “mais rica” do que a teoria de
funções polinômiais. Veremos mais tarde, Corolário 8.19, que essa patologia
não ocorre se A é um domínio de integridade infinito.
8.1. POLINÔMIOS E O ALGORITMO DA DIVISÃO 481

Note que como A[x] é um anel comutativo com identidade temos, de modo
análogo a nossa construção, que A[x][y] é um anel de polinômios sobre A[x]
em uma indeterminada y. Logo,
( n )
X
A[x][y] = fi y i : fi ∈ A[x] = A[x, y],
i=0

pois xy = yx. Neste caso, dizemos que A[x, y] é um anel de polinômios sobre
A em duas indeterminadas x e y. Por exemplo, se f ∈ A[x, y], então

X
m X
n X
n X
n X
n
f= aij xi y j = a0j y j + a1j xy j + · · · + amj xm y j .
i=0 j=0 j=0 j=0 j=0

Portanto, indutivamente, obtemos o anel de polinômios sobre A em n indeter-


minadas x1 , . . . , xn , para todo n ∈ N,

A[x1 , . . . , xn ].

Observação 8.10 Seja A um domínio de integridade. Então


½ ¾
f
A(x1 , . . . , xn ) = : f, g ∈ A[x1 , . . . , xn ] e g 6= 0
g

é o corpo quociente de A[x1 , . . . , xn ].

Teorema 8.11 (Algoritmo da Divisão) Sejam A um anel e f, g ∈ A[x],


com o coeficiente líder de g uma unidade em A. Então existem únicos q, r ∈
A[x] tais que
f = qg + r, com r = 0 ou ∂(r) < ∂(g).

Prova. (Existência) Sejam

f = a0 + a1 x + · · · + an xn e g = b0 + b1 x + · · · + bm xm

onde bm ∈ U(A). Se f = 0, então basta tomar q = r = 0. Se f 6= 0, então


∂(f ) = n. Se n < m, então basta tomar q = 0 e r = f . Assim, podemos supor
que n ≥ m e vamos usar indução sobre n.
482 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Se n = 0, então m = 0 e, portanto, f = a0 6= 0 e g = b0 . Como b0 ∈ U(A)


temos que
f = (a0 b−1
0 )b0 .

Assim, basta tomar q = a0 b−1


0 e r = 0. Suponhamos que o resultado seja válido
para todos os polinômios de grau menor do que n. Como b−1m ∈ A temos que

b−1
m an x
n−m
∈ A[x].

Logo,
(b−1
m an x
n−m
)g = b0 b−1
m an x
n−m
+ b1 b−1
m an x
n−m−1
+
−1 n−1 n
· · · + bm−1 bm an x + an x ∈ A[x].
Assim,
h = f − (b−1
m an x
n−m
)g ∈ A[x]
com ∂(h) < n. Pela hipótse de indução, existem q1 , r ∈ A[x] tais que

h = q1 g + r, com r = 0 ou ∂(r) < ∂(g).

Portanto,

f = qg + r, com r = 0 ou ∂(r) < ∂(g), e q = q1 + b−1


m an x
n−m
∈ A[x].

(Unicidade) Suponhamos que

f = q1 g + r1 e f = q2 g + r2 .

Então
(q1 − q2 )g = r2 − r1 .
Se q1 − q2 6= 0, então pelo item (3) da Proposição 8.2, (q1 − q2 )g 6= 0. Logo,

∂(r2 − r1 ) = ∂((q1 − q2 )g) = ∂(q1 − q2 ) + ∂(g) ≥ ∂(g),

Por outro lado, r2 − r1 = 0 ou ∂(g) > ∂(r2 − r1 ). Portanto,

(q1 − q2 )g = r2 − r1

é impossível. Assim, q1 = q2 e r1 = r2 . ¥
8.1. POLINÔMIOS E O ALGORITMO DA DIVISÃO 483

Observação 8.12 Seja A um anel qualquer.

1. Se g é mônico ou A é um corpo não é necessário supor que o coeficiente


líder de g seja uma unidade em A.

2. Se A = Z4 , f = x, g = 1 + 2x ∈ A[x], então

f = (2 + x + 2x2 )g + 2 e f = (x + 2x2 )g + 0.

Logo, temos duas representações distintas de f e g. Portanto, a hipótese


do coeficiente líder de g ser uma unidade em A garante a unicidade da
representação.

3. Observe que o quociente q e o resto r são independentes de extensões do


anel A no seguinte sentido: se K é um anel tal que A é um subanel de
K, então existem únicos Q, R ∈ K[x] tais que

f = Qg + R, com R = 0 ou ∂(R) < ∂(g).

Como q, r ∈ A[x] ⊆ K[x] temos, também, que

f = qg + r, com r = 0 ou ∂(r) < ∂(g),

em K[x]. Portanto, pela unicidade do Algoritmo da Divisão em K[x],


obtemos Q = q e R = r. Em particular, g divide f em K[x] se, e somente
se, g divide f em A[x].

Note que se K é um corpo, então a função N : K[x] −→ Z+ definida por

N(f ) = 2∂(f )

é uma norma em A, onde f ∈ A[x], N(0) = 2−∞ = 0 e N(f ) ≤ N(fg), para


todos f, g ∈ A[x]∗ . Além disso, pelo Algoritmo da Divisão, existem únicos
q, r ∈ K[x] tais que

f = qg + r, com r = 0 ou N(r) < N(g).

Portanto, K[x] é um domínio Euclidiano. Em particular, K[x] é um domínio


de ideais principais e, assim, um domínio de fatoração única.
484 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Exemplo 8.13 Sejam f = x3 + 2x2 + 4x − 3, g = x2 + x − 2 ∈ Q[x].

1. Determine mdc(f, g).

2. Determine r, s ∈ Q[x] tais que rf + sg = mdc(f, g).

Solução. (1) Como

f = xg + (−3 + 6x + x2 )
g = 1(−3 + 6x + x2 ) + 1 − 5x
µ ¶
2 31 1 44
−3 + 6x + x = − − x (1 − 5x) −
25 5 25
µ ¶µ ¶
125 44
(1 − 5x) = x − +1
44 25
µ ¶
44 44
− = 1 − +0
25 25

temos que mdc(f, g) = 1. Neste caso, (f, g) = Q[x].


(2) Pelo item (1), obtemos
µ ¶ µ ¶
−44 + 30x + 25x2 44 − 111x − 55x2 − 25x3
f+ g = 1,
44 44
que é o resultado desejado. ¥

Teorema 8.14 Sejam K um anel, A um subanel de K e f ∈ K[x]. Se existir


g ∈ A[x], cujo coeficiente líder é uma unidade em A tal que fg ∈ A[x], então
f ∈ A[x].

Prova. Sejam
P
n P
m
f= ai xi e g = bj xj .
i=0 j=0

onde bm ∈ U(A). Então


P
m+n
fg = ck xk ,
k=0
em que X X
ci+j = at bi+j−s + ai bj + ai+j−t bt
s<i t<j
8.1. POLINÔMIOS E O ALGORITMO DA DIVISÃO 485

é o coeficiente de xi+j . Vamos usar indução sobre o conjunto

S = {k = 0, 1, . . . , n : an−j ∈ A, ∀ j = 0, 1, . . . , k}.

Então 0 ∈ S, pois

an bm ∈ A ⇒ an−0 = an = (an bm )b−1


m ∈ A.

Suponhamos que o resultado seja válido para todo k, com 0 ≤ k < n, isto é,
k∈S e
an , an−1 , . . . , an−k ∈ A.
Como o coeficiente de xm+n−(k+1) em f g é

an−(k+1) bm + an−k bm−1 + · · · + an bm−(k+1)

se k + 1 ≤ m ou

an−(k+1) bm + an−k bm−1 + · · · + an+m−(k+1) b0

se k + 1 > m, temos, pela hipótese de indução, que

an−k bm−1 + · · · + an bm−(k+1) , an−k bm−1 + · · · + an+m−(k+1) b0 ∈ A.

Sendo essas somas coeficientes de f g, temos que elas pertecem a A. Logo,

an−(k+1) bm ∈ A e an−(k+1) = (an−(k+1) bm )b−1


m ∈ A.

Consequentemente, k + 1 ∈ S. Portanto, f ∈ A[x]. ¥

Sejam K um anel, A um subanel de K e α ∈ K fixado. Seja

f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x].

Dizemos que α é um zero de f ou que α é uma raiz da equação f = 0 se

f (α) = 0.

Note que o polinômio


f = x2 + 1 ∈ R[x].
não possui raízes sobre R, mas possui duas raízes sobre C, a saber, −i e i.
Assim, as raízes de um polinômio dependem do anel.
486 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Proposição 8.15 (Teorema do Resto) Sejam A um anel, f ∈ A[x] e a ∈


A. Então existe um único q ∈ A[x] tal que

f = q(x − a) + f (a).

Em particular, f ∈ (x − a) se, e somente se, a é uma raiz de f

Prova. Seja g = x − a. Então, pelo Algoritmo da Divisão, existem únicos


q, r ∈ A[x] tais que

f = qg + r, com r = 0 ou ∂(r) < ∂(g) = 1.

Assim, r = 0 ou r é um polinômio constante, digamos r = b ∈ A. Logo,

f (a) = q(a)(a − a) + b ⇒ b = f (a).

Portanto, f = q(x − a) + f (a). ¥

Observação 8.16 Pelo Teorema do Resto, vimos que

f = q(x − a) + f (a).

Assim, se

f = a0 + a1 x + · · · + an xn e q = b0 + b1 x + · · · + bn−1 xn−1 ,

então

a0 + a1 x + · · · + an xn = (b0 + b1 x + · · · + bn−1 xn−1 )(x − a) + f (a).

Logo, desenvolvendo e usando a unicidade, obtemos

bn−1 = an
bn−2 = abn−1 + an−1 = aan + an−1
bn−3 = abn−2 + an−2 = a2 an + aan−1 + an−2
..
.
b1 = ab2 + a2
b0 = ab1 + a1
X
n
f (a) = ab0 + a0 = ai ai .
i=0
8.1. POLINÔMIOS E O ALGORITMO DA DIVISÃO 487

Note que podemos representar essas relações pela Tabela:

a an an−1 an−2 ··· a2 a1 a0


bn−1 bn−2 bn−3 ··· b1 b0 f (a)

a qual é conhecida como dispositivo de Briot-Ruffini.

Proposição 8.17 Sejam A um domínio de integridade e f ∈ A[x], com ∂(f ) =


n. Então f pode ter no máximo n raízes distintas em A.

Prova. Vamos usar indução sobre n. Se n = 0, então nada há para ser


provado, pois f não pode ter qualquer raiz em A. Se n = 1, então f = a + bx,
com b 6= 0, e f pode ter no máximo uma raiz em A, pois se b ∈ U(A), então
α = −b−1 a ∈ A é a única raiz de f .
Agora, suponhamos que o resultado seja válido para todo polinômio de
grau menor do que n. Se f possui uma raiz a em A, então

f = (x − a)g, com ∂(g) ≤ n − 1.

Note que qualquer raiz b de f em A, com a 6= b, é raiz de g, pois

0 = f (b) = (b − a)g(b) ⇒ g(b) = 0.

Assim, pela hipótese de indução, g pode ter no máximo n − 1 raízes distintas


em A. Como as únicas raízes de f são a e as raízes de g temos que f pode ter
no máximo n raízes distintas em A. ¥

Observação 8.18 Seja A = Z8 . Então o polinômio f = x2 + 1 ∈ A[x] possui


1, 3, 5 e 7 como raízes distintas em A. Portanto, a Proposição 8.17, é falsa
para um anel qualquer.

Corolário 8.19 Sejam A um domínio de integridade e f, g ∈ A[x], com


∂(f ) = ∂(g) = n.

1. Se existem a1 , . . . , an+1 elementos distintos em A tais que f (ai ) = g(ai ),


então f = g.
488 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

2. Se S é subconjunto infinito qualquer de A e f (a) = 0, para todo a ∈ S,


então f = 0.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Proposição 8.20 Sejam K um domínio de integridade e G um subgrupo finito


de K ∗ . Então G é um grupo cíclico.

Prova. Seja |G| = n. Então, pelo item (2) do Exemplo 1.72, existe um número
inteiro maximal N tal que aN = 1, para todo a ∈ G. Logo, pela Proposição
8.17, o polinômio f = xN − 1 possui no máximo N raízes distintas em K.
Portanto, n ≤ N.
Por outro lado, pelo Teorema de Lagrange, N ≤ n. Portanto, n = N e G
contém um elemento de ordem n, isto é, G é um grupo cíclico. ¥

EXERCÍCIOS

1. Determine em cada caso, r, s ∈ R[x] tais que rf + sg = mdc(f, g).

(a) f = −1 + x + x2 e g = 1 + x2 .
(b) f = 1 + x3 e g = 1 + x.
(c) f = −1 + x5 e g = −1 + x.
(d) f = −2 + x4 e g = −2 + x2 .

2. Determine outra função polinomial sobre Z5 que coincida com a função


polinômial f = 1 − x + x2 .

3. Sejam p um número primo e f = a − x − x2 + xp ∈ Zp [x]. Mostre que f


possui uma raiz em Zp se, e somente se, a é um quadrado em Zp .

4. Seja f ∈ C[x]. Mostre que se f (n) = 0, para todo n ∈ Z, então f = 0.


8.1. POLINÔMIOS E O ALGORITMO DA DIVISÃO 489

5. Seja f ∈ Z[x]. Mostre que a − b divide f (a) − f (b), para todos a, b ∈ Z,


com a 6= b.

6. Sejam K um corpo e f ∈ K[x] tal que a função polinomial fb induzida


por f satisfaça à seguinte condição

fb(a + b) = fb(a)fb(b), ∀ a, b ∈ K.

(a) Mostre que se K é um corpo infinto, então f = 0 ou f = 1.


(b) Mostre, com um exemplo, que a conlusão do item (a) é falsa se K
é um corpo finito.

7. Seja Z[x] o anel de polinômios sobre Z. Mostre que I = (n, x), para um
n ∈ N fixado, com n ≥ 2, é um ideal não principal de Z[x].

8. Seja K[x, y] o anel de polinômios sobre K, com K um corpo. Mostre que


I = (x, y) é um ideal não principal de K[x, y].

9. Sejam A e B domínio de integridades. Mostre que se A é isomorfo a B,


então A[x] é isomorfo a B[x].

10. Sejam A um domínio de integridade e K seu corpo quociente. Mostre que


se K(x) e A(x) são os corpos quocientes de K[x] e A[x], respectivamente,
então K(x) é isomorfo a A(x).

11. Sejam K um corpo e a ∈ K fixado.

(a) Mostre que a função ϕ : K[x] → K[x] definida por ϕ(f (x)) = f (ax)
é um automorfismo se a 6= 0.
(b) Mostre que a função ϕ : K[x] → K[x] definida por ϕ(f (x)) =
f (a + x) é um automorfismo.
(c) As funções dos itens (a) e (b) são automorfismos se K é um domínio
de integridade?

A
12. Sejam A um anel, I um ideal de A e π : A → I
a projeção canônica.
490 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS
¡ ¢
(a) Mostre que a função ϕ : A[x] → AI [x] definida por
à n !
X Xn
i
ϕ ai x = π(ai )xi
i=0 i=0

é um homomorfismo de aneis.
(b) Mostre que ker ϕ = I[x]. Conclua que
µ ¶
A[x] A
' [x].
I[x] I

8.2 Critérios de Irredutibilidades


Nesta seção aplicaremos a teoria geral de fatoração em aneis no anel de
polinômios A[x]. Além disso, apresentaremos alguns critérios de irredutibili-
dade em A[x], com A um domínio de fatoração única.
Sejam A um anel e f ∈ A[x] Dizemos que f é um poliônmio irredutível
sobre A se f é um elemento irredutível em A[x]. Caso contrário, dizemos que
f é um polinômio redutível.

Exemplo 8.21 Sejam A um anel e b ∈ U(A). Mostre que f = a + bx ∈ A[x]


é sempre irredutível sobre A. Isto significa que, qualquer polinômio redutível
sobre um domínio de integridade A possui grau pelo menos dois.

Exemplo 8.22 Mostre que f = x2 −2 ∈ Q[x] é um polinômio irredutível sobre


Q.

Solução. Suponhamos, por absurdo, que f seja um polinômio redutível sobre


Q. Então
x2 − 2 = (a + bx)(c + dx),
com a, b, c, d ∈ Q, b 6= 0 e d 6= 0. Logo, desenvolvendo, obtemos

bd = 1, ad + bc = 0 e ac = −2.

Assim,
abd + b2 c = 0 e a2 bd + ab2 c = 0 ⇒ a2 − 2b2 = 0,
8.2. CRITÉRIOS DE IRREDUTIBILIDADES 491

isto é,
√ a
2 = ± ∈ Q,
b
o que é uma contradição. Note que embora f seja irredutível sobre Q, o
polinômio f é redutível sobre R, pois
³ √ ´³ √ ´
f = x− 2 x+ 2 .

Portanto, ser irredutível depende do anel. ¥

Exemplo 8.23 Mostre que f = x4 + 4 ∈ Q[x] é um polinômio redutível sobre


Q.

Solução. Como

f = 4 + 4x2 + x4 − 4x2 = (2 + x2 ) − (2x)2 = (2 − 2x + x2 )(2 + 2x + x2 )

temos que f redutível sobre Q. Note que embora f seja redutível sobre Q, ele
não possui raízes em Q. ¥

Exemplo 8.24 Mostre que p = x2 +1 ∈ R[x] é um polinômio irredutível sobre


R e conclua que
R[x]
' C.
(1 + x2 )

Solução. É fácil verificar que p é um polinômio irredutível sobre R. Agora,


dado f ∈ R[x], pelo Algoritmo da Divisão, existem únicos q, r ∈ R[x] tais que

f = q(1 + x2 ) + r, com r = 0 ou ∂(r) < ∂(1 + x2 ) = 2.

Logo, r = a + bx ∈ R[x]. Portanto,


R[x]
= {a + bx + J : a, b ∈ R}, com J = (1 + x2 ).
J
Consideremos a função
R[x]
ϕ: →C
J
definida por ϕ(a + bx + J) = a + bi, em que i2 = −1. Assim, é fácil verificar
que ϕ é um homomorfismo de aneis bijetor. ¥
492 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Exemplo 8.25 (Simon Stevin) Sejam K um corpo e f, g, h ∈ K[x]. Mostre


que se h divide fg e mdc(f, h) = 1, então h divide g. Em particular, se h é
irredutível sobre K e h divide f g, então h divide f ou h divide g.

Proposição 8.26 (Fórmula de Interpolação de Lagrange) Sejam K um


corpo e
a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn ∈ K.
Se a1 , . . . , an são distintos aos pares, então existe um único polinômio f ∈ K[x]
de grau no máximo n − 1 tal que f (ai ) = bi , i = 1, . . . , n.

Prova. Seja Ii = (x − ai ), i = 1, . . . , n. Então, pela Proposição 7.9, cada Ii é


um ideal maximal em K[x] e é fácil verificar que se i 6= j, então

Ii + Ij = K[x].

Assim, pelo Teorema Chinês dos Restos, existe f ∈ K[x] tal que

f ≡ bi (mod Ii ), i = 1, . . . , n.

Logo, pelo Teorema do Resto,

f (ai ) = bi , i = 1, . . . , n.

Agora, vamos exibir explicitamente o polinômio f , pondo


Y
n
x − ai
gj = ,
aj − ai
i=1,j6=i

obtemos

gj ≡ 1 (mod Ij ) e gi ≡ 0 (mod Ii ), i = 1, . . . , n, com i 6= j.

Portanto,
à !
X
n Y
n
x − ai
f = b1 g1 + b2 g2 + · · · + bn gn = bj .
j=1 i=1,j6=i
aj − ai

A unicidade de f segue do Corolário 8.19. ¥


8.2. CRITÉRIOS DE IRREDUTIBILIDADES 493

Sejam A um domínio de fatoração única e p um elemento primo em A.


Então a função
A
ϕ:A→K=
(p)
definida por ϕ(a) = a + (p) é um homomorfismo de aneis sobrejetor. Logo, a
função
ϕb : A[x] → K[x]
definida por à n !
X X
n
i
b (f ) = ϕ
ϕ b ai x = ϕ(ai )xi
i=0 i=0

é um homomorfismo de aneis sobrejetor tal que ϕ b |A = ϕ (prove isto!). Note,


pelo item (1) da Proposição 7.9, que K é um domínio de integridade.
Seja
f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x].
Dizemos que f é um polinômio primitivo se

mdc(a0 , a1 , . . . , an ) = 1

ou, equivalentemente,
(a0 , a1 , . . . , an ) = A.
Caso contrário, existe um elemento primo p em A tal que

p | ai , i = 0, 1, . . . , n,

ou, equivalentemente, existe um ideal maximal M em A tal que

(a0 , a1 , . . . , an ) ⊆ M.

Observação 8.27 Note que f = 3 − 4x + x2 ∈ Z[x] é um polinômio primitivo,


mas não é irredutível sobre Z.

Teorema 8.28 (Lema de Gauss) Sejam A um domínio de fatoração única


e f, g ∈ A[x]. Então f e g são polinômios primitivos se, e somente se, f g é
um polinômio primitivo.
494 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Prova. Suponhamos, por absurdo, que f g não seja um polinômio primitivo.


Então, existe um elemento primo p em A tal que p divide todos os coeficientes
A
b (fg) = 0 em K[x], com K = (p)
de f g. Logo, ϕ . Mas,

b (f )b
ϕ b (fg) = 0,
ϕ(g) = ϕ

com ϕb (f ) 6= 0 e ϕ
b (g) 6= 0, o que é uma contradição, pois, pelo item (4) da
Proposição 8.2, K[x] é um domínio de integridade.
Reciprocamente, seja d um divisor comum de todos os coeficientes de f (de
g). Então, por definição de f g, d é um divisor comum de todos os coeficientes
de f g. Portanto, d | 1, isto é, d ∈ U(A). Consequentemente, f e g são
polinômios primitivos. ¥

Lema 8.29 Sejam A um domínio de fatoração única e K seu corpo quociente.


Então qualquer f ∈ K[x] pode ser escrito de modo único, a menos de associa-
dos, sob a forma
f = c(f )f ∗ ,
com c(f ) ∈ K ∗ e f ∗ ∈ A[x] um polinômio primitivo. O número c(f ) chama-se
conteúdo do polinômio f .

Prova. (Existência) Seja f = r0 + r1 x + · · · + rn xn ∈ K[x]. Se


ai
ri = ∈ K, i = 0, 1, . . . , n,
bi
então, pondo b = b0 b1 · · · bn ∈ A∗ , obtemos bf = g, onde
b
g = c0 + c1 x + · · · + cn xn ∈ A[x], com ci = bbi ai e bbi = , i = 0, 1, . . . , n.
bi
Além disso, se d = mdc(c0 , c1 , . . . , cn ), então d | ci , i = 0, 1, . . . , n. Logo, existe
di ∈ A tal que ci = ddi . Assim,

g = d(d0 + d1 x + · · · + dn xn ) = df ∗ .

Portanto,
f = c(f )f ∗ ,
8.2. CRITÉRIOS DE IRREDUTIBILIDADES 495

onde c(f ) = db ∈ K ∗ e f ∗ ∈ A[x] um polinômio primitivo.


(Unicidade) Se f = c1 (f )g ∗ , onde c1 (f ) ∈ K ∗ e g ∗ ∈ A[x] um polinômio
primitivo, então
c1 (f ) ∗
c(f )f ∗ = c1 (f )g ∗ ⇒ f ∗ = g .
c(f )
Se
c1 (f ) k
= ,
c(f ) l
onde k, l ∈ A e mdc(k, l) = 1, então lf ∗ = kg∗ é uma equação em A[x]. Logo,
o maior divisor comum dos coeficientes de lf ∗ é igual a l e dos coeficientes de
kg ∗ é igual a k. Assim, existe u ∈ U(A) tal que k = lu. Portanto,
c1 (f ) k lu
= = = u ou f ∗ = ug ∗ ,
c(f ) l l
isto é, c(f ) e c1 (f ) (f ∗ e g ∗ ) são associados. ¥

Exemplo 8.30 Seja


1 5 2
f= + x3 + x4 + x5 ∈ Q[x].
3 3 9
Então
1
f = f ∗,
9
∗ 3 4 2
onde f = 3 + 9x + 15x + 2x ∈ Z[x].

Lema 8.31 Sejam A um domínio de fatoração única e K seu corpo quociente.


Se f ∈ A[x], então c(f ) ∈ A.

Prova. Pelo Lema 8.29, f = c(f )f ∗ . Por outro lado, se d é o maior divisor
comum dos coeficientes de f , então f = dh, com d ∈ A∗ e h um polinômio
primitivo em A[x]. Assim, pela unicidade, c(f ) = ud, com u ∈ U(A). Portanto,
c(f ) = ud ∈ A. ¥

Lema 8.32 Sejam A um domínio de fatoração única, K seu corpo quociente


e f ∈ K[x]. Se f = gh em K[x], então

c(f ) ∼ c(g)c(h) e f ∗ = g∗ h∗ .
496 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Prova. Como g = c(g)g ∗ , h = c(h)h∗ e

f = c(g)c(h)g ∗ h∗

temos, pelo Lema 8.29, que

c(f ) ∼ c(g)c(h) e f ∗ = g∗ h∗ ,

que é o resultado desejado. ¥

Teorema 8.33 (Teorema de Gauss) Sejam A um domínio de fatoração


única, K seu corpo quociente e f ∈ A[x] um polinômio primitivo. Então f é
redutível sobre K se, e somente se, f é redutível sobre A. Em particular, se f
é um polinômio mônico e redutível sobre K, então f é redutível sobre A.

Prova. Suponhamos que f seja redutível sobre K. Então existem f, g ∈ K[x]


tais que
f = gh, com 1 ≤ ∂(g), ∂(h) < ∂(f ).

Como f é um polinômio primitivo temos que c(g)c(h) = u, onde u ∈ U(A), pois


g ∗ h∗ é um polinômio primitivo. Logo, f = ug ∗ h∗ , onde u ∈ U(A). Portanto, f
é redutível sobre A.
A recíproca é clara. ¥

Observação 8.34 O Teorema de Gauss não se aplica a um domínio qualquer,


por exemplo, sejam

A = Z[2i] = {a + 2bi : a, b ∈ Z}

um subanel do corpo dos números complexos C e f = 1 + x2 ∈ A[x]. Então é


fácil verificar que
K = Q[i] = {a + 2bi : a, b ∈ Q}

é o corpo quociente de A e f = (x − i)(x + i) em K[x], ou seja, f é redutível


sobre K, mas f é irredutível sobre A, pois i, −i ∈
/ A. Em particular, A não é
um domínio de fatoração única.
8.2. CRITÉRIOS DE IRREDUTIBILIDADES 497

Corolário 8.35 Seja A um domínio de fatoração única. Então A[x] é um


domínio de fatoração única.

Prova. Sejam f ∈ A[x], com f 6= 0, e K o corpo quociente de A. Como K[x]


é um domínio de fatoração única temos, pelo Lema 8.32, que

f = cp1 · · · pr ,

onde c ∈ A e os polinômios primitivos pi em A[x] são irredutíveis sobre K[x].


Logo, pelo Teorema de Gauss, os pi são irredutíveis sobre A[x].
Finalmente, a unicidade segue do item (2) do Lema 7.10. ¥

Teorema 8.36 Sejam A um domínio de fatoração única, K seu corpo quo-


ciente e f ∈ A[x]. Se f é irredutível sobre A, então f é irredutível sobre
K.

Prova. Suponhamos, por absurdo, que f seja redutível sobre K. Então exis-
tem f, g ∈ K[x] tais que

f = gh, com 1 < ∂(g), ∂(h) < ∂(f ).

Assim,
f = c(g)c(h)g∗ h∗ ,
com g∗ , h∗ ∈ A[x] polinômios primitivos. Logo, pelos Lemas 8.29 e 8.31,

c(g)c(h) = c(f ) ∈ A.

Portanto, f = c(f )g ∗ h∗ é um fatoração em A[x], o que é uma contradição. ¥

Observação 8.37 A recíproca do Teorema 8.36 é falsa, por exemplo, f =


4 + 2x ∈ Z[x] é irredutível sobre Q, mas é redutível sobre Z. Um exemplo
mais geral, seja A = Z[2i] = {a + 2bi :∈ Z} o subanel do corpo dos números
complexos C.

Teorema 8.38 Sejam A um domínio de integridade e

f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x]

com n ≥ 1. Se existir um ideal maximal M de A tal que


498 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

1. an 6≡ 0 (mod M).

2. ai ≡ 0 (mod M), i = 0, 1, . . . , n − 1.

3. a0 6≡ 0 (mod M 2 ).

Então f é irredutível sobre A.

Prova. Suponhamos, por absurdo, que f seja redutível sobre A. Então existem
f, g ∈ A[x] tais que

f = gh, com g = b0 + b1 x + · · · + bk xk , h = c0 + c1 x + · · · + cm xm ∈ A[x]

e 1 < k, m < n. Logo, por hipótese,

b (g)b
ϕ b (f ) = ϕ(an )xn .
ϕ(h) = ϕ

A
¡A¢
Como M
é um corpo temos que M
[x] é um domínio de fatoração única.
Logo,

b (g) = ϕ(bk )xk , com bj ≡ 0 (mod M), j = 0, 1, . . . , k − 1,


ϕ

e
b (h) = ϕ(cm )xm , com cl ≡ 0 (mod M), l = 0, 1, . . . , m − 1.
ϕ
Em particular, b0 ≡ 0 (mod M) e c0 ≡ 0 (mod M). Portanto,

a0 = b0 c0 ≡ 0 (mod M 2 ),

o que é uma contradição. ¥

Teorema 8.39 (Critério de Eisenstein) Sejam A um domínio de fatoração


única, K seu corpo quociente e

f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x]

um polinômio primitivo, com n ≥ 1. Se existir um elemento primo p em A tal


que
8.2. CRITÉRIOS DE IRREDUTIBILIDADES 499

1. p - an .

2. p | ai , i = 0, 1, . . . , n − 1.

3. p2 - a0 .

Então f é irredutível sobre K.

Prova. Segue do Corolário 8.35 e do Teorema 8.38, com M = (p). ¥

Exemplo 8.40 Seja d ∈ Z livre de quadrados. Mostre que f = xn − d ∈ Z[x]



é irredutível sobre Q, para todo n ∈ N. Em particular, n a é um número
irracional.

Solução. Seja p um número primo dividindo d. Então, pelo Critério de


Eisenstein, f = xn − d ∈ Z[x] é irredutível sobre Q. ¥

Exemplo 8.41 Seja p um número primo. Mostre que φp = 1+x+· · ·+xp−1 ∈


Z[x] é irredutível sobre Q.

Solução. Note que


xp − 1
φp = .
x−1
Logo,
(1 + x)p − 1
f = φp (1 + x) =
(1 + x) − 1
à ! à ! à !
p p p
= + x + ··· + xp−2 + xp−1 .
1 2 p−1

Como p divide à !
p
, k = 1, . . . , p − 1,
k
temos, pelo Critério de Eisenstein, que f é irredutível sobre Q. Portanto, pelo
item (b) do Exercício 11 da Seção 8.1, φp é irredutível sobre Q. ¥

Exemplo 8.42 Sejam A = Q[x] e f = y n −x ∈ A[y], para todo n ∈ N. Mostre


que f é irredutível sobre A.
500 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Solução. Note que P = (x) é um ideal primo em A, pois a função ϕ : A → Q


definida por ϕ(f (x)) = f (0) é um homomorfismo de aneis, com ker ϕ = P .
Então, pelo Critério de Eisenstein, f = y n − x ∈ A[y] é irredutível sobre
A. Observe, pelo Exercício 12 abaixo, que o resultado continua válido para
qualquer domínio de integridade ¥

Proposição 8.43 (Princípio da Localização) Sejam A um domínio de in-


tegridade,
f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ A[x],
com n ≥ 1 e I um ideal próprio de A. Se an ∈ / I e fb = ϕ
b (f ) não possui
A
fatoração própria sobre I , então f é irredutível sobre A.

Prova. Suponhamos, por absurdo, que f seja redutível sobre A. Então existem
f, g ∈ A[x] tais que

f = gh, com g = b0 + b1 x + · · · + bk xk , h = c0 + c1 x + · · · + cm xm ∈ A[x]

e 1 < k, m < n. Logo,


b (f ) = ϕ
ϕ b (g)b
ϕ(h)
¡A¢
é uma fatoração próprio em I [x], o que é uma contradição, pois o elemento
ϕ(bk ck ) = ϕ(an ) não pertence ao ideal I. ¥

Observação 8.44 Sejam A = Z6 e f = x ∈ A[x]. Então

f = (4 + 3x)(3 + 4x),

ou seja, f é redutível sobre A. Não obstante, se

I = (2) = 2A = {0, 2, 4} (I = (3) = 3A = {0, 3})

é um ideal próprio de A, então

fb = ϕ
b (f ) = 1x = (1 + I)x

não possui fatoração própria sobre AI . Portanto, a hipótese de A ser um


domínio de integridade na Proposição 8.43 é necessária.
8.2. CRITÉRIOS DE IRREDUTIBILIDADES 501

Exemplo 8.45 Mostre que f = 97 + 5x + 27x2 + x3 ∈ Z[x] é irredutível sobre


Q.

Solução. Note que não podemos aplicar o Critério de Eisenstein. Pondo


p = 5, obtemos
fb = ϕ
b (f ) = 2 + 2x2 + x3 ∈ Z5 [x].
Como p - 1, basta provar que fb é irredutível sobre Z5 . É fácil verificar que
nenhum elemento de Z5 é raiz de fb, por exemplo,

fb(4) = 2 + 2(4)2 + 43 = 98 = 3 6= 0.

Portanto, pelo item (a) do Exercício 16 abaixo, fb é irredutível sobre Z5 . ¥

Exemplo 8.46 Mostre que f = 1 + xy + x2 ∈ Z[x, y] é irredutível sobre Z.

Solução. Pondo I = (y) um ideal próprio do anel Z[y], obtemos


µ ¶
Z[y]
fb = ϕ 2
b (f ) = 1 + x ∈ [x] ' Z[x],
I

pois é fácil verificar que a função ϕ : Z[x, y] → Z[x] definida por ϕ(f (x, y)) =
f (x, 0) é um homomorfismo de aneis, com ker ϕ = I. Como 1 ∈ / I, basta provar
b b
que f é irredutível sobre Z[x]. Mas, é claro que f é irredutível sobre Z[x]. ¥

Exemplo 8.47 Seja p um número primo. Mostre que o polinômio f = c +


(p − 1)x + xp ∈ Zp [x], com c 6= 0, é irredutível sobre Zp .

Solução. Já vimos, pelo Teorema de Lagrange, que ap ≡ a (mod p), para


todo a ∈ Zp . Logo, o polinômio

g(x) = −x + xp = (p − 1)x + xp ≡ 0 (mod p).

Assim,
g(a) = (p − 1)a + ap ≡ 0 (mod p), ∀ a ∈ Zp .
Portanto, f (a) 6= 0, para todo a ∈ Zp , ou seja, pelo item (b) do Exercício 16
abaixo, f é irredutível sobre Zp . ¥
502 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

EXERCÍCIOS

1. Sejam A um domínio de fatoração única e K seu corpo quociente. Mostre


que os elementos primos de A[x] são os elementos primos de A ou os
polinômios primitivos de A[x] que são irredutíveis sobre K.

2. Seja K um corpo. Mostre que se f ∈ K[x], com ∂(f ) ≥ 2, possui uma


raiz em K, então f é redutível sobre K.

3. Sejam K um corpo e f ∈ K[x], com 1 ≤ ∂(f ) ≤ 3. Mostre que f .é


redutível sobre K se, e somente se, f possui uma raiz em K.

4. Mostre que qualquer a ∈ R com a ≥ 0 possui uma raiz quadrada em R.


Generalize para uma raiz n-ésima em R.

5. Mostre que qualquer polinômio f ∈ R[x], com grau ímpar maior do que
ou giual a 3, é redutível sobre R. (Sugestão: Seja f ∈ R[x] Então
podemos supor, sem perda de generalidade, que

f = a0 + a1 x + · · · + an−1 xn−1 + xn ∈ R[x].

Pondo
X
n−1
t=1+ |ai | ∈ R∗+ ,
i=0

obtemos f (t) > 0 e f (−t) < 0 (prove isto!). Agora, aplique o Teorema
do Valor Intermediário.)

6. Quais dos conjuntos J ⊆ Q[x] são ideais de .Q[x]. Em caso afirmativo,


calcule p mônico em J tal que J = (p). Quais J são ideais maximais de
Q[x]? Nos casos afirmativo determine o corpo quociente

Q[x]
.
J
8.2. CRITÉRIOS DE IRREDUTIBILIDADES 503

(a) J = {f ∈ Q[x] : f (1) = f (7) = 0}.


(b) J = {f ∈ Q[x] : f (2) = 0 e f (5) 6= 0}.

(c) J = {f ∈ Q[x] : f ( 3) = 0}.
(d) J = {f ∈ Q[x] : f (4) = 0 e f (0) = f (1)}.

7. Seja f ∈ R[x] um polinômio mônico com ∂(f ) = 2. Mostre que f é


irredutível sobre R se, e somente se, f pode ser escrito sob a forma

f = (x − a)2 + b2 , onde a, b ∈ R, b 6= 0.

8. (Critério de Raízes Racionais) Seja f = a0 + · · · + an xn ∈ Z[x], com


∂(f ) = n. Mostre que se
r
α= ∈ Q, s 6= 0,
s
é uma raiz de f , então r | a0 e s | an . Conclua que se an = 1, então toda
raiz racional de f é inteira.

9. Mostre que para qualquer n ∈ N, existe pelo menos um polinômio irre-


dutível de grau n sobre Z.

10. Mostre que se A[x] é um domínio de fatoração única, então A também o


é.

11. Mostre que o polinômio f = 1 + x ∈ Z6 [x] é redutível sobre Z6 .

12. Seja A um domínio de fatoração única. Então A[x, y] é um domínio de


fatoração única. Generaliza para um número arbitrário de variáveis.

13. Sejam A um domínio de integridade e

f = a0 + a1 x + · · · + xn ∈ A[x]

um polinômio mônico com n ≥ 1. Se existir um ideal primo P em A tal


que ai ≡ 0 (mod P ), i = 0, 1, . . . , n − 1e a0 6≡ 0 (mod P 2 ). Mostre que f
é irredutível sobre A.
504 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

14. Sejam A um domínio de integridade, K seu corpo quociente e f ∈ A[x]


um polinômio mônico. Mostre que se f = gh, com g.h ∈ K[x] mônicos,
∂(g), ∂(h) < ∂(f ) e g ∈
/ A[x], então A não é um domínio de fatoração

única. Conclua que Z[ 8] não é um domínio de fatoração única.

15. Seja K corpo.

(a) Mostre que f ∈ K[x] com ∂(f ) = n e f (0) =


6 0 é irredutível sobre
K se, e somente se, o polinômio recíproco g(x) = xn f ( x1 ) de f é
irredutível sobre K.
(b) Mostre que o polinômio f = 4 + 5x17 ∈ Z[x] é irredutível sobre Q.

16. Sejam p um número primo e f = a0 + · · · + an xn ∈ Zp [x]. Mostre que


cada uma das seguintes condições implica que f é redutível sobre Zp .

(a) f (a) = mp ≡ 0 (mod p), para algum a ∈ Zp e m ∈ Z+ .


(b) a0 + · · · + an = rp ≡ 0 (mod p), para algum r ∈ Z+ .
(c) n um número ímpar, ai ∈ Z∗p e a0 = · · · = an .
(d) f = 1 + xp .

17. Quais dos seguintes polinômios f ∈ Z[x] são irredutíveis sobre Q?

(a) 1 + x + 2x2 + 2x3 .


(b) 2 + 2x + 2x2 + 2x3 .
(c) 2 + 4x + 2x5 + 2x7 .
(d) 33 + 44x + 11x2 + 22x3 + x7 .
(e) 12 + 5x + 15x2 + 10x3 + x4 .
(f) 4 + 4x + 6x2 + 4x2 + x4 .

18. Seja p um número primo ímpar. Mostre que o polinômio

f = c + x + · · · + xp−1 ∈ Zp [x],

com c 6= 0 é irredutível sobre Zp .


8.2. CRITÉRIOS DE IRREDUTIBILIDADES 505

19. Seja p um número primo. Mostre que para cada função f : Zp → Zp


existe um único polinômio p ∈ Zp [x] de grau no máximo p − 1 tal que
p(a) = f (a), para todo a ∈ Zp .

20. Mostre que cada um dos corpos

Z11 [x] Z11 [y]


K1 = 2
e K2 =
(1 + x ) (2 + 2y + y 2 )

contêm 121 elementos. (Sugestão: Mostre que a função ϕ : K1 → K2


definida por

ϕ(x + (1 + x2 )) = 1 + y + (2 + 2y + y 2 )

é um isomorfismo de corpos.)

21. Seja K um corpo. Mostre que o conjunto de todos os polinômios irre-


dutíveis sobre K é infinito. Conclua que qualquer corpo algebricamente
fechado é infinito.

22. Seja K um corpo qualquer.

(a) Mostre que K[x] munido com a composição externa

X
n
(cf )(x) = (cai )xi
i=0

é um espaço vetorial (é uma álgebra) sobre K.


(b) Mostre que qualquer ideal de K[x] é um subespaço vetorial de K[x].
Mostre, com um exemplo, que a recíproca é falsa.
(c) Se V é um subespaço vetorial de K[x], então V é um ideal de K[x]
se, e somente se,
xf (x) ∈ V, ∀ f (x) ∈ V.

23. Sejam K um corpo qualquer e f ∈ K[x].


506 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

(a) Mostre que qualquer ideal J do anel quociente

e = K[x]
K[x]
(f )
é da forma
J = {d + (f ) : d | f }.

(b) Mostre que existe uma correspondência biunívoca entre os ideais em


e
K[x] e
e os divisores mônicos de f . Conclua que K[x] possui apenas
um número finito de ideais.

24. Sejam Vn (Zp ) o espaço vetorial de todos os polinômio de grau menor


do que ou igual a n sobre Zp e Vm (Zp ) o espaço vetorial de todos os
polinômio de grau menor do que ou igual a m sobre Zp . Mostre que
se n > m e m + 1 divide n + 1, então existe uma transformação linear
T : Vn (Zp ) → Vm (Zp ) tal que
Vn (Zp )
' Vm (Zp ).
ker T
(Sugestão: Seja T : Vn (Zp ) → Vm (Zp ) definida por

T (a0 + · · · + am xm + · · · + an xn ) = (a0 + · · · + am )
+(am+1 + · · · + a2m+1 )x
+ · · · + (an−m + · · · + an )xm .

Agora, mostre que T tem as propriedades desejadas.)

25. Sejam K um corpo e

A = {f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ K[x] : a1 = 0}.

(a) Mostre que A é um domínio de integridade.


(b) Mostre que A[x] não é um domínio de fatoração única.

(Sugestão: (b) Mostre que x6 possui duas fatorações distintas em fatores


irredutíveis
x6 = (x2 )3 = (x3 )2 .)
8.3. ANEIS NOETHERIANOS 507

26. Sejam A um domínio de fatoração única, p um elemento primo em A e K


seu corpo quociente. Mostre que a função ωp : K → Z+ ∪ {∞} definida
no Exercício 8, da Seção 1 do Capítulo 7, pode ser estendida de modo
único para K[x],
à n !
X
bp
ω ai xi = min {ω p (ai )}.
0≤i≤n
i=0

Além disso:

b p (cf ) = ω
(a) Mostre que ω b p (c) + ω
b p (f ), para todo c ∈ K e f ∈ K[x].
b p (f g) = ω
(b) Mostre que ω b p (f ) + ω
b p (g), para todos f, g ∈ K[x].

27. Sejam Q um corpo dos números racionais e

A = {f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ Q[x] : a0 ∈ Z}.

(a) Mostre que A é um domínio de integridade e U(A) = {−1, 1}.


(b) Mostre que os elementos irredutíveis sobre A são ±p, com p um ele-
mento primo de Z, e os polinômio irredutível sobre Q tendo termos
constantes em {−1, 1}.
(c) Mostre que os elementos irredutíveis sobre A são elementos primos
em A.
(d) Mostre que x não é um elemento irredutível sobre A. Conclua que
A não é um domínio de fatoração única.
(e) Mostre que x não é um elemento primo em A. Determine o anel
quociente
A
.
(x)

8.3 Aneis Noetherianos


Nesta seção apresentaremos uma classe especial de aneis que é uma gene-
ralização dos aneis de ideais principais.
508 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Seja A um anel qualquer. Dizemos que A é um anel Noetheriano se qualquer


ideal I em A for finitamente gerado, isto é, existem a1 , . . . , ak ∈ A tais que

I = (a1 , . . . , ak ).

Exemplo 8.48 Os aneis Z e Q são aneis Noetherianos. Mais geralmente,


qualquer anel de ideais principais é um anel Noetheriano.

Exemplo 8.49 Seja d um número inteiro livre de quadrados. Mostre que o


anel n o
√ √
Z[ d] = a + b d : a, b ∈ Z
é um anel Noetheriano.
√ √
Solução. Sejam I um ideal qualquer de Z[ d] e π : Z[ d] → Z a função

definida por π(a + b d) = a. Então π é um homomorfismo de aneis sobrejetor
tal que

ker π = {b d : b ∈ Z}
e
√ √ √
Im π = {y ∈ Z : π(a + b d) = y, para algum a + b d ∈ Z[ d]}
√ √
= {a ∈ Z : a + b d ∈ Z[ d], para algum b ∈ Z} = Z.

Assim,

I0 = π(I) = {a ∈ Z : a + b d ∈ I, para algum b ∈ Z} e I1 = I ∩ ker π

são ideais de Z e Z[ d], respectivamente. Note que
√ √
I1 ' {b ∈ Z : b d ∈ I} E Z. (b d ↔ b)

Logo, existem a0 , b1 ∈ Z tais que

I0 = (a0 ) e I1 ' (b1 ).

Assim, pela definição de I0 , podemos encontrar b0 ∈ Z tal que



x0 = a0 + b0 d ∈ I.
8.3. ANEIS NOETHERIANOS 509

Afirmação. I = (x0 , x1 ), onde x1 = b1 d ∈ I.

De fato, dado x = a + b d ∈ I, então a ∈ I0 , de modo que a = ma0 , para
algum m ∈ Z. Assim,

x − mx0 = (b − mb0 ) d ∈ I ⇒ b − mb0 ∈ I1 .

Logo, b − mb0 = nb1 , para algum n ∈ Z. Portanto,


√ √
x = a + b d = ma0 + (mb0 + nb1 ) d
= mx0 + nx1 ∈ (x0 , x1 )
⇒ I ⊆ (x0 , x1 ).
√ √
Portanto, qualquer ideal em Z[ d] é finitamente gerado, ou seja, Z[ d] é um
anel Noetheriano. ¥

Proposição 8.50 Seja A anel qualquer. Então as seguintes condições são


equivalentes:

1. A é um anel Noetheriano (condição de base finita);

2. Qualquer cadeia crescente de ideais em A é estacionária (condição de


cadeia ascendente);

3. Qualquer família não vazia de ideais em A possui um elemento maximal


(condição maximal).

Prova. (1 ⇒ 2) Seja
I1 ⊆ I2 ⊆ · · · ⊆ In ⊆ · · ·

uma cadeia crescente de ideais em A. Então é fácil verificar que


[

I= In
n=1

é um ideal de A. Logo, existem a1 , . . . , ak ∈ A tais que

I = (a1 , . . . , ak ).
510 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Como a1 , . . . , ak ∈ I temos que existem n1 , . . . , nk ∈ N tais que

a1 ∈ In1 , . . . , ak ∈ Ink .

Pondo n0 = max{n1 , . . . , nk }, teremos a1 , . . . , ak ∈ In0 . Assim, para n ≥ n0 ,

I = (a1 , . . . , ak ) ⊆ In0 ⊆ In ⊆ I.

Portanto, In = In0 , para todo n ∈ N, com n ≥ n0 .


(2 ⇒ 3) Sejam

F = {I : I um ideal em A e I 6= {0}}

uma família não vazia de ideais em A e I1 ∈ F. Se I1 é um elemento maximal


de F, acabou. Caso contrário, escolhemos um elemento qualquer I2 de F, com
I1 ⊆ I2 . Continuando assim, obtemos uma cadeia crescente de elementos de
F,
I1 ⊆ I2 ⊆ · · · ⊆ In ⊆ · · ·
Como A satisfaz condição de cadeia ascendente temos que essa cadeia para,
digamos em M = Ik . Portanto, M é um elemento maximal de F.
(3 ⇒ 1) Sejam I um ideal qualquer em A e

F = {J : J é um ideal finitamente gerado em A e J ⊆ I}.

Como {0} ∈ F temos que F 6= ∅. Logo, F contém um elemento maximal M.


Afirmação. M = I.
De fato, suponhamos, por absurdo, que M 6= I. Então existe x ∈ I tal que
x∈/ M. Se L = M + (x), então L ∈ F, com M um subconjunto próprio de L,
o que é uma contradição. ¥

Corolário 8.51 Seja A um anel. Então A é um anel Noetheriano se, e so-


mente se, para qualquer família {ai }i∈N de A, existir k ∈ N tal que

P
k
an = xi ai ,
i=1

para todo n > k e xi ∈ A.


8.3. ANEIS NOETHERIANOS 511

Prova. Suponnhamos, por absurdo, que existam n > k e xi ∈ A tais que


P
k
an 6= xi ai , ∀ k ∈ N.
i=1

Então
Ii = (a1 , . . . , ai )
é uma cadeia crescente de ideais em A não estacionária, o que é uma con-
tradição.
Reciprocamente, seja I um ideal qualquer em A. Suponhamos, por absurdo,
que I não seja finitamente gerado. Então existe uma família {ai }i∈N de I tal
que
an+1 ∈/ (a1 , . . . , αn ),
o que é uma contradição. Portanto, A é um anel Noetheriano. ¥

Exemplo 8.52 Seja p um número primo fixado. Mostre que o conjunto


½ ¾
∞ a n Q
A = Z(p ) = n
: a ∈ Z, 0 ≤ a < p e n ∈ Z+ ⊆
p Z
munido com adição usual do grupo dos números racionais de módulo um e a
multiplicação x · y = 0, para todos x, y ∈ A, é um anel não Noetheriano.

Solução. É claro que A é um anel comutativo sem identidade. Além disso,


qualquer subgrupo I do grupo aditivo de A é um ideal em A, pois ax = 0 ∈ I,
para todo a ∈ A e x ∈ I. Já vimos, no Exemplo 1.55, que qualquer ideal em
A é da forma ½ ¾
1 2 pn − 1
In = 0, n , n , . . . . n , ∀ n ∈ N.
p p p
Assim, é fácil verificar que

{0} ⊂ I1 ⊂ · · · ⊂ In ⊂ · · ·

é uma cadeia crescente de ideais em A não estacionária. Portanto, A não é um


anel Noetheriano. ¥

Proposição 8.53 Sejam A um anel Noetheriano e S um sistema multiplica-


tivo de A. Então S −1 A é um anel Noetheriano.
512 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Prova. Seja J um ideal qualquer em S −1 A. Então é fácil verificar que


n a o
I = a ∈ A : ∈ J, para algum s ∈ S
s
é ideal em A. Sejam J1 e J2 ideais em S −1 A tais que J1 ⊆ J2 e J1 6= J2 .
Afirmação. I1 ⊆ I2 e I1 6= I2
De fato, é claro que I1 ⊆ I2 Suponhamos, por absurdo, que I1 = I2 . Como
J1 6= J2 e J1 ⊆ J2 temos que existe as ∈ J2 tal que as ∈
/ J1 . Sendo a ∈ I2 = I1 ,
a
temos que existe t ∈ S tal que t ∈ J1 . Logo,

a t a
= · ∈ J1 ,
s s t
o que é uma contradição. Portanto, qualquer cadeia crescente de ideais em
S −1 A dar origem a uma cadeia crescente de ideais em A, ou seja, S −1 A é um
anel Noetheriano. ¥

Proposição 8.54 Sejam A, B aneis e σ : A → B um homomorfismo de aneis.


Se ker σ e Im σ são aneis Noetherianos, então A é um anel Noetheriano.

Prova. Seja I um ideal qualquer em A. Então é fácil verificar que σ(I) é um


ideal em Im σ. Logo, existem b1 , . . . , bn ∈ Im σ tais que

σ(I) = (b1 , . . . , bn ).

Além disso, existem a1 , . . . , an ∈ I tais que σ(ai ) = bi , i = 1, . . . , n. Por outro


lado, como I ∩ ker σ é um ideal em ker σ temos que existem c1 , . . . , cm ∈ ker σ
tais que
I ∩ ker σ = (c1 , . . . , cm ).

Afirmação. I = (a1 , . . . , an , c1 , . . . , cm ).
De fato, dado a ∈ I, obtemos σ(a) ∈ σ(I). Logo, existem y1 , . . . , yn ∈ Im σ,
com yi = σ(xi ), i = 1, . . . , n, tais que
à n !
X n X n X
σ(a) = yi bi = σ(xi )σ(ai ) = σ xi ai .
i=1 i=1 i=1
8.3. ANEIS NOETHERIANOS 513

Assim, Ã !
X
n X
n
σ a− xi ai =0⇒a− xi ai ∈ I ∩ ker σ.
i=1 i=1
Neste caso, existem z1 , . . . , zm ∈ A tais que
X
n X
m X
n X
m
a− xi ai = zj cj ⇒ a = xi ai + zj cj
i=1 j=1 i=1 j=1
⇒ a ∈ (a1 , . . . , an , c1 , . . . , cm ).

Portanto, A é um anel Noetheriano. ¥

Exemplo 8.55 Mostre que o conjunto


(" # )
a b
A= : a, b ∈ Q
0 a
com as operações usuais de adição e multiplicação de matrizes é um anel
Noetheriano, mas o subanel
(" # )
a b
B= :a∈Z e b∈Q
0 a
não é Noetheriano. Portanto, subanel de um anel Noetheriano não necessita
ser Noetheriano.

Solução. Note que a função ϕ : Q × Q → A definida por


" #
a b
ϕ(a, b) =
0 a
é claramente bijetora. Então, pelo Teorema do Transporte, Q × Q é um anel
com a soma usual e a operação binária

(a, b) ∗ (c, d) = σ −1 (ϕ(a, b)ϕ(c, d)) = (ac, ad + bc)

isomorfo a A. Assim, aplicando a Proposição 8.54 a função π : Q × Q → Q


definida por π(a, b) = a, temos que Q × Q é um anel Noetheriano e, conse-
quentemente, A também é um anel Noetheriano. Note que A é um anel local
com ideal maximal Ã" #!
0 1
M= .
0 0
514 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

Para provar que B não é um anel Noetheriano, consideremos o conjunto


(" # )
0 r
I= :r∈Q .
0 0
Então claramente I é um ideal em B. Suponhamos, por absurdo, que I seja
finitamente gerado, digamos
Ã" # " #!
0 r1 0 rn
I= ,..., .
0 0 0 0
Como
ai
ri =, i = 1, . . . , n, onde ai , bi ∈ Z e bi 6= 0,
bi
temos que b = b1 · · · bn ∈ Z∗ . Escolhendo um número primo p tal que mdc(b, p) =
1, obtemos " #
0 1p
∈ I.
0 0
Assim, existem " # " #
x1 y1 xn yn
,..., ∈B
0 x1 0 xn
tais que
" # " #" # " #" #
0 1p x1 y1 0 r1 xn yn 0 rn
= + ··· +
0 0 0 x1 0 0 0 xn 0 0
" #
0 r1 x1 + · · · + rn xn
= ,
0 0
ou seja,
1 b
= r1 x1 + · · · + rn xn ⇒ = (br1 )x1 + · · · + (brn )xn ∈ Z,
p p
o que é uma contradição. Poderíamos ter provado que B não é um anel Noethe-
riano usando a Proposição 8.50. De fato, para um n ∈ N fixado, o conjunto
(" # )
0 2mn
In = :m∈Z
0 0
é claramente um ideal em B tal que In ⊆ In+1 e In 6= In+1 . ¥
8.3. ANEIS NOETHERIANOS 515

Lema 8.56 Sejam A um anel,

F = {I : I é um ideal em A} e G = {J : J é um ideal em A[x]}.

Para um n ∈ Z+ fixado, consideremos a função ϕn : G → F definida por

ϕn (J) = {a ∈ A : ∃ f = a0 + · · · + axn ∈ J, a 6= 0} ∪ {0}.

1. ϕn (J) é um ideal em A, para todo n ∈ Z+ .

2. ϕn (J) ⊆ ϕn+1 (J), para todo n ∈ Z+ .

3. Dados J1 , J2 ∈ G, se J1 ⊆ J2 , então ϕn (J1 ) ⊆ ϕn (J2 ), para todo n ∈ Z+ .


Em particular, se J1 ⊆ J2 e ϕn (J1 ) = ϕn (J2 ), para todo n ∈ Z+ , então
J1 = J2 .

Prova. (1) Dados a, b ∈ ϕn (J) e c ∈ A, existem

f = a0 + a1 x + · · · + axn , g = b0 + b1 x + · · · + bxn ∈ J.

Como J é um ideal em A[x] temos que

f − g = (a0 − b0 ) + (a1 − b1 )x + · · · + (a − b)xn ∈ J

e
cf = (ca0 ) + (ca1 )x + · · · + (ca)xn ∈ J.

Se a − b = 0 ou a − b 6= 0, então a − b ∈ ϕn (J). Se ca = 0 ou ca 6= 0, então


ca ∈ ϕn (J). Portanto, ϕn (J) é um ideal em A, para todo n ∈ Z+ .
(2) Dado a ∈ ϕn (J), existe

f = a0 + a1 x + · · · + axn ∈ J.

Como J é um ideal em A[x] temos que

xf = a0 x + a1 x2 + · · · + axn+1 ∈ J.

Logo, a ∈ ϕn+1 (J). Portanto, ϕn (J) ⊆ ϕn+1 (J), para todo n ∈ Z+ .


516 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

(3) Suponhamos que ϕn (J1 ) = ϕn (J2 ), para todo n ∈ Z+ , e que

f = a0 + a1 x + · · · + an−1 xn−1 + an xn ∈ J2 ,

com f 6= 0 e ∂(f ) = n. Então devemos provar que f ∈ J1 . Para provar isto,


vamos usar indução sobre n. Se n = 0, então

f = a0 ∈ ϕ0 (J2 ) = ϕ0 (J1 ) ⊆ J1

Suponhamos que o resultado seja válido para todos os polinômios de grau


menor do que ou igual a n − 1. Como f ∈ J2 temos que

an ∈ ϕn (J2 ) = ϕn (J1 ).

Assim, existe

gn = b0 + b1 x + · · · + bn−1 xn−1 + an xn ∈ J1 ⊆ J2

tal que f − gn ∈ J2 , com f − gn = 0 ou ∂(f − gn ) ≤ n − 1. Se f − gn = 0,


acabou. Se f − gn 6= 0, então, pela hipótese indução, f − gn ∈ J1 . Logo,

f = gn + (f − gn ) ∈ J1 .

Portanto, J1 = J2 . ¥

Teorema 8.57 (Teorema da Base de Hilbert) Seja A um anel Noetheri-


ano. Então A[x] é um anel Noetheriano.

Prova. Seja
{0} ⊆ J1 ⊆ · · · ⊆ Jm ⊆ · · ·
uma cadeia crescente de ideais em A[x]. Então, pelos itens (1) e (3) do Lema
8.56, temos que

{0} ⊆ ϕn (J1 ) ⊆ · · · ⊆ ϕn (Jm ) ⊆ · · · , ∀ n ∈ Z+ ,

é uma cadeia crescente de ideais em A. Logo, existe um k = k(n) ∈ Z+ tal


que
ϕn (Jk ) = ϕn (Jk+1 ) = · · ·
8.3. ANEIS NOETHERIANOS 517

Por outro lado, como a família {ϕn (Jm )}m,n∈Z+ de ideais em A é não vazia
temos que ela contém um elemento maximal, digamos ϕp (Jq ). Assim,
(
ϕn (Jq ), para todo n ≥ p
ϕp (Jq ) =
ϕn (Jm ), para todo n ≥ p e m ≥ q,

pois

n ≥ p ⇒ ϕp (Jq ) ⊆ ϕn (Jq ) e m ≥ q ⇒ ϕp (Jq ) ⊆ ϕn (Jq ) ⊆ ϕn (Jm ).

Finalmente, pondo k = k(n) = p, para todo n ≥ p, e

r = k(1) · · · k(p − 1)q ≥ q,

obtemos
ϕn (Jr ) = ϕn (Jr+1 ) = · · ·
Logo, pela última afirmação do item (3) do Lema 8.56, temos que

Jr = Jr+1 = · · ·

Portanto, A[x] é um anel Noetheriano. ¥

Corolário 8.58 Seja A um anel Noetheriano. Então A[x1 , . . . , xn ] é um anel


Noetheriano. ¥

EXERCÍCIOS

1. Sejam A = P (N) o anel de todos subconjuntos de N e

F(N) = {Y ⊆ N : |Y | < ∞}

um subanel (ideal) de A. Mostre que F(N) não é um anel Noetheriano.


(Sugestão: Considere o conjunto In = {1, . . . , n}, para cada n ∈ N.)
518 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

2. Mostre que o anel das funções contínuas com valores reais B = C([0, 1], R)
não é um anel Noetheriano. (Sugestão: Considere o conjunto
½ ∙ ¸¾
n
In = f ∈ B : f (x) = 0, ∀ x ∈ 0, ,
n+1

para cada n ∈ N.)

3. Seja σ : A → B um homomorfismo de aneis sobrejetor. Mostre que se A


é um anel Noetheriano, então B é anel Noetheriano.

4. Sejam A um anel e I um ideal em A.

A
(a) Mostre que se A é um anel Noetheriano, então I
também o é.
A
(b) Mostre que se I e I
são aneis Noetherianos, então A é um anel
Noetheriano.

5. Seja A um anel comutativo com identidade. Mostre que se A[x] é Noethe-


riano, então A é um anel Noetheriano.

6. Seja A um anel comutativo com identidade. Mostre que se qualquer


ideal maximal em A é principal (a), com a2 = a, então A é um anel
Noetheriano.

7. Seja A um anel Noetheriano. Então An é um anel Noetheriano, para


todo n ∈ N. (Sugestão: Use indução sobre n.)

8. Seja K um corpo. Mostre que anel dos polinômios em infinitas variáveis


A = K[x1 , . . . , xn , . . .] não é Noetheriano.

9. Sejam A um anel Noetheriano e S um subconjunto não vazio de A.


Mostre que existem α1 , . . . , αn ∈ S tais que [S] = [α1 , . . . , αn ].

10. Sejam A um anel Noetheriano e K um anel comutativo com identidade


contendo A e elementos α1 , . . . , αn tais que K = A[α1 , . . . , αn ]. Mostre
que K é um anel Noetheriano.
8.3. ANEIS NOETHERIANOS 519

11. Dê exemplo de uma família F de ideais em um anel Noetheriano tal que


nenhum elemento maximal de F seja um ideal maximal.

12. Mostre que qualquer domínio Noetheriano é um domínio de fatoração.

13. Seja A anel qualquer. Então as seguintes condições são equivalentes:

(a) Toda cadeia decrescente de ideais em A é estacionária (condição de


cadeia descendente);
(b) Toda família não vazia de ideais em A possui um elemento minimal
(condição minimal).

Um anel satisfazendo uma dessas condições chama-se anel Artiniano.

14. Sejam K um corpo e Z o anel dos números inteiros. Mostre que K[x] e
Z não são aneis Artinianos.

15. Mostre que um subanel de um anel Artiniano não necessita ser Artiniano.

16. Seja p um número primo fixado. Mostre que o conjunto


½ ¾
∞ a n Q
A = Z(p ) = n
: a ∈ Z , 0 ≤ a < p e n ∈ Z+ ⊆
p Z
é um anel Artiniano.

17. Sejam A = F(R, R) e a ∈ R∗+ fixado. Mostre que o conjunto

Ia = {f ∈ A : f (x) = 0, para − a ≤ x ≤ a}

é um ideal em A. Conclua que A não é um anel Noetheriano e nem


Artiniano.

18. Seja σ : A → B um homomorfismo de aneis sobrejetor. Mostre que se A


é um anel Artiniano, então B é anel Artiniano.

19. Sejam A um anel e I um ideal em A.

A
(a) Mostre que se A é um anel Artiniano, então I
é um anel Artiniano.
520 CAPÍTULO 8. ANEIS DE POLINÔMIOS E NOETHERIANOS

A
(b) Mostre que se I e I
são aneis Artinianos, então A é um anel Ar-
tiniano.

20. Mostre que qualquer domínio de integridade Artiniano é um corpo.

21. Mostre que se A é um anel Artiniano, então qualquer ideal primo P 6= {0}
em A é um ideal maximal.

22. Sejam A um domínio de ideais principais e I 6= {0} um ideal em A.


Mostre que AI é um anel Artiniano e Noetheriano.

23. Sejam A um anel Noetheriano e σ : A → A um homomorfismo de aneis


sobrejetor. Mostre que σ é injetor.

24. Seja A = Z2 [x]. Mostre que a função σ : A → A definida por σ(f ) = f 2


é um homomorfismo de aneis injetor, mas não é sobrejetor.

25. Sejam A um anel Artiniano e σ : A → A um homomorfismo de aneis


injetor. Mostre que σ é sobrejetor

26. Sejam A um anel Artiniano e Noetheriano e σ : A → A um homomor-


fismo de aneis. Mostre que existe n ∈ N tal que

A = ker σ n ⊕ σ n (A).
Parte III

Teoria de Corpos e de Galois

521
Capítulo 9

Extensões Algébricas

Um dos principais tópicos da Teoria de Corpos é o estudo de equações


polinomiais:
an xn + · · · + a1 x + a0 = 0, an 6= 0.
Polinômios envolvem duas operações denominadas de adição e multiplicação
e, assim, é natural considerar polinômios com coeficientes ai em um anel A.
Se considerarmos o caso mais simples, quando A = Z e

f (x) = a + bx, b 6= 0,

achamos que existem dificuldades. Por exemplo, a equação

2x + 3 = 0

não pode ser resolvida no anel Z. Como Z é um domínio temos que ele possui o
corpo quociente Q. Assim, se considerarmos 2, 3 ∈ Q, então a equação possui
uma solução
3
x0 = − .
2
Agora, vamos considerar a equação quadrática

x2 − 2x − 2 = 0.

Se considerarmos essa equação com coeficientes em Q, então, completando o


quadrado, obtemos
(x − 1)2 = 3.

523
524 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

Como não existe r ∈ Q tal que r2 = 3 temos que a equação quadrática não
possui solução em Q. Logo, a ideia mais natural é considerarmos a equação
quadrática em R. Assim, a equação fatora-se como
√ √
(x − 1 + 3)(x − 1 − 3) = 0
√ √
e, portanto, possui as soluções 1 − 3 e 1 + 3. O corpo R é muito grande,
pois R é não enumerável enquanto Q é enumerável. É possível proceder mais
economicamente? Este é nosso objetivo neste e nos próximos capítulos.

9.1 Extensão de Corpos e Grau


Já vimos que um dos objetos fundamentais no estudo da Teoria de Grupos
foi o conceito de subgrupo. Em contraste com a Teoria de Grupos, a Teoria
de Corpos é desenvolvida com um par de corpos. É importante lembrar que o
conceito de corpo foi dado por Dedekind em 1879.
Sejam L e K corpos. Dizemos que L é uma extensão de K se K é um
subcorpo de L e será denotada por L/K ou pelo diagrama

L
|
K

O corpo K chama-se de corpo básico ou corpo fundamental da extensão. Em


particular, qualquer corpo K é uma extensão de seu subcorpo primo. Qualquer
corpo F , com
K ⊆ F ⊆ L, (9.1)

chama-se um corpo intermediário da extensão L/K. Neste caso, dizemos que


(9.1) é uma torre de corpos. Por exemplo, R é um corpo intermediário da
extensão C/Q e Q ⊆ R ⊆ C é uma torre de corpos.
Seja L/K uma extensão. Então L com as operações de adição

+: L×L→L
(α, β) 7→ α + β
9.1. EXTENSÃO DE CORPOS E GRAU 525

e a multiplicação por escalar

·: K×L→L
(c, α) 7→ cα

é um espaço vetorial (Dedekind) sobre K, pois essas operações já existem de


modo natural no corpo L. Em particular, qualquer corpo K pode ser consi-
derado como um espaço vetorial sobre seu corpo primo. Note que a condição

c(αβ) = (cα)β = α(cβ), ∀ c ∈ K e α, β ∈ L,

é claramente satisfeita em L, de modo que a multiplicação sobre L é bilinear


sobre K. Neste caso, dizemos que L é uma álgebra ou uma K-álgebra sobre
K.
Seja L/K uma extensão. O grau ou índice de L/K, em símbolos [L : K],
é a dimensão de L como um espaço vetorial sobre K. Dizemos que a extensão
L/K é de dimensão finita se

[L : K] < ∞.

Caso contrário, dizemos que L/K é de dimensão infinita. Note que [C : R] = 2,


pois o conjunto {1, i} é uma base de C sobre R.

Teorema 9.1 Seja K ⊆ F ⊆ L uma torre de corpos. Então

[L : K] = [L : F ][F : K].

Note que se quaisquer dois desses índices são finitos, então o terceiro também
o é.

Prova. Sejam {αi : i ∈ I} = {αi }i∈I uma base de L sobre F e {β j : j ∈ J} =


{β j }j∈J uma base de F sobre K.
Afirmação. O conjunto

{αi β j : i ∈ I e j ∈ J} = {αi β j }(i,j)∈I×J

é uma base de L sobre K.


526 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

De fato, se α ∈ L, então existe uma quantidade finita de elementos diferentes


de zero ai ∈ F , ou seja, ai = 0, para quase todo i ∈ I, tais que
X
α= ai αi . (9.2)
i∈I

Como ai ∈ F temos, para cada i fixado, que existe uma quantidade finita de
elementos diferentes de zero bij ∈ K tais que
X
ai = bij β j . (9.3)
j∈J

Substituindo os ai da equação (9.3) na equação (9.2), obtemos


à !
X X XX
α= bij β j αi = bij αi β j .
i∈I j∈j i∈I j∈J

Logo, os elementos αi β j geram L sobre K.


Agora, suponhamos que
à !
XX X X
0= bij αi β j = bij β j αi .
i∈I j∈J i∈I j∈J

Como os αi são LI sobre F temos que


X
bij β j = 0.
j∈J

Por outro lado, como os β j são LI sobre K temos que

bij = 0, ∀ i ∈ I e j ∈ J.

Portanto, os elementos αi β j são LI sobre K e, desta forma, formam uma base


de L como espaço vetorial sobre K. ¥

Corolário 9.2 Seja K ⊆ F1 ⊆ · · · ⊆ Fn ⊆ L uma torre de corpos. Então

[L : K] = [L : Fn ] · · · [F1 : K].

Prova. Fica como um exercício. ¥


9.1. EXTENSÃO DE CORPOS E GRAU 527

Lema 9.3 Sejam K, L corpos e σ : K → L um homomorfismo de corpos


injetor. Então existe um corpo F tal que K ⊆ F e σ pode ser estendido a um
isomorfirmo de F sobre L.

Prova. Confira a prova do Teorema da Imersão 2.35. ¥

Observação 9.4 Em vista do Lema 9.3, se σ : K → L é um homomorfismo


de corpos injetor, então podemos identificar K com σ(K) e considerar L como
uma extensão de K.

Teorema 9.5 Sejam K um corpo e p ∈ K[x] um polinômio irredutível sobre


K. Então existe uma extensão L de K que contém uma raiz de p.

Prova. Como p é irredutível sobre K temos que

J = (p) = K[x]p = {fp : f ∈ K[x]}

é um ideal maximal em K[x]. Logo,


K[x]
L= = {f + J : f ∈ K[x]}
J
é um corpo. Seja π : K[x] → L a projeção canônica. Então σ = π|K : K → L é
um homomorfismo de corpos injetor, pois K ∩ J = {0}. Assim, pelo Lema 9.3,
L é uma extensão de K com a identificação de a com a+J. Neste caso, L é um
espaço vetorial sobre K, com dimK (L) = ∂(p). De fato, seja α = x + J ∈ L.
Então α é uma raiz de p em L, pois se

p = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ K[x],

então

p(α) = a0 + a1 α + · · · + an αn
= (a0 + J) + (a1 + J)(x + J) + · · · + (an + J)(xn + J)
= (a0 + a1 α + · · · + an αn ) + J
= p + J = J = 0.

Agora, é fácil verificar que {1, α, . . . , α∂(p)−1 } é uma base de L sobre K. ¥


528 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

Corolário 9.6 (Teorema de Kronecker) Sejam K um corpo e f ∈ K[x]


um polinômio não constante. Então existe uma extensão L de K que contém
uma raiz de f .

Prova. Fica como um exercício. ¥

Sejam L/K uma extensão e S um subconjunto qualquer de L. O símbolo


K(S) indica o subcorpo de L gerado por K ∪ S, isto é
\
K(S) = {F : K ⊆ F ⊆ L, e S ⊆ F }.

É claro que K(S) é o menor subcorpo de L contendo K e S. Neste caso,


dizemos que K(S) é obtido de K pela adjunção de S. Além disso, se

X = {α1 · · · αn : n ∈ N e αi ∈ S ∪ {1}}

e V = [X] é o subespaço de L gerado por X, então


nr o
K(S) = : r, s ∈ V, com s 6= 0 ,
s
pois K(S) sendo o menor corpo contendo K e S ele contém o conjunto da
direita. Mas, o conjunto da direita é sempre um corpo. Note que K(S) é o
corpo quociente de K[S] e que
[
K(S) = K(α1 , . . . , αn ),

onde a união é sobre todos os subconjuntos finitos de S, pois é fácil verificar


que [
{K(α1 , . . . , αn ) : n ∈ N e α1 , . . . , αn ∈ S},
é um subcorpo de L contendo K e S. Em particular, se S = {α1 , . . . , αn },
dizemos que
K(S) = K(α1 , . . . , αn )
é uma extensão finitamente gerada de K e cada elemento β ∈ K(S) pode ser
escrito sob a forma
f (α1 , . . . , αn )
β= ,
g(α1 , . . . , αn )
9.1. EXTENSÃO DE CORPOS E GRAU 529

onde f, g ∈ K[x1 , . . . , xn ], com g 6= 0. Dizemos que L/K é uma extensão


simples se existir α ∈ L tal que L = K(α). Neste caso, dizemos que α é um
elemento primitivo da extensão L/K.
É importante observar que o corpo L ser uma extensão finitamente gerada
sobre K não é o mesmo que ser finitamente gerado como um espaço vetorial ou
como um anel sobre K, pois L é finitamente gerado como um espaço vetorial
sobre K se, e somente se, [L : K] < ∞ e L é finitamente gerado como um anel
sobre K se existir n ∈ N e α1 , . . . , αn ∈ L tais que
L = K[α1 , . . . , αn ].
Finalmente, sejam L um corpo qualquer, F , G subcorpos de L e S = F ∪G.
Chama-se compósito de F e G o menor subcorpo de L gerado por S e será
denotado por F · G e/ou F G. É claro que
F G = F (G) = G(F ).
Em particular, se K é um subcorpo de F e G, com F = K(S), para algum
subconjunto S de L, então
F G = G(F ) = G(K(S)) = G(K ∪ S) = G(S).
Note que se L = K(x, y), F = K(x) e G = K(y), então
L = F G = F (y) = G(x), mas F [G] = F [y] 6= L.
Observe que o menor corpo contendo R e i é igual a C, pois ele deve conter
todos os elementos da forma a + bi, onde a, b ∈ R. Portanto, R(i) = C.
Exemplo 9.7 Mostre que
√ n √ o
Q( 2) = a + b 2 : a, b ∈ Q .
Solução. Basta observar que
( √ )
√ f ( 2) √
Q( 2) = √ : f, g ∈ Q[x], com g( 2) 6= 0
g( 2)
( √ )
a+b 2
= √ : a, b, c, d ∈ Q
c+d 2
n √ o
= r + s 2 : r, s ∈ Q ,
530 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

em que a segunda igualdade deve-se ao fato


(
√ n 2k , se n = 2k
( 2) = k

2 2, se n = 2k + 1,

que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 9.8 Sejam K um corpo, com 1+1 6= 0 em K, e L/K uma extensão.



Mostre que [L : K] = 2 se, e somente se, existir d ∈ K tal que L = K( d).

Solução. Sendo L um espaço vetorial de dimensão 2 sobre K, podemos es-


tender a base {1} de K, para uma base de L sobre K, digamos {1, α}, onde
α ∈ L − K. Logo,

L = K + αK = {a + bα : a, b ∈ K}.

Como L é um corpo temos que α2 ∈ L. Assim, existem a, b ∈ K tais que


α2 = a + bα. Logo, µ ¶2
b b2
α− = a + ∈ K.
2 4
Pondo
b
β =α−∈ L,
2
temos que {1, β} é também uma base de L sobre K tal que L = K(β), onde

b2
β2 = a + = d ∈ K.
4
Portanto,
√ √
L = K( d) = {a + b d : a, b ∈ K}.
Reciprocamente, é facil verificar que L com a adição
√ √ √
(a1 + b1 d) + (a2 + b2 d) = (a1 + a2 ) + (b1 + b2 ) d

e a multiplicação
√ √ √
(a1 + b1 d) · (a2 + b2 d) = (a1 a2 + b1 b2 d) + (a1 b2 + a2 b1 ) d

é um corpo, com uma base {1, d}. Portanto, [L : K] = 2. ¥
9.1. EXTENSÃO DE CORPOS E GRAU 531
√ √
Exemplo 9.9 Sejam F = Q( 3 2) e G = Q(ω 3 2), com
µ ¶ µ ¶ √

i 2π 2π 1 3
ω=e 3 = cos + i sen =− + i ∈ C.
3 3 2 2
√ √
Mostre que o compósito F G = Q( 3 2, ω) = Q( 3 2 + ω).

Solução. Seja K = Q( 3 2, ω). Então é claro que F ⊆ K e G ⊆ K. Assim,
√ √
F G ⊆ K. Por outro lado, se um corpo L contém 3 2 e ω 3 2, então

ω32
ω= √ 3
∈ L.
2

Assim, L contém 3 2 e ω. Logo, K ⊆ L, ou seja, K é o menor corpo contendo
F e G. Portanto, K = F G.
√ √
Finalmente, é claro que Q( 3 2 + ω) ⊆ K. Por outro lado, se α = 3 2 + ω,
então (α − ω)3 = 2 implica que

2 = (α − ω)3
= α3 − 3α2 ω + 3αω 2 − ω 3
= α3 − 3α2 ω + 3α(−1 − ω) − 1,

pois ω 3 = 1 e ω2 = −1 − ω. Logo,

α3 − 3α − 3 √
3
ω= 2
∈ Q( 2 + ω).
3α + 3α
√ √ √
Assim, 3 2 = α − ω ∈ Q( 3 2 + ω). Portanto, K ⊆ Q( 3 2 + ω). ¥

EXERCÍCIOS

1. Seja L/K uma extensão. Mostre que

[L : K] = 1 ⇔ L = K.
532 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

2. Seja L/K uma extensão. Mostre que se [L : K] é um número primo,


então não existe corpo intermediário da extensão L/K.

3. Sejam L/K uma extensão e f = c + bx + x2 ∈ K[x]. Mostre que se α ∈ L


é uma raiz de f , então β = −(b + α) ∈ L também o é.

4. Mostre que se α ∈ K é uma raiz do polinômio

f (x) = a0 + a1 x + · · · + an−1 xn−1 + an xn ∈ K[x],

então an α é uma raiz do polinômio mônico

g(x) = an−1 n−2


n a0 + an a1 x + · · · + an an−2 x
n−2
+ an−1 xn−1 + xn ∈ K[x].

5. Sejam A um domínio de integridade e K um subcorpo de A. Mostre que


se a dimensão de A como um espaço vetorial sobre K for finita, então A
é um corpo.

6. Sejam F/K e L/K extensões. Mostre que se [F : K] = p e [L : K] = q,


com p e q números primos, então F = L ou F ∩ L = K.

7. Sejam K um corpo infinito e L/K uma extensão, com K 6= L. Mostre


que o grupo quociente
L∗
K∗
é infinito. (Sugestão: Suponha que ele seja finito, então o espaço ve-
torial L seria uma união finita de subespaços de dimensão um, o que é
impossível.)

8. Sejam K um corpo qualquer e A uma álgebra sobre K.

(a) Mostre que A contém uma cópia isomorfa de K.


(b) Mostre que se L uma extensão de K, então A é uma álgebra sobre
L.
√ √
9. Mostre que Q( 2) e Q( 3) não são corpos isomorfos, mas o são como
espaços vetoriais sobre Q.
9.2. ELEMENTOS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 533

10. Sejam L/K uma extensão finita e V um espaço vetorial sobre L, com
dimL (V ) < ∞. Mostre que V é um espaço vetorial sobre K tal que

dimK (V ) = dimL (V )[L : K].

9.2 Elementos Algébricos e Transcendentes


Seja L/K uma extensão. Dizemos que α ∈ L é um elemento algébrico sobre
K se existirem a0 , a1 , . . . , an ∈ K, com an 6= 0 e n ≥ 1, tais que

a0 + a1 α + · · · + an αn = 0,

isto é, α é uma raiz de um polinômio não constante f ∈ K[x]. Caso contrário,


dizemos que α é um elemento transcendente sobre K, ou seja, f (α) 6= 0, para
qualquer polinômio não constante f ∈ K[x]. Note que qualquer α ∈ K é
algébrico sobre K, pois α é uma raiz do polinômio p(x) = x − α ∈ K[x].
Observe que se L = C e K = Q, então um elemento algébrico (transcen-
dente) sobre K chama-se número algébrico (transcendente) sobre K.

Observação 9.10 Se α ∈ L é um elemento algébrico sobre K e α 6= 0, en-


tão sempre podemos escolher c0 , c1 , . . . , cm ∈ K, com c0 6= 0, pois existem
a0 , a1 , . . . , an ∈ K, com an 6= 0 e n ≥ 1, tais que

a0 + a1 α + · · · + an αn = 0.

Se a0 6= 0, então escolha ci = ai , i = 0, . . . , n. Se a0 = 0, então

a0 + a1 α + · · · + an αn = αk (ak + ak+1 α + · · · + an αn−k ) = 0.

Como α 6= 0 e L é um domínio de integridade temos que

ak + ak+1 α + · · · + an αn−k = 0,

com ak 6= 0. Portanto, escolha c0 = ak , . . . , cm = an .



3

Exemplo 9.11 Mostre que α = 2 + 3 é um número algébrico sobre Q.
534 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS
√ √
Solução. Como α − 3 = 3 2 temos, elevando ao cubo ambos os membros da
equação, que
√ √ √
α3 − 3 3α2 + 9α − 3 3 = 2 ⇔ α3 + 9α − 2 = 3 3(α2 + 1).

Agora, elevando ao quadrado ambos os membros da última equação, obtemos

α6 + 18α4 − 4α3 + 81α2 − 36α + 4 = 27α4 + 54α2 + 27.

Logo,
α6 − 9α4 − 4α3 + 27α2 − 36α − 23 = 0.
Portanto, α é uma raiz do polinômio

p(x) = x6 − 9x4 − 4x3 + 27x2 − 36x − 23 ∈ Q[x],


√ √
ou seja, α = 3
2 + 3 é algébrico sobre Q. ¥

Os números irracionais existem desde a prova de Pitágoras de que o número



2 é irracional sobre Q. No entanto, não era conhecido se o número e era
racional ou não. Em 1744, Euler acreditava que o número e era irracional, mas
foi Lambert em 1767, que provou que o número e era irracional. Somente, em
1840, é que Liouville provou a existência de números transcendentes. Mas, foi
Hermite em 1873, que provou a transcendência do número e sobre Q.

Lema 9.12 (Teorema de Liouville) Seja α ∈ C um número algébrico sobre


Q, satisfazendo uma equação de grau n > 1. Então existe c = c(α) > 0 tal que
¯ ¯
¯ ¯
¯α − p ¯ > c , ∀ p ∈ Q, com q > 0.
¯ q ¯ qn q

Prova. Como α ∈ C é um número algébrico sobre Q temos que existe n ∈ N,


com n > 1, e a0 , a1 , . . . , an ∈ Q tais que

a0 + a1 α + · · · + an αn = 0.

Seja
f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ Q[x].
9.2. ELEMENTOS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 535

Então podemos supor, sem perda de generalidade, que a0 , a1 , . . . , an ∈ Z,


an = 1 e que f seja irredutível sobre Z, confira Teorema 9.17. Sendo assim,
basta provar o caso em que α ∈ R, pois se α = a + bi ∈ C, com b 6= 0, então
¯ ¯ ¯ ¯ sµ ¶2
¯ p ¯ ¯ p ¯ p
¯α − ¯ = ¯a − + bi¯ = a− + b2
¯ q¯ ¯ q ¯ q
sµ ¶2
p
> a−
q
¯ ¯
¯ p¯
= ¯¯a − ¯¯ .
q

Para qualquer
p p
∈ Q, com q > 0 e 6= α,
q q
temos, pelo Teorema do Valor Médio, que existe
µ ¶ µ ¶
p p
γ∈ , α ou γ ∈ α,
q q

tal que µ ¶ µ ¶ µ ¶
p p p
−f = f (α) − f = α− f 0 (γ).
q q q
Se ¯ ¯
¯ p ¯¯
¯α − ≥ 1,
¯ q¯
então nada há para ser provado. Se
¯ ¯
¯ p ¯¯
¯α − < 1,
¯ q¯

então |γ| < 1 + |α| e |f 0 (γ)| < 1c , para algum c = c(α) > 0. Logo,
¯ µ ¶¯ ¯ ¯
¯ ¯ ¯ ¯
¯f p ¯ < ¯α − p ¯ 1 , ∀ p ∈ Q, com q > 0.
¯ q ¯ ¯ q¯ c q

Como f é irredutível sobre Q temos que


µ ¶ ¯ µ ¶¯
p ¯ n p ¯¯
f 6= 0 e ¯¯q f > 1.
q q ¯
536 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

Portanto, ¯ ¯
¯ p ¯¯ c p
¯α − > n , ∀ ∈ Q, com q > 0,
¯ q ¯ q q
que é o resultado desejado. ¥

Observação 9.13 Pondo

r = max{|ai | : i = 0, . . . , n},

obtemos
1
= n2 (1 + |α|)n−1 r.
c
Exemplo 9.14 O número real
X∞
1
ξ= = 0, 110001000 · · ·
n=1
10n!

é transcendente sobre Q.

Solução. Sejam k ∈ N,
Xk
1
k!
pk = 10 n!
e qk = 10k! .
n=1
10

Então mdc(pk , qk ) = 1 e
¯ ¯ X

¯ ¯
¯ξ − pk ¯ = 1
¯ qk ¯ 10n!
n=k+1
̰ !
1 X 1
<
10(k+1)! n=0 10n
10 1
= · k+1
9 qk
1
< .
qk
Portanto, pelo Lema 9.12, ξ é um número transcendente sobre Q. ¥

Lema 9.15 Seja f : Z → Z uma função tal que limn→∞ f (n) = 0. Então
f (n) = 0, para n suficientemente grande.
9.2. ELEMENTOS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 537

Prova. Como limn→∞ f (n) = 0 temos que dado ε = 12 , existe n0 ∈ Z tal que
1
0 ≤ |f (n) − 0| = |f (n)| < ,
2
para todo n ∈ Z, com n > n0 . Sendo f (n) um número inteiro, temos que
f (n) = 0, para todo n ∈ Z, com n > n0 . ¥

Exemplo 9.16 (Teorema de Hermite) O número real e é transcendente


sobre Q.

Solução. Suponhamos, por absurdo, que e seja algébrico sobre Q. Então


existem a0 , a1 , . . . , an ∈ Q, n ≥ 1, tais que

a0 + a1 e + · · · + an en = 0.

Podemos supor, sem perda de generalidade, que a0 , a1 , . . . , an ∈ Z e a0 6= 0.


Escolhendo um número primo qualquer p, com

p > max{n, |a0 |},

definimos
1
f (x) = xp−1 (x − 1)p · · · (x − n)p
(p − 1)!
(n!)p p−1 bp bnp+p−1 np+p−1
= − x + xp + · · · + x ,
(p − 1)! (p − 1)! (p − 1)!
onde bj ∈ Z, ou seja, f é um polinômio de grau ∂(f ) = np + p − 1. Pondo

F (x) = f (0) (x) + f (1) (x) + · · · + f (np+p−1) (x)


np+p−1
X
= f (i) (x), com f (np+p) (x) = 0,
i=0

obtemos
d ¡ −x ¢
e F (x) = e−x (F 0 (x) − F (x)) = −e−x f (x).
dx
Logo, para qualquer k ∈ Z+ , temos, pelo Teorema Fundamental do Cálculo,
que Z k ³ ¯k ´
ak e f (x)x = ak −e F (x)¯0 = ak (F (0) − e−k F (k)).
−x −x
0
538 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

Assim, multiplicando por ek e somando sobre k = 0, 1, . . . , n, obtemos


Xn µ Z k ¶ Xn X n
k −x k
ak e e f (x)dx = F (0) ak e − ak F (k)
k=0 0 k=0 k=0
X np+p−1
n X
= − ak f (i) (k),
k=0 i=0

pois a0 + a1 e + · · · + an en = 0.
Afirmação. f (i) (k) ∈ Z e p divide f (i) (k), exceto para k = 0 e i = p − 1.
De fato, é fácil verificar, por derivação direta, que se i ≥ p, então f (i) é um
polinômio em Z[x] e f (i) (k) ≡ 0 (mod p), para todo k ∈ Z+ . Por outro lado,
como k = 1, 2, . . . , n, são raízes de f de multiplicidade p temos que

f (i) (k) = 0, com 0 ≤ i ≤ p − 1.

Assim,
np+p−1 np+p−1
X X
(i) (p)
F (k) = f (k) = f (k) + f (i) (k) ≡ 0 (mod p), k = 1, 2, . . . , n.
i=0 i=p+1

Sendo k = 0 uma raiz de f de multiplicidade p − 1, temos que

f (i) (0) = 0, com 0 ≤ i ≤ p − 2.

Agora, se i ≥ p, então f (i) (0) ≡ 0 (mod p), mas

f (p−1) (0) = (−n!)p 6≡ 0 (mod p).

Logo,
np+p−1
X
F (0) = f (i) (0) 6≡ 0 (mod p).
i=0
Portanto,
n np+p−1
X X
G(p) = ak f (i) (k) 6≡ 0 (mod p),
k=0 i=0
p
pois G(0) = Cp + a0 (−n!) , isto é, para um número primo p suficientemente
grande G(p) é um número inteiro não divisível por p. Note que se 0 ≤ x ≤ n,
então
¯ −x ¯ np+p−1
¯e f (x)¯ ≤ n ,
(p − 1)!
9.2. ELEMENTOS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 539

de modo que
¯ n µ Z k ¶¯¯ Z
¯X Xn
¯ k ¯ k nnp+p−1
¯ k −x ¯ ¯ ¯
¯ ak e e f (x)dx ¯ ≤ ak e dx
¯ 0 ¯ 0 (p − 1)!
k=0 k=0

np(n+1)−1 X
n
= |ak | kek .
(p − 1)! k=0

Logo, limp→∞ G(p) = 0. Assim, pelo Lema 9.15, G(p) = 0, para p suficiente-
mente grande. Portanto, G(p) ≡ 0 (mod p), o que é uma contradição. ¥

Teorema 9.17 Sejam L/K uma extensão e α ∈ L algébrico sobre K. Então


existe um polinômio de menor grau p ∈ K[x] tal que p(α) = 0. Além disso:

1. p é irredutível sobre K.

2. Se f ∈ K[x] é tal que f (α) = 0, então p divide f .

3. Existe um único polinômio mônico de menor grau p ∈ K[x] tal que


p(α) = 0.

Prova. Consideremos o conjunto

S = {n ∈ N : ∃ f ∈ K[x], com ∂(f ) = n e f (α) = 0}.

Como α é algébrico sobre K temos que S 6= ∅. Assim, pelo Princípio da


Boa Ordenação, S contém um menor elemento, digamos n ∈ S. Donde, existe
p ∈ K[x] tal que p(α) = 0 e n = ∂(p).
(1) Suponhamos, por absurdo, que p seja redutível sobre K. Então existem
f, g ∈ K[x] tais que p = f g, com

1 ≤ ∂(f ), ∂(g) < n.

Como 0 = p(α) = f (α)g(α) e L é um domínio de integridade temos que


f (α) = 0 ou g(α) = 0. Em qualquer caso temos que α é uma raiz de um
polinômio de grau menor do que p, o que contradiz a minimalidade do grau de
p. Portanto, p é irredutível sobre K.
540 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

(2) Seja f ∈ K[x] tal que f (α) = 0. Então, pelo Algoritmo da Divisão,
existem q, r ∈ K[x] tais que

f = qp + r, com r = 0 ou ∂(r) < ∂(p).

Como f (α) = 0 = p(α) temos que r(α) = 0. Logo r = 0, pois ∂(r) < ∂(p).
Portanto, p divide f .
(3) Seja q ∈ K[x] outro polinômio mônico de menor grau tal que q(α) = 0.
Então, pelo item (2),
p | q e q | p.

Assim, existe a ∈ K ∗ tal que p = aq. Como p e q são polinômios mônicos


temos que a = 1. Portanto, p = q. ¥

Sejam L/K uma extensão e α ∈ L algébrico sobre K. O polinômio mônico


de menor grau em K[x] que tem α como uma raiz chama-se o polinômio min-
imal ou polinômio primo de α sobre K e será denotado por

p = irr(α, K) ou p(x) = mα (x).

Observe que o grau do polinômio minimal depende do corpo básico.


Exemplo 9.18 Mostre que se α = n p ∈ C, onde n ∈ N e p é um número
primo fixado, então irr(α, Q) = xn − p. Mas irr(α, R) = x − α.

Solução. É claro que α é uma raiz do polinômio f = xn − p ∈ Q[x] e que,


pelo Critério de Eisenstein, f é irredutível sobre Q. ¥

Teorema 9.19 (Teorema da Substituição) Sejam L/K uma extensão, α ∈


L e Eα : K[x] → L o homomorfismo (de álgebras) substituição. Então:

1. Im Eα = K[α] e K ⊆ K[α] ⊆ L.

2. α é transcendente sobre K se, e somente se, ker Eα = {0}.

3. Se α é algébrico sobre K e p = irr(α, K), então ker Eα = (p).


9.2. ELEMENTOS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 541

4. Note que
K[x]
' K[α].
ker Eα
Confira o diagrama
K[x] Eα L

π↓ ↑λ

K[x] −

ϕ K[α]
ker Eα

Prova. (1) Por definição

Im Eα = {Eα (f ) : f ∈ K[x]}
= {a0 + a1 α + · · · + an αn : ai ∈ K} = K[α].

É claro que K ⊆ K[α], pois Eα (a) = a, para todo a ∈ K, e K[α] ⊆ L.


(2) Se f ∈ ker Eα , então Eα (f ) = 0. Logo, f (α) = 0. Como, por hipótese,
α é transcendente sobre K, temos que f ≡ 0, isto é, ker Eα = {0}. A recíproca
prova-se de modo inteiramente análogo.
(3) Como p(α) = 0 temos que p ∈ ker Eα . Logo, (p) ⊆ ker Eα . Por outro
lado, se f ∈ ker Eα , então f (α) = 0. Logo, pelo item (2) do Teorema 9.17, p
divide f . Assim, existe g ∈ K[x] tal que f = pg, isto é, f ∈ (p). Portanto,
ker Eα ⊆ (p).
(4) Consequência direta do Primeiro Teorema de Isomorfismo. ¥

Corolário 9.20 Sejam L/K uma extensão e α ∈ L.

1. Se α é algébrico sobre K, então K(α) = K[α], ou seja,

K(α) = {a0 + a1 α + · · · + an−1 αn−1 : ai ∈ K},

em que n = ∂(irr(α, K)).

2. Se α é transcendente sobre K, então K[x] ' K[α]. Portanto, o corpo


de funções racionais
½ ¾
f
K(x) = : f, g ∈ K[x], com g 6= 0
g
542 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

do domínio K[x] é isomorfo ao corpo quociente


½ ¾
f (α)
K(α) = : f, g ∈ K[x], com g(α) 6= 0
g(α)

do domínio K[α]. Note que um isomorfismo de K(x) sobre K(α) aplica


x em α e a em a, para todo a ∈ K, ou seja,

f (x) f (α)
7→ = f (α)g(α)−1 e a 7→ a.
g(x) g(α)

Prova. Fica como um exercício. ¥

Sejam L/K uma extensão e α, β ∈ L. Dizemos que α é conjugado a β sobre


K se α e β são raízes do mesmo polinômio irredutível sobre K. Por exemplo,
√ √ √ √
α= 2+ 3∈R e β = 2− 3∈R

são conjugados sobre Q, pois

irr(α, Q) = irr(β, Q) = 1 − 10x2 + x4 ∈ Q[x].

É importante observar que o conceito de conjugado é o mesmo conceito clássico


do conjugado de um número complexo, pois se a, b ∈ R, com b 6= 0, então o
conjugado de α = a + bi é β = a − bi e ambos são raízes do polinômio

f = x2 − 2ax + a2 + b2 ∈ R[x],

o qual é irredutível sobre R.

Proposição 9.21 (Teorema da Conjugação) Sejam L/K uma extensão e


α, β ∈ L algébricos sobre K, com [K(α) : K] = n Então a função ϕ : K(α) →
K(β) definida por σ(α) = β e σ(a) = a, para todo a ∈ K, é um isomorfismo
se, e somente se, α e β são conjugados sobre K.

Prova. Suponhamos que ϕ seja um isomorfismo e que

p = irr(α, K) = a0 + a1 x + · · · + an−1 xn−1 + xn ∈ K[x].


9.2. ELEMENTOS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 543

Então p(α) = 0 e

0 = ϕ(p(α)) = a0 + a1 β + · · · + an−1 β n−1 + β n .

Logo, pelo item (2) do Teorema 9.17, q = irr(β, K) divide p. Por outro lado,
usando ϕ−1 ao invés de ϕ, temos que p divide q. Portanto, p = q, pois ambos
são mônicos.
Reciprocamente, seja

p = irr(α, K) = irr(β, K) ∈ K[x].

Então, pelos itens (3) e (4) do Teorema 9.19, obtemos o diagrama

K(α) σ = ϕ−1 ◦I ◦ϕ K(β)


−−−−−2−−−−−−→1

ϕ1 ↑ ↑ ϕ2

K[x] −
→ K[x]
(p)
I (p)

Portanto, K(α) ' K(β), com σ(α) = β e σ(a) = a, para todo a ∈ K. ¥

Teorema 9.22 Sejam L/K uma extensão e α ∈ L.

1. Se α é algébrico sobre K, com ∂(irr(α, K)) = n, então o conjunto

{1, α, . . . , αn−1 }

é uma base de K(α) sobre K. Em particular,

[K(α) : K] = n.

2. Se K = Zp é um corpo finito, então |K(α)| = pn .

Prova. (1) Seja b ∈ K(α). Então, pelo item (1) do Teorema 9.19, existe
f ∈ K[x] tal que b = f (α). Se p = irr(α, K), então, pelo Algoritmo da
Divisão, existem q, r ∈ K[x] tais que

f = qp + r, com r = 0 ou ∂(r) < ∂(p).


544 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

Assim,
b = f (α) = r(α) = a0 + a1 α + · · · + an−1 αn−1 ,
isto é, os elementos 1, α, . . . , αn−1 geram K(α). Agora, suponhamos que

a0 + a1 α + · · · + an−1 αn−1 = 0.

Então α é uma raiz do polinômio

g = a0 + a1 x + · · · + an−1 xn−1 ∈ K[x].

Logo, pelo item (2) do Teorema 9.17, temos que p divide g. Assim, g = 0, pois
∂(g) < ∂(p). Portanto, os elementos 1, α, . . . , αn−1 são LI.
(2) Seja ϕ : K(α) → Znp a função definida por

ϕ(a0 + a1 α + · · · + an−1 αn−1 ) = (a0 , a1 , . . . , an−1 ).

Então é fácil verificar que ϕ é um isomorfirmo de espaços vetoriais sobre K.


¯ ¯
Portanto, |K(α)| = ¯Znp ¯ = pn . ¥

Corolário 9.23 Sejam L/K uma extensão e α, β ∈ L algébricos sobre K.


Então:

1. K(α)(β) = K(α, β). Neste caso,


( n−1 m−1 )
XX
K(α, β) = aij αi β j : aij ∈ K ,
j=0 i=0

em que m = ∂(irr(α, K)) e n = ∂(irr(β, K)). Note que K(α, β) é uma


álgebra sobre K, com uma base ordenada lexicograficamente

{αi β j : i = 0, . . . , m − 1 e j = 0, . . . , n − 1},

isto é,

{1, α, . . . , αm−1 , β, αβ, . . . , αm−1 β, . . . , β n−1 , αβ n−1 , . . . , αm−1 β n−1 }.

2. [K(α, β) : K(α)] ≤ [K(β) : K]. Em particular,

[K(α, β) : K(α)] = [K(β) : K] ⇔ [K(α, β) : K(β)] = [K(α) : K].


9.2. ELEMENTOS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 545

Prova. (1) Por definição o corpo K(α, β) contém α e K. Logo, ele contém o
corpo K(α). Como K(α, β) contém β temos, pela minimalidade de K(α)(β),
que K(α)(β) ⊆ K(α, β). Por outro lado, como K(α)(β) contém α, β e K
temos, pela minimalidade de K(α, β), que K(α, β) ⊆ K(α)(β). Portanto,
K(α)(β) = K(α, β).
(2) Sejam p = irr(β, K) ∈ K[x] e q = irr(β, K(α)) ∈ K(α)[x]. Então
p ∈ K[x] ⊆ K(α)[x] e p(β) = 0. Logo, pelo item (2) do Teorema 9.17, q divide
p. Portanto,

[K(α, β) : K(α)] = ∂(q) ≤ ∂(p) = [K(β) : K],

que é o resultado desejado. Confira o diagrama abaixo. ¥

K(α, β)
Á Â
K(α) K(β)
 Á
K

Observação 9.24 Sejam L/K uma extensão e α ∈ L algébrico sobre K.

1. A álgebra K(α) é completamente determinada pelos coeficientes do polinômio


minimal

p = irr(α, K) = a0 + a1 x + · · · + an−1 xn−1 + xn ∈ K[x],

pois sendo
(
αi+1 , se i = 0, . . . , n − 2
αi · α = Pn−1
− i=0 ai αi , se i = n − 1,

temos que o produto dos elementos básicos αi · αj é recursivamente de-


terminado.

2. Se α1 , . . . , αn ∈ L são algébricos sobre K, então

K(α1 , . . . , αn ) = K[α1 , . . . , αn ].
546 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

Exemplo 9.25 Seja α ∈ C tal que α3 − α + 1 = 0. Determine o inverso de


2 − 3α + 2α2 em Q(α).

Solução. É claro que o polinômio p = 1 − x + x3 ∈ Q[x] é irredutível sobre


Q. Assim,
[Q(α) : Q] = 3
e o conjunto {1, α, α2 } é uma base de Q(α) sobre Q. Seja β = 2 − 3α + 2α2 .
Então devemos determinar a, b, c ∈ Q tais que β −1 = a + bα + cα2 , pois
β −1 ∈ Q(α). Como β · β −1 = 1 temos que

1 = 2a + (−3a + 2b)α + (2a − 3b + 2c)α2 + (2b − 3c)α3 + 2cα4 .

Sendo α3 = α − 1 e α4 = α2 − α, obtemos

1 = (2a + 2b − 3c) + (−3a + 4b − 5c)α + (2a − 3b + 4c)α2 .

Mas isso é equivalente ao sistema




⎨ 2a + 2b − 3c = 1
−3a + 4b − 5c = 0


2a − 3b + 4c = 0.

Logo, a = 1, b = 2 e c = 1, de modo que β −1 = 1 + 2α + α2 . O problema


pode também ser resolvido do seguinte modo: Como o mdc(p, f ) = 1, onde
f = 2 − 3x + 2x2 ∈ Q[x], temos que existem g, h ∈ Q[x] tais que gp + fh = 1.
Portanto, f (α)h(α) = 1. ¥
√ √
Exemplo 9.26 Seja L = Q( 2, 3). Determine [L : Q].

Solução. É claro que α = 2 ∈ C é uma raiz do polinômio p = x2 − 2 ∈ Q[x]
e que, pelo Critério de Eisenstein, é irredutível sobre Q. Assim,

p = irr(α, Q), [Q(α) : Q] = 2



e o conjunto {1, 2} é uma base de Q(α) sobre Q. De modo inteiramente
√ √ √
análogo, q = x2 − 3 = irr( 3, Q) e [Q( 3) : Q] = 2. Seja f = irr( 3, Q(α)) ∈
9.2. ELEMENTOS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 547

Q(α)[x]. Então f divide q, pois q ∈ Q[x] ⊆ Q(α)[x] e q( 3) = 0. Portanto,
[L : Q(α)] ≤ 2.

Afirmação. [L : Q(α)] = 2 e {1, 3} é uma base de L sobre Q(α).

De fato, suponhamos, por absurdo, que [L : Q(α)] = 1. Então 3 ∈ L = Q(α).
Assim, existem a, b ∈ Q, não ambos nulos, tais que
√ √ √
3 = a + b 2 ⇒ 3 = a2 + 2b2 + 2ab 2.

Se ab 6= 0, então
√ 3 − a2 − 2b2
2= ∈ Q,
2ab
o que é impossível. Se a = 0 e b 6= 0, então
r
3
= ±b ∈ Q,
2

o que é impossível. Se b = 0 e a 6= 0, então 3 = ±a ∈ Q, o que é impossível.
Portanto, [L : Q(α)] = 2. Neste caso,

[L : Q] = [L : Q(α)][Q(α) : Q] = 2 · 2 = 4
√ √ √ √ √
e {1, 2, 3, 6} é uma base de L sobre Q. Note que Q( 2 + 3) ⊆ L. Por
√ √
outro lado, se β = 2 + 3, então
√ √
(β − 2)2 = 3 ⇔ β 2 − 2β 2 + 2 = 3
√ β2 − 1 √ √
⇒ 2= ∈ Q( 2 + 3).

√ √ √
De modo inteiramente análogo, prova-se que 3 ∈ Q( 2 + 3). Assim, L ⊆
√ √ √ √
Q( 2 + 3). Portanto, Q( 2 + 3) = L. Além disso, o polinômio

f = x4 − 10x2 + 1 ∈ Q[x],
√ √
é irredutível sobre Q, pois β = 2 + 3 é uma raiz de f . ¥

EXERCÍCIOS
548 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

1. Seja L/K uma extensão. Mostre que α ∈ L é algébrico sobre K se, e


somente se, α−1 ∈ K[α].

2. Sejam f ∈ Z[x] e p um número primo fixado. Mostre que se i ≥ p, então


µ ¶ µ ¶
d(i) f (x) d(i) f (x)
∈ Z[x] e ≡ 0 (mod p).
dxi (p − 1)! dxi (p − 1)!

3. É verdade que Q[e] é um corpo?

4. Sejam α, β ∈ C números transcendentes:

(a) É verdade que Q(α) ' Q(β)?


(b) É verdade que αβ é transcendente?
(c) É verdade que αβ é transcendente?
(d) É verdade que α2 é transcendente?
m
5. Sejam m, n ∈ Z[x], com m > 0. Mostre que e n é um número transcen-
dente.

6. Sejam L/K uma extensão de grau n e α ∈ L é algébrico sobre K. Mostre


que [K(α) : K] divide n.

7. Sejam L/K uma extensão de grau um número primo p e α ∈ L − K.


Mostre que [K(α) : K] = p e L = K(α).

8. Sejam L/K uma extensão e f ∈ K[x]. Mostre que se f é irredutível


sobre L, então f é irredutível sobre K.

9. Sejam f = xn − upm ∈ Q[x], onde m, n, p ∈ N, p um número primo


fixado, e u um elemento de Z tal que

mdc(m, n) = 1 = mdc(u, p).

Determine [L : Q], onde L = Q(α), com α uma raiz de f .

10. Seja L/K uma extensão. Mostre que se α ∈ L é transcendente sobre K,


então α−1 ∈ L é transcendente sobre K. Conclua que K[α] ' K[α−1 ].
9.2. ELEMENTOS ALGÉBRICOS E TRANSCENDENTES 549

11. Verifique se α = cos 2π


5
é um número algébrico ou transcendente sobre
Q.

12. O número q q
3 √ 3 √
10 + 108 + 10 − 108
é racional ou irracional?

13. Sejam K um corpo e F , L extensões de K. Suponha que [L : K] = 2 e


F ∩ L = K. Mostre que se L = K(α), então [F (α) : F ] = 2.

14. Seja K um corpo, com 1 + 1 6= 0 em K.


√ √ √ √
(a) Mostre que K( a, b) = K( a + b).
(b) Mostre que se a, b ∈ Q, com a > 0 e b 6= 0, então
√ √ 3 √ √3 √ √ 3
Q( a, b) = Q( a + b) = Q( a · b).

(c) Se p, q ∈ N são números primos, determine


√ √ √ √
irr( p + 3 q, Q) ∈ Q[x] e irr( p · 3 q, Q) ∈ Q[x].

(d) Mostre que se L = K(α, β), onde αm , β n ∈ K e m, n ∈ N, com


mdc(m, n) = 1, então K(α, β) = K(α · β).
√ √
15. Seja α ∈ C tal que α3 + α + 1 = 0. Mostre que Q(α, 2) = Q(α 2).

16. Seja α ∈ C tal que α3 − 2α + 2 = 0. Mostre que Q(α) = Q(β), com


β = α2 − α.

17. Em cada caso determine irr(α, Q) ∈ Q[x]:


p √ √ √ √
(a) α = 1 + 3 (c) α = i 3 2 (e) α = 3 + 5 3
√ √ √ √ √ √ √
(b) α = 2 + 3 (d) α = 2 + 3 3 (f ) α = 2 + 3 + 5.
18. Mostre que
√ √ √
[Q( 2) : Q] = [Q( 3) : Q] = [Q( 6) : Q] = 2,

mas
√ √ √
[Q( 2, 3, 6) : Q] = 4.
550 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

19. Existem α, β ∈ R − Q tais que Q(α) ' Q(αi) e Q(β) 6' Q(βi)?

20. Seja α ∈ C tal que α3 + 9α + 6 = 0. Determine o inverso de 1 + α em


Q(α).

21. Seja α ∈ C tal que α3 − 2α − 2 = 0. Determine


1+α
(1 + α)(1 + α + α2 ) e
1 + α + α2
em Q(α).

22. Seja L/K uma extensão. Mostre que se α ∈ L é algébrico sobre K(β),
para algum β ∈ L, e α é transcendente sobre K, então β é algébrico
sobre K(α).

23. Seja L/K uma extensão. Mostre que se f = xn − a ∈ K[x] é irredutivel,


α ∈ L é uma raiz de f e d divide n, então [K(αd ) : K] = nd . Qual é o
irr(αd , K)?

24. Seja K um corpo finito. Mostre que [K : Zp ] = pn , onde n, p ∈ N, com p


um número primo. (Sugestão: Primeiro note que se característica de K
fosse igual a 0, então os elementos m · 1K ∈ K (m ∈ Z) seriam distintos
aos pares, de modo que K não seria finito.)

25. Sejam K um corpo e K(x) o corpo de funções racionais. Mostre que se


α ∈ K(x) é algébrico sobre K, então α ∈ K.

26. Seja L/K uma extensão finita.

(a) Mostre que L[x]/K[x] é uma extensão finita e [L : K] = [L[x] :


K[x]].
(b) Mostre que L(x)/K(x) é uma extensão finita e [L[x] : K[x]] =
[L(x) : K(x)].

(Sugestão: (a) Mostre que qualquer base de L sobre K é uma base de


L[x] sobre K[x]. (b) Primeiro mostre que qualquer elemento não nulo de
L[x] é um divisor de um elemento não nulo de K[x]. Segundo mostre que
9.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS 551

qualquer elemento de L(x) pode ser escrito sob a forma fg , onde f ∈ L[x]
e g ∈ K[x].)

9.3 Extensões Algébricas


Seja L/K uma extensão. Dizemos que L é uma extensão algébrica sobre K
se cada elemento α ∈ L for algébrico sobre K. Caso contrário, dizemos que L é
uma extensão transcendente sobre K, isto é, existe algum α ∈ L transcendente
sobre K.

Teorema 9.27 Seja L/K uma extensão. Então as seguintes condições são
equivalentes:

1. [L : K] < ∞;

2. L/K é algébrica e L é uma extensão finitamente gerada sobre K;

3. Existem elementos algébricos α1 , . . . , αn ∈ L tais que L = K(α1 , . . . , αn ).

Prova. (1 ⇒ 2) Sejam α ∈ L e [L : K] = n. Então o conjunto {1, α, . . . , αn }


é LD sobre K. Logo, existem a0 , a1 , . . . , an ∈ K, com an 6= 0 e n ≥ 1, tais que

a0 + a1 α + · · · + an αn = 0.

Assim, α é algébrico sobre K. Como α ∈ L foi escolhido arbitrariamente temos


que L/K é uma extensão algébrica.
Finalmente, se {β 1 , . . . , β n } é uma base qualquer de L sobre K, então

L = {b1 β 1 + · · · + bn β n : bi ∈ K}
= Kβ 1 + · · · + Kβ n = K[β 1 , . . . , β n ]
= K(β 1 , . . . , β n ),

isto é, L é uma extensão finitamente gerada sobre K.


(2 ⇒ 3) Segue da definição.
(3 ⇒ 1) Sejam

K0 = K, K1 = K0 (α1 ), K2 = K1 (α2 ), . . . , Kn = Kn−1 (αn ).


552 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

Então L = Kn e cada αi é algébrico sobre Ki−1 . Assim, pelo item (1) do


Teorema 9.22,

[Ki : Ki−1 ] = mi = ∂(irr(αi , Ki−1 )), i = 1, . . . , n.

Logo, pelo Corolário 9.2, temos que

[L : K] = [Kn : Kn−1 ] · · · [K1 : K0 ] = mn · · · m1 < ∞,

que é o resultado desejado. ¥

Observação 9.28 L = Q(e) é uma extensão finitamente gerada sobre Q, mas


o índice [L : Q] = ∞, pois os elementos 1, e, e2 , e3 ,. . . são linearmente inde-
pendentes sobre Q.

Corolário 9.29 Sejam L/K uma extensão e F um corpo intermediário de


L/K. Então L/K é algébrica se, e somente se, L/F e F/K são algébricas.

Prova. Suponhamos que L/K seja algébrica. Então é claro que L/F e F/K
são algébricas.
Reciprocamente, dado α ∈ L, existem a0 , a1 , . . . , an ∈ F , com an 6= 0 e
n ≥ 1, tais que
a0 + a1 α + · · · + an αn = 0,

pois L/F é algébrica. Logo, é claro que α é algébrico sobre

M = K(a0 , a1 , . . . , an )

e pelo Teorema 9.27, [M : K] < ∞, pois os ai são algébricos sobre K. Por outro
lado, pelo item (1) do Teorema 9.22, [M(α) : M] < ∞, consequentemente,

[M(α) : K] = [M(α) : M][M : K] < ∞.

Logo, pelo Teorema 9.27, M(α)/K é algébrica. Em particular, α é algébrico


sobre K. Como α ∈ L foi escolhido arbitrariamente temos que L/K é uma
extensão algébrica. ¥
9.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS 553

Teorema 9.30 Seja L/K uma extensão. Então o conjunto


L = {α ∈ L : α é algébrico sobre K}
é uma extensão algébrica de K.

Prova. Basta mostrar que L é um subcorpo de L. Dados α, β ∈ L, com α 6= 0.


Então, pelo item (2) do Corolário 9.23, [K(α, β) : K(α)] ≤ [K(β) : K] < ∞.
Logo,
[K(α, β) : K] = [K(α, β) : K(α)][K(α) : K] < ∞.
Assim, pelo Teorema 9.27, K(α, β) é algébrica sobre K. Portanto, α±β, αβ, α−1
são elementos de K(α, β), isto é, L é um subcorpo de L. ¥

Exemplo 9.31 Seja L = {α ∈ C : α é algébrico sobre Q}. Mostre que [L :


Q] = ∞.

Solução. Suponhamos, por absurdo, que [L : Q] = m. Como o conjunto dos


números naturais N é ilimitado superiormente temos que existe n ∈ N tal que

m < n. Seja α = n 2 ∈ C. Então α é algébrico sobre Q, pois α é raiz do
polinômio p = xn − 2 ∈ Q[x] e que, pelo Critério de Eisenstein, é irredutível
sobre Q. Logo,
p = irr(α, Q) e [Q(α) : Q] = n.
Assim, m = [L : Q] = [L : Q(α)][Q(α) : Q] e n divide m, o que é impossível.¥

Sejam K um corpo e L/K uma extensão. Dizemos que L é um corpo de


funções sobre K se existir α ∈ L transcendente sobre K.

Exemplo 9.32 Sejam K um corpo e L um corpo de funções sobre K. Mostre


que L é um corpo de funções sobre K.

Solução. Seja α ∈ L transcendente sobre K. Então devemos provar que α


é um elemento transcendente sobre K. Suponhamos, por absurdo, que α seja
algébrico sobre K. Então existem a0 , a1 , . . . , an ∈ K, com an 6= 0 e n ≥ 1, tais
que
a0 + a1 α + · · · + an αn = 0,
Logo, α é algébrico sobre K(a0 , . . . , an ). Assim, pelo Teorema 9.30 e Corolário
9.29, α é algébrico sobre K, o que é uma contradição. ¥
554 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

Exemplo 9.33 Sejam L = Q(x) o corpo de funções racionais e K = Q(x3 ).


Mostre que L é uma extensão algébrica de K, com [L : K] = 3.

Solução. Consideremos o polinômio

p(t) = t3 − x3 ∈ K[t].

Então p é irredutível sobre K. Caso contrário, existem f, g ∈ Q[x] − {0} tais


que µ ¶3
f (x3 )
3
− x3 = 0 ⇔ f (x3 )3 = g(x3 )3 x3 .
g(x )
Se ∂(f ) = m e ∂(g) = n, então 9m = 9n+3 ou 3m = 3n+1, o que é impossível.
Assim, x é um elemento algébrico sobre K, com [L : K] = ∂(p) = 3 e {1, x, x2 }
uma base de L sobre K. Note que
K[t]
' K(x) = L
(t3− x3 )
e qualquer α ∈ L pode ser escrito de modo único sob a forma

α = f0 (x3 ) + f1 (x3 )x + f2 (x3 )x2 ,

onde f0 , f1 , f2 ∈ L. ¥

Mais geralmente, temos o seguinte resultado:

Proposição 9.34 Sejam K um corpo e L = K(x) o corpo de funções racionais.


Se
f
α = ∈ L, onde f, g ∈ K[x], g 6= 0 e mdc(f, g) = 1,
g
então [L : K(α)] = max{∂(f ), ∂(g)}. Em particular, [K(α) : K] = ∞.

Prova. Note que L = K(α)(x) = K(α, x). Pondo

f = a0 + a1 x + · · · + am xm , g = b0 + b1 x + · · · + bn xn ∈ K[x]

e k = max{m, n}. Consideremos o polinômio

p(t) = αg(t) − f (t) ∈ K(α)[t].


9.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS 555

Então p(x) = 0, isto é, x é uma raiz de p. Portanto, x é um elemento algébrico


sobre K(α) e [L : K(α)] < ∞. Observe que α não é algébrico sobre K. Caso
contrário,
[L : K] = [L : K(α)][K(α) : K] < ∞,
o que é impossível.
Afirmação. ∂(p) = k e p é irredutível sobre K(α), isto é, p = irr(x, K(α)).
Neste caso, k chama-se a “ordem” de α.
De fato, é claro que ∂(p) ≤ k. Por outro lado, pela Lei da Tricotomia, obtemos
m > n ou m = n ou m < n. Logo, o coeficiente de tk em p é igual a:

−am ou αbn − am ou αbn ,

que são diferentes de zero, pois α ∈


/ K. Portanto, ∂(p) = k.
Agora, como p é um polinômio linear em α sobre K[t] (K[t][α] ⊆ K(t)[α])
temos que p é irredutível sobre K[α]. Sendo p um polinômio primitivo temos,
pelo Lema de Gauss, que p é irredutível sobre K(α). Portanto,

[L : K(α)] = k,

que é o resultado desejado. ¥

Corolário 9.35 Sejam K um corpo e L = K(x) o corpo de funções racionais.


Então
ax + b
α= , ∀ a, b, c, d ∈ K, com ad − bc 6= 0,
cx + d
são todos os elementos primitivos de K(x), ou seja, L = K(α). Note que
os polinômios ax + b e cx + d são relativamente primos se, e somente se,
ad − bc 6= 0.

Prova. Fica como um exercício. ¥

Sejam L/K uma extensão finita e α ∈ L fixado. Então a função Tα : L → L


definida por Tα (β) = αβ é claramente linear sobre K, pois L é uma álgebra
sobre K. Seja Aα a matriz de Tα em relação à alguma base de L sobre K. O
polinômio
fα (x) = det(xI − Aα ) ∈ K[x]
556 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

chama-se o polinômio característico de α em relação à extensão L/K, com


∂(fα ) = [L : K]. O traço absoluto e a norma absoluta de α são definidos como

T (α) = tr(Aα ) e N(α) = det(Aα ).

Note que se {β 1 , . . . , β n } é uma base qualquer de L sobre K, então existem


únicos aij ∈ K tais que

X
n X
n
Tα (β j ) = aij β i ⇒ (αI − aij )β i = 0, j = 1, . . . , n.
i=1 i=1

Portanto, a n-upla (β 1 , . . . , β n ) é uma solução não nula do sistema homogêneo

X
n
(αI − aij )xi = 0, j = 1, . . . , n,
i=1

consequentemente, fα (α) = det(αI − Aα ) = 0, ou seja, α é uma raiz de fα .

Lema 9.36 Sejam K um corpo qualquer e


⎡ ⎤
β 0 0 ··· 0 a0
⎢ ⎥
⎢ −1 β 0 ··· 0 a1 ⎥
⎢ ⎥
⎢ 0 −1 β ··· 0 a2 ⎥
⎢ ⎥
A=⎢ . .. .. .. .. .. ⎥ ∈ Mn (K).
⎢ .. . . . . . ⎥
⎢ ⎥
⎢ 0 0 0 ··· β an−2 ⎥
⎣ ⎦
0 0 0 · · · −1 β + an−1

Então ∆n = det(A) = a0 + a1 β + · · · + an−1 β n−1 + β n .

Prova. Vamos usar indução sobre n. Se n = 2, então


Ã" #!
β a0
∆2 = det
−1 β + a1
= β(β + a1 ) + a0
= a0 + a1 β + β 2 .
9.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS 557

Suponhamos que n > 2 e que o resultado seja válido para todo k, com 2 ≤
k < n. Então, pelo desenvolvimento de Laplace, obtemos
⎛⎡ ⎤⎞
−1 β · · · 0 0
⎜⎢ ⎥⎟
⎜⎢ 0 −1 · · · 0 0 ⎥⎟
⎜⎢ . .. .. .. .. ⎥⎟
∆n = β∆n−1 + (−1)n−1 a0 det ⎜ ⎢ .
⎜⎢ . . . . . ⎥⎟
⎥⎟
⎜⎢ ⎥⎟
⎝⎣ 0 0 · · · −1 β ⎦⎠
0 0 · · · 0 −1
= β(a1 + a2 β + · · · + an−1 β n−2 + β n−1 ) + (−1)n−1 a0 (−1)n−1
= a0 + a1 β + · · · + an−1 β n−1 + β n ,

em que a segunda igualdade segue da hipótese de indução. ¥

Proposição 9.37 Sejam L/K uma extensão finita e α ∈ L fixado. Então o


polinômio caracteríetico fα = irr(α, K) ∈ K[x] se, e somente se, L = K(α).

Prova. Suponhamos que fα = irr(α, K) e ∂(fα ) = n. Então, pelo item (1) do


Teorema 9.22, [K(α) : K] = n. Como n = [L : K] e

[L : K] = [L : K(α)][K(α) : K]

temos que [L : K(α)] = 1. Portanto, L = K(α).


Reciprocamente, sejam n = [K(α) : K] e

p = irr(α, K) = a0 + a1 x + · · · + an−1 xn−1 + xn ∈ K[x].

Se {1, α, . . . , αn−1 } é uma base de K(α) sobre K, então, pelo item (1) da
Observação 9.24, obtemos
⎡ ⎤
0 0 0 ··· 0 −a0
⎢ ⎥
⎢ 1 0 0 ··· 0 −a1 ⎥
⎢ ⎥
⎢ 0 1 0 ··· 0 −a2 ⎥
⎢ ⎥
Aα = ⎢ . . . . .. .. ⎥.
⎢ .. .. .. .. . . ⎥
⎢ ⎥
⎢ 0 0 0 ··· 0 −an−2 ⎥
⎣ ⎦
0 0 0 ··· 1 −an−1
558 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

Portanto, pelo Lema 9.36, temos que

fα (x) = det(xI − Aα ) = p(x),

isto é, fα = irr(α, K) ∈ K[x]. ¥

Exemplo 9.38 Seja α ∈ C tal que α3 + α2 + 2 = 0. Determine T (1 + 2α) e


N(1 + 2α).

Solução. Como o polinômio p = x3 + x2 + 2 ∈ Q[x] é irredutível sobre Q


temos que o conjunto {1, α, α2 } é uma base de Q(α) sobre Q. Assim,

T(1+2α) (1) = 1 + 2α = 1 · 1 + 2 · α + 0 · α2
T(1+2α) (α) = α(1 + 2α) = 0 · 1 + 1 · α + 2 · α2
T(1+2α) (α2 ) = α2 (1 + 2α) = −4 · 1 + 0 · α − 1 · α2 ,

pois α3 = −2 − α2 . Portanto,
⎡ ⎤
1 0 −4
⎢ ⎥
A(1+2α) =⎣ 2 1 0 ⎦.
0 2 −1

Neste caso, T (1 + 2α) = 1, N(1 + 2α) = −17 e

f(1+2α) = x3 − x2 − x + 17 ∈ Q[x],

que é o resultado desejado. ¥

Proposição 9.39 Sejam L/K uma extensão algébrica e K um conjunto enu-


merável. Então L é um conjunto enumerável.

Prova. Para qualquer n ∈ N, seja Pn o conjunto de todos os polinômios


mônicos de grau n e irredutíveis sobre K. Então a função σ : Pn → K n
definida por

σ(a0 + a1 x + · · · + an−1 xn−1 + xn ) = (a0 , a1 , . . . , an−1 )


9.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS 559

é claramente injetora. Logo, Pn é enumerável, para todo n ∈ N. Para um


f ∈ Pn fixado, consideremos os conjuntos

Rf,n = {α ∈ L : f (α) = 0} e In = {1, 2, . . . , n}.

Então a função ϕ : Pn × In → Rf,n definida por ϕ(f, i) = αi , com αi uma raiz


de f , é claramente sobrejetora. Assim, Rf,n é enumerável. Portanto,
[
L= Rf,n
n∈N

é enumerável. ¥

Exemplo 9.40 Seja L/K uma extensão algébrica. Então

|L| ≤ |K| |N| = max{|K| , |N|}.

Em particular, se K é um conjunto enumerável, então L é um conjunto enu-


merável.

Solução. Sejam α ∈ L, α1 = α, α2 , . . . , αn ∈ L todas as raízes do polinômio


p = irr(α, K) ∈ K[x] e M o conjunto de todos os polinômios mônicos sobre
K. Então a função ϕ : L → M × N definida por ϕ(α) = (p, j), onde p =
irr(α, K) ∈ K[x] e α = αj , é claramente injetora. Assim,

|L| ≤ |M × N| = max{|M| , |N|}.

Finalmente, seja Mn o conjunto de todos os polinômios mônicos de grau n


sobre K. Então |Mn | = |K n |. Se K é um conjunto finito, então |K n | = |K|n
é um conjunto finito. Se K é um conjunto infinito, então |K n | = |K|. Logo,
¯ • ¯
¯[ ¯
¯ ¯
|M| = ¯ Mn ¯ = max{|K| , |N|}.
¯ ¯
n∈N

Portanto, |L| ≤ max{|K| , |N|}. ¥

EXERCÍCIOS
560 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

1. Sejam L/F , F/K extensões e α ∈ L algébrico sobre K. Mostre que


irr(α, F ) divide irr(α, K) em F [x].

2. Mostre que existem números reais que são transcendentes sobre os números
racionais.

3. Seja L/K uma extensão. Mostre que L é algébrica sobre K se, e somente
se, qualquer anel intermediário de L/K é um corpo.

4. A extensão C/Q é algébrica ou transcendente?

5. Sejam p1 , p2 , p3 , . . . a sequência de números primos e


√ √ √ √
Kn = Q( p1 , p2 , . . . , pn−1 , pn ) ⊆ R.

Mostre que pn+1 ∈ / Kn e [Kn+1 : Kn ] = 2, para todo n ∈ N. Conclua
n
que [Kn : Q] = 2 , para todo n ∈ N.

6. Sejam L/K uma extensão e α ∈ L. Mostre que se o grau [K(α) : K] é


um número ímpar, então K(α2 ) = K(α). Mostre, com um exemplo, que
isto não é necessariamente verdade se [K(α) : K] for um número par.

7. Sejam L/K uma extensão e f ∈ L[x] um polinômio com coeficientes


algébricos sobre K. Mostre que qualquer raiz de f em L é algébrica
sobre K.

8. Sejam K um corpo qualquer e K(x) o corpo de funções racionais. Mostre


que (
|K| , se K é infinito
[K(x) : K] =
|N| , se K é finito.

9. Sejam L/K uma extensão e α, β ∈ L, com α ∈ / K. Mostre que se α é


algébrico sobre K e β transcendente sobre K, então K(α, β)/K não é
uma extensão simples.

10. Sejam L/K uma extensão e α ∈ L é transcendente sobre K.


9.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS 561

(a) Mostre que qualquer β ∈ K(α) − K é transcendente sobre K.


(b) Mostre que K(α2 ) ' K(α), mas K(α2 ) 6= K(α).
(c) Mostre que se F é um corpo intermediário de K(α)/K, com K 6= F ,
então α é algébrico sobre F .
(d) Mostre que αn ∈ L é transcendente sobre K, para todo n ∈ N,
n > 1, mas K(αn ) 6= K(α).
(e) Mostre que
2
K(α) ⊃ K(αn ) ⊃ K(αn ) ⊃ · · · , ∀ n ∈ N, n > 1.

Conclua que K(α)/K contém infinitos corpos intermediários.


(f) Mostre que se β n = α, então β é também transcendente sobre K.
(g) Mostre que se α é algébrico sobre K(β), então β é algébrico sobre
K(α).

(Sugestão: (c) Mostre que

[F (α) : F ] = [K(α) : F ] ≤ [K(α) : K(β)],

para todo β ∈ F − K.)

11. Sejam L/K uma extensão algébrica e σ : L → L um homomorfismo


de corpos injetor tal que σ(a) = a, para todo a ∈ K. Mostre que σ
é sobrejetor. Mostre, com um exemplo, que isto não é necessariamente
verdade se L/K não é uma extensão algébrica. (Sugestão: Sejam α ∈ L∗ ,
p = irr(α, K) ∈ K[x] e

Rp = {β ∈ L : p(β) = 0}.

Então σ(Rp ) = Rp .)
p √
12. Seja α = 1 + 2 ∈ C. Determine irr(α, Q). Qual é seu polinômio

minimal sobre Q( 2)?
562 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

13. Mostre que o elemento


√ √ √
α=1+ 2+ 3+ 6
√ √
pertence ao corpo Q( 2, 3). Determine o seu inverso.

14. Seja α ∈ C tal que α3 + α + 2 = 0. Determine o T (1 − α + α2 ) e


N(1 − α + α2 ).

15. Sejam α, β ∈ C tais que α3 + α + 1 = 0 e β 2 + β − 3 = 0. Determine


irr(α + β, Q) e irr(α · β, Q).

16. Sejam α, β ∈ C tais que α3 − 2α + 1 = 0 e 2β 3 + β 2 − 1 = 0. Determine


irr(α + β, Q).

17. Sejam L/K extensão finita e α ∈ L. Mostre que fα ∈ K[x] e T (α), N(α) ∈
K. Em particular, se α ∈ K, então N(α) = αn , T (α) = nα e fα =
(x − α)n .

18. Sejam L/F , F/K extensões finitas e m = [L : F ]. Mostre que se α ∈ L,


então

fL/K,α = (gF/K,α )m , TL/K (α) = m(TF/K (α)) e NL/K (α) = (NF/K (α))m .

19. Sejam f = 1 + 7x + x3 ∈ Q[x], L = Q(α), onde α ∈ C é uma raiz de f , e

β 1 = 3 + α, β 2 = 1 + α2 e β 3 = 3 − 2α + α2 .

(a) Determine um polinômio gi ∈ Q[x] tal que β −1


i = gi (α), i = 1, 2, 3.
O mesmo para β 1 β 2 , β 1 β 3 e β 2 β 3 .
(b) Determine o irr(β i , Q) ∈ Q[x], i = 1, 2, 3.

20. Seja K = Q( 3).

(a) Mostre que se


" # " #
0 3 3 0
A= ∈ M2 (Q), então A2 = = 3I.
1 0 0 3
9.3. EXTENSÕES ALGÉBRICAS 563

(b) Mostre que a função ϕ : K → M2 (Q) definida por



ϕ(a + b 3) = aI + bA

é um isomorfismo de K sobre o subanel M de M2 (Q) gerado por A.


(c) Mostre que K é isomorfo ao corpo
(" # )
a b
L= : a, b ∈ Q ⊆ M2 (Q).
3b a

21. Seja d um número inteiro livre de quadrados. Mostre que o corpo K =



Q( d) é isomorfo ao corpo
(" # )
a b
L= : a, b ∈ Q ⊆ M2 (Q).
db a

Por que o resultado é falso se d não é livre de quadrados?

22. Seja K um corpo qualquer. Mostre que o anel das matrizes Mn (K)
contém uma cópia isomorfa de qualquer extensão L de K, com [L : K] ≤
n.

23. Sejam p um número primo, L = Zp (x) o corpo de funções racionais e


K = Zp (xp ). Mostre que o conjunto {1, x, . . . , xp−1 } é uma base de L
sobre K. Conclua que f = y p − xp ∈ K[y] é irredutível sobre K.

24. Sejam L/K uma extensão e S ⊆ L um conjunto qualquer de elementos


algébricos sobre K. Mostre que K(S) = K[S]. Mostre, com um exemplo,
que a recíproca não é necessariamente verdade. (Sugestão: Tente com
K = Q e S = Q(e).)

25. Sejam L/K uma extensão, F , G corpos intermediários e F G o compósito:

(a) Mostre que se F/K é uma extensão algébrica, então F G/G também
o é.
(b) Mostre que se F/K é uma extensão finita, então F G/G também o
é. Neste caso, [F G : G] ≤ [F : K].
564 CAPÍTULO 9. EXTENSÕES ALGÉBRICAS

(c) Mostre que se F/K e G/K são extensões algébricas, então F G/K
também o é.
(d) Mostre que se F/K e G/K são extensões finitas, então F G/K tam-
bém o é. Conclua que se [F : K] = m e [G : K] = n são relativa-
mente primos, então
[F G : K] = mn.
Capítulo 10

Extensões Separáveis

Neste capítulo veremos que para um polinômio qualquer existe uma exten-
são mínima (mais econômica), onde o polinômio se decomponha em fatores
lineares.

10.1 Corpos de Decomposição


Sejam L/K uma extensão e f ∈ K[x]. Dizemos que f decompõe-se sobre
L se
f = a(x − α1 ) · · · (x − αn ),
onde α1 , . . . , αn ∈ L e a ∈ K. Note que os αi não são necessariamente distintos
e
f = a(x − α1 ) · · · (x − αn ) ∈ L[x].

Exemplo 10.1 O polinômio f = x2 + 1 ∈ Q[x] decompõe-se sobre C, pois

f = (x − i)(x + i) ∈ C[x].

Teorema 10.2 Sejam K um corpo e f ∈ K[x] não constante. Então existe


um corpo L contendo K no qual f decompõe-se.

Prova. Pelo Corolário 9.6 existe um corpo L1 contendo K e α1 ∈ L1 tal que

f = (x − α1 )g ∈ L1 [x].

565
566 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

Novamente, pelo Corolário 9.6 existe um corpo L2 contendo L1 e α2 ∈ L2 tal


que
f = (x − α1 )(x − α2 )h ∈ L2 [x].
Continuando desta maneira (em no máximo ∂(f ) etapas), obtemos um corpo
L contendo K e α1 , . . . , αn ∈ L tal que

f = a(x − α1 ) · · · (x − αn ) ∈ L[x],

que é o resultado desejado. ¥

Sejam K um corpo e f ∈ K[x]. Um corpo de decomposição de f sobre K


é uma extensão L/K tal que as seguintes condições são satisfeitas:

1. f decompõe-se sobre L.

2. L é minimal com respeito à condição (1), isto é, se f decompõe sobre F ,


com K ⊆ F ⊆ L, então F = L.

Vamos denotar o corpo de decomposição de um polinômio f ∈ K[x] por L =


Gal(f, K).

Observação 10.3 Sejam K um corpo qualquer e f um polinômio qualquer


em K[x].

1. Se L é um corpo de decomposição de f sobre K e α1 , . . . , αn ∈ L são as


raízes de f , então
L = K(α1 , . . . , αn ).
Em particular, L é uma extensão algébrica de K.

2. No próximo capítulo generalizaremos a definição de um corpo de de-


composição para uma quantidade infinita de polinômios, ou seja, L é
um corpo de decomposição de uma família F de polinômios sobre K
(F ⊆ K[x]) se L cumpre às condições (1) e (2).

Exemplo 10.4 Sejam K um corpo, com 1 + 1 6= 0 em K, e f = x2 + bx + c ∈


K[x]. Construa Gal(f, K).
10.1. CORPOS DE DECOMPOSIÇÃO 567

Solução. Note que


µ ¶2
b b2 − 4c
f = x+ − ∈ K[x].
2 4

Assm, basta considerar o polinômio g = x2 − d ∈ K[x], onde

b2 − 4c
d= ∈ K.
4
Logo, há dois casos a serem considerados:
1.o Caso. O polinômio g decompõe-se sobre K se, e somente se, existe
a ∈ K tal que a2 = d. Portanto,
µ ¶µ ¶
b b
g = (x − a)(x + a) ∈ K[x] e f = x + − a x + + a ∈ K[x].
2 2

Consequetemente, Gal(f, K) = K.
2.o Caso. Se g é um polinômio irredutível sobre K, então existe um corpo
de decomposição L = Gal(f, K) de f sobre K tal que

[L : K] = 2.

Assim, pelo Exemplo 9.8, existe α = d ∈ L − K tal que L = K(α) e

g = (x − α)(x + α) ∈ L[x].

Portanto, L é um corpo de decomposição de g sobre K, pois −α ∈ L. Conse-


quentemente, L = Gal(f, K), pois
µ ¶µ ¶
b b
f = x+ −α x + + α ∈ L[x].
2 2

Assim, em qualquer caso, Gal(f, K) = K ou Gal(f, K) = K(α), onde α ∈


/ K.
¥

Exemplo 10.5 Construir um corpo de decomposição sobre Q para f = xn −


1 ∈ Q[x].
568 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

Solução. Seja ω = e n i ∈ C. Então, pela Fórmula De Moivre, w é uma raiz
de f , pois
µ ¶n
n 2π 2π
ω = cos + i sen = cos 2π + i sen 2π = 1.
n n

Afirmação. 1, ω, . . . , ω n−1 são as raízes distintas aos pares de f .


De fato, consideremos a função ϕ : Z −→ C∗ definida por ϕ(k) = ω k . Então
é fácil verificar que ϕ é um homomorfismo de grupos com ker ϕ = nZ. Assim,
pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo, obtemos
Z
' Im ϕ = {1, ω, . . . , ω n−1 }.
nZ
Portanto, 1, ω, . . . , ω n−1 são distintas. Assim, L = Gal(f, Q) = Q(ω) é um
corpo de decomposição de f sobre Q. Neste caso,

Y
n−1
n
f =x −1= (x − ωj )
j=0

em L. ¥

Exemplo 10.6 Construir um corpo de decomposição sobre Q para f = xp −


a ∈ Q[x], com p um número primo, a = pm e mdc(p, m) = 1.

Solução. É claro que α = p a ∈ C é uma raiz de f e que, pelo Critério de
Eisenstein, é irredutível sobre Q. Assim,

f = irr(α, Q).

Seja β ∈ C uma raiz qualquer de f . Então


µ ¶p
β βp a
= p = = 1.
α α a

Logo, β = αω, em que ω é uma raiz do polinômio g = xp − 1 ∈ Q[x]. Note


que g não é irredutível sobre Q, pois

g = (x − 1)(xp−1 + · · · + x + 1).
10.1. CORPOS DE DECOMPOSIÇÃO 569

É fácil verificar, pelo Critério de Eisenstein, que

h = xp−1 + · · · + x + 1 ∈ Q[x]

é um polinômio irredutível sobre Q. Assim, se ω ∈ C, com ω 6= 1, é uma raiz


de xp − 1, então, pelo Exemplo 10.5, Q(ω) é um corpo de decomposição de g.
Portanto, L = Gal(f, Q) = Q(α, ω) é um corpo de decomposição de f , pois f
decompõe-se em L e qualquer corpo de decomposição de f deve conter
β
α e ω= .
α
Neste caso,
p−1
Y
p
f =x −a= (x − αωj ) ∈ L[x],
j=0

que é o resultado desejado. ¥

Teorema 10.7 Sejam K e K1 corpos quaisquer.

1. Qualquer f ∈ K[x] possui um corpo de decomposição.

2. Sejam σ : K → K1 um isomorfirmo de corpos e σ ∗ : K[x] → K1 [x] o


isomorfismo de aneis induzido por σ, ou seja,
à n !
X Xn
∗ i
σ ai x = σ(ai )xi .
i=0 i=0

Se L é um corpo de decomposição de f ∈ K[x] e L1 é um corpo de


decomposição de
f ∗ = σ ∗ (f ) ∈ K1 [x],
então σ pode ser estendido a um isomorfismo ϕ : L → L1 .

3. Quaisquer dois corpos de decomposição de f ∈ K[x] são isomorfos.

Prova. (1) Pelo Teorema 10.2, existe uma extensão F/K sobre a qual f
decompõe-se. Sejam α1 , . . . , αn ∈ F as raízes de f . Então é fácil verificar que

L = Gal(f, K) = K(α1 , . . . , αn )
570 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

é um corpo de decomposição de f .
(2) Vamos usar indução sobre n = ∂(f ). Se n = 1, então L = K e L1 = K1
e nada há para ser provado. Suponhamos que n > 1 e que o resultado seja
válido para todo k, com 1 ≤ k < n. Sendo K[x] um domínio de fatoração
única, podemos escrever f como f = pg, com p um polinômio irredutível sobre
K e ∂(p) ≥ 2. Escolhendo uma raiz α ∈ L de p e uma raiz β ∈ L1 de
p∗ = σ ∗ (p), existe um único isomorfismo σ 0 : K(α) → K1 (β), com σ 0 (α) = β
e σ 0 |K = σ, confira o diagrama

K(α) σ K1 (β)
−0

ϕ1 ↑ ↑ ϕ2
K[x] −

τ K1 [x]
(p) (p∗ )

Como f = (x − α)b
pg ∈ L[x], com
p
pb = ,
(x − α)
temos que L é um corpo de decomposição de pbg sobre K(α) (se F é um corpo
contendo todas as raízes de pbg e K(α), então L ⊆ F , pois α ∈ K(α) ⊆
F ) e L1 é um corpo de decomposição de σ ∗ (b pg) sobre K1 (β). Assim, pela
hipótese de indução, existe um isomorfismo ϕ : L → L1 tal que ϕ|K(α) = σ 0 e,
consequentemente, ϕ|K = σ 0 |K = σ.
(3) Basta fazer K = K1 e σ = I no item (2). ¥

Seja K um corpo. Dizemos que K é um corpo algebricamente fechado se


qualquer polinômio não constante sobre K possui pelo menos uma raiz em K.

Exemplo 10.8 Nenhum corpo primo é um corpo algebricamente fechado. De


fato, o polinômio f = x2 −2 ∈ Q[x] não possui raízes em Q. Agora, o polinômio
f = xp − x + c ∈ Zp [x], onde c ∈ Z∗p e p um número primo fixado, não possui
raízes em Zp , pois se α ∈ Zp é uma raiz de f , então, pelo Teorema de Lagrange,
αp ≡ α (mod p) e

αp − α + c ≡ 0 (mod p) ⇒ c ≡ 0 (mod p),

o que é impossível.
10.1. CORPOS DE DECOMPOSIÇÃO 571

Teorema 10.9 Seja K um corpo. Então as seguintes condições são equivalentes:

1. K é um corpo algebricamente fechado;

2. Qualquer polinômio não constante f ∈ K[x] decompõe-se em fatores lin-


eares sobre K;

3. Se L é uma extensão algébrico de K, então L = K.

Prova. (1 ⇒ 2) Seja f ∈ K[x] um polinômio não constante. Vamos usar


indução sobre ∂(f ) = n. Se n = 1, nada há para ser provado. Suponhamos
que n > 1 e que o resultado seja válido para todo k, com 1 ≤ k < n. Então
existe α ∈ K tal que f (α) = 0. Logo,

f (x) = (x − α)g(x), com ∂(g) < n.

Assim, pela hipótese de indução, g decompõe-se em fatores lineares sobre K.


Portanto, f decompõe-se em fatores lineares sobre K.
(2 ⇒ 3) Sejam α ∈ L algébrico sobre K e p = irr(α, K). Então, por
hipótese, p decompõe-se sobre K, digamos

p = (x − α1 ) · · · (x − αn ).

Como p(α) = 0 temos que α = αi , para algum i = 1, . . . , n. Portanto, α ∈ K


e L = K.
(3 ⇒ 1) Seja f ∈ K[x] um polinômio não constante. Então, pelo item (1)
do Teorema 10.7, existe uma raiz α de f em algum L = Gal(f, K). Logo,
K(α) é uma extensão algébrico sobre K. Portanto, K(α) = K e α ∈ K. ¥

Exemplo 10.10 Mostre que qualquer polinômio irredutível sobre R possui


grau 1 ou 2. Em particular, qualquer polinômio g sobre R de grau n possui
uma única decomposição sobre a forma
Y
r Y
s
g=c (x − αj ) (x2 − bk x + ck ) ∈ R[x],
j=1 k=1

onde c ∈ R, r, s ∈ N e r + 2s = n.
572 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

Solução. Vamos admitir que C é um corpo algebricamente fechado. Sejam

f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ R[x]

e β ∈ C − R uma raiz de f . Então

a0 + a1 β + · · · + an β n = 0.

Assim, tomando a conjugação complexa desta equação, obtemos


n
a0 + a1 β + · · · + an β = 0.

Logo, β é também uma raiz de f , ou seja, as raízes complexas de f ocorrem


aos pares. Portanto,
Y
r Y
s
f = an (x − αj ) (x − β k )(x − β k ) ∈ C[x],
j=1 k=1

onde αj ∈ R, β k ∈ C − R, r, s ∈ N e r + 2s = n. Neste caso,


Y
r Y
s
f = an (x − αj ) (x2 − (β k + β k )x + β k β k ) ∈ R[x],
j=1 k=1

pois (β k + β k ), β k β k ∈ R.
Finalmente, se β = a + bi, onde a, b ∈ R, com b 6= 0, então

x2 − (β + β)x + ββ = x2 − 2ax + a2 + b2 ∈ R[x]

é irredutível sobre ∈ R, pois

∆ = (−2a)2 − 4(a2 + b2 ) = −4b2 < 0.

Portanto,
Y
r Y
s
f = an (x − αj ) (x2 − bk x + ck ) ∈ R[x],
j=1 k=1

onde an ∈ R, r, s ∈ N e r + 2s = n. ¥

Exemplo 10.11 Seja L/R uma extensão algébrica. Mostre que L = R ou


L ' C.
10.1. CORPOS DE DECOMPOSIÇÃO 573

Solução. Novamente, vamos admitir que C é um corpo algebricamente fechado.


Dado α ∈ L. Então α é algébrico sobre R. Logo, irr(α, R) = x + a ∈ R[x]
ou x2 + bx + c ∈ R[x]. Se irr(α, R) = x + a, então α ∈ R e L = R. Se
irr(α, R) = x2 + bx + c, então [R(α) : R] = 2. Assim, pelo Exemplo 9.8, existe

d ∈ R tal que R(α) = R( d). Então d < 0, pois qualquer número real positivo

possui uma raiz em R. Logo, d = ir, onde r ∈ R, isto é, R(α) = R(i) ' C.
Portanto, pelo item (3) do Teorema 10.9, obtemos L = R(i). ¥

Teorema 10.12 Para qualquer corpo K existe um corpo algebricamente fechado


L contendo K.

Prova. (E. Artin) Sejam S um conjunto e ϕ : P → S uma função bijetora


definida por ϕ(f ) = xf , onde P é o conjunto de todos os polinômios mônicos
em K[x] de grau maior do que ou igual a um. Então K[S] é um anel. É
importante lembrar que os elementos de K[S] são da forma
X
am y1 y2 · · · ym , onde am ∈ K e yi ∈ S.
finita
Seja I o ideal em K[S] gerado por todos os polinômios f (xf ), onde f ∈ K[x],
de grau maior do que ou igual a um em K[S].
Afirmação. I 6= K[S].
De fato, se I = K[S], então 1 ∈ I. Logo, existe n ∈ N e gi ∈ K[S] tais que

g1 f1 (xf1 ) + · · · + gn fn (xfn ) = 1.

Note que cada gi tem somente uma quantidade finita de variáveis. Assim,
pondo xi = xfi , para cada fi ∈ K[x], e reenumerando, se necessário, podemos
supor que
x1 = xf1 , . . . , xn = xfn
e que as variáveis dos gi estão no conjunto

{x1 , . . . , xn , xn+1 , . . . , xm }, n ≤ m.

Logo,
X
n
gi (x1 , x2 , . . . , xm )fi (xi ) = 1.
i=1
574 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

Pelo Teorema 10.2, existe uma extensão finita F/K sobre a qual cada fi possui
uma raiz αi , i = 1, . . . , n. Fazendo os xi = αi , i = 1, . . . n, e, digamos xi = 0,
i = n + 1, . . . , m, na equação polinomial acima, obtemos

0=1

em F , o que é impossível. Assim, pelo Teorema de Krull, existe um ideal


maximal M em K[S] tal que I ⊆ M. Então o corpo

K[S]
K1 =
M
é uma extensão de K com a identificação de a com a + M, pois M ∩ K =
{0}. Logo, cada polinômio f possui uma raiz em K1 , a saber xf + M, pois
f (xf ) ∈ I ⊆ M. Portanto, construímos um corpo K1 , onde cada polinômio
f ∈ K[x] possui uma raiz. Fazendo a mesma construção com K1 ao invés de
K, obtemos um corpo K2 contendo K1 e uma raiz de cada polinômio f ∈ K1 [x]
Continuando esse processo, obtemos uma sequência de corpos

K = K0 ⊆ K1 ⊆ K2 ⊆ · · · ⊆ Kn ⊆ · · ·

onde cada polinômio em Kn [x] possui uma raiz em Kn+1 , para cada n ∈ Z+ .
Seja [
L= Kn .
n∈Z+

Então L é claramente um corpo contendo K e os coeficientes de qualquer


polinômio g ∈ L[x] estão em algum Kn0 , para n0 suficientemente grande.
Logo, g possui uma raiz em Kn0 e, consequentemente, g possui uma raiz em
L. Portanto, L é um corpo algebricamente fechado. ¥

Seja K um corpo. Um fecho algébrico de K é uma extensão algébrica L de


K tal que as seguintes condições são satisfeitas:

1. L é um corpo algebricamente fechado.

2. L é minimal com respeito à condição (1), isto é, se F é um corpo alge-


bricamente fechado, com K ⊆ F ⊆ L, então F = L.
10.1. CORPOS DE DECOMPOSIÇÃO 575

Exemplo 10.13 Seja L/K uma extensão, com L um corpo algebricamente


fechado. Então o conjunto

K = {α ∈ L : α é algébrico sobre K}

é um fecho algébrico de K. Portanto, qualquer corpo possui um fecho algébrico.

Solução. Seja f ∈ K[x] um polinômio não constante. Então f decompõe-se


em fatores lineares sobre L, digamos

f = a(x − α1 ) · · · (x − αn ) ∈ L[x],

onde α1 , . . . , αn ∈ L e a ∈ K. Assim, os elementos α1 , . . . , αn são algébricos


sobre K. Logo, pelo Corolário 9.29, os elementos α1 , . . . , αn são algébricos
sobre K, isto é, α1 , . . . , αn ∈ K. Portanto, K é um corpo algebricamente
fechado.
Finalmente, seja F um corpo algebricamente fechado tal que K ⊆ F ⊆ K.
Então é claro que K é uma extensão algébrica de F . Portanto, pelo Teorema
10.9, F = K. ¥

Observação 10.14 Para qualquer subcorpo K de C, obtemos K ⊆ C. Em


particular, pelo Exemplo 10.11, R = C. Portanto, C é um corpo algebricamente
fechado. Enquanto, Q 6= C, pois pelo Exemplo 9.40 Q é enumerável.

Teorema 10.15 Sejam L/K uma extensão algébrica e F um corpo algebrica-


mente fechado. Se σ : K → F é um homomorfismo injetor, então σ pode ser
estendido a um homomorfismo injetor ϕ : L → F . Neste caso, o diagrama
comuta, isto é, σ = ϕ ◦ λ.

L
λ % & ϕ
K → F
σ

Prova. Consideremos a família F todos os pares (M, τ ), em que M é um


subcorpo de L contendo K e τ : M → F um homomorfismo injetor tal que
576 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

τ |K = σ. Logo, F 6= ∅, pois (K, σ) ∈ F. Dados (M1 , τ 1 ), (M2 , τ 2 ) ∈ F,


definimos
(M1 , τ 1 ) ≤ (M2 , τ 2 ) ⇔ M1 ⊆ M2 e τ 2 |M1 = τ 1 .
Assim, “≤” é uma ordem parcial sobre F (prove isto!). Sejam C uma cadeia
qualquer de F e
[
N= M.
(M,τ )∈C

Então N é um subcorpo de L contendo K. Além disso, se n ∈ N, então existe


(M, τ ) ∈ C tal que n ∈ M. Seja φ : N → F definida como φ(n) = τ (n). Então
(N, φ) ∈ F, pois dados n1 , n2 ∈ N, obtemos

n1 = n2 ⇔ τ (n1 ) = τ (n2 ) ⇔ φ(n1 ) = φ(n2 ),

ou seja, φ está bem definida e é injetora. Agora,

φ(n1 + n2 ) = τ (n1 + n2 ) = τ (n1 ) + τ (n2 ) = φ(n1 ) + φ(n2 )

e
φ(n1 n2 ) = τ (n1 n2 ) = τ (n1 )τ (n2 ) = φ(n1 )φ(n2 ).
Logo, φ é um homomorfismo de corpo. É claro que (N, φ) é uma cota superior
de C. Portanto, pelo Lema de Zorn, F contém um elemento maximal, digamos
(M, ϕ) ∈ F.
Afirmação. M = L.
De fato, suponhamos, por absurdo, que M 6= L. Então existe α ∈ L tal
que α ∈/ M. Como L/K uma extensão algébrica temos que α é algébrico
sobre M. Seja p = irr(α, M) ∈ M[x]. Então, pelo item (2) do Teorema 10.9,
p∗ = ϕ∗ (p) ∈ F [x] decompõe-se em fatores lineares sobre F , digamos

p∗ = ϕ∗ (p) = (x − β 1 ) · · · (x − β n ) ∈ F [x],

onde β 1 , . . . , β n ∈ F . Sendo p∗ (β 1 ) = 0 temos, pela prova do Teorema 10.7,


que existe um homomorfismo injetor ϕ0 : M(α) → F tal que ϕ0 (α) = β 1 e
ϕ0 |M = ϕ. Portanto, (M(α), ϕ0 ) ∈ F, o que contradiz a maximalidade (M, ϕ).
¥
10.1. CORPOS DE DECOMPOSIÇÃO 577

Corolário 10.16 Sejam K um corpo e F , L dois fechos algébricos de K.


Então existe um isomorfismo ϕ : F → L tal que λ2 = ϕ ◦ λ1 , em que λ1 : K →
F e λ2 : K → L são as imersões. Neste caso, o fecho algébrico de K é único,
a menos de isomorfismo.

Prova. Como λ2 : K → L é um homomorfismo injetor e F/K é uma extensão


algébrica temos, pelo Teorema 10.15, que existe um homomorfismo injetor
ϕ : F → L tal que λ2 = ϕ ◦ λ1 . Então F ' ϕ(F ) é um fecho algébrico de K,
pois se f ∈ K[x] é um polinômio não constante, então λ1 (f ) decompõe-se em
fatores lineares sobre F . Assim, λ2 (f ) decompõe-se em fatores lineares sobre
ϕ(F ), ou seja, ϕ(F ) é algebricamente fechado.
Finalmente, sendo L uma extensão algébrica de ϕ(F ) (L/K algébrica),
temos, pelo item (3) do Teorema 10.9, que L = ϕ(F ). Portanto, ϕ : F → L é
um isomorfismo. ¥

Teorema 10.17 Sejam L/K uma extensão, com m = [L : K], e p ∈ K[x] um


polinômio irredutível sobre K de ∂(p) = n. Se mdc(m, n) = 1, então p é um
polinômio irredutível sobre L.

Prova. Sejam F = Gal(p, K) e α ∈ F . Então p = irr(α, K). Seja q =


irr(α, L), com ∂(q) = r. Então, pelo item (2) do Teorema 9.17, temos que
q divide p, pois p ∈ K[x] ⊆ L[x] e p(α) = 0. Logo, r ≤ n. É claro que
K(α) ⊆ L(α). Se [L(α) : K(α)] = s, então pelo diagrama

L(α)
s Á Â r
K(α) L
n  Á m
K

obtemos mr = ns. Assim, n divide mr. Como mdc(m, n) = 1 temos, pelo


Lema de Euclides, que n divide r, isto é n ≤ r. Portanto, n = r e p = q. ¥

Exemplo 10.18 Seja L = Gal(xp −a, Q), com p número primo fixado, a = pq
e mdc(p, q) = 1. Determine [L : Q].
578 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

Solução. Já vimos, no Exemplo 10.6, que L = Q(α, ω), com α = p a e que ω
é uma raiz do polinômio xp − 1 ∈ Q[x]. Como mdc(p − 1, p) = 1 temos, pelo
Teorema 10.17, que o polinômio

xp−1 + · · · + x + 1 ∈ Q(α)[x]

é irredutível sobre Q(α). Portanto,

[L : Q] = [L : Q(α)][Q(α) : Q] = (p − 1)p,

que é o resultado desejado. ¥

EXERCÍCIOS

1. Seja L um corpo de decomposição de f ∈ K[x], com ∂(f ) = n. Mostre


que [L : K] divide n!. Em particular, [L : K] ≤ n!.

2. Mostre que se m, n ∈ Z são livres de quadrados, então Gal(f, Q) =


√ √
Q( m, n), em que f = (x2 − m)(x2 − n).

3. Construir um corpo de decomposição sobre Q, para cada um dos polinômios


abaixo:
(a) x4 + x2 + 1 (c) x4 + x3 − x2 − 2x − 2 (e) x4 − 2
(b) x4 − 2x2 − 2 (d) x4 + 1 (f ) x5 − 1.

4. Seja f = x4 − 2x2 − 2 ∈ Q[x]. Determine raízes α e β de f tais que


Q(α) ' Q(β).

5. Seja p ∈ K[x] um polinômio de grau ímpar irredutível sobre K, com


Q ⊆ K. Mostre que se L/K é uma extensão de grau 2m , então p é
irredutível sobre L.

6. Seja a = pm q ∈ N, com p um número primo e mdc(p, q) = 1. Mostre


que f = xn − a ∈ Q[x] é irredutível sobre Q, para todo n ∈ N tal que
mdc(m, n) = 1.
10.1. CORPOS DE DECOMPOSIÇÃO 579

7. Sejam K um corpo qualquer e f = x3 − 3x + 1 ∈ K[x]. Mostre que se


α ∈ K é uma raiz de f , então β = α2 − 2 também o é. Conclua que
Gal(f, K) = K(α) e que ou f é irredutível sobre K ou f decompõe-se
sobre K.

8. Verifique se os seguintes polinômios f ∈ K[x] são irredutíveis sobre K:



(a) f = x2 + 5, com K = Q( 3).

(b) f = x3 + 8x − 2, com K = Q( 2).
√ √
(c) f = x5 + 3x3 − 9x − 6, com K = Q( 5, 7, i).

9. Mostre que qualquer corpo algebricamente fechado é infinito.

10. Determine condições sobre b, c ∈ Q tais que [L : Q] = 3, onde f =


c + bx + x3 ∈ Q[x] e L = Gal(f, Q). O mesmo para [L : Q] = 6.

11. Mostre que o conjunto de todos os α ∈ C que são algébricos sobre Q é


enumerável.

12. Sejam K um corpo infinito e L/K uma extensão algébrica. Mostre que
|K| = |L|.

13. Sejam K um corpo de característica diferente de 2, L/K uma extensão


e α, β ∈ L tais que [K(α) : K] = 2 = [K(β) : K]. Mostre que K(α) =
K(β) se, e somente se, existe d ∈ K tal que β = d2 α.
2π ¡ ¢
14. Sejam ω = e n i ∈ C e α = cos 2πn
. Mostre que [Q(ω) : Q(α)] = 2.

15. Mostre que existe subcorpo K de C, com K 6= R, tal que [C : K] = 2.

16. Sejam K um corpo e L = Gal(f, K), para algum f ∈ K[x]. Mostre que
se p ∈ K[x] é um polinômio irredutível sobre K que possui uma raiz em
L , então todas as raízes de p estão em L.

17. Sejam K um corpo e K(x) o corpo de funções racionais. Mostre que

K = {α ∈ K(x) : α é algébrico sobre K} = K.


580 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

18. Sejam X um conjunto qualquer, P(X) o conjunto das partes de X e


s : P(X) → P(X) uma função satisfazendo as seguintes condições:

1. Se A ⊆ B, então s(A) ⊆ s(B), para todos A, B ∈ P(X).


2. Se A ∈ P(X) e x ∈ s(A), então x ∈ s(F ), para algum subconjunto
finito F de A.
3. A ⊆ s(A), para todo A ∈ P(X).

10.2 Extensões Separáveis


Seja K um corpo. Já vimos que dado qualquer polinômio f ∈ K[x] existe
uma extensão L de K sobre a qual f decompõe-se, digamos

f = a(x − α1 ) · · · (x − αn ),

onde α1 , . . . , αn ∈ L e a ∈ K. Mas pode ocorrer que as raízes α1 , . . . , αn não


sejam distintas aos pares mesmo quando f for um polinômio irredutível sobre
K.

Exemplo 10.19 Sejam K = Zp (x) o corpo de funções racionais e f (y) =


y p − x ∈ K[y]. Pelo Critério de Eisenstein aplicado ao ideal primo P = (x),
em K, temos que f é irredutível sobre K. Mas f possui uma única raiz, pois
se α é uma raiz de f em algum L = Gal(f, K), então αp = x. Portanto,

f (y) = y p − x = y p − αp = (y − α)p ∈ L[y].

Note que α ∈
/ K, pois se α ∈ K, então existem g, h ∈ Zp [x] tais que
g
α= ⇒ g(x)p = h(x)p x.
h
Pondo ∂(g) = m e ∂(h) = n, obtemos pm = pn + 1, o que é impossível.

Sejam f ∈ K[x] um polinômio não constante e L = Gal(f, K). Dizemos


que f possui uma raiz repetida (múltipla) em L se existir α ∈ L e m ∈ N, com
10.2. EXTENSÕES SEPARÁVEIS 581

m > 1, tal que (x − α)m divide f . Dizemos que α ∈ L possui multiplicidade


algébrica m se (x − α)m divide f mas (x − α)m+1 não, isto é

f = (x − α)m g, com g(α) 6= 0.

Quando m = 1, dizemos que α é uma raiz simples de f . Note que

m = max{n ∈ N : (x − α)n divide f }

e m ≤ ∂(f ).
Sejam K um corpo e

f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ K[x].

Definimos a derivada “formal” de f como sendo o polinômio


X
n
f 0 = a1 + 2a2 x + · · · + (n − 1)an−1 xn−2 + nan xn−1 = iai xi−1 ,
i=1

onde
iai = ai + · · · + ai ∈ K,
ou seja, a derivada de f é uma função de K[x] em K[x]. Por exemplo, se
f = 2 − 2x2 + x4 ∈ Q[x], então f 0 = −4x + 4x3 ∈ Q[x].
Note que as propriedades usuais da derivada do Cálculo Diferencial não são
necessariamente válidas aqui. Por exemplo, f 0 = 0 nem sempre implica que f
seja constante, pois se f = xp ∈ Zp [x], então f 0 = pxp−1 = 0. No entanto, as
operações usuais de derivação permanecem as mesmas.

Lema 10.20 Sejam K um corpo, f, g ∈ K[x] e a ∈ K. Então:

1. (af )0 = af 0 .

2. (f ± g)0 = f 0 ± g 0 .

3. (f g)0 = f 0 g + f g0 .
³ ´0 0 g0
4. fg = f g−f g2
, com g 6= 0.
582 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

5. (f n )0 = nf n−1 f 0 .

6. Vale a Regra de Leibnitz


Xn µ ¶
(n) n (k) (n−k)
(fg) = f g ,
k=0
k

com f (0) = f e f (k+1) = (f (k) )0 .

Prova. Vamos provar apenas o item (3). Note que

(xm xn )0 = (xm+n )0 = (m + n)xm+n−1 = (mxm−1 )xn + xm (nxn−1 )


= (xm )0 xn + xm (xn )0 .

Assim, por linearidade, obtemos

(f g)0 = f 0 g + g 0 f,

que é o resultado desejado. ¥

Teorema 10.21 Sejam K um corpo e f, p ∈ K[x], em que p é um polinômio


irredutível sobre K. Então p2 divide f se, e somente se, p divide f e p divide f 0 .
Em particular, α é uma raiz repetida de f se, e somente se, f (α) = f 0 (α) = 0.

Prova. Suponhamos que p2 divide f . Então existe g ∈ K[x] tal que f = p2 g =


(pg)p e
f 0 = g 0 p2 + 2gpp0 = (g 0 p + 2gp0 )p.
Portanto, p divide f e p divide f 0 .
Reciprocamente, se p divide f , então existe h ∈ K[x] tal que f = hp e
f = h0 p + hp0 . Como p divide f 0 temos que p divide hp0 . Logo, p divide h, pois
0

∂(p0 ) < ∂(p) e p é um polinômio irredutível sobre K. Assim, existe h1 ∈ K[x]


tal que h = ph1 . Portanto,

f = hp = (ph1 )p = h1 p2 ,

isto é, p2 divide f . ¥
10.2. EXTENSÕES SEPARÁVEIS 583

Sejam K um corpo, f ∈ K[x] um polinômio irredutível sobre K e L =


Gal(f, K). Dizemos que f é um polinômio separável sobre K se todas as
raízes de f em L são simples ou, equivalentemente,

mdc(f, f 0 ) = 1.

Caso contrário, dizemos que f é um polinômio inseparável sobre K, ou seja,

mdc(f, f 0 ) 6= 1.

Exemplo 10.22 Seja f = xp − x + c ∈ Zp [x], onde c ∈ Z∗p e p um número


primo fixado. Mostre que f é irredutível e separável sobre Zp .

Solução. Suponhamos que α seja uma raiz de f . Então 1 + α é uma raiz de


f , pois

(1 + α)p − (1 + α) + c = 1 + αp − 1 − α + c = αp − α + c = 0.

Assim, i + α, i = 0, 1, . . . , p − 1, são todas as raízes distintas aos pares de f ,


onde α ∈/ Zp . Logo, L = Gal(f, Zp ) = Zp (α).
Agora, vamos provar que f é irredutível sobre Zp . Como Zp [x] é um domínio
de fatoração única temos que

f = f1 · · · fm ,

onde os polinômios fi ∈ Zp [x] são irredutíveis sobre Zp . Seja β uma raiz de f1 .


Então, pelo mesmo argumento acima, L = Zp (β) e

[L : Zp ] = ∂(f1 ).

Logo,
∂(f1 ) = ∂(f2 ) = · · · = ∂(fm )
e ∂(f ) = m∂(f1 ). Sendo ∂(f ) = p um número primo, temos que m = 1.
Portanto, f é irredutivel sobre Zp .
Finalmente, como f 0 = −1 6= 0 temos que mdc(f, f 0 ) = 1. Portanto, f é
separável sobre Zp . ¥
584 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

Teorema 10.23 Sejam K um corpo e f ∈ K[x] um polinômio irredutível


sobre K. Então f é inseparável sobre K se, e somente se, a característica de
K é um número primo p e f tem a forma

f = a0 + a1 xp + · · · + an xnp = g(xp ),

para algum g ∈ K[x].

Prova. Suponhamos que f seja inseparável sobre K. Então existe h ∈ K[x],


com ∂(h) ≥ 1, tal que h divide f e h divide f 0 . Como f é irredutível temos
que existe a ∈ K ∗ tal que f = ah. Assim, ∂(h) = ∂(f ) e h divide f 0 , com
∂(f 0 ) < ∂(h). Logo, f 0 = 0, de modo que
X
n
0
0=f = iai xi−1 ⇔ iai = 0, em K.
i=1

Se a característica de K fosse igual a 0, então f = a0 ∈ K, o que é impossível.


Portanto, a característica de K é um número primo p e p divide i se ai 6= 0,
pois
0 = i = 1 + · · · + 1 = 1 · i ⇒ p | i.
Note que f tem a forma desejada, pois ai = 0 se, e somente se, p não divide i.
Reciprocamente, como f 0 = 0 temos que mdc(f, f 0 ) = f 6= 1. Portanto, f
é inseparável sobre K. ¥

Corolário 10.24 Sejam K um corpo e f ∈ K[x] um polinômio irredutível


sobre K. Então as seguintes condições são equivalentes:

1. f é um polinômio separável sobre K;

2. Para qualquer extensão L de K e g ∈ L[x] não constante, g2 não divide


f , em L[x];

3. Para qualquer extensão L de K e α ∈ L, temos que ∂(irr(α, K)) ≤ 1;

4. Se ∂(f ) = n, então existe uma extensão F de K, elementos distintos aos


pares α1 , . . . , αn em F e a ∈ K ∗ tais que

f = a(x − α1 ) · · · (x − αn ).
10.2. EXTENSÕES SEPARÁVEIS 585

Prova. Fica como um exercício. ¥

Sejam K um corpo e f ∈ K[x] um polinômio qualquer. Dizemos que f


é um polinômio separável sobre K se cada um de seus fatores irredutíveis for
separável sobre K. Por exemplo, se f = (x − 2)3 (x − 3)2 ∈ Q[x], então f é
separável sobre Q, pois os fatores irredutíveis x − 2 e x − 3 são separáveis sobre
Q.
Sejam L/K uma extensão e α ∈ L. Dizemos que α é separável sobre K se
α for algébrico sobre K e p = irr(α, K) for separável sobre K. Caso contrário,
dizemos que α é inseparável sobre K. Dizemos que L/K é uma extensão
separável se cada elemento de L for separável sobre K. Caso contrário, dizemos
que L/K é uma extensão inseparável.

Exemplo 10.25 Seja K um corpo. Mostre que se a característica de K é


igual a 0, então qualquer extensão algébrica L de K é separável.

Solução. Sejam α ∈ L e p = irr(α, K) ∈ K[x]. Então p0 6= 0 e mdc(p, p0 ) = 1.


Assim, todas as raízes de p são simples em L. Portanto, α é um elemento
separável sobre K. Como α ∈ L foi escolhido arbitrariamente temos que L/K
é uma extensão separável. ¥

Proposição 10.26 Sejam L/K uma extensão e F um corpo intermediário de


L/K. Se L/K é separável, então L/F e F/K também o são.

Prova. É claro que F/K é separável. Sejam α ∈ L, q = irr(α, F ) e p =


irr(α, K). Então, por hipótese, p é separável sobre K. Como p(α) = 0 em F
temos que q divide p em F [x]. Assim, que q é separável sobre F . Portanto, α
é separável sobre F . Como α ∈ L foi arbitrariamente temos que L/F é uma
extensão separável. ¥

Seja K um corpo. Dizemos que K é um corpo perfeito se qualquer exten-


são algébrica L de K for separável ou, equivalentemente, qualquer polinômio
irredutível f ∈ K[x] for separável.

Teorema 10.27 Seja K um corpo qualquer:


586 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

1. Se a característica de K é igual a 0, então K é um corpo perfeito.

2. Se a característica de K é um número primo p, então K é um corpo


perfeito se, e somente se, K p = K.

3. Se K é um corpo finito, então K é um corpo perfeito.

4. Se K é um corpo algebricamente fechado, então K é um corpo perfeito.

Prova. Vamos provar apenas o item (2). Suponhamos que K seja um corpo
perfeito. Então basta provar que o homomorfismo de Frobenius ϕ : K → K
definido por ϕ(α) = αp é sobrejetor. Sejam b ∈ K e L = Gal(f, K), onde
f = xp − b ∈ K[x].
Afirmação. f possui uma única raiz α em L.
De fato, se β ∈ L é outra raiz de f , então

(β − α)p = β p − αp = b − b = 0 ⇒ β = α,

pois ϕ(1) = 1. Logo, f = (x − α)p . Seja g = irr(α, K). Então, por hipótese, g
é separável. Como g divide f temos que g = x − α. Assim, α ∈ K. Portanto,
ϕ é sobrejetor, pois b = ϕ(α).
Reciprocamente, suponhamos, por absurdo, que K não seja um corpo per-
feito. Então existe um polinômio irredutível f ∈ K[x] inseparável sobre K.
Assim, pelo Teorema 10.23, f tem a forma

f = a0 + a1 xp + · · · + an xnp .

Como K p = K e ai ∈ K temos que existe bi ∈ K tal que ai = bpi , i = 0, 1, . . . , n.


Portanto,
f = (b0 + b1 x + · · · + bn xn )p ,

o que contradiz a irredutibilidade de f . ¥

Exemplo 10.28 Sejam K um corpo de característica p e a ∈ K −K p . Mostre


n
que o polinômio f = xp − a ∈ K[x], para todo n ∈ N, é irredutível sobre K.
10.2. EXTENSÕES SEPARÁVEIS 587

Solução. Como K[x] é um domínio de fatoração única temos que

f = f1 · · · fm ,

onde os polinômios fi ∈ K[x] são irredutíveis sobre K. Seja L = K(β), com β


uma raiz de f1 . Então f1 = irr(β, K). Assim,
n
f1 (β) = 0 ⇒ 0 = f (β) = β p − a.

Logo,
n n n n n
a = β p e f = xp − a = xp − β p = (x − β)p ∈ L[x].

Por outro lado, como fi divide f em K[x] (L[x]), para cada i = 1, . . . , m, temos
que fi é uma potência de (x − β) e fi (β) = 0. Logo, f1 divide fi , para todo i.
Portanto,
f1 = f2 = · · · = fm

e f = g m , com g = (x − β)k , para algum k.


Finalmente, como
n ¡ ¢m
(x − β)p = (x − β)k ∈ L[x]

temos que k = pr e m = pn−r , para algum r, com r ≤ n.


Afirmação. r = n.
r n−r−1
De fato, se r ≤ n − 1, então g = (x − β)p ∈ K[x]. Assim, gp ∈ K[x].
Logo,
n−r−1 ¡ r ¢pn−r−1 n−1 n−1
gp = (x − β)p = (x − β)p = xp − b,
n−1
onde b = β p ∈ K. Portanto,
³ n−1 ´p n
b = βp
p
= β p = a ∈ K,

ou seja, a ∈ K p , o que é uma contradição. Consequentemente, n = r, m = 1 e


f = g é um polinômio irredutível sobre K. ¥

Exemplo 10.29 Seja K = Zp (x) o corpo de funções racionais. Mostre que


K não é um corpo perfeito.
588 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

Solução. Suponhamos, por absurdo, que K seja um corpo perfeito. Então


K = K p . Assim, existe α ∈ K tal que x = αp . Como
f
α= , onde f, g ∈ Zp [x], com g 6= 0 e mdc(f, g) = 1,
g

temos que xg p = f p . Logo, p não divide ∂(xg p ), mas p divide ∂(f p ), o que é
uma contradição. Em particular, o polinômio f (y) = y p −x ∈ K[y] é irredutível
sobre K e inseparável. ¥

Lema 10.30 Sejam K um corpo infinito e L = K(α, β) uma extensão de K.


Se α é separável sobre K, então existe γ ∈ L tal que L = K(γ).

Prova. Sejam f = irr(α, K) ∈ K[x] e g = irr(β, K) ∈ K[x]. Vamos denotar


as raízes de f por
α1 = α, α2 , . . . , αm
(todas distintas aos pares) e as raízes de g por

β 1 = β, β 2 , . . . , β n .

Suponhamos que α ∈
/ K, caso contrário o resultado é claro. Para qualquer
t ∈ K, seja
W (t) = {αi t + β j : 2 ≤ i ≤ m e 1 ≤ j ≤ n}.
Note que o conjunto
½ ¾
βj − β
S= :2≤i≤m e 1≤j≤n
α − αi

é finito, com |S| = (m − 1)n. Assim, existe y ∈ K tal que y ∈


/ S, pois K é
infinito.
Afirmação. αy + β ∈ / W (y).
De fato, se αy + β ∈ W (y), então existem i, j tais que

βj − β
αy + β = αi y + β j ⇒ y = ∈ S,
α − αi
o que é impossível.
10.2. EXTENSÕES SEPARÁVEIS 589

Agora, vamos provar que o elemento γ = αy+β tem a propriedade desejada.


É claro que K(γ) ⊆ L. Por outro lado, consideremos os polinômios

p = g(γ − yx) ∈ K(γ)[x] e h = mdc(f, p) ∈ K(γ)[x].

Como f (α) = 0 e p(α) = g(γ − αy) = g(β) = 0 temos que (x − α) divide f e


(x − α) divide g. Logo, (x − α) divide h, em K(α, γ)[x]. Note que α é a única
raiz de h, pois

γ − yαi 6= β j , ∀ i = 2, . . . , m e j = 1, . . . , n.

Assim, h = (x−α)r . Sendo as raízes de f simples temos que r = 1 e h = x−α.


Portanto, α ∈ K(γ), pois h ∈ K(γ)[x]. Neste caso, β = γ − αy ∈ K(γ) e
L ⊆ K(γ), isto é, L = K(γ). ¥

Teorema 10.31 (Teorema do Elemento Primitivo) Qualquer extensão sep-


arável finita é simples.

Prova. Seja L/K uma extensão separável, com [L : K] = n. Como L/K uma
extensão algébrica temos, pelo Teorema 9.27, que existem α1 , . . . , αn ∈ L tais
que
L = K(α1 , . . . , αn ), onde αi ∈
/ Ki−1 = K(αi , . . . , αi−1 ).

Agora, vamos usar indução sobre n. Se n = 1, então basta tomar L = K.


Suponhamos que n > 1 e que o resultado seja válido para todo k, com 1 ≤ k <
n. Como [Kn−1 : K] < n temos, pela hipótese de indução, que existe α ∈ Kn−1
tal que Kn−1 = K(α). Portanto,

L = Kn = Kn−1 (αn ) = K(α, αn ).

Pondo β = αn temos, pelo Lema 10.30, que existe γ ∈ L tal que L = K(γ). ¥

Teorema 10.32 Sejam K um corpo infinito e L uma extensão finita de K.


Então as seguintes condições são equivalentes:

1. L = K(α), para algum α ∈ L;


590 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

2. Existe somente um número finito de corpos intermediários entre K e L.

Prova. (1 ⇒ 2) Sejam p = irr(α, K) ∈ K[x], F um corpo, com K ⊆ F ⊆ L,


e q = irr(α, F ) ∈ F [x]. Então q divide p, pois p ∈ F [x] e p(α) = 0. Agora,
sejam
q = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ F [x]
e F1 um subcorpo de F contendo K e os ai , i = 0, . . . , n. Então q ∈ F1 [x].
Como q é irredutível sobre F temos que q é também irredutível sobre F1 . Logo,
L = F (α) = F1 (α), pois L = K(α). Assim,

[L : F ] = ∂(q) = [L : F1 ].

Portanto, F = F1 e a função ϕ : F → D(p) definida por ϕ(F ) = q, com


q = irr(α, F ) ∈ F [x],

F = {F : K ⊆ F ⊆ L} e D(p) = {f : f divide p em L[x]},

está bem definida e é injetora. Sendo D(p) um conjunto finito, temos que F é
finito.
(2 ⇒ 1) Vamos provar primeiro que dados α, β ∈ L, existe γ ∈ L tal
que K(α, β) = K(γ). Consideremos γ a = α + aβ, para todo a ∈ K. Então
Fa = K(γ a ) é um corpo intermediário. Logo, existem a, b ∈ K, com a 6= b,
tais que Fa = Fb . Assim, γ a , γ b ∈ Fb e

(b − a)β = γ b − γ a ∈ Fb ,

ou seja, β ∈ Fb . Consequentemente, α ∈ Fb e K(α, β) = K(γ b ), pois K(γ b ) ⊆


K(α, β).
Finalmente, como L uma extensão finita de K temos que existe δ ∈ L tal
que [K(δ) : K] seja maximal.
Afirmação. L = K(δ).
De fato, suponhamos, por absurdo, que L 6= K(δ). Então existe θ ∈ L tal
que θ ∈/ K(δ). Assim, existe um γ ∈ L tal que K(δ, θ) = K(γ). Portanto,
K(δ) ⊆ K(γ), com K(δ) 6= K(γ), o que é uma contradição. ¥
√ √
Exemplo 10.33 Determine γ ∈ L = Q( 2, 3), de modo que L = Q(γ).
10.2. EXTENSÕES SEPARÁVEIS 591

Solução. Note que


√ √
f = irr( 2, Q) = x2 − 2 ∈ Q[x] e g = irr( 3, Q) = x2 − 3 ∈ Q[x].

Sejam
√ √ √ √
α1 = α = 2, α2 = − 2, β 1 = β = 3 e β 2 = − 3
as raízes distintas de f e g, respectivamente. Então
( √ )
n √ √ √ √ o 3
W (t) = − 2t + 3, − 2t − 3 e S = 0, − √ .
2
√ √
Portanto, γ = 2y + 3, para todo y ∈ Q − S, é um elemento primitivo de
L, ou seja, existe uma quantidade infinita de elementos primitivos. ¥

Exemplo 10.34 Sejam K = Z2 (x) o corpo de funções racionais e α, β al-


gébricos sobre K, onde α2 , β 2 ∈ K, por exemplo, α2 = x e β 2 = x + x2 .
Mostre que se L = K(α, β), então [L : K] = 4, mas não existe γ ∈ L tal que
L = K(γ).

Solução. Como α2 ∈ K temos que α é uma raiz do polinômio f = y 2 − x ∈


K[y] o qual, pelo Exemplo 10.19, é irredutível sobre K. Assim, [K(α) : K] = 2.
De modo inteiramente análogo, [K(β) : K] = 2. Sendo f irredutível sobre
K(β) (prove isto!), obtemos

[L : K] = [L : K(β)][K(β) : K] = 2 · 2 = 4.

Agora, suponhamos, por absurdo, que exista γ ∈ L tal que L = K(γ). Então
existem f1 , f2 , f3 ∈ K tais que

γ = f1 + f2 α + f3 β,

pois α2 , β 2 ∈ K. Logo,

γ 2 = f12 + α2 f22 + β 2 f32 ∈ K.

Portanto, [K(γ) : K] ≤ 2, o que é uma contradição. ¥


592 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

EXERCÍCIOS

1. Sejam K um corpo de característica p e L/K uma extensão. Mostre que


se α ∈ L e nα ∈ K, para algum n ∈ N tal que mdc(p, n) = 1, então
α ∈ K.
n n n
2. Seja K um corpo de característica p. Mostre que (a + b)p = ap + bp ,
para todos a, b ∈ K e n ∈ N.

3. Seja K um corpo de característica p. Mostre que a função ϕ : K → K


n
definida por ϕ(a) = ap , para todo a ∈ K e n ∈ N, é um monomorfismo
de corpos.

4. Sejam K um corpo e a, h ∈ K. Mostre que se f ∈ K[x], com ∂(f ) = n,


então
Xn
1 (k)
f (a + h) = f (a)hk .
k=0
k!
(Sugestão: Note que
Xm µ ¶
m m m m−k
x = (a + (x − a)) = a (x − a)k
k=0
k
= am + mam−1 (x − a) + · · · + ma(x − a)m−1 + (x − a)m .

Logo, pondo x = h + a, obtemos

(a + h)n = an + nan−1 h + · · · + mahn−1 + hn ,

que é a nossa resposta quando f = xn .)

5. Sejam K um corpo e f ∈ K[x]. Mostre que α é uma raiz de multiplicidade


algébrica n > 1 de f se, e somente se, f (i) (α) = 0, i = 0, 1, . . . , n − 1, e
f (n) (α) 6= 0.

6. Determine γ ∈ L = Q(α, β), de modo que L = Q(γ).


√ √ √
(a) α = 2 e β = i (c) α = 3 5 e β = −2
√ √ √ √
(b) α = 2 e β = 3 2 (d) α = 8 e β = 3 + 50.
10.2. EXTENSÕES SEPARÁVEIS 593

7. Sejam α = 2 e .β é uma raiz do polinômio f = x4 + 6x + 2 ∈ Q[x].
Determine γ ∈ L = Q(α, β), de modo que L = Q(γ).

8. Seja p um número primo fixado. Mostre que para cada c ∈ Zp e n ∈ N


n
o polinômio xp − x + nc é divisível pelo polinômio xp − x + c, em Zp [x].

9. Mostre, com um exemplo, que existe um polinômio separável f , com


f 0 = 0. (Sugestão: Note que f não pode ser irredutível.)

10. Sejam K um corpo, L um corpo algebricamente fechado contendo K e

Rf = {α ∈ L : f (α) = 0}

o conjunto das raízes de algum polinômio não constante f ∈ K[x].


Mostre que as seguintes condições são equivalentes:

(a) |Rf | = ∂(f );


(b) Para qualquer α ∈ Rf , temos que ∂(irr(α, K)) = 1;
(c) f é um polinômio separável sobre K.

11. Sejam K um corpo de característica p e L/K uma extensão. Mostre que


se α ∈ L − K, então αp ∈
/ K p.

12. Sejam K um corpo de característica p e L/K uma extensão.

(a) Mostre que se L/K é uma extensão finita e KLp = L, então L é


uma extensão separável de K.
(b) Mostre que se L/K é uma extensão algébrica, α ∈ L e p = irr(α, K(αp )),
então p = (x − α)m , para algum m ∈ N. Conclua que se α for sep-
arável sobre K(αp ), então α ∈ K(αp ), ou seja, K(α) = K(αp ).

(Sugestão: (a) Primeiro mostre se {α1 , . . . , αn } é uma base de L sobre


K, então {αp1 , . . . , αpn } gera L sobre K.)

13. Seja L/K uma extensão finita. Mostre que as seguintes condições são
equivalentes:
594 CAPÍTULO 10. EXTENSÕES SEPARÁVEIS

(a) A função traço tr : L → K é não nula (não degenerada);


(b) A função traço tr : L → K é sobrejetora;
(c) L/K é separável.

14. Seja L/K uma extensão algébrica.

(a) Mostre que se K é um corpo perfeito, então L é um corpo perfeito.


(b) Mostre que se L é um corpo perfeito e L/K é uma extensão sepa-
rável, então K é um corpo perfeito.
(c) Mostre que se L é um corpo perfeito e L/K é uma extensão finita,
então K é um corpo perfeito.

15. Seja K um corpo. Mostre que K é um corpo perfeito se, e somente se,
qualquer fecho algébrico de K é uma extensão separável sobre K.

16. Seja L = Zp (x, y) o corpo de funções racionais, com Zp o fecho algébrico


de Zp .

(a) Mostre que se K = Zp (xp , y p ), então [L : K] = p2 .


(b) Mostre que se Fa = Zp (x + ay), com a ∈ Zp , então [F : K] = p.
(c) Mostre que Fa 6= Fb se a 6= b.
(d) Conclua que L não é uma extensão simples de K.
Capítulo 11

Teoria de Galois

O principal objetivo da Teoria de Galois é determinar o subgrupo (grupo


de Galois) do grupo de permutações que preserva as relações aritméticas entre
as raízes de um polinômio qualquer.

11.1 Extensões Normais e Galoisianas


Nesta seção vamos estender a definição de um corpo de decomposição de
um polinômio qualquer para um conjunto qualquer de polinômios.
Sejam L e F extensões de K. Uma K-imersão de L em F é qualquer
homomorfismo de corpos não nulo σ : L → F tal que σ(a) = a, para todo
a ∈ K, isto é, σ|K = I, e será denotado por

HomK (L, F ) = {σ : L → F : σ é uma K-imersão}.

Neste caso, dizemos que K é o corpo fixo de σ.Um K-isomorfismo de L sobre


F é qualquer isomorfismo de corpos σ : L → F tal que σ(a) = a, para todo
a ∈ K, e será denotado por

Aut K (L) = {σ : L → L : σ é um K-isomorfismo}.

Note que qualquer K-imersão σ de L em F é uma transformação linear sobre


K, pois
σ(aβ) = σ(a)σ(β) = aσ(β), ∀ a ∈ K e β ∈ L.

595
596 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Lema 11.1 Sejam L/K uma extensão e L = K(S), para algum subconjunto
S de L. Se σ, τ ∈ AutK (L), com σ|S = τ |S , então σ = τ , isto é, qualquer
elemento de AutK (L) é completamente determinado pela sua ação sobre S.

Prova. Dado β ∈ L, existem α1 , . . . , αn ∈ S tais que

β ∈ K(α1 , . . . , αn ).

Logo,
f (α1 , . . . , αn )
β= ,
g(α1 , . . . , αn )
onde f, g ∈ K[x1 , . . . , xn ], com g 6= 0, digamos
X X
f= ai1 ···in xi11 · · · xinn e g = bi1 ···in xi11 · · · xinn ,

onde ai1 ···in , bi1 ···in ∈ K. Assim,


P
ai ···i σ(α1 )i1 · · · σ(αn )in
σ(β) = P 1 n
b σ(α1 )i1 · · · σ(αn )in
P i1 ···in
ai ···i τ (α1 )i1 · · · τ (αn )in
= P 1 n
bi1 ···in τ (α1 )i1 · · · τ (αn )in
= τ (β).

Portanto, σ = τ . ¥

Observação 11.2 Sejam L/K uma extensão finita e σ ∈ HomK (L, K). Se
σ(L) ⊆ L, então σ(L) = L, pois σ induz uma transformação linear injetora
do espaço vetorial de dimensão finita L sobre K nele mesmo. Portanto, σ é
sobrejetora. Neste caso, σ : L → L é um K-automorfismo. O Teorema 11.5
generaliza esta observação.

Sejam K um corpo qualquer e F uma família qualquer de polinômios sobre


K, isto é, F ⊆ K[x]. Um corpo de decomposição de F sobre K é uma extensão
L/K tal que as seguintes condições são satisfeitas:

1. Qualquer elemento f ∈ F decompõe-se sobre L.


11.1. EXTENSÕES NORMAIS E GALOISIANAS 597

2. L é minimal com respeito à condição (1), isto é, se qualquer elemento


f ∈ F decompõe-se sobre F , com K ⊆ F ⊆ L, então L = F .

Observação 11.3 Se F é um conjunto finito em K[x], digamos

F = {f1 , . . . , fm },

então L é um corpo de decomposição de F sobre K se, e somente se, L é um


corpo de decomposição de
f = f1 · · · fm .
sobre K. Portanto, a nova definição de corpo de decomposição é somente
interessante quando F for um conjunto infinito.

Exemplo 11.4 Seja K um corpo qualquer. Mostre que o fecho algébrico K


de K é um corpo de decomposição de F = K[x] sobre K. Em particular, se
f ∈ K[x], então
\
L= F
F ⊆K

é um corpo de decomposição de f sobre K.

Solução. É claro que qualquer f ∈ F decompõe-se sobre K, pois K é alge-


bricamente fechado. Por outro lado, sejam L um corpo de decomposição de F
sobre K, com K ⊆ L ⊆ K, e α ∈ K. Então α é algébrico sobre K. Seja

p = irr(α, K) ∈ K[x].

Então p decompõe-se sobre L. Assim, α ∈ L. Portanto, L = K, pois α foi


escolhido arbitrariamente. ¥

Seja L/K uma extensão qualquer. Dizemos que L é uma extensão normal
de K se L é um corpo de decomposição de alguma família F de polinômios
sobre K.

Teorema 11.5 Sejam L/K uma extensão e L o fecho algébrico de L (e por-


tanto de K). Então as seguintes condições são equivalentes:
598 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

1. L/K é um extensão normal;

2. L é algébrica sobre K e qualquer K-imersão σ : L → L aplica L sobre


L, isto é, σ(L) = L. Neste caso, σ : L → L é um K-automorfismo;

3. Qualquer polinômio irredutível f ∈ K[x] que possui uma raiz em L


decompõe-se sobre L.

Prova. (1 ⇒ 2) Suponhamos que L seja um corpo de decomposição da família

F = {fi }i∈I ⊆ K[x].

Então
[
L = K(S), em que S = Ri e Ri = {α ∈ L : fi (α) = 0}.
i∈I

De fato, se α ∈ K(S), então existem α1 , . . . , αn ∈ S algébricos sobre K tais


que
α ∈ K(α1 , . . . , αn ).

Assim, pelo Teorema 9.27, K(α1 , . . . , αn ) é uma extensão algébrica sobre K.


Portanto, K(S) é uma extensão algébrica sobre K. Consequentemente,

L = K(S)

é uma extensão algébrica sobre K.


Seja σ : L → L uma K-imersão qualquer. Então

σ ∗ (f ) = f, ∀ f ∈ K[x],

com σ ∗ : L[x] → L[x] o homomorfismo de aneis induzido por σ, pois σ(a) = a,


para todo a ∈ K. Se

f = a(x − α1 ) · · · (x − αn ) ∈ L[x],

então
f = σ ∗ (f ) = a(x − σ(α1 )) · · · (x − σ(αn )),
11.1. EXTENSÕES NORMAIS E GALOISIANAS 599

de modo que f (σ(αi )) = 0, i = 1, . . . , n. Logo, σ(αi ) ∈ Ri , i = 1, . . . , n, isto


é, σ|Ri : Ri → Ri é uma função injetora. Assim, σ(Ri ) = Ri , pois Ri é um
conjunto finito. Portanto, σ(L) ⊆ L. Por outro lado, dado β ∈ L, existem
β 1 , . . . , β n ∈ S tais que

β ∈ K(β 1 , . . . , β n ) = K[β 1 , . . . , β n ],

ou seja, existem b1 , . . . , bn ∈ K tais que

β = b1 β 1 + · · · + bn β n = σ(b1 α1 + · · · + bn αn ),

onde α1 , . . . , αn ∈ S e β i = σ(αi ), i = 1, . . . , n. Portanto, β ∈ σ(L) e σ(L) = L.


(2 ⇒ 3) Sejam f ∈ K[x] um polinômio irredutível qualquer sobre K e
α ∈ L uma raiz de f . Então devemos provar que se β ∈ L é outra raiz de
f , então β ∈ L. Assim, pela Proposição 9.21, existe um K-isomorfismo σ0 :
K(α) → K(β), com σ 0 (α) = β. Logo, pelo item (2) do Teorema 10.7, existe
um K-isomorfismo ϕ : L → L tal que ϕ |K(α) = σ 0 . Seja σ = ϕ |L : L → L.
Então σ é uma K-imersão e, por hipótese, σ(L) ⊆ L. Portanto, β = σ 0 (α) ∈ L.
(3 ⇒ 1) Sejam α ∈ L e pα = irr(α, K). Então L é um corpo de decom-
posição da família
F = {pα : α ∈ L} ⊆ K[x].
Portanto, L/K é uma extensão normal. ¥

Observação 11.6 Note que o Teorema 11.5 na vale para uma extensão qual-
quer. Por exemplo, se K é um corpo qualquer e L = K(x) é o corpo de funções
racionais, então a função σ : L → L definida por σ(x) = x2 é uma K-imersão,
mas não é sobrejetora, pois K(x2 ) 6= L. Portanto, L/K não é uma extensão
normal.

O próximo resultado é de grande importância prática, uma vez que ele


produz exemplos explícitos de extensões normais.

Corolário 11.7 Seja L/K uma extensão finita. Então L é uma extensão nor-
mal de K se, e somente se, L é um corpo de decomposição de algum polinômio
f ∈ K[x].
600 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Prova. Como L/K é finita temos, pelo Teorema 9.27, que L = K(α1 , . . . , αn ),
onde os αi ∈ L são algébricos sobre K. Suponhamos que L seja uma extensão
normal de K. Seja pi = irr(αi , K) ∈ K[x]. Então cada pi decompõe-se sobre
L, pois cada pi é irredutível e possui uma raiz em L. Assim,

f = p1 · · · pn ∈ K[x]

possui todas as suas raízes em L. Portanto, L é um corpo de decomposição de


f ∈ K[x].
Reciprocamente, basta tomar F = {f } ⊆ K[x]. ¥

Observação 11.8 É importante salientar que uma extensão normal é sempre


algébrica, mas não é necessariamente finita ou separável.

Seja L/K uma extensão algébrica qualquer. Um fecho normal da extensão


L/K é uma extensão N de L tal que as seguintes condições são satisfeitas:

1. N é uma extensão normal de K.

2. N é minimal com respeito à condição (1), isto é, se F é uma extensão


normal de K, com L ⊆ F ⊆ N, então F = N .

Exemplo 11.9 Seja L/K extensão finita qualquer. Mostre que L/K possui
um fecho normal.

Solução. Primeiro note que L = K(α1 , . . . , αn ), onde os αi ∈ L são algébricos


sobre K. Seja N um corpo de decomposição do polinômio

f = p1 · · · pn ∈ L[x],

onde pi = irr(αi , K) ∈ K[x]. Então N é um corpo de decomposição do


polinômio f ∈ K[x], de modo que N/K é uma extensão normal.
Finalmente, se F é uma extensão normal de K, com L ⊆ F ⊆ N, então
cada pi decompõe-se sobre F . Assim, f decompõe-se sobre F . Portanto,
F = N. ¥

Exemplo 11.10 Determine o fecho normal de K = Q( 3 2) sobre Q.
11.1. EXTENSÕES NORMAIS E GALOISIANAS 601

Solução. Já vimos que {1, α, α2 } é uma base de K sobre Q, onde α = 3
2 ∈ C.
É claro que

p1 = irr(1, K) = x − 1, pα = irr(α, K) = x3 − 2 e pα2 = irr(α2 , K) = x3 − 4.

Assim, pelo Exemplo 11.9, devemos encontrar o corpo de decomposição do


polinômio
f = p1 pα pα2 ∈ K[x] ou f = pα pα2 ∈ K[x],

pois p1 decompõe-se sobre Q. Seja N = Q(α, ω) = Q(α, i 3). Então, pelo
Exemplo 10.6, temos que

pα = (x − α)(x − αω)(x − αω2 ) ∈ N[x].

De modo inteiramente análogo, obtemos

pα2 = (x − α2 )(x − α2 ω)(x − α2 ω 2 ) ∈ N[x].

Portanto, N é o fecho normal de K sobre Q. ¥

Mais geralmente, temos o seguinte resultado:

Teorema 11.11 Sejam L/K uma extensão algébrica qualquer e L o fecho


algébrico de L (e portanto de K). Então L/K possui um fecho normal.

Prova. Seja NL o conjunto de todos os corpos intermediários N de L/K tais


que N/K seja normal. Então
\
N L (L/K) = N
N∈NL

é um fecho normal de L/K. De fato, se α ∈ N L (L/K) e pα = irr(α, K), então


α ∈ N, para todo N ∈ NL . Logo, cada N é um corpo de decomposição da
família
F = {pα : α ∈ N} ⊆ K[x].
Consequentemente, N L (L/K) é um corpo de decomposição da família F. Por-
tanto, N L (L/K)/K é uma extensão normal. Claramente, N L (L/K) é a menor
extensão normal de K. ¥
602 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Exemplo 11.12 Qualquer extensão de grau dois é normal.


Solução. Seja L/K uma extensão tal que [L : K] = 2. Então existe α ∈ L tal
que α ∈
/ K. Se p = irr(α, K), então
[K(α) : K] = ∂(p) > 1.
Logo,
2 = [L : K] = [L : K(α)][K(α) : K]
implica que ∂(p) = 2 e [L : K(α)] = 1, ou seja, L = K(α). Seja
p = x2 + bx + c ∈ K[x].
Se β ∈ L é outra raiz de p, então
β = −(b + α) ∈ L.
Portanto, L é um corpo de decomposição de p e L é uma extensão normal de
K. ¥

Observação 11.13 Pela Exemplo acima Q( 2) é uma extensão normal de Q
√ √ √
e Q( 4 2) é uma extensão normal de Q( 2), mas Q( 4 2) não é uma extensão

normal de Q, pois α = 4 2 é uma raiz do polinômio f = x4 − 2 ∈ Q[x] e que,
pelo Critério de Eisenstein, é irredutível sobre Q, mas f não decompõe-se sobre

Q( 4 2), pois ele possui raízes complexas. Portanto, normalidade não possui a
propriedade transitiva.
Exemplo 11.14 R/Q não é uma extensão normal.

Solução. É claro que α = 3 2 ∈ R é uma raiz do polinômio f = x3 −2 ∈ Q[x] e
que, pelo Critério de Eisenstein, é irredutível sobre Q, mas f não decompõe-se
sobre R, pois ele possui raízes complexas. ¥
Exemplo 11.15 Sejam K um corpo qualquer e f ∈ K[x] um polinômio irre-
dutível sobre K. Mostre que todas as raízes de f possuem a mesma multiplici-
dade em K. Conclua que
Yn
f = a (x − αi )m ∈ K[x],
i=1

onde α1 , . . . , αn ∈ K, a ∈ K e m, n ∈ Z+ .
11.1. EXTENSÕES NORMAIS E GALOISIANAS 603

Solução. Sejam α, β ∈ K raízes de f com multiplicidades k e m , repectiva-


mente. Então, pela Proposição 9.21, existe um K-isomorfismo σ : K(α) →
K(β) tal que σ(α) = β. Como K é uma extensão normal de K temos que
existe um K-isomorfismo ϕ : K → K tal que ϕ|K(α) = σ. Assim, ϕ∗ (f ) = f ,
com ϕ∗ : K[x] → K[x] o isomorfismo de aneis induzido por ϕ. Em particular,

ϕ∗ ((x − α)k ) = (x − β)k

é um divisor de f . Logo, k ≤ m. Por um argumento simétrico (usando (ϕ∗ )−1 ),


obtemos m ≤ k. Portanto, k = m e

Y
n
f =a (x − αi )m ,
i=1

onde α1 , . . . , αn ∈ K, a ∈ K e m, n ∈ Z+ . ¥

Note, pelo Exemplo acima, que α é separável sobre K se, e somente se,
todas as raízes de p = irr(α, K) ∈ K[x] são simples.

Proposição 11.16 Sejam N/K uma extensão normal, α ∈ N, p = irr(α, K) ∈


K[x] e β ∈ N. Então as seguintes condições são equivalentes:

1. β é uma raiz de p;

2. irr(α, K) = irr(β, K);

3. Existe um K-isomorfismo ϕ : K(α) → K(β) tal que ϕ(α) = β;

4. Existe um único K-isomorfismo ϕ : K(α) → K(β) tal que ϕ(α) = β;

5. Existe um K-automorfismo ϕ : N → N tal que ϕ(α) = β.

Neste caso,

|HomK (K(α), N)| = número de raízes de p ≤ ∂(p) = [K(α) : K].

Ocorrendo a igualdade se, e somente se, α é separável sobre K.


604 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Prova. Vamos provar apenas a última afirmação. Já vimos que qualquer


K-imersão σ : L → N aplica α sobre uma raiz de p e, reciprocamente, para
qualquer raiz β de p, existe uma K-imersão σ : K(α) → N tal que σ(α) = β.
Como cada K-imersão σ : K(α) → N é completamente determinada por σ(α)
temos que
|HomK (K(α), N)| = número de raízes de p ≤ ∂(p) = [K(α) : K],
que é o resultado desejado. ¥

Note que se todas as condições da Proposição 11.16 são satisfeitas, dizemos


que β é um conjugado de α.
Proposição 11.17 Sejam K ⊆ F ⊆ L ⊆ N uma torre de corpos, com N/K
uma extensão normal, e para cada σ ∈ HomK (F, N) vamos escolher um K-
automorfismo ϕ : N → N tal que ϕ|F = σ. Então a função
f : HomK (F, N) × HomF (L, N) → HomK (L, N)
definida por f (σ, τ ) = ϕ ◦ τ é bijetora. Em particular,
|HomK (L, N)| = |HomK (F, N)| |HomF (L, N)| .
Prova. É claro que f está bem definida. Dados
(σ 1 , τ 1 ), (σ 2 , τ 2 ) ∈ HomK (F, N) × HomF (L, N),
se f (σ 1 , τ 1 ) = f (σ 2 , τ 2 ), então ϕ1 ◦ τ 1 = ϕ2 ◦ τ 2 . Logo,
ϕ−1 −1
2 ◦ ϕ1 ◦ τ 1 = τ 2 ⇒ ϕ2 ◦ ϕ1 |F = IF ,

ou seja,
σ 1 = ϕ1 |F = ϕ2 |F = σ 2 .
Assim, ϕ1 = ϕ2 , pois escolhemos uma extensão para cada σ. Portanto, τ 1 = τ 2 ,
isto é, f é injetora.
Finalmente, dadoρ ∈ HomK (L, N), temos que σ = ρ|F ∈ HomK (F, N).
Assim, se ϕ : N → N é tal que ϕ|F = σ, então existe τ = ϕ−1 ◦ρ ∈ HomF (L, N)
tal que
f (σ, τ ) = ϕ ◦ (ϕ−1 ◦ ρ) = ρ,
ou seja, f é sobrejetora. ¥
11.1. EXTENSÕES NORMAIS E GALOISIANAS 605
¯ ¯
Exemplo 11.18 Seja L/K extensão finita qualquer. Mostre que ¯HomK (L, K)¯
divide [L : K].

Solução. Primeiro note que L = K(α1 , . . . , αn ), onde os αi ∈ K são algébricos


sobre K. Sejam K0 = K,

Ki = K(α1 , . . . , αi ) = Ki−1 (αi )

e
pi = irr(αi , Ki−1 ) ∈ Ki−1 [x],
com ni = ∂(pi ), i = 1, . . . , n. Assim, pelo Exemplo 11.15,
ni
Y
pi = a (x − β j )mi ,
j=1

onde β 1 = αi , β 2 , . . . , β ni ∈ K e mi ∈ Z+ . Logo,
¯ ¯
[Ki : Ki−1 ] = ni mi = ¯HomKi−1 (Ki , K)¯ mi , i = 1, . . . , n.

Como
Y
n
[L : K] = ni mi
i=1

e, pela Proposição 11.17,


¯ ¯ Y n
¯HomK (L, K)¯ = ni
i=1
¯ ¯
temos que ¯HomK (L, K)¯ divide [L : K]. ¥

Seja L/K uma extensão finita. Dizemos que L/K é uma extensão Ga-
loisiana se L é uma extensão separável e normal sobre K. Portanto, o próximo
teorema é o início da Teoria de Galois.

Teorema 11.19 Seja L/K uma extensão Galoisiana. Então

|Aut K (L)| = [L : K].

Além disso, se α ∈ L e α ∈
/ K, então existe σ ∈ Aut K (L) tal que σ(α) 6= α.
606 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Prova. Como L/K é uma extensão finita e separável temos, pelo Teorema
10.31, que existe γ ∈ L tal que L = K(γ). Sejam p = irr(γ, K) e ∂(p) = n.
Então p possui n raízes distintas aos pares α1 = γ, . . . , αn ∈ L, pois L é uma
extenão separável de K. Assim, para cada i = 1, . . . , n, existe pelo item (3) da
Proposição 11.16, um K-isomorfismo σ i : K(γ) → K(αi ) tal que σ i (γ) = αi .
Logo, pelo item (5) da Proposição 11.16, temos que existe pelo menos n K-
automorfismo de L em L. Assim,

|Aut K (L)| ≥ n.

Portanto, |Aut K (L)| = n = [L : K]. ¥

Exemplo 11.20 Seja L = Gal(x2 − 2, Q). Determine Aut Q (L).



Solução. Já vimos que L = Q( 2). Seja σ ∈ Aut Q (L). Então
√ √ √
σ(α) = σ(a + b 2) = σ(a) + σ(b)σ( 2) = a + bσ( 2),

para todo α = a + b 2 ∈ L, ou seja, σ é completamente determinado por

σ( 2). Como
√ √
2 = σ(2) = σ(( 2)2 ) = (σ( 2))2

temos que
√ √
σ( 2) = ± 2.

Assim, σ(α) = α ou σ(α) = a − b 2. Portanto,

Aut Q (L) = {I, σ},



com σ(α) = a − b 2 o conjugado de α. Note que |Aut Q (L)| = 2 = [L : Q]. ¥

Exemplo 11.21 Seja L = Gal(x3 − 2, Q). Determine Aut Q (L).

Solução. Já vimos, no Exemplo 10.6, que L = Q(α, ω), com



√3 2πi 1 3
α= 2 e ω=e 3 =− + i.
2 2
11.1. EXTENSÕES NORMAIS E GALOISIANAS 607

Neste caso, L = Q(α, 3i) e {1, α, α2 , ω, αω, α2 ω} é uma base de L sobre Q,
pois
x3 − 2 = (x − α)(x2 + αx + α2 ) = (x − α)g ∈ Q(α)[x].
Como Q(α) ⊆ R e g não possui raízes sobre Q(α) temos que g é irredutível
sobre Q(α). É fácil verificar que as raízes de g são αω e αω 2 . Agora, seja
σ ∈ Aut Q (L). Então

σ(β) = σ(a + bα + cα2 + dω + eαω + f α2 ω)


= a + bσ(α) + cσ(α)2 + dσ(ω) + eσ(α)σ(ω) + f σ(α)2 σ(ω),

para todo β ∈ L, ou seja, σ é completamente determinado por σ(α) e σ(ω).


Sendo

2 = σ(2) = σ(α3 ) = (σ(α))3 e 1 = σ(1) = σ(ω 3 ) = (σ(ω))3 ,

obtemos a Tabela abaixo:

I σ σ2 τ στ σ2τ
α → α αω α2 ω α αω α2 ω
ω→ ω ω ω ω2 ω2 ω2

pois ω 2 = −(1 + ω) = ω. Portanto,

Aut Q (L) = {I, σ, σ 2 , τ , στ , σ 2 τ } ' S3 .

Note que |Aut Q (L)| = 6 = [L : Q] e que L é uma extensão Galoisiana. ¥

Observação 11.22 Já vimos que Aut Q (R) = {I}, mas [R : Q] = ∞.

EXERCÍCIOS

1. Determine quais das extensões abaixo são normais sobre Q?


√ √
(a) Q( 2i) (b) Q(5 7) (c) Q(i) (d) Q(π).
608 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS
√ ³p √ ´
2. Sejam F = Q( 3) e L = Q 1 + 3 Mostre que F/Q e L/F são
extensões normais, mas L/Q não.

3. Seja K ⊆ F ⊆ L uma torre de corpos tal que L/K seja uma extensão
finita. Mostre que se L/K é uma extensão normal, então L/F também
o é. Mostre, com um exemplo, que a extensão F/K não necessita ser
normal.

4. Mostre que o corpo L gerado por uma raiz do polinômio f = x3 − x − 1 ∈


Q[x] não é uma extensão normal de Q.

5. Mostre que qualquer extensão finita de um corpo finito é normal.



6. Determine a menor extensão normal de Q( 4 2) em Q.
√ √
7. Determine a menor extensão normal de Q( 4 2, 4 3) em Q.
√ √
8. Sejam F1 = Q( 2) e F2 = Q( 3 2). Determine o composito de F1 e F2 .
Conclua que ele é uma extensão normal de Q.

9. Sejam N uma extensão normal de K e f ∈ K[x] um polinômio irredutível


sobre K. Mostre que todos os fatores irredutíveis de f em L[x] possuem
o mesmo grau.

10. Sejam L/K uma extensão separável e N o fecho normal de K, onde


L ⊆ N . Mostre que N /K é uma extensão Galoisiana.

11. Sejam K um corpo qualquer. Mostre que se F, L ⊆ K são extensões


normais de K, então o composito F L e F ∩ L também o são.

12. Sejam L/K uma extensão finita e L = K(α1 , . . . , αn ), onde cada αi sep-
arável sobre K, i = 1, . . . , n. Mostre que L/K é uma extensão separável.

13. Sejam L/K uma extensão finita, f ∈ K[x] um polinômio separável e


L = Gal(f, K). Mostre que L/K é uma extensão separável.

14. Seja K ⊆ F ⊆ L uma torre de corpos tal que L/K seja uma extensão
finita. Mostre que se L/F e F/K são separáveis, então L/K também o
é.
11.2. GRUPOS DE GALOIS 609

11.2 Grupos de Galois


A Teoria de Galois está amplamente relacionada com as propriedades de
grupo de automorfismos de um corpo qualquer L. Já vimos que o conjunto

Aut(L) = {σ : L → L : σ é um isomorfismo}

é um grupo com a operação usual de composição de funções. É importante


lembrar que a ideia de automorfismo de um corpo foi primeiro desenvolvida
por Dedekind, que o chamou de “permutação do corpo.”
Seja L/K uma extensão qualquer. O subgrupo Aut K (L) do grupo Aut(L)
chama-se grupo de Galois de L/K e será denotado por

Gal(L/K) = Aut K (L),

pois se σ, ϕ ∈ Gal(L/K), então

(ϕσ)(a) = ϕ(σ(a)) = ϕ(a) = a ⇒ σϕ ∈ Gal(L/K).

Note que iniciando de uma extenção qualquer, obtemos um conjunto de auto-


morfismos.

Observação 11.23 Sejam L/K uma extensão, α ∈ L algébrico sobre K e


p = irr(α, K) ∈ K[x]. Então já vimos que

|Gal(K(α)/K)| = número de raízes de p.

Portanto, pelo Teorema 11.19, K(α)/K é uma extensão Galoisiana se, e so-
mente se, p possui n raízes distintas em K(α), com n = ∂(p), se, e somente
se, α é separável sobre K.

Sejam f ∈ K[x] um polinômio qualquer e L = Gal(f, K). Então o grupo


de Galois de f sobre K é o grupo Gal(L/K). Neste caso, se

f = a0 + a1 x + · · · + an xn ∈ K[x]
610 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

e α ∈ L é uma raiz de f , então para cada σ ∈ Gal(L/K) fixado, obtemos

f (σ(α)) = a0 + a1 σ(α) + · · · + an σ(α)n


= σ(a0 ) + σ(a1 )σ(α) + · · · + σ(an )σ(αn )
= σ(a0 + a1 α + · · · + an αn ) = σ(0) = 0.

Portanto, σ(α) ∈ L é uma raiz de f , ou seja, as raízes de f são permutadas


por qualquer σ ∈ Gal(L/K). Mais geralmente, temos o seguinte resultado:

Teorema 11.24 Seja L/K uma extensão Galoisiana, com [L : K] = n. Então


Gal(L/K) é isomorfo a um subgrupo de Sn . Em particular, |Gal(L/K)| divide
n!.

Prova. Como L/K é uma extensão separável temos, pelo Teorema 10.31,
que existe α ∈ L tal que L = K(α). Seja p = irr(α, K). Então p possui n
raízes distintas aos pares α1 = α, α2 , . . . , αn ∈ L, pois L/K é uma extensão
Galoisiana. Seja
Rp = {α1 , . . . , αn } ⊆ L.

Então, para um σ ∈ Gal(L/K) fixado, a função

ϕσ : Rp → Rp
αi 7→ σ(αi )

é uma bijeção, isto é, ϕσ ∈ P (Rp ) ' Sn , para todo σ ∈ Gal(L/K).


Afirmação. A função ϕ : Gal(L/K) → P (Rp ) definida por ϕ(σ) = ϕσ é
um homomorfismo de grupos injetor.
De fato, dados σ, τ ∈ Gal(L/K), obtemos

ϕ(στ )(αi ) = ϕστ (αi ) = στ (αi ) = σ(τ (αi ))


= ϕσ (τ (αi )) = ϕσ (ϕτ (αi ))
= (ϕσ ◦ ϕτ )(αi ), i = 1, . . . , n.

Logo,
ϕ(στ ) = ϕσ ◦ ϕτ = ϕ(σ) ◦ ϕ(τ ),
11.2. GRUPOS DE GALOIS 611

isto é, ϕ é um homomorfismo de grupos. Note que

σ ∈ ker(ϕ) ⇔ ϕ(σ) = I ⇔ σ(αi ) = αi , i = 1, . . . , n, ⇔ σ = IL ,

ou seja, ϕ é injetora. Portanto, Gal(L/K) é isomorfo a um subgrupo do grupo


de permutações Sn . ¥

Exemplo 11.25 Se K é o corpo primo de L, então Gal(L/K) = Aut(L), pois

K = (1K ) = {a · 1K : a ∈ K}

implica que σ(a) = a, para todo σ ∈ Aut(L) e a ∈ K.



Exemplo 11.26 Seja L = Q( 3 2). Determine Gal(L/Q).

Solução. Já vimos que



3

3
L = {a + b 2 + c 4 : a, b, c ∈ Q}.

Assim, qualquer σ ∈ Gal(L/Q) é completamente determinado pelo valor σ( 3 2).
Como
√ √
2 = σ(2) = σ(( 2)3 ) = (σ( 2))3
3 3


temos que σ( 3 2) é uma raiz do polinômio x3 − 2 ∈ Q[x]. Logo,
√ √ √ √
σ( 2) = 2, w 2 ou w2 2,
3 3 3 3

2π √ √ √
onde w = e 3 i ∈ C. Sendo σ( 3 2) ∈ L ⊆ R, concluímos que σ( 3 2) = 3 2.
Portanto,
Gal(L/Q) = {I},
que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 11.27 Determine Gal(C/R).

Solução. Para qualquer σ ∈ Gal(C/R) e z = a + bi ∈ C, onde a, b ∈ R,


obtemos
σ(z) = a + bσ(i).
612 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Assim, σ é completamente determinado pelo valor σ(i). Como

−1 = σ(−1) = σ(i2 ) = (σ(i))2

temos que σ(i) é uma raiz do polinômio x2 + 1 ∈ R[x]. Logo,

σ(i) = i ou σ(i) = −i.

Portanto, σ = I ou σ = σ 1 , com σ 1 (z) = z o conjugado de z. Neste caso,

Gal(C/R) = {I, σ} ' Z2 .

Note que ϕ ◦ σ ◦ ϕ−1 ∈ Aut(C), para todo ϕ ∈ Aut(C). ¥

Exemplo 11.28 Sejam K = Zp (x) o corpo de funções racionais e f (y) =


y p − x ∈ K[y]. Determine o grupo de Galois de f .

Solução. Já vimos, pelo Exemplo 10.19, que f é irredutível sobre K e que se


α é uma raiz de f , em algum L = Gal(f, K), então

f (y) = y p − x = y p − αp = (y − α)p ∈ L[y].

Portanto, L = K(α) é o corpo de decomposição e Gal(L/K) = {I}, pois


σ(α) = α, para todo σ ∈ Gal(L/K). Neste caso, |Aut K (L)| = 1 < [L : K]. ¥

Exemplo 11.29 Sejam K um corpo qualquer e L = K(x) o corpo de funções


racionais. Determine Gal(L/K).

Solução. Como qualquer σ ∈ Gal(L/K) é completamente determinado pelo


valor σ(x) temos que σ(x) é um gerador de L, isto é, L = K(σ(x)). Recipro-
camente, se α ∈ L é tal que L = K(α), então existe σ ∈ Gal(L/K) tal que
σ(x) = α. Portanto, a determinação do grupo de Galois Gal(L/K) se reduz a
determinar os elmentos α ∈ L tais que L = K(α). Assim, pelo Corolário 9.35,

ax + b
α= , onde a, b, c, d ∈ K, com ad − bc 6= 0.
cx + d
11.2. GRUPOS DE GALOIS 613

Portanto, o grupo de Galois Gal(L/K) é isomorfo ao grupo de todas as trans-


formações lineares fracionárias de L em L:
ax + b
x→ , onde a, b, c, d ∈ K, com ad − bc 6= 0,
cx + d
ou seja, se σ ∈ Gal(L/K), então
ax + b
σ(x) = .
cx + d
Assim, se r(x) ∈ L, então
µ ¶
ax + b
σ(r(x)) = r = r(σ(x)),
cx + d
que é o resultado desejado. ¥

Observação 11.30 Sejam K um corpo qualquer e L = K(x) o corpo de


funções racionais. Então para cada matriz
" #
a11 a12
A= ∈ GL 2 (K)
a21 a22

fixada, a função ϕA : L → L definida por


a11 x + a12
ϕA (x) =
a21 x + a22
é claramente um elemento Gal(L/K). Note que
³ ´
a11 bb11 x+b12
21 x+b22
+ a12
(ϕA ◦ ϕB )(x) = ³ ´
a21 bb11 x+b12
21 x+b22
+ a22
a11 (b11 x + b12 ) + a12 (b21 x + b22 )
=
a21 (b11 x + b12 ) + a22 (b21 x + b22 )
(a11 b11 + a12 b21 )x + (a11 b12 + a12 b22 )
=
(a21 b11 + a22 b21 )x + (a21 b12 + a22 b22 )
= ϕAB (x).

Além disso, a função


ϕ : GL 2 (K) → Gal(L/K)
614 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

definida por ϕ(A) = ϕA é um homomorfismo de grupos sobrejetor. Portanto,


pelo Primeiro Teorema de Isomorfismo,

GL 2 (K)
' Gal(L/K).
ker(ϕ)

Como
ker(ϕ) = {aI : a ∈ K ∗ }
temos que
GL 2 (K)
PGL 2 (K) = ' Gal(L/K).
ker(ϕ)

EXERCÍCIOS

1. Seja f = x8 − 1 ∈ Q[x]. Determine L = Gal(f, Q(i)).


√ √ √
2. Sejam L = Q( 8 2, i), F1 = Q(i), F2 = Q( 2) e F3 = Q(i 2). Mostre
que
Gal(L/F1 ) ' Z8 , Gal(L/F2 ) ' D8 e Gal(L/F3 ) ' Q8 .

3. Seja L = Gal(xp − 2, Q), com p um número primo fixado. Mostre que


Gal(L/Q) é isomorfo ao grupo de matrizes da forma
" #
a b
, onde a, b ∈ Zp e a 6= 0.
0 1

4. Sejam K um corpo, f ∈ K[x] um polinômio separável e L = Gal(f, K).


Mostre que f é irredutível sobre K se, e somente se, G = Gal(L/K) age
transitivamente sobre o conjunto de raízes de f .

5. Sejam K um corpo, f ∈ K[x] um polinômio irredutível e separável, com


∂(f ) = n e L = Gal(f, K). Mostre que se G = Gal(L/K) é grupo
abeliano, então |G| = n.
11.3. INDEPENDÊNCIA DE CARACTERES 615

6. Sejam K um corpo, f ∈ K[x] um polinômio irredutível e separável,


com ∂(f ) = n, e L = Gal(f, K). Mostre que n divide |G|, em que
G = Gal(L/K).

7. Seja K um corpo. Mostre que G = Gal(K[x]/K) é o conjunto de todas


as funções σ : K[x] → K[x] tais que σ(x) = ax + b, onde a, b ∈ K e
a 6= 0. Conclua que G é isomorfo ao subgrupo
(" # )
a b
Aff(K) = : a, b ∈ K com a 6= 0
0 1

de GL 2 (K), chamado de subgrupo afim.

8. Seja L/K uma extensão. Mostre que se φ : L → M é um isomorfismo


e K1 = φ(K), então a função ϕ : Gal(L/K) → Gal(M/K1 ) definida por
ϕ(σ) = φσφ−1 é um isomorfismo de grupos.

11.3 Independência de Caracteres


Nesta seção faremos um estudo mais detalhado sobre o grupo de automor-
fismos de um corpo qualquer.
Seja G um grupo qualquer. Um carater de G em um corpo qualquer L é
um homomorfismo de grupos de G no grupo multiplicativo L∗ de L, isto é,
uma função σ : G → L∗ tal que

σ(ab) = σ(a)σ(b), ∀ a, b ∈ G, e σ(a) 6= 0, ∀ a ∈ G.

Note que se σ : F → L uma imersão, então σ |F ∗ : F ∗ → L∗ é um homomorfismo


de grupos. Assim, σ pode ser vista como um carater de F ∗ em L.
Seja V = V (G, L) o conjunto de todos os caracteres de G em L. Se σ, τ ∈ V ,
então V com as operações de adição

(σ + τ )(a) = σ(a) + τ (a), ∀ a ∈ G,

e multiplicação por escalar

(βσ)(a) = βσ(a), ∀ a ∈ G e β ∈ L,
616 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

é um espaço vetorial sobre L (prove isto!). Neste caso, V = L[G] é uma álgebra
de grupo.

Lema 11.31 (Lema de Dedekind) Qualquer conjunto {σ 1 , . . . , σ n } de ele-


mentos distintos de V é linearmente independente.

Prova. Vamos usar indução sobre n. Se n = 1, então x1 σ 1 = 0 implica


que x1 = 0, pois σ 1 (a) 6= 0, para todo a ∈ G. Suponhamos que n > 1 e
que o resultado seja válido para todo conjunto com k elementos, 1 ≤ k < n.
Consideremos a equação vetorial

x1 σ 1 + · · · + xn σ n = 0.

Então
x1 σ 1 (a) + · · · + xn σ n (a) = 0(a) = 0, ∀ a ∈ G. (11.1)
Como σ1 6= σ n temos que existe b ∈ G tal que σ1 (b) 6= σ n (b). Substituindo a
por ab na equação escalar (11.1), temos que

x1 σ 1 (a)σ 1 (b) + · · · + xn σ n (a)σ n (b) = 0. (11.2)

Por outro lado, multiplicando a equação escalar (11.1) por σ 1 (b), obtemos

x1 σ 1 (a)σ 1 (b) + · · · + xn σ n (a)σ 1 (b) = 0. (11.3)

Agora, subtraindo a equação (11.3) da equação (11.2), teremos

x2 [σ 2 (b) − σ 1 (b)]σ 2 (a) + · · · + xn [σ n (b) − σ 1 (b)]σ n (a) = 0.

Portanto, pela hipótese de indução,

xj [σ j (b) − σ 1 (b)] = 0, j = 2, . . . , n.

Em particular,
xn [σ n (b) − σ 1 (b)] = 0 ⇒ xn = 0,
pois σ n (b) − σ 1 (b) 6= 0. Assim,

x1 σ 1 + · · · + xn−1 σ n−1 = 0
11.3. INDEPENDÊNCIA DE CARACTERES 617

e, novamente pela hipótese de indução, obtemos

x1 = x2 = · · · = xn−1 = 0,

que é o resultado desejado. ¥

Corolário 11.32 Seja L um corpo qualquer. Então qualquer conjunto {σ 1 , . . . , σ n }


de elementos distintos de Aut(L) é linearmente independente.

Prova. Basta observar que σ |L∗ : L∗ → L∗ é um homomorfismo de grupos,


para todo σ ∈ Aut(L). ¥

Sejam L um corpo qualquer e G um subconjunto de Aut(L). Então o


conjunto
LG = {α ∈ L : σ(α) = α, ∀ σ ∈ G}

é um subcorpo de L (prove isto!). O subcorpo LG chama-se corpo fixo de G.


Note que iniciando de G, obtemos uma extensão L de LG .

Lema 11.33 Seja L um corpo qualquer.

1. Se K ⊆ F são subcorpos de L, então Gal(L/F ) ⊆ Gal(L/K).

2. Se K é um subcorpo de L e G = Gal(L/K), então K ⊆ LG ⊆ L.

3. Se H ⊆ G são subconjuntos de Aut(L), então LG ⊆ LH .

4. Se G é um subconjunto de Aut(L), então G ⊆ Gal(L/LG ).

5. Se F = LG , para algum G um subconjunto de Aut(L), então F =


LGal(L/F ) .

6. Se K é um subcorpo de L e G = Gal(L/K), então G = Gal(L/LG ).

Prova. Vamos provar apenas os itens (5) e (6): (5) É claro que

F ⊆ LGal(L/F ) .
618 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Por outro lado, pelo item (4), G ⊆ Gal(L/F ). Assim, pelo item (3),

LGal(L/F ) ⊆ LG = F.

Portanto, F = LGal(L/F ) .
(6) Pelo item (4), G ⊆ Gal(L/LG ). Por outro lado, pelo item (2), K ⊆ LG .
Assim, pelo item (1),

Gal(L/LG ) ⊆ Gal(L/K) = G.

Portanto, G = Gal(L/LG ). ¥

Lema 11.34 Sejam L um corpo qualquer e G = {σ 1 , . . . , σ n } um subconjunto


de Aut(L). Então
[L : LG ] ≥ |G| = n.

Prova. Suponhamos, por absurdo, que [L : LG ] = m, com m < n, e seja


{α1 , . . . , αm } uma base de L sobre LG . Então o sistema de equações lineares
sobre L, com m equações e n incógnitas,

⎨ σ1 (α1 )x1 + · · · + σ n (α1 )xn = 0

..
⎪ .

σ 1 (αm )x1 + · · · + σ n (αm )xn = 0

possui uma solução não nula (y1 , . . . , yn ) em L, na qual n − m das variáveis yi


são livres. Alternativamente, a função T : Ln → Lm definida por
à n !
X X
n
T (x1 , . . . , xn ) = σ i (α1 )xi , . . . , σ i (αm )xi
i=1 i=1

é claramente linear e

n = dim ker T + dim Im T ≤ dim ker T + m.

Assim, dim ker T > 0. Note que para quaisquer b1 , . . . , bm ∈ LG , temos que

σ i (bj ) = bj , j = 1, . . . , m.
11.3. INDEPENDÊNCIA DE CARACTERES 619

Logo, multiplicando a j-ésima equação do sistema por bj , teremos



⎨ σ 1 (b1 α1 )y1 + · · · + σ n (b1 α1 )yn = 0

..
⎪ .

σ 1 (bm αm )y1 + · · · + σ n (bm αm )yn = 0.

Assim, adicionando todas estas equações, obtemos


Ãm ! Ã m !
X X
σ1 bj αj y1 + · · · + σ n bj αj yn = 0.
j=1 j=1

Portanto,
σ 1 (β)y1 + · · · + σ n (β)yn = 0, ∀ β ∈ L.
Logo, pelo Corolário 11.32, temos que

y1 = y2 = · · · = yn = 0,

o que é uma contradição. Consequentemente,

[L : LG ] ≥ n,

que é o resultado desejado. ¥

Exemplo 11.35 Sejam K um corpo e L = K(x) o corpo de funções racionais.


Mostre que as funções de L sobre L definidas por
1 x−1 1
x 7→ x, x 7→ , x 7→ , x 7→ ,
1−x x x
x
x 7→ 1 − x e x 7→ .
x−1
formam um subgrupo G de Gal(L/K). Determine o corpo fixo LG e [L : LG ].

Solução. Sejam σ, τ : L → L tais que


1 1
σ(x) = e τ (x) = .
1−x x
Então, pelo Exemplo 11.29, σ, τ ∈ Gal(L/K). Além disso, é fácil verificar que

G = hσ, τ i = {I, σ, σ 2 , τ , στ , σ 2 τ } ' S3 ,


620 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

por exemplo, µ ¶
1 1 x
στ (x) = σ = 1 = .
x 1− x
x−1
Assim, pelo Lema 11.34, [L : LG ] ≥ 6. Note que
½ µ ¶ µ ¶¾
G 1 x
L = r(x) ∈ L : r(x) = r = ··· = r
1−x x−1
½ µ ¶ µ ¶¾
1 1
= r(x) ∈ L : r(x) = r =r .
1−x x

Afirmação. [L : LG ] = 6.
De fato, seja
(x2 − x − 1)3
y = r(x) = ∈ L.
x2 (x − 1)2
Então, depois de alguns cálculos, temos que σ(y) = y e τ (y) = y. Logo,
y ∈ LG . Pondo F = K(y), obtemos F ⊆ LG e [L : F ] ≥ 6. Por outro lado,
pela Proposição 9.34, [F (x) : F ] ≤ 6. Portanto, [L : F ] = 6, pois L = F (x).
Neste caso, [L : LG ] = 6 e LG = K(y). ¥

Teorema 11.36 (Teorema de Artin) Sejam L um corpo qualquer e G um


subgrupo finito de Aut(L). Então

[L : LG ] = |G| .

Em particular, se L é uma extensão finita de K, então [L : K] ≥ |Gal(L/K)|.

Prova. Seja G = {σ 1 , . . . , σ n } e suponhamos, por absurdo, que [L : LG ] > n.


Então existe um conjunto com pelo menos n + 1 elementos de L linearmente
independente sobre LG , digamos

{α1 , . . . , αn+1 } ⊆ L.

Consideremos o sistema equações lineares sobre L



⎨ σ 1 (α1 )x1 + · · · + σ 1 (αn+1 )xn+1 = 0

.. (11.4)
⎪ .

σ n (α1 )x1 + · · · + σ n (αn+1 )xn+1 = 0
11.3. INDEPENDÊNCIA DE CARACTERES 621

Como n+1 > n temos que o sistema possui uma solução não nula (y1 , . . . , yn+1 )
em L, na qual uma das variáveis é livre.
Afirmação. yi ∈ / LG , para algum i = 1, . . . , n + 1.
De fato, se yi ∈ LG , para todo i, então pela pimeira equação do sistema (11.4),
obtemos
σ 1 (y1 α1 + · · · + yn+1 αn+1 ) = 0.
Assim,
y1 α1 + · · · + yn+1 αn+1 = 0 ⇒ y1 = · · · = yn+1 = 0,
o que é uma contradição.
Seja S o conjunto de todos os k ∈ N tal que k é igual ao número de
componentes não nulas na solução (y1 , . . . , yn+1 ). Então S 6= ∅. Assim, pelo
Princípio da Boa Ordenação, S contém um menor elemento, digamos r ∈ S,
com r ≤ n + 1. Reenumerando, se necessário, podemos supor que y1 , . . . , yr
são os elementos não nulos e yr = 1. Assim,

⎨ σ 1 (α1 )y1 + · · · + σ 1 (αr−1 )yn−1 + σ 1 (αr−1 ) = 0

.. (11.5)
⎪ .

σ n (α1 )y1 + · · · + σ n (αr−1 )yn−1 + σ n (αr−1 ) = 0

Como pelo menos um dos yi ∈ / LG , digamos y1 , temos que existe σ k0 ∈ G,


1 ≤ k0 ≤ n, tal que σ k0 (y1 ) 6= y1 . Logo, aplicando σ k ao sistema de equações
lineares (11.5), obtemos

⎨ (σ k0 σ 1 )(α1 )σ k0 (y1 ) + · · · + (σ k0 σ 1 )(αr−1 )σ k0 (yn−1 ) + (σ k0 σ 1 )(αr−1 ) = 0

..
⎪ .

(σk0 σ n )(α1 )σ k0 (y1 ) + · · · + (σ k0 σ n )(αr−1 )σ k0 (yn−1 ) + (σ k0 σ n )(αr−1 ) = 0.

Sendo
G = {σk0 σ 1 , . . . , σ k0 σ n },
temos que essas equações podem ser reescritas como

⎨ σ 1 (α1 )σ k0 (y1 ) + · · · + σ 1 (αr−1 )σ k0 (yn−1 ) + σ 1 (αr−1 ) = 0

.. (11.6)
⎪ .

σ n (α1 )σ k0 (y1 ) + · · · + σ n (αr−1 )σ k0 (yn−1 ) + σ n (αr−1 ) = 0.
622 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Subtraindo a equação (11.6) da equação (11.5), obtemos



⎨ [y1 − σ k0 (y1 )]σ 1 (α1 ) + · · · + [yr−1 − σ k0 (yn−1 )]σ 1 (αr−1 ) = 0

..
⎪ .

[y1 − σ k0 (y1 )]σ n (α1 ) + · · · + [yr−1 − σ k0 (yn−1 )]σ n (αr−1 ) = 0

Mas isto é uma solução do nosso sistema de equações lineares, com y1 −


σ k0 (y1 ) 6= 0, o que contradiz a minimalidade de r. Portanto,

[L : LG ] = |G| .

Finalmente, pelo Exemplo 11.18, temos que H = Gal(L/K) é um subgrupo


finito de Aut(L). Logo,

[L : K] = [L : LH ][LH : K] = |H| [LH : K].

Portanto, [L : K] ≥ |Gal(L/K)|. ¥

Corolário 11.37 Sejam L um corpo e G, H subgrupos finitos de Aut(L).


Então LG = LH se, e somente se, G = H.

Prova. Vamos primeiro provar que G = Gal(L/LG ). É claro que G ⊆


Gal(L/LG ). Por outro lado, pelo Teorema 11.36, [L : LG ] = |G| e L/LG é
uma extensão finita. Assim,
¯ ¯
|G| = [L : LG ] ≥ ¯Gal(L/LG )¯ ≥ |G| .

Assim, G = Gal(L/LG ). Portanto,

G = Gal(L/LG ) = Gal(L/LH ) = H,

que é o resultado desejado. ¥

Teorema 11.38 Sejam L/K uma extensão finita e G = Gal(L/K). Então


L/K é uma extensão Galoisiana se, e somente se, K = LG .
11.3. INDEPENDÊNCIA DE CARACTERES 623

Prova. Suponhamos que L/K seja uma extensão Galoisiana. Então, pelo
Teorema 11.19, [L : K] = |G| e G é um grupo finito. Mas, pelo Teorema 11.36,
|G| = [L : LG ]. Logo,

[L : LG ] = [L : K] = [L : LG ][LG : K]
⇒ [LG : K] = 1 ⇒ K = LG .

Reciprocamente, sejam

G = {σ 1 = I, σ 2 , . . . , σ n },

α ∈ L e p = irr(α, K) ∈ K[x]. Então

α, σ 2 (α), . . . , σ n (α) ∈ L. (11.7)

Fazendo α1 = α, α2 , . . . , αm os elemntos distintos em (11.7). Então cada ele-


mento τ ∈ G permuta os elementos em (11.7), pois

G = {τ , τ σ 2 , . . . , τ σ n }, ∀ τ ∈ G.

Assim, os coeficientes do polinômio


Y
m
g= (x − αi ) ∈ L[x]
i=1

é fixado por qualquer elemento τ ∈ G. Logo, por hipótese,

g ∈ LG [x] = K[x].

Como g(α) = 0 temos que p divide g. Assim, p não possui raízes repetidas,
ou seja, p é separável e decompõe-se sobre L. Portanto, L/K é uma extensão
Galoisiana. ¥

Sejam L/K uma extensão Galoisiana e F1 , F2 corpos intermediários de


L/K. Dizemos que F1 é um conjugado de F2 se existir um K-isomorfismo
ϕ : F1 → F2 .

Teorema 11.39 Sejam L/K uma extensão Galoisiana e F um corpo inter-


mediário de L/K. Então as seguintes condições são equivalentes:
624 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

1. F não possui conjugados;

2. σ|F ∈ Gal(F/K), para todo σ ∈ Gal(L/K);

3. F/K é uma extensão Galoisiana.

Prova. (1 ⇒ 2) Se σ ∈ Gal(L/K), então ϕ = σ|F : F → L é uma K-imersão.


Logo, por hipótese,
F = σ(F ) e ϕ ∈ Gal(F/K).
(2 ⇒ 3) Sejam α ∈ F e p = irr(α, K) ∈ K[x]. Então p é separável e
decompõe-se sobre L, pois F ⊆ L e L/K é uma extensão Galoisiana. Seja
β ∈ L outra raiz de p. Então, pelo item (5) da Proposição 11.16, existe
σ ∈ Gal(L/K) tal que σ(α) = β. Logo, por hipótese,

σ(F ) = F e β = σ(α) ∈ F.

Assim, F contém todas as raízes de p, ou seja, F é um corpo de decomposição


de p. Portanto, F/K é uma extensão Galoisiana.
(3 ⇒ 1) Segue do item (3) da Proposição 11.16. ¥

Exemplo 11.40 Seja f = x3 − 2 ∈ Q[x]. Então já vimos, no Exemplo 10.6,


que L = Gal(f, Q) = Q(α, ω), com

√3 2πi 1 3
α= 2 e ω=e 3 =− + i.
2 2
Como a característica de Q é igual a zero temos que L/Q é uma extensão
Galoisiana. O corpo F = Q(ω) é uma extensão Galoisiana de Q, pois F é um
corpo de decomposição do polinômio

g = x3 − 1 ∈ Q[x] e [F : Q] = 2.

No entanto, F1 = Q(α) não é uma extensão Galoisiana de Q, pois F2 = Q(αω)


é um conjugado de F2 , com F1 6= F2 . Finalmente, seja

h = x3 − 3x2 + 3x + 3 ∈ Q[x].

Então h é irredutível sobre Q (prove isto!) e L é um corpo de decomposição


de h, pois 1 + α é uma raiz de h. Portanto, polinômios diferentes podem ter o
mesmo corpo de decomposição.
11.3. INDEPENDÊNCIA DE CARACTERES 625

EXERCÍCIOS

1. Sejam L um corpo qualquer, H um subgrupo de Aut(L) e K = LH .


Mostre que α ∈ L é um elemento algébrico sobre K se, e somente se, o
conjunto
{σ(α) ∈ L : σ ∈ H}
é finito.

2. Sejam L/K uma extensão e σ 1 , . . . , σ n : K → L homomorfismos não


nulos distintos aos pares. Mostre que

F = {a ∈ K : σ1 (a) = · · · = σn (a)}

é um subcorpo de K, com [K : F ] ≥ n.

3. Sejam K um corpo, α1 , . . . , αn ∈ K ∗ e c1 , . . . , cn ∈ K Mostre que se

c1 αm m
1 + · · · + cn αn = 0, ∀ m ∈ Z,

então c1 = · · · = cn = 0.

4. Sejam L/K uma extensão Galoisiana e Gal(L/K) = {σ 1 = 1, σ 2 , . . . , σ n }.


Se α ∈ L, definimos
X
n Y
n
T (α) = σ i (α) e N(α) = σ i (α).
i=1 i=1

Mostre que:

(a) T (α) ∈ K e N(α) ∈ K.


(b) T é uma função K-linear de L sobre K.
(c) N é um homomorfismo de grupos de L∗ em K ∗ .
(d) Existe α ∈ L tal que tr(α) = 1.
626 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

5. Sejam f = x4 − 4x2 + 2 ∈ Q[x], L = Gal(f, Q) e α uma raiz de f . Mostre


que existe σ ∈ Gal(L/Q) tal que σ(α) = α3 + 3α. Determine Gal(L/Q).

6. Sejam K um corpo de característica um número primo p e L = Gal(f, K),


onde f = xp − x + c ∈ K[x] e c 6= 0.

(a) Mostre que L = K ou f é irredutível sobre K.


(b) Mostre que Gal(L/K) ' Zp .

7. Sejam K um corpo e L = K(x) o corpo de funções racionais. Mostre


que as funções de L sobre L definidas por
1 x−1
x 7→ x, x 7→ e x 7→
1−x x

formam um subgrupo G de Gal(L/K). Determine o corpo fixo LG e


[L : LG ].

8. Sejam K um corpo contendo Q e L = K(x) o corpo de funções racionais.

1
(a) Mostre que a função σ : L → L definida por σ(x) = 1−x gera um
subgrupo cíclico finito G de Gal(L/K). Determine o corpo fixo LG
e [L : LG ].
(b) Mostre que a função σ : L → L definida por σ(x) = x + 1 gera um
subgrupo cíclico infinito G de Gal(L/K). Determine o corpo fixo
LG . Qual é o grau [L : LG ]?

11.4 Teorema Fundamental da Teoria de Ga-


lois
Seja F um conjunto parcialmente ordenado. Um elemento d ∈ F (c ∈ F)
é uma cota superior (inferior) de a, b ∈ F se

a ≤ d e b ≤ d (c ≤ a e c ≤ b).
11.4. TEOREMA FUNDAMENTAL DA TEORIA DE GALOIS 627

Neste caso, dizemos F é um conjunto dirigido se quaisquer dois elementos de


F possuir uma cota superior.
Um elemento m ∈ F é a menor cota superior (o supremo) de a, b ∈ F se
as seguintes condições são satisfeitas:

1. a ≤ m e b ≤ m. (cota superior)

2. Se a ≤ c e b ≤ c, então m ≤ c. (menor das cotas superiores)

Vamos denotar a menor das cotas superiores de a, b ∈ F por a ∨ b. De


modo inteiramente análogo, define-se a maior cota inferior (ínfimo) a ∧ b.
Seja F um conjunto parcialmente ordenado. Dizemos que F é um conjunto
reticulado se a ∨ b e a ∧ b existirem, para todos a, b ∈ F.

Exemplo 11.41 Sejam G um grupo qualquer e F = Sub(G) o conjunto de


todos os subgrupos de G. Dados H, K ∈ F, definimos

H ≤ K ⇔ H ⊆ K.

Então F é um conjunto reticulado, com

H ∨ K = hH ∪ Ki = HK e H ∧ K = H ∩ K.

Solução. Dados H, K ∈ F, obtemos H, K ⊆ H ∨ K, isto é, H ∨ K é uma cota


superior de H e K. Por outro lado, seja L ∈ F uma cota superior de H e K.
Então H ⊆ L e K ⊆ L. Assim, H ∨ K ⊆ L, pois H ∨ K é o menor subgrupo
de G contendo H e K. Portanto, H ∨ K é a menor das cotas superiores de
H, K ∈ F. De modo inteiramente análogo, prova-se que H ∧ K é a maior das
cotas inferiores de H, K ∈ F. Portanto, F é um conjunto reticulado. ¥

Exemplo 11.42 Sejam L/K uma extensão e F = Int(L/K) o conjunto de


todos os corpos intermediários de L/K. Dados F1 , F2 ∈ F, definimos

F1 ≤ F2 ⇔ F1 ⊆ F2 .

Então F é um conjunto reticulado, com

F1 ∧ F2 = F1 ∩ F2 e F1 ∨ F2 = K(F1 ∪ F2 ) = F1 F2

o composito de F1 e F2 .
628 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Solução. Dados F1 , F2 ∈ F, obtemos F1 ∧ F2 ⊆ F1 , F2 , isto é, F1 ∧ F2 é uma


cota inferior de F1 e F2 . Por outro lado, seja F ∈ F uma cota inferior de F1 e
F2 . Então F ⊆ F1 e F ⊆ F2 . Assim, F ⊆ F1 ∧ F2 . Portanto, F1 ∧ F2 é a maior
das cotas inferiores de F1 , F2 ∈ F. De modo inteiramente análogo, prova-se
que F1 ∨ F2 é a menor das cotas superiores de F1 , F2 ∈ F. Portanto, F é um
conjunto reticulado. ¥

Lema 11.43 Sejam F1 , F2 conjuntos reticulados e γ : F1 → F2 uma função


bijetora invertendo ordem. Então

γ(a ∨ b) = γ(a) ∧ γ(b) e γ(a ∧ b) = γ(a) ∨ γ(b), ∀ a, b ∈ F1 .

Prova. Vamos provar primeiro que a função γ −1 também inverte ordem. Dados
x, y ∈ F2 , existem a, b ∈ F1 tais que

x = γ(a) e y = γ(b).

Logo, se x ≤ y, então

γ(a) = x ≤ y = γ(b) ⇒ γ −1 (y) = b ≤ a = γ −1 (x).

Dados a, b ∈ F1 ,

a ≤ a ∨ b e b ≤ a ∨ b ⇒ γ(a ∨ b) ≤ γ(a) e γ(a ∨ b) ≤ γ(b).

Logo, por definição, γ(a ∨ b) ≤ γ(a) ∧ γ(b). Por outro lado, como γ(a) ∧ γ(b) ∈
F2 e γ é sobrejetora temos que existe c ∈ F1 tal que

γ(a ∨ b) ≤ γ(a) ∧ γ(b) = γ(c) e γ(c) ≤ γ(a), γ(b).

Assim, aplicando γ −1 as inequações acima, obtemos

c ≤ a ∨ b e a, b ≤ c.

Portanto, c = a ∨ b. ¥
Int(L/K) o conjunto de todos os corpos intermediários de L/K

Teorema 11.44 (Teorema Fundamental da Teoria de Galois) Sejam L/K


uma extensão Galoisiana e G = Gal(L/K). Então:
11.4. TEOREMA FUNDAMENTAL DA TEORIA DE GALOIS 629

1. A função γ : Sub(G) → Int(L/K) definida por γ(H) = LH é uma


bijeção invertendo ordem, com inversa δ : Int(L/K) → Sub(G) definida
por δ(F ) = Gal(L/F ).

2. LGal(L/F ) = F , para todo F ∈ Int(L/K), e Gal(L/LH ) = H, para todo


H ∈ Sub(G).

3. LH1 ∨H2 = LH1 ∧ LH2 e LH1 ∧H2 = LH1 ∨LH2 , para todos H1 , H2 ∈ Sub(G);

Gal(L/(F1 ∨ F2 )) = Gal(L/F1 ) ∧ Gal(L/F2 )

e
Gal(L/(F1 ∧ F2 )) = Gal(L/F1 ) ∨ Gal(L/F2 ),
para todos F1 , F2 ∈ Int(L/K).

4. [F : K] = [G : Gal(L/F )], para todo F ∈ Int(L/K), e [G : H] = [LH :


K], para todo H ∈ Sub(G).

5. Para qualquer F ∈ Int(L/K), F/K é uma extensão Galoisiana se, e


somente se, Gal(L/F ) é um subgrupo normal em G. Em particular,
G
' Gal(F/K).
Gal(L/F )

Prova Vamos primeiro observar o Teorema graficamente:

L ↔ {I}
| |
F ←δ Gal(L/F )

| |
H
L γ H


| |
K ↔ G

(1) Pelo Corolário 11.37, temos que γ está bem definida e é injetora. Como
L é um corpo de decomposição de algum polinômio separável f ∈ K[x] e
K[x] ⊆ F [x], para todo F ∈ Int(L/K), temos que L também é um corpo de
630 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

decomposição de f ∈ F [x]. Assim, L/F é uma extensão Galoisiana e pelo


Teorema 11.38, F = LGal(L/F ) . Portanto,

γ(Gal(L/F )) = LGal(L/F ) = F,

isto é, γ é sobrejetora.
Finalmente, dados H1 , H2 ∈ Sub(G),

H1 ≤ H2 ⇒ LH2 ≤ LH1 ⇒ γ(H2 ) ≤ γ(H1 ),

ou seja, γ inverte ordem.


(2) Como γ ◦ δ = IInt(L/K) e δ ◦ γ = IGal(L/K) temos que:

F = (γ ◦ δ)(F ) = γ(Gal(L/F )) = LGal(L/F )

e
H = (δ ◦ γ)(H) = δ(LH ) = Gal(L/LH ).
(3) Consequência direta do Lema 11.43.
(4) Como [L : K] = [L : F ][F : K], para todo F ∈ Int(L/K), temos que

[L : K] |G|
[F : K] = = = [G : Gal(L/F )].
[L : F ] | Gal(L/F )|

Assim, substituindo F por LH , obtemos:

[LH : K] = [G : H] e H = Gal(L/LH ).

(5) Suponhamos que F/K seja uma extensão Galoisiana. Então, pelo Teo-
rema 11.39, a função ϕ : G → Gal(F/K) definida por ϕ(σ) = σ|F está bem
definida. Dados, σ, τ ∈ G, obtemos

ϕ(σ ◦ τ ) = (σ ◦ τ )|F = (σ|F ) ◦ (τ |F ) = ϕ(σ)ϕ(τ ),

isto é, ϕ é um homomorfismo de grupos. Agora,

σ ∈ ker(ϕ) ⇔ σ|F = IF ⇔ σ(a) = a, ∀ a ∈ F.

Portanto, ker(ϕ) = Gal(L/F ) é um subgrupo normal em G.


11.4. TEOREMA FUNDAMENTAL DA TEORIA DE GALOIS 631

Reciprocamente, suponhamos que H seja um subgrupo normal em G e que


F = LH .
Afirmação. F/K é uma extensão Galoisiana.
De fato, note que K ⊆ σ(F ) ⊆ L, para todo σ ∈ G, pois σ(L) = L e σ(K) = K.
Então
δ(σ(F )) = σ(δ(F ))σ−1 .
De fato, τ ∈ δ(σ(F )) se, e somente se,

τ (σ(b)) = σ(b), ∀ b ∈ F, ⇔ (σ −1 ◦ τ ◦ σ)(b) = b, ∀ b ∈ F,

se, e somente se, σ −1 ◦ τ ◦ σ ∈ δ(F ) se, e somente se, τ ∈ σ(δ(F ))σ −1 . Assim,

H = σHσ −1 = σ[(δ ◦ γ)(H)]σ −1 = δ(σ(γ(H))).

Logo, aplicando γ, obtemos

F = γ(H) = σ(γ(H)) = σ(F ).

Portanto, pelo Teorema 11.5, F/K é uma extensão Galoisiana.


Finalmente, dado τ ∈ Gal(F/K) existe, pelo Teorema 10.7, σ ∈ G tal que
ϕ(σ) = σ|F = τ , isto é, ϕ é sobrejetor. Portanto, pelo Primeiro Teorema de
Isomorfismo,
G
' Gal(F/K),
ker(ϕ)
que é o resultado desejado. ¥
√ √
Exemplo 11.45 Seja L = Q( 2, 3) um corpo de decomposição do polinômio
f = x4 − 10x2 + 1 ∈ Q[x]. Determine Int(L/Q).

Solução. Seja G = Gal(L/Q). Então qualquer σ ∈ G é completamente deter-


minado pelos valores
√ √
σ( 2) e σ( 3),

pois qualquer elemento α ∈ L pode ser escrito sob a forma


√ √ √
α = a + b 2 + c 3 + d 6, a, b, c, d ∈ Q.
632 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Como

2 = σ(2) = (σ( 2))2
√ √ √
temos que σ( 2) = ± 2. De modo inteiramente análogo, temos que σ( 3) =

± 3. Assim,
I σ φ σφ
√ √ √ √ √
2→ 2 2 − 2 − 2
√ √ √ √ √
3→ 3 − 3 3 − 3
Isto é, G = {I, σ, φ, σφ}. É fácil verificar que

G ' Z2 × Z2 e Sub(G) = {{I}, H1 , H2 , H3 , G},

com H1 = {1, σ}, H2 = {I, φ} e H3 = {I, σφ}. É claro que

γ({I}) = L{I} = L.

Agora,
α ∈ γ(H1 ) = LH1 ⇔ σ(α) = α,
ou seja,
√ √ √ √ √ √
a + b 2 − c 3 − d 6 = a + b 2 + c 3 + d 6.
Portanto, c = d = 0 e a, b quaisquer. Assim,
√ √
F1 = LH1 = {a + b 2 : a, b ∈ Q} = Q( 2).

De modo inteiramente análogo, obtemos


√ √
F2 = LH2 = Q( 3) e F3 = LH3 = Q( 6).

Finalmente, como Hj ⊆ G implica que γ(G) ⊆ γ(Hj ) temos que

γ(G) ≤ γ(H1 ) ∩ γ(H2 ) ∩ γ(H3 ) = F1 ∩ F2 ∩ F3 = Q,

isto é, LG = γ(G) = Q. Faça um diagrama. ¥

Exemplo 11.46 Sejam K um corpo de característica diferente 2, 3, e L =


Gal(f, K), onde f = b + ax + x3 ∈ K[x]. Note que qualquer polinômio de grau
três pode ser escrito desta forma.
11.4. TEOREMA FUNDAMENTAL DA TEORIA DE GALOIS 633

1. Mostre que f é irredutível sobre K se, e somente se, f não possui raízes
sobre K.

2. Mostre que se f é irredutível e separável sobre K e α ∈ L uma raiz


de f , então K(α) é uma extensão Galoisiana de K se, e somente se,
∆ = −4a3 − 27b2 é o quadrado de um elemento de K.

3. Mostre que se K(α) é uma extensão Galoisiana de K e a equação x2 +3 =


0 não possui raízes sobre K, então existem r, s ∈ K tais que

s 6= 0, a = −3(r2 + 3s2 ) e b = 2r(r2 + 3s2 ).

4. Mostre que se K = Q, então K(α) é uma extensão Galoisiana se, e


somente se, existem r, s ∈ K tais que

s 6= 0, a = −3(r2 + 3s2 ) e b = 2r(r2 + 3s2 ).

Solução. (1) Note que se f não possui raízes sobre K, então f é irredutível
sobre K, pois qualquer fatoração de f deve conter um fator de grau um.
Assim, se f é redutível sobre K, então f decompõe-se em três fatores lineares
ou f decompõe-se em dois fatores um linear e outro quadrático. Portanto,
|Gal(L/K)| = 1 ou 2.
(2) Primeiro note que se G = Gal(L/K), então pelo Teorema 11.24 G é
um subgrupo de S3 . Assim, |G| = 3 ou 6. Portanto, K(α) é uma extensão
Galoisiana de K se, e somente se, |G| = 3. Neste caso, G ' A3 ' Z3 . Agora,
sejam α1 = α, α2 , α3 ∈ L as raízes distintas de f . Pondo

D = (α1 − α2 )(α1 − α3 )(α2 − α3 ) ∈ L,

obtemos D 6= 0, D 6= −D e σ(D) = D, para todo σ ∈ G, ou seja, D ∈ K.


634 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Note que
⎛ ⎛⎡ ⎤⎞⎞2
1 1 1
⎜ ⎜⎢ ⎥⎟⎟
D2 = ⎝det ⎝⎣ α1 α2 α3 ⎦⎠⎠
α21 α22 α23
⎛⎛⎡ ⎤⎞2 ⎞
1 1 1
⎜⎜⎢ ⎥⎟ ⎟
= det ⎜
⎝⎝⎣ α1 α2 α3 ⎦⎠ ⎠

α21 α22 α23
⎛⎡ ⎤⎞
S0 S1 S2
⎜⎢ ⎥⎟
= det ⎝⎣ S1 S2 S3 ⎦⎠ ,
S2 S3 S4

em que Si = αi1 + αi2 + αi3 , i = 0, 1, 2, 3, 4. Sendo α1 , α2 , α3 as raízes p, obtemos


as relações

α1 + α2 + α3 = 0, α1 α2 + α1 α3 + α2 α3 = a, α1 α2 α3 = −b

e o sistema ⎧
⎪ 3
⎨ α1 = −aα1 − b
α32 = −aα2 − b .

⎩ 3
α3 = −aα3 − b
Logo, S0 = 3, S1 = 0, S2 = −a, S3 = −3b e S4 = a2 . Portanto, D2 =
−4a3 − 27b2 , isto é, ∆ = D2 é o quadrado de um elemento de K.
Reciprocamente, se ∆ é o quadrado de um elemento de K, então D =

∆ ∈ K. Assim, σ(D) = D, para todo σ ∈ G. Logo, G ' A3 . Portanto,
[L : K] = |G| = 3 e L = K(α) é uma extensão Galoisiana de K.
(3) Como α ∈ L é uma raiz de f temos que

f = (x − α)(x2 + αx + α2 + a) = (x − α)g ∈ K(α)[x].

Assim, L = K(α) se, e somente se, o polinômio g possuem raízes em K(α)


se, e somente se, o discriminante de g é o quadrado de um elemento de K(α).
Portanto, K(α) é uma extensão Galoisiana de K se, e somente se, existem
u, v, w ∈ K tais que

−4a − 3α2 = (u + vα + wα2 )2 .


11.4. TEOREMA FUNDAMENTAL DA TEORIA DE GALOIS 635

Desenvolvendo, obtemos o sistema



⎪ 2 2
⎨ v + 2uw − aw = −3
2uv − bw2 − 2auw = 0 .

⎩ 2
u − bvw + 4a = 0,
ou, equivalentemente,

1 2

⎨ a = w2 (3 + 2uw + v )
b = − w2v2 (3 + uw + v 2 ) .

⎩ 2 2
(2 + uw + 2v )(6 + uw + 2v ) = 0,
em que w 6= 0. Assim, se existem u, v, w ∈ K tais que

2 + uw + 2v 2 = 0,

então o polinômio

w2 f = (wx + 2v)(wx − v + 1)(wx − v − 1)

seria redutível sobre K, o que é impossível. Logo, existem u, v, w ∈ K tais que

6 + uw + 2v 2 = 0.

Pondo
v 1
r= e s = 6= 0,
w w
obtemos

a = −3(r2 + 3s2 ), b = 2r(r2 + 3s2 ) e ∆ = [18s(r2 + 3s2 )]2 6= 0,

pois r2 + 3s2 6= 0 em K. Portanto, f é separável sobre K e suas raízes estão


em K(α).
(4) Se K = Q, então ∆ = [18s(r2 + 3s2 )]2 > 0. Assim, f possui três raízes
reais distintas, pois se f possui uma raiz real α e duas complexas β = u + vi
e β = u − vi, então

D = (α − β)(α − β)(β − β) = (α − β)(α − β)(β − β) = |α − β|2 (2vi),

Logo,
∆ = −4v2 |α − β|4 < 0,
o que é impossível. Portanto, L = K(α) é uma extensão Galoisiana de K. ¥
636 CAPÍTULO 11. TEORIA DE GALOIS

Exemplo 11.47 Sejam ω = e 9 i ∈ Q e F = Q(α), com α = ω + ω −1 .
Determine Gal(F/Q).

Solução. Note que

f = (x − (ω + ω −1 ))(x − (ω 2 + ω −2 ))(x − (ω 4 + ω −4 ))
= 1 − 3x + x3 ∈ Q[x],

pois ω 9 = 1. É claro que f é irredutível sobre Q e que F é o corpo de


decomposição de f , pois se α1 = α, α2 = ω 2 + ω−2 e α3 = ω 4 + ω −4 , então

α21 = α2 + 2, α22 = α3 + 2 e α23 = α1 + 2.

Portanto, pelo Exemplo 11.46, Gal(F/Q) ' A3 ' Z3 . Explicitamente, já


vimos que cada elemento σ ∈ Gal(F/Q) é completamente determinado por
σ(α1 ), digamos σ i (α1 ) = αi , i = 1, 2, 3. É claro que σ 1 = I. Se σ2 (α1 ) = α2 ,
então
σ 2 (α2 ) = σ 2 (α21 − 2) = α22 − 2 = α3
e de modo inteiramente análogo, obtemos σ 2 (α3 ) = α1 , σ 22 = σ 3 e σ 32 = σ 1 .
Portanto,
Gal(F/Q) = {σ 1 , σ 2 , σ 3 },
que é o resultado desejado. ¥

EXERCÍCIOS

1. Mostre que a substituição x = y − p3 transforma o polinômio f = r +


qx + px2 + x3 ∈ K[x] no polinômio g = b + ay + y 3 ∈ K[y].

2. Seja f um polinômio de grau três irredutível sobre Q. Mostre que



Gal(f, Q) = Q(α, ∆), onde α é uma raiz de f e ∆ é o discriminante de
f.
√ √ √
3. Seja L = Q( 2, 3, 5).. Determine Int(L/Q).
11.4. TEOREMA FUNDAMENTAL DA TEORIA DE GALOIS 637

4. Seja L = Gal(f, Q), onde f = x3 − 3x2 + 3 ∈ Q[x]. Determine Int(L/Q).

5. Seja L = Gal(f, Q), onde f = x4 − 4x2 − 1 ∈ Q[x]. Determine Int(L/Q).

6. Seja L = Gal(f, Q[i]), onde f = x4 − 3 ∈ Q[x]. Determine Int(L/Q).

7. Seja L/K uma extensão Galoisiana com Gal(L/K) um grupo cíclico de


ordem n.

(a) Mostre que para cada divisor d de n existe um único F ∈ Int(L/K)


tal que [L : F ] = d.
(b) Mostre que se F1 , F2 ∈ Int(L/K), então F1 ⊆ F2 se, e somente se,
[L : F2 ] divide [L : F1 ].

8. Seja L/K uma extensão Galoisiana satisfazendo as condições (a) e (b)


do Exercício anterior. Mostre que Gal(L/K) é um grupo cíclico.

9. Seja L/K uma extensão Galoisiana com L 6= K. Existe F ∈ Int(L/K)


tal que [F : K] = p, com p um número primo? (Sugestão: A6 não tem
subgrupo de índice primo.)

10. Seja L/K uma extensão Galoisiana com [L : K] = pn q e q ≤ p números


primos. Mostre que existe F ∈ Int(L/K) tal que F é Galoisiana sobre
K e [F : K] = p.

11. Seja L/K uma extensão Galoisiana com [L : K] = pn m, p um número


primo e mdc(p, m) = 1. Mostre que existe F ∈ Int(L/K) tal que [F :
K] = m.

12. Seja L/K uma extensão Galoisiana, onde Q ⊆ K, [L : K] = pn e p um


número primo fixado. Mostre que existem Fi ∈ Int(L/K) tais que

F0 = K ⊆ F1 ⊆ · · · ⊆ Fn−1 ⊆ Fn = L

e [Fi : Fi−1 ] = p, i = 1, . . . , n.

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